Data: 08 de julho de 1982
O que estava em jogo: uma vaga na final da Copa do Mundo da FIFA de 1982.
Local: Estádio Ramón Sánchez Pizjuán, Sevilha, Espanha.
Juiz: Charles Corver (HOL)
Público: 70.000 pessoas
Os Times:
Alemanha: Schumacher; Karl-Heinz Foerster, Stielike e Bernd Foerster; Kaltz, Breitner, Dremmler, Magath (Hrubesch 27´do 2º T) e Briegel (Rummenigge 7´da prorrogação); Littbarski e Fischer. Técnico: Jupp Derwall.
França: Ettori; Bossis, Trésor, Janvion e Amoros; Genghini (Battiston 5´do 2º T) (Lopez 13´do 2º T); Giresse, Tigana e Platini; Rocheteau e Six. Técnico: Michel Hidalgo.
Placar: Alemanha 3×3 França (Gols: Littbarski-ALE, aos 18´, Platini-FRA, pênalti, aos 27´do 1º T; Trésor-FRA, aos 3´, Giresse-FRA, aos 8´, Rummenigge-ALE, aos 12´do 1º T da prorrogação; Fischer-ALE, aos 3´do 2º T da prorrogação).
Nos pênaltis, Alemanha 5×4 França: Kaltz, Breitner, Littbarski, Rummenigge e Hrubesch fizeram para a Alemanha. Stielike perdeu. Giresse, Amoros, Rocheteau e Platini fizeram para a França. Six e Bossis perderam.
“A injustiça de Sevilha”
Por Guilherme Diniz
Após a derrota do sublime Brasil de Telê, Zico, Sócrates, Júnior, Leandro e Éder para Paolo Rossi, quer dizer, para a Itália, na Copa do Mundo de 1982, o futebol arte entrou em luto. O brilho canarinho que tanto temperou os gramados espanhóis havia desaparecido. Quem poderia trazer de volta os toques envolventes, as jogadas bem trabalhadas, os gols apoteóticos, e a genialidade de jogadores muito acima da média? Uma equipe vestida de azul, branco e vermelho, inspirada pelo classicismo de Paris e que era a própria classe em campo: a França de Platini. Que era também de Trésor. De Amoros. De Genghini. De Giresse. De Tigana. De Rocheteau. E de Battiston, o homem que se tornou o exemplo maior de uma das maiores injustiças de toda a história das Copas. No dia 08 de julho de 1982, 70 mil pessoas em Sevilha e milhões pelo mundo viram aquela brilhante seleção francesa ser derrotada, nos pênaltis, por uma Alemanha que não lembrava em nada as equipes de 1954 e 1974, mas que resgatou das seleções campeãs mundiais o vigor da virada. Do impossível. De transformar do nada o tudo.
Porém, aquela Alemanha tinha um vilão: o goleiro Harald Schumacher, que violentou Battiston com uma voadora assassina que provocou um desmaio instantâneo no francês, uma concussão e a perda de dois dentes. Pior do que fazer isso foi o alemão não receber nem sequer uma advertência do lacônico e péssimo árbitro holandês Charles Corver, que deixou o jogo seguir (!), demorou um tempo absurdo para permitir a entrada da maca (!!), não marcou falta (!!!) e nem expulsou Schumacher (!!!!). Depois disso e dos 3 a 1 que a França fez na prorrogação, até os alemães, tomados pela emoção do jogo, estavam torcendo contra sua própria equipe. Mas, em campo, estava Rummenigge. E ele inspirou o empate e a vitória nos pênaltis que classificou os germânicos para a final e acabou de vez com o último sopro de arte daquela Copa. É hora de relembrar uma das partidas mais marcantes e polêmicas de todos os tempos.
Pré-jogo
Com a Itália já garantida na final (derrotou a Polônia por 2 a 0), Alemanha e França disputariam a outra vaga em situações opostas. Os alemães, antes favoritos, chegaram à semifinal de maneira capenga, sem brilho e com a antipatia da torcida após o jogo de compadres contra a Áustria, ainda na primeira fase, que terminou com vitória alemã por 1 a 0, resultado que classificou as duas seleções e eliminou a Argélia, que vencera a Alemanha por 2 a 1. Na segunda fase, a equipe de Rummenigge empatou sem gols contra a Inglaterra e venceu a Espanha por 2 a 1. O futebol do time comandado pelo técnico Jupp Derwall tinha poucos momentos de brilho e não lembrava nem um pouco o praticado pela França, que surpreendeu a todos ao se recompor da derrota por 3 a 1 para a Inglaterra, na estreia, e voar em campo nas vitórias sobre Kuwait (4 a 1), Áustria (1 a 0) e Irlanda do Norte (4 a 1, com dois golaços de Rocheteau).
Embora os franceses não tivessem enfrentado grandes adversários se comparado com italianos (que bateram Brasil e Argentina) e os próprios brasileiros (que superaram URSS, Escócia e Argentina), o futebol de Platini e companhia era digno de aplausos e adjetivos. A bola passava de pé em pé, os ataques eram velozes e os jogadores sabiam o que fazer com a bola dominada. Por conta disso, a equipe azul era favorita mesmo com o peso que a Alemanha tinha (e tem) em Copas. Na noite de Sevilha daquele 08 de julho, a promessa era de uma grande partida.
Primeiro tempo – temperatura elevada
Mesmo com Rummenigge no banco e jogando num ainda pouco utilizado 3-5-2, a Alemanha começou melhor a partida contra a França. Littbarski era o mais acionado no ataque, Stielike era sinônimo de segurança na defesa, Kaltz esbanjava categoria em seus cruzamentos e Paul Breitner mandava e desmandava no meio de campo. Estava claro que a missão alemã era marcar um gol o mais rápido possível e se fechar na defesa para ir à final. No entanto, a França era um adversário totalmente ofensivo e que dificilmente passaria em branco aquele jogo. Platini, genial camisa 10, articulava jogadas perigosas, tinha liberdade no meio de campo e nenhuma necessidade de marcar os rivais alemães. Pelas pontas, Bossis e Amoros (este improvisado na esquerda) defendiam e atacavam com a mesma categoria e davam trabalho para os defensores germânicos. Mas foi Littbarski o protagonista dos primeiros perigos e do primeiro gol da partida. Após acertar um chute na trave francesa em uma cobrança de falta, o ponta aproveitou o rebote do goleiro Ettori num chute de Fischer e fez 1 a 0 para a Alemanha.
O gol não abalou os franceses, que continuaram jogando de maneira incisiva, com toques rápidos e um leque de jogadas imprevisíveis. O ataque não era centrado. Era múltiplo. Inteligente. Polivalente. Trésor, zagueiro francês, não ficava paradão lá na grande área. Ele saía jogando com a bola dominada, cabeça erguida, e ajudava os companheiros de meio de campo com passes precisos ou lançamentos em profundidade. Genghini, Giresse e Tigana faziam a base do quadrado que tinha Platini como maestro e este dava bolas açucaradas para Rocheteau e Six tentarem o gol. Aos 26´, foi em uma dessas jogadas que Rocheteau foi agarrado dentro da área com a bola dominada e deu à França um pênalti. Platini cobrou no canto e empatou: 1 a 1.
Era o que os franceses precisavam para se inflar ainda mais e tentar a virada ainda no primeiro tempo. Porém, um inimigo começava a tomar forma para impedir tal fato: Schumacher. Num lance após o gol de Platini, o goleiro alemão trombou com o atacante Six e deu um chega pra lá no jogador com fúria e brutalidade, gesto visto por todos no estádio e ignorado pelo árbitro. A ira do goleiro era visível e seu temperamento dava mostras de que causaria mais problemas naquele jogo. Perto do final do primeiro tempo, Platini quase venceu Schumacher num chute de primeira de fora da área, mas a bola foi para a linha de fundo. O 1 a 1 no placar ainda era pouco pelo que os times estavam produzindo, principalmente para a França, que tratava a bola com classe, elegância e imensa categoria.
Segundo tempo – O crime
Logo no começo da segunda etapa, o técnico Michel Hidalgo decidiu trocar o volante Genghini por Battiston, a fim de dar ainda mais mobilidade ao meio de campo e maior presença ofensiva do setor. Battiston entrou aos cinco minutos, mas desfrutaria daquela semifinal por apenas sete. Aos 12´, Platini lançou uma bola sob medida para o volante, que tinha uma chance perfeita para fazer o gol da virada. Foi então que Schumacher, no auge de sua ira e tomado por uma completa selvageria, voou com tudo pra cima de Battiston sem nem sequer mirar a bola. O francês só teve tempo de dar um tímido toque na bola e cair. O choque de Schumacher na cabeça do jogador foi tão grande que Battiston caiu desacordado em campo.
A torcida, atônita, ficou consternada e revoltada com a atitude do alemão. Sem se mover, Battiston parecia estar falecido e gerou pânico em seus companheiros. Como se estivesse em outra órbita, o juiz demorou séculos para perceber a lesão do francês e autorizar a entrada da maca. Enquanto isso, Schumacher estava parado e pronto para cobrar o tiro de meta como se nada tivesse acontecido. O goleiro deveria ter sido expulso, o juiz deveria ter marcado pênalti e possivelmente a França teria virado o jogo e encaminhado sua vitória.
Porém, nada disso aconteceu e todos no estádio vaiaram as atitudes do árbitro holandês e do bruto goleiro alemão. Battiston teve uma concussão, quebrou vértebras, dentes e permaneceu seis meses sem jogar após o ocorrido. O incidente obrigou o técnico Hidalgo a fazer mais uma substituição e acabou esfriando um pouco o jogo francês. No decorrer da segunda etapa, as equipes ainda tentaram o gol, mas a bola teimou em não entrar. O 1 a 1 permaneceu e a partida que deveria estar ganha pela França teria mais 30 minutos de prorrogação. E de muita emoção.
Prorrogação – a arte, a justiça temporária e a judiação
Ninguém viu nem ouviu, mas relatos sobrenaturais dizem que fluídos do futebol arte se impregnaram nos jogadores franceses e alemães a partir do primeiro minuto daquela prorrogação. Com apenas dois minutos, Giresse cobrou uma falta da direita, a bola raspou na barreira e sobrou para o zagueiro Trésor justificar seu sobrenome e marcar um “tesouro” de gol (Trésor, em francês, é tesouro): um sem-pulo magnífico e indefensável. Golaço! O estádio inteiro vibrou e não deixou opções para o técnico alemão Jupp Derwall. Era preciso sacrificar Rummenigge. Mesmo sem estar em condições físicas ideais, o atacante era a única salvação para a Alemanha continuar viva na partida. Aos 7´, o craque da camisa 11 entrou. E, aos 8´, a França se precaveu marcando um golaço. De pé em pé, a bola foi flutuando até a grande área alemã, passou por Rocheteau, Platini, Six e foi parar nos pés de Giresse, que acertou um chutaço de primeira que estufou as redes de Schumacher: 3 a 1.
A justiça estava feita! Com dois gols de vantagem, a partida parecia ganha pelos encantados de Paris. A emoção tomava conta do estádio, dos torcedores franceses e até mesmo de vários alemães, que demonstravam um incrível apoio à equipe azul. Por tudo o que estavam jogando, pela injustiça no lance com Battiston e pelo placar, até os germânicos torciam pela França. Ela merecia. O futebol merecia. Platini, Trésor, Giresse e companhia mereciam. Mas, em campo, estava um jogador capaz de tudo. Até mesmo de levar sua equipe nas costas em busca do improvável. Somando o fato que essa tal equipe era a Alemanha, autora de duas das maiores viradas da história das Copas (em 1954, na final contra a Hungria de Puskás, e em 1974, na final contra a Holanda de Cruyff), a tarefa de Karl-Heinz Rummenigge ficou mais fácil.
Aos 12´, o atacante recebeu do xará Karl-Heinz Foerster e, mesmo cercado por dois zagueiros, diminuiu a vantagem francesa: 2 a 3. Era o começo do drama. Incansáveis, os alemães atacavam mais os franceses, que eram obrigados a frear seu ímpeto ofensivo e diminuir a intensidade do brilho que tinham em seu futebol. No começo do segundo tempo, a equipe azul sentiu a pressão e foi vítima da fênix alemã. Rummenigge, jogando praticamente com uma só perna boa e atordoando a defesa rival com sua presença e perigo, tocou de três dedos para Bernd Foerster, que deixou na esquerda para Littbarski. O ponta cruzou na área, Hrubesch tentou a cabeçada, mas a bola sobrou para Fischer marcar um golaço épico de bicicleta: 3 a 3. Era a resposta artística alemã contra a arte francesa. E mais uma superação do nada ao tudo para a equipe alvinegra colocar em sua coleção. Antes eufórico, o estádio de Sevilha ficava desapontado e quieto. Será que a França iria padecer? Ao apito final do juiz, a resposta teria que ser conhecida na disputa por pênaltis. A primeira em toda a história das Copas.
Na marca da cal, Kaltz, Breitner, Giresse, Amoros e Rocheteau acertaram suas cobranças até o alemão Stielike ter seu chute defendido por Ettori. Nova esperança em Sevilha! Porém, Six bateu o quarto da França e Schumacher defendeu. Littbarski fez o terceiro gol da Alemanha, Platini anotou o quarto da França e Rummenigge empatou a série em 4 a 4. Nas cobranças alternadas, Bossis chutou e Schumacher defendeu. Hrubesch bateu o pênalti alemão e fez: 5 a 4. Era o fim. O jogador que deveria ter sido expulso e banido do esporte por um longo tempo se transformava em herói alemão. E o time que deveria ter ido à final e dar ao futebol arte o título da Copa de 1982 estava eliminado.
As compulsivas lágrimas de Tigana ao final do jogo eram o retrato exato de como os franceses e a grande maioria do estádio espanhol se sentiam, bem como milhões de pessoas no mundo. Mais uma vez, o futebol aprontava das suas. E mais uma vez a Alemanha destroçava uma seleção de puro talento. No entanto, aquela vitória ficou marcada por uma injustiça que influenciou definitivamente um jogo inteiro e que teve reflexo após os 120 minutos. Uma pena para aquela Copa. E para uma das mais talentosas gerações de jogadores de toda a história do futebol. A geração de Platini.
Pós-jogo – o que aconteceu depois?
Alemanha: o cansaço da partida semifinal “matou” os alemães na final contra a Itália. Sem pernas já no segundo tempo e jogando contra uma equipe embalada e muito bem organizada, a Alemanha perdeu por 3 a 1 e viu o sonho do tri ter que esperar mais um pouco. Em 1986, outra vez a Alemanha encontrou a França em uma semifinal de Copa. E outra vez ela venceu, dessa vez por 2 a 0, sem sustos nem entradas criminosas. Na decisão, porém, os alemães perderam para a Argentina de Maradona por 3 a 2. Era o castigo para Schumacher e Rummenigge, que jamais foram campeões do mundo, assim como a geração de ouro da França que eles derrotaram. Ser estraga prazeres custou caro…
França: abalados pela derrota, os franceses nem deram bola para a disputa pelo terceiro lugar da Copa de 1982 e perderam para a Polônia por 3 a 2. Dois anos depois, a equipe de Platini conquistou a Eurocopa com shows diante da Dinamarca, Iugoslávia, Bélgica, Portugal e Espanha. Em 1986, o time azul tentou novamente ser campeão do mundo, mas a Alemanha voltou a cruzar o caminho francês e venceu por 2 a 0. Só em 1998 que o estigma de cair em Copas terminou. Naquele ano, a França venceu seu primeiro mundial, em casa, com uma goleada de 3 a 0 sobre o Brasil. Eles não tinham Platini, Trésor, Tigana, Giresse e Rocheteau. Mas tinham Zidane, Thuram, Desailly, Deschamps, Petit, Henry…
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O que o goleiro alemão fez naquele lance foi algo criminoso – ele tinha que ter saído do estádio diretamente para a prisão – , e pior do que ele foi o árbitro, por não ter marcado o pênalti para a França e não ter dado o cartão vermelho para ele.
Vice foi muito para a Alemanha, eles já não mereciam estar na semifinal depois do “Jogo da Vergonha” com a Áustria, e, depois desse jogo com a França… sem comentários.
Essa péssima arbitragem do juiz favorecendo a Alemanha, o jogo da vergonha contra a Áustria. Essa seleção alemã ter sido vice em 1982 foi muito além do que eles mereciam.