Nascimento: 02 de abril de 1971, em Niterói, RJ, Brasil.
Posição: Atacante
Clubes: Vasco-BRA (1992, 1996-1997, 1999-2000, 2003-2004 e 2008), Palmeiras-BRA (1993-1995 e 2006-2007), Parma-ITA (1994-empréstimo), Flamengo-BRA (1995), Corinthians-BRA (1996-empréstimo), Fiorentina-ITA (1998-1999), Santos-BRA (2000-empréstimo), Napoli-ITA (2001-empréstimo), Cruzeiro-BRA (2001), Tokyo Verdy-JAP (2001-2002), Urawa Red Diamonds-JAP (2003), Fluminense-BRA (2004), Nova Iguaçu-BRA (2005) e Figueirense-BRA (2005).
Principais títulos por clubes: 1 Campeonato Brasileiro (1997) e 1 Campeonato Carioca (1992) pelo Vasco.
2 Campeonatos Brasileiros (1993 e 1994), 2 Campeonatos Paulistas (1993 e 1994) e 1 Torneio Rio-SP (1993) pelo Palmeiras.
1 Copa da Liga Japonesa (2003) pelo Urawa Red Diamonds.
1 Campeonato Carioca – Série A2 (2005) pelo Nova Iguaçu.
Principal título por seleção: 1 Copa América (1997) pelo Brasil.
Principais títulos individuais:
Bola de Ouro da revista Placar: 1997
Bola de Prata da revista Placar: 1997
3º lugar no Rei da América do El País: 1995
Eleito para a Equipe Ideal da América: 1995 e 1997
Melhor Atacante das Américas pelo El País: 1995 e 1997
Eleito para a Seleção de Ouro da Concacaf: 1998
Artilheiro do Campeonato Brasileiro: 1997 (29 gols)
Artilheiro da Copa do Brasil: 2008 (6 gols)
4º maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro com 153 gols em 316 jogos
“Animaaaaaaal!!!”
Por Guilherme Diniz
O célebre jornalista Osmar Santos, ao longo de sua carreira no rádio, tinha o hábito de eleger logo após os jogos que narrava o craque do jogo, que ele acabou apelidando de “animal do jogo”. E, por várias vezes, um atacante intempestivo, oportunista, matador e goleador ganhou tal prêmio. Jogando na época pelo Palmeiras, esse atacante passou a ser saudado pela torcida com o mesmo apelido das rádios: Animal. Soava impactante, mas era um retrato claro da ferocidade por gols que aquele atacante tinha. Virou uma referência, uma marca registrada. E o acompanhou por toda carreira, seja para o bem, seja para o mal. Edmundo Alves de Souza Neto, simplesmente Edmundo, foi um dos mais talentosos e temidos atacantes do futebol brasileiro nos anos 1990 e começo dos anos 2000.
Revelado pelo Vasco, despontou de vez com a camisa do Palmeiras, pelo qual integrou o esquadrão bicampeão brasileiro em 1993 e 1994. Após deixar o Verdão e viver algumas passagens frustradas por outros clubes, retornou ao Vasco e viveu uma temporada avassaladora em 1997, quebrando o recorde de gols em uma só edição do Campeonato Brasileiro e conduzindo o cruzmaltino ao título nacional. A partir dali, a carreira do atacante alternou bons e maus momentos, passagens pela seleção, título da Copa América e um vice-campeonato da Copa do Mundo. Edmundo viveu dramas, causou confusões, teve uma vida extracampo que atrapalhou demais o desempenho dentro dos gramados, mas foi ídolo de torcidas apaixonadas e decisivo em momentos marcantes. Um craque visceral, único e de talento incontestável. É hora de relembrar.
Sumário
Polêmico desde sempre
Nascido em Niterói, Edmundo teve uma infância difícil e simples. Como muitos garotos de sua idade, encontrou no futebol a válvula de escape para se desligar dos problemas e buscar uma vida melhor. Mas, ainda jovem, Edmundo sempre foi sincero, nunca teve papas na língua e jamais levou desaforo para casa. Era genioso e falava o que pensava, seja no cotidiano, seja no futebol. Essa personalidade foi construída ao longo da infância complicada que teve por conta dos problemas de seus pais, que brigavam muito pelo fato de o pai do futuro jogador ser alcoólatra. Por isso, Edmundo alternava sua moradia entre a casa dos pais, da tia Marli e até da professora primária (além de futura sogra) Maria Tereza.
Isso forjou Edmundo a enfrentar tudo e todos, além de ser propenso às polêmicas. A primeira aconteceu quando atuava pelos juvenis do Botafogo: ele foi expulso do clube após ser flagrado andando nu na concentração. Tempo depois, conseguiu uma vaga no Vasco graças ao técnico Antônio Lopes, que lançou o jogador em 1991. No mesmo ano, em uma partida preliminar de juniores contra o Botafogo, no Maracanã, Edmundo partiu com a bola dominada atrás do meio-campo, driblou quatro jogadores, o goleiro, e marcou um gol de placa, que fez com que o tento fosse comparado ao famoso “gol de placa” que Pelé havia marcado no mesmo estádio décadas atrás.
O Vasco venceu por 3 a 0 e Edmundo já era visto como notável promessa, indo direto para os profissionais já em 1992. Estreou no Brasileirão daquele ano, no Pacaembu, em uma goleada de 4 a 1 sobre o Corinthians, jogo no qual fez dupla de ataque com Bebeto e, mesmo não marcando gols, foi eleito o melhor em campo graças à habilidade, dribles e arrancadas fulminantes. A torcida vascaína via no atacante um novo talento para adorar após o fim da SeleVasco dos anos 1980, que deu ao clube um título brasileiro, em 1989.
Edmundo ganhou ainda mais a adoração do torcedor após deixar sua marca em uma vitória do Vasco por 4 a 2 sobre o rival Flamengo, começando em 1992 sua sina de balançar as redes do rubro-negro – ele marcaria 14 gols em cima do Mengo. Mesmo sem o título naquele Brasileirão, Edmundo foi o vice-artilheiro do Vasco com 8 gols e a revelação do torneio.
“Sempre tive um grande amor pelo Vasco. E desde moleque o Flamengo era o grande rival. Aprendi que tinha que ganhar e levei isso para a minha vida. Era um sentimento forte. Mexia comigo ver a cidade parada para assistir. Então, a semana era diferente, de uma dedicação fora do normal. Eu ficava agitado. Tem pessoas que sentem mais a responsabilidade, outras ficam mais preparadas e gostam disso. Tudo porque é um jogo marcante e pode ser único na sua vida”. – Edmundo, em entrevista ao Globo Esporte, 12 de abril de 2014.
Primeiro título, ida ao Palmeiras e mais problemas
A confirmação de Edmundo como um dos mais talentosos atacantes do Brasil em 1992 veio com o título do Campeonato Carioca, o primeiro da carreira do jogador. O Vasco foi campeão invicto e Edmundo encerrou aquela temporada com 24 gols em 32 jogos, além de ter estreado pela seleção brasileira, quando foi convocado pelo técnico Carlos Alberto Parreira para um amistoso contra o México. No final de 1992 e começo de 1993, começaram as sondagens do Palmeiras em busca de Edmundo. O Verdão havia acabado de fechar uma parceria com a Parmalat e já montava um esquadrão de respeito. E o craque do Vasco era um dos alvos. Após algumas conversas, Edmundo foi para o Palestra Itália por quase 2 milhões de dólares – no começo de 1992, seu passe valia cerca de 400 mil.
“Quando eu cheguei ao Palestra, o elenco já estava em pré-temporada, mas fui muito bem recebido por todo o grupo. Eles tinham sido vice-campeões do Campeonato Paulista um ano antes, e a Parmalat trouxe vários jogadores que se destacaram em outras equipes. Eu cheguei, Edílson chegou, repatriaram o Antônio Carlos, veio o Roberto Carlos… foi tudo planejado para que tivéssemos uma equipe muito forte”. – Edmundo, em entrevista ao site oficial do Palmeiras.
Rapidamente, Edmundo cravou seu espaço no time alviverde e virou uma referência no ataque com seus dribles, provocações, arrancadas e, claro, gols. Foram 11 gols na campanha do título do Campeonato Paulista de 1993, que veio em cima do Corinthians após um lendário 4 a 0 do Verdão na segunda partida da final. Edmundo não marcou na decisão, mas sofreu um pênalti convertido pelo companheiro Evair.
Naquele jogo, o craque teve um entrevero com Paulo Sérgio, do Timão. O corintiano acertou Edmundo com uma falta dura em determinado momento do jogo e, tempo depois, o palmeirense revidou com um carrinho violento, que por pouco não acertou em cheio o alvinegro. O lance rendeu apenas cartão amarelo. “Se pegasse merecia ser expulso. Como não pegou, levei o cartão amarelo e foi bem aplicado. Para mim foi bom porque tirou aquela adrenalina toda e comecei a me controlar um pouco mais”, comentou Edmundo tempo depois.
Além do Paulistão, o Palmeiras ainda venceu naquele ano o Torneio Rio-SP, com dois gols de Edmundo no primeiro jogo da final – de novo contra o Corinthians -, e o Campeonato Brasileiro, com mais 11 gols de Edmundo e gol dele na grande final diante do Vitória. Para coroar um ano especial, o atacante venceu a Bola de Prata como um dos melhores atacantes do campeonato. O curioso é que quase a temporada do craque foi prejudicada por seu temperamento. Em abril, durante um jogo entre Palmeiras e Vitória, pela Copa do Brasil, Edmundo foi expulso pelo árbitro Sidrack Marinho e, revoltado, o jogador colocou a mão no rosto do juiz, em um gesto como se empurrasse a cabeça do árbitro. Logo após a partida, o atacante pegou 120 dias de gancho, mas teve a pena abrandada pelo fato de a súmula da partida ter sido entregue atrasada.
Saída do Palmeiras, ida ao Flamengo e o auge dos problemas
Entre 1994 e 1995, a carreira de Edmundo foi um coquetel repleto de ingredientes para a imprensa nacional se esbaldar. Embora tenha jogado muito mais uma vez e ajudado o Verdão a vencer o bicampeonato paulista e o bicampeonato brasileiro, o jogador se envolveu em uma briga generalizada em um clássico contra o São Paulo, pelo Brasileirão, no qual Edmundo acertou um soco no lateral tricolor André Luiz.
Ele ainda se envolveu em várias desavenças com atletas do elenco alviverde e chegou a ser afastado no meio do ano, em ocasião que fez com que a Parmalat utilizasse o atacante por empréstimo em um amistoso do Parma contra a seleção da Colômbia, em Cali. Edmundo marcou um gol, mas o Parma perdeu por 3 a 1. Por conta de seu temperamento, o atacante acabou de fora da convocação final de Carlos Alberto Parreira para a Copa do Mundo dos EUA – o jovem Ronaldo, de apenas 17 anos, acabou ganhando uma vaga que poderia ser de Edmundo.
Mas foi em 1995 que o Animal explodiu de vez. Primeiro, ainda pelo Palmeiras, o atacante se envolveu em uma discussão com um cinegrafista equatoriano após a derrota do Verdão para o El Nacional, em Quito, por 1 a 0, em jogo no qual o atacante perdeu um pênalti. Ao ser indagado pelo cinegrafista sobre como havia perdido o pênalti, o brasileiro o agrediu e chutou a câmera do equatoriano, que gravou tudo, mesmo no chão. A cena correu o mundo e Edmundo ficou detido por três dias em um quarto de hotel até que o Palmeiras conseguisse sua liberação, evitando uma prisão oficial.
“Falamos que não poderia acontecer isso, até porque foi uma partida fora e o Palmeiras estava representando o Brasil. O Edmundo aceitou tranquilamente. Ele concordou que se excedeu, mas quiseram criar um clima sensacionalista dentro daquilo tudo. […] Fomos para uma reunião. O Edmundo pediu desculpas, eu também me desculpei. Mas o Edmundo, daquela maneira dele, meio irônico (…) Aí o diretor falou que não aceitava as desculpas dele e que não iria retirar a queixa. No fim, a Embaixada brasileira ajudou muito e ele pode viajar”, disse Seraphim Del Grande, vice-de futebol do Palmeiras na época, em entrevista ao UOL Esporte, 06 de março de 2015.
Esses problemas e seu desempenho dentro de campo aumentaram ainda mais a fama do apelido de “Animal” de Edmundo, que já era chamado assim pela torcida palmeirense, em alusão ao já citado bordão de Osmar Santos – nos jogos, os palmeirenses gritavam “au, au, au, Edmundo é animal!”. No entanto, devido ao seu temperamento arredio e o costume de levar cartões vermelhos, o apelido ganhou na época um significado pejorativo, de um jogador irresponsável e que não mede a consequência de seus atos.
Ainda em 1995, Edmundo foi capa da revista Placar, com semblante sereno e segurando um urso de pelúcia, sob o título: “O Animal precisa de carinho”. Foi uma das edições mais vendidas da revista na história, atingindo mais de 240 mil exemplares vendidos. “Ela (a diretora de arte, Lenora de Barros) perguntou se podia levar um ursinho para ele pegar. A gente riu. Imagina, o Edmundo pegando um ursinho no colo…”, lembrou Juca Kfouri, diretor de redação da Placar na época, em entrevista ao UOL Esporte, em abril de 2015. Edmundo comentou ao mesmo UOL sobre a capa e a repercussão.
“Eu sou muito tímido. Há décadas atrás era mais ainda. A minha timidez fazia minha reação ser ruim às vezes. Como eu já tinha entrado no espírito da coisa, com as pessoas envolvidas, acabei me soltando e levei numa boa. Aceitei logo. Repercute até hoje. […] O fator negativo (das equipes que defendeu) sempre caía na minha conta. Era realmente o que eu sentia naquela ocasião. Eu precisava mesmo de carinho. Eu tinha meus problemas familiares, tinha uma vida conturbada mesmo. Mas as pessoas não estavam nem aí para isso. Eu precisava de um pouco de carinho”.
Ainda “sem carinho”, Edmundo entrou em uma fase ainda pior no segundo semestre de 1995. Sem clima no Verdão, ele acabou se transferindo para o Flamengo, que tinha o projeto de ganhar tudo no ano de seu centenário. Com Romário e Sávio, o time carioca reuniu o “melhor ataque do mundo”, mas no final ganhou o “pior ataque do mundo”. A equipe não venceu nada, flertou com o rebaixamento no Brasileirão e perdeu dois títulos: o Carioca, para o Fluminense, e a Supercopa da Libertadores, para o Independiente. Naquela competição, inclusive, Edmundo foi notícia na vitória do Flamengo por 3 a 0 sobre o Vélez Sarsfield, com um gol por entre as pernas de Chilavert. Porém, em determinado momento do jogo, o brasileiro deu um tapa no rosto do zagueiro argentino Zandoná, que lhe aplicou um tapa e, em seguida, um soco, abrindo-lhe o supercílio. Sobre sua trajetória no Flamengo, Edmundo nunca escondeu o arrependimento.
“Se eu soubesse do desfecho, não iria, claro. É difícil lidar com isso. Não gostaria de ter feito, mas às vezes esquecemos de falar do que as pessoas fazem. Minha primeira passagem no Vasco foi com o título de 1992. Não me valorizaram, fui para o Palmeiras. Aí, hipervalorizado, pintou a proposta do Flamengo para um projeto que todos lembram. Eu estava magoado e ainda era jovem, não medi as coisas. O Vasco, então, resolve me comprar em 1996 e me dá a valorização. Por que não fez antes, sabe? Os garotos hoje sofrem com o mesmo problema e deixam o clube. Talvez por isso eu tenha ido (para o Flamengo). Não tinha a expectativa de voltar para o Vasco”, comentou Edmundo, em abril de 2014, ao Globo Esporte.
Mas o pior momento da vida do jogador foi mesmo em dezembro do fatídico ano de 1995, quando se envolveu em um grave acidente de carro nos arredores da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. Seu carro, um Jeep Grand Cherokee, bateu contra um Fiat Uno e três pessoas morreram após a colisão. Em 1999, ele chegou a passar uma noite na cadeia após sair sua condenação – quatro anos e meio de prisão por homicídio culposo, em regime semiaberto -, mas saiu no dia seguinte, por meio de habeas corpus. Em entrevista à ESPN, ele comentou.
“Foi o momento mais difícil da minha vida, não só da minha carreira. Era um momento de tentar entender como é que as pessoas iam me receber, e o torcedor do Corinthians, o Corinthians de um modo geral, me recebeu muito bem e eu conseguir prosseguir a minha vida. […] Esquecer, a gente não esquece nunca. Faz décadas que eu sofri o acidente de carro. Eu vivo preso a isso há anos, não consigo esquecer. Foi em dezembro de 1995, eu cheguei em janeiro (de 1996) ao Corinthians, para seguir a minha carreira, e só foi possível porque as pessoas foram generosas comigo”, comentou o jogador, emocionado, em julho de 2020.
Hora de (tentar) mudar
A ida ao Corinthians foi na virada de 1995 para 1996. E, no Timão, Edmundo passou a se controlar mais e se ateve ao futebol. Muito bem recebido pela Fiel torcida, jogou bem e marcou 23 gols em 33 jogos. Ele ainda deixou sua marca em todos os clássicos: dois gols no Palmeiras, dois gols no São Paulo e um gol no Santos. Porém, os títulos não vieram: o Paulistão ficou com o Palmeiras e, na Libertadores, o Corinthians foi eliminado nas quartas de final para o Grêmio. A trajetória de Edmundo no Timão acabou precocemente, pois o Vasco decidiu comprar o passe do jogador ainda em 1996 por cerca de 5 milhões de dólares. A saída do atacante aconteceu sem qualquer comunicado à diretoria do Corinthians e após Edmundo se desentender com o goleiro Nei e o zagueiro Cris.
“Quando o Eurico (Miranda) veio com a proposta para me tirar do Corinthians, eu larguei o contrato lá e não pensei duas vezes. Foi a melhor decisão que eu tomei na vida. Tinha acontecido o acidente, e eu estava carente, precisando de colo e de voltar para casa. O carinho me fez voltar a ser o atacante da época do Palmeiras”, comentou Edmundo.
No retorno ao Gigante da Colina, a torcida o acolheu gritando “au, au, au, o Edmundo é Bacalhau!”, e o craque, claro, retribuiu o carinho com gols e atuações que ajudaram o Vasco a escapar da queda no Brasileirão de 1996. Um dos jogos mais marcantes foi uma goleada de 4 a 1 sobre o Flamengo, com três gols do Animal, digo, do Bacalhau. Ele foi o artilheiro do Vasco com 9 gols. Mas seria em 1997 que o craque – e o Vasco – iriam dar a volta por cima em definitivo.
1997: O ano perfeito
Qualquer vascaíno se recorda muito bem e com carinho do ano de 1997. Aquela temporada não começou bem, mas terminou de maneira espetacular. Com um time fortíssimo, rápido e jovem, no qual se destacavam nomes como Felipe, Juninho Pernambucano, Ramón, Pedrinho e Evair, além de Edmundo, claro, o Vasco tinha chances de brigar por títulos, mas acabou perdendo a decisão do Campeonato Carioca para o Botafogo. No primeiro jogo, o Vasco venceu por 1 a 0 e Edmundo protagonizou uma cena que deu o que falar: em determinado momento do jogo, o atacante parou na frente de Gonçalves e simulou a “Dança do Bumbum”, música de sucesso do grupo “É O Tchan” que explodia nas rádios do país na época.
A tiração de onda deixou o torcedor vascaíno feliz da vida, mas tal ato teve efeito contrário, pois motivou o Botafogo para o duelo decisivo de três dias depois. Com um golaço de Dimba, que entrou como titular na decisão, o Botafogo deu o troco e foi campeão carioca. A celebração, claro, teve dança do bumbum e muita gozação para cima dos vascaínos. Mas aquele revés não abalou o Vasco, que fez um Brasileirão inquestionável e com o brilho de Edmundo, que foi uma máquina de gols naquela edição ao marcar 29 gols em 28 jogos e quebrou o recorde de gols em uma só edição de campeonato na época, superando os 28 gols do atleticano Reinaldo, em 1977.
Entre os grandes jogos do Animal, destaque para o Vasco 6×0 União São João, com seis gols de Edmundo (ele ainda perdeu pênalti), recorde até hoje inigualado na competição; os 3 a 2 no Sport, fora de casa, com dois gols de Edmundo; os 2 a 1 no Palmeiras, em São Januário, com um gol do craque; e o espetacular 4 a 1 do Vasco sobre o Flamengo, na semifinal, com três gols de Edmundo. Neste jogo, o craque recebeu uma raríssima nota 10 da Placar, que somente havia sido aplicada uma vez naquela década, em 1995, para Giovanni, nos 5 a 2 do Santos pra cima do Fluminense, também em uma semifinal de Brasileirão.
Tudo começou aos 16’ do primeiro tempo, quando Edmundo recebeu no meio e tocou de primeira para Evair. O companheiro do Animal esperou a passagem do camisa 10 e devolveu com maestria, no tempo certo, com a precisão do mais puro meia. Edmundo retribuiu com uma arrancada fulminante, imparável. Dois flamenguistas foram para cima dele, um terceiro apareceu, Clemer apareceu. E ninguém conseguiu nada. Só viram a bola parar dentro do gol vazio após o chute do matador: 1 a 0.
No segundo tempo, aos 9’, após cobrança de falta de Juninho para frente, Edmundo contou com a sorte quando a bola bateu em suas costas e foi aos seus pés. Na corrida, o atacante ganhou de Júnior Baiano e Clemer, e, quase sem ângulo, fez o segundo gol do jogo: 2 a 0. Era o 28º gol de Edmundo no campeonato. Ele igualava naquele instante os mesmos 28 gols do então maior artilheiro em uma só edição de um Brasileirão, Reinaldo, do Atlético-MG, em 1977. Só faltava um gol para o atacante superar um feito histórico, jamais alcançado em tanto tempo nem mesmo por lendas como Careca, Zico, Nunes, Serginho Chulapa, Roberto Dinamite, Túlio, Amoroso, Paulo Nunes e Bebeto.
O Flamengo descontou tempo depois, mas, aos 44’, Edmundo recebeu no meio de campo, fintou o zagueiro e tocou na direita para Maricá. Enquanto o lateral avançou em direção à linha de fundo, Edmundo se mandou para a área à espera do cruzamento. Maricá percebeu o Animal em seu território mortal e cruzou. A bola caiu nos pés do craque. Ele telegrafou os zagueiros. Eram dois na cola e um mais afastado. O artilheiro girou para um lado, cortou para o outro e os dois caíram na artimanha. Com mais espaço, Edmundo chutou rasteiro de esquerda, no cantinho, sem chance alguma para Clemer. Golaço!
Que maneira de entrar para a história. Que maneira de chegar aos inacreditáveis 29 gols em um Campeonato Brasileiro. Que maneira de superar Reinaldo. Que maneira de destroçar o maior rival. Que maneira de colocar o Vasco na final. Edmundo fez explodir o Maracanã e o banco de reservas vascaíno. Era o desfecho perfeito de um jogo espetacular, do ano em que Edmundo fez tudo e mais um pouco. E, já nos acréscimos, Maricá, que entrou ligado no 220V naquele jogo, recebeu no meio de campo e saiu em disparada pela direita. Ele passou facilmente pelo marcador, invadiu a área e chutou cruzado, transformando o clássico em goleada: 4 a 1. Leia mais sobre esse jogo eterno clicando aqui!
Na final, Edmundo nem precisou marcar gols: o Vasco empatou os dois jogos contra o Palmeiras em 0 a 0, e, por ter melhor campanha, ficou com o título brasileiro. O craque ganhou naquele ano a Bola de Ouro e a Bola de Prata da Placar e ainda levantou pela seleção brasileira o título da Copa América, em triunfo sobre a Bolívia, na final, por 3 a 1, com um gol de Edmundo. Em 1997, Edmundo marcou 42 gols em 52 partidas.
Um fato sobre a final da Copa América é que Edmundo acertou um soco em um adversário após sofrer uma falta e deu sorte de o árbitro não ver. Mas o técnico Zagallo viu e tirou o atacante imediatamente. Aquela atitude prejudicou o atacante com a amarelinha e ele raramente seria utilizado pelo Velho Lobo depois daquilo.
Única Copa e ida à Itália
Em 1998, Edmundo foi vendido à Fiorentina-ITA por quase 10 milhões de dólares. Sua estadia em Florença, porém, não começou nada bem. Descontente com a reserva, retornou ao Brasil no Carnaval e disse que só voltaria à Itália para ser titular. Ele temia ficar de fora da Copa do Mundo e perder ritmo, por isso, tomou essa atitude. O atacante retornou depois, mas disputou apenas 10 jogos naquele primeiro semestre e marcou quatro gols. Ainda sim, foi convocado para a Copa do Mundo da França, mas acabou na reserva. Bebeto, mesmo veterano, seria a primeira escolha de Zagallo na dupla com Ronaldo, após a lesão de Romário.
Edmundo jogou apenas duas vezes no Mundial: contra Marrocos, na primeira fase, e na final, contra a França, em jogo polêmico no qual foi escalado momentaneamente como titular após a convulsão de Ronaldo. Anos depois, Edmundo comentou sobre aquele jogo.
“Uma coisa que eu aprendi é a respeitar os mais velhos. E respeitei o seu Zagallo, mas ele errou feio. Se venderam (a Copa), eu não sei, porque a minha parte eu não recebi. Tem coisas que a gente não sabe. Eu estava lá. Você acha que, se eu soubesse de alguma coisa, não teria contado?”.
Passada a Copa, Edmundo conseguiu engatar uma grande sequência pela Fiorentina sob o comando do técnico Giovanni Trapattoni e compondo um tridente de ataque poderoso ao lado do craque argentino Gabriel Batistuta e do craque português Rui Costa. A Fiorentina foi líder isolada do Calcio da 8ª até a 15ª rodada, e de novo entre as 17ª e 20ª rodadas. O título parecia uma questão de tempo para a equipe de Florença. Porém, tudo desandou na reta final por causa, adivinhe, de Edmundo.
Decisivo em campo, o craque já planejava voltar ao Brasil para o Carnaval, em 1999. E não tinha interesse em permanecer mais uma temporada na Itália, embora seu agente insistisse para que ele continuasse. No final de 1998, o atacante já colecionava rusgas com Trapattoni e colegas de clube, fazia críticas públicas quando era substituído e brigou com Emiliano Bigica. Mas aí veio a gota d’água: em março, veio ao Brasil, com aval da diretoria, para o Carnaval, o que desagradou o elenco.
Para piorar, logo após sua viagem, Batistuta se lesionou e deixou uma lacuna irreparável no ataque. Com uma sequência de jogos decisiva, que incluía Milan, Udinese e Roma, a Fiorentina tropeçou em todos, perdeu a liderança para a Lazio e não recuperou mais. No fim, o campeão acabou sendo o Milan, que fez a festa no ano de seu centenário. Durante as festas, Edmundo criticou Batistuta e Rui Costa e aumentou ainda mais a inimizade. Após retornar, continuou a jogar bem, mas era tarde e a Fiorentina não levantou nenhum troféu. Ao final da temporada, Edmundo foi negociado e retornou ao seu querido Vasco por 15 milhões de dólares, maior valor já pago por um clube brasileiro a um jogador na época.
Retorno e decepções
Edmundo chegou ao Vasco durante o segundo turno do Campeonato Carioca e ajudou a equipe a vencer a Taça Rio, com uma vitória por 2 a 0 sobre o rival Flamengo. No entanto, o Vasco foi derrotado na decisão do Estadual e perdeu a chance de ser campeão. Ainda em 1999, o craque recebeu a companhia de Romário, desafeto declarado na época. No entanto, após muita conversa, a dupla jogaria junta e de maneira harmoniosa no mês de janeiro de 2000 para a disputa do Mundial de Clubes, organizado pela primeira vez pela FIFA e realizado no Brasil, com jogos em São Paulo e Rio de Janeiro. O clube carioca era um dos favoritos não só pela dupla Edmundo / Romário, mas por manter a base competitiva dos anos anteriores e contar com um elenco entrosado e muito talentoso.
Para tentar amenizar o clima entre as duas feras do elenco, o presidente do Vasco na época, Eurico Miranda, disse a Edmundo naquele final de 1999 que Romário só ficaria no Vasco até o término do Mundial. Com isso, a liderança do time continuaria com o Animal e a situação entre a dupla ficou um pouco mais amistosa dentro de campo. E quem ganhou com isso foi o próprio Vasco. A equipe venceu os três adversários de seu grupo no Mundial, entre eles o badalado Manchester United – campeão de praticamente tudo no ano anterior e ainda campeão mundial em 1999 – por 3 a 1, com um verdadeiro show da dupla Edmundo e Romário em um Maracanã tomado por mais de 70 mil pessoas.
Romário fez dois gols em dois minutos (um aos 24’ e outro aos 26’ do primeiro tempo) e Edmundo anotou uma pintura aos 43’, quando deu um drible de calcanhar no defensor antes de completar para as redes. Leia mais clicando aqui! A equipe cruzmaltina ainda venceu o South Melbourne por 2 a 0 (gols de Felipe, atuando como meia, e Edmundo) e o Necaxa por 2 a 1 (de virada, com gols de Odvan e Romário) e foi para a final com a melhor campanha da competição e única a atingir 100% de aproveitamento.
O adversário na decisão foi o também embalado Corinthians, bicampeão brasileiro em 1998 e 1999 e recheado de grandes jogadores. Com dois times tão bons e equilibrados, o placar não saiu do zero nem no tempo normal nem na prorrogação e a final foi para os pênaltis. Os vascaínos temiam o goleiro Dida, que vivia grande fase e já possuía uma lendária fama de exímio pegador de pênaltis. Como não poderia deixar de ser, ele defendeu uma cobrança – de Gilberto – e viu Edmundo, justo ele, bater o seu para fora. O Corinthians venceu por 4 a 3 e ficou com o título. Vale lembrar que cobrança de pênalti sempre foi o ponto fraco do Animal, que perdeu vários ao longo da carreira.
Depois da derrota no Mundial, Edmundo entrou em guerra com a diretoria do Vasco, que decidiu manter Romário no elenco, contrariando o dito ao Animal anteriormente. O caso criou um racha muito grande no elenco, principalmente nos treinamentos, quando um evitava o outro e nem sequer se olhavam. Pouco tempo depois, Edmundo deixaria o Vasco de vez muito por causa do episódio em que se recusou a entrar em campo contra o Palmeiras, pelo Torneio Rio SP, só porque Romário seria o capitão.
Ele comentou na época que era “como se ele fosse um jornalista importante que, depois de três dias parado por causa de uma doença, voltasse à empresa como office boy”. O Animal deixou o Vasco para ir jogar no Santos por empréstimo, anotou 13 gols em 20 jogos, mas retornou ao cruzmaltino por causa do alto salário. A equipe carioca emprestou o atacante ao Napoli, onde também não conseguiu render. Após um imbróglio envolvendo seu passe, Edmundo conseguiu a saída do Vasco e, livre, foi para o Cruzeiro.
Várias camisas e aposentadoria
A estadia do Animal em Minas durou apenas três meses. Ele foi demitido por justa causa após declarar que não queria marcar um gol diante de seu ex-clube, o Vasco, em duelo pelo Brasileirão de 2001. Ele disse: “Tomara que não faça gol. Se acontecer, vai ser por puro profissionalismo. Mas não haverá comemoração, porque não posso comemorar derrotas minhas, como torcedor vascaíno”. No dia do jogo, o Vasco, jogando em casa, venceu por 3 a 0 e Edmundo ainda perdeu um pênalti. O craque foi ovacionado pela torcida cruzmaltina e acabou demitido no vestiário. Furioso, o presidente da Raposa na época, Zezé Perrella, disse para “ele cuidar da carreira dele, de preferência no Vasco. Pra um jogador que não pode fazer gol no Vasco realmente é complicado trabalhar em outra equipe que não seja o Vasco”.
Após 2001, Edmundo foi jogar no Tokyo Verdy, do Japão, se envolveu em mais uma polêmica ao aparecer no Carnaval do Rio, de muletas (!), em um camarote do Sambódromo quatro dias após operar o pé direito. Após levar várias broncas, correspondeu em campo com 21 gols em 32 jogos no Campeonato Japonês, ajudando o Tokyo a alcançar a 4ª colocação. Seu contrato, porém, não foi além e ele acabou se transferindo para o Urawa Red Diamonds, onde ficou apenas três meses e retornou ao Brasil. Na metade de 2003, voltou ao Vasco, mas sua passagem foi conturbada por conta dos atrasos de salários, elenco ruim e desavenças com o presidente Eurico Miranda.
Em 2004, voltou a jogar com Romário, dessa vez no Fluminense, e demonstrou que havia feito as pazes com o Baixinho. A dupla, porém, não brilhou, e Edmundo deixou o clube tempo depois, muito por causa das lesões. Após breves passagens por Nova Iguaçu e Figueirense, Edmundo retornou ao Palmeiras para a temporada de 2006, onde fez bons jogos e foi o artilheiro do time no Brasileirão com 10 gols, além de ter sido artilheiro do Campeonato Paulista de 2007 com 12 gols. O Animal, embora querido da torcida, não conseguiu ajudar o fraco elenco alviverde da época a levantar títulos.
Já veterano, retornou ao Vasco, em 2007, para encerrar a carreira. Jogou até 2008, foi o artilheiro do clube no Brasileirão de 2008 com 13 gols, alcançou a expressiva marca de 153 gols na história da competição – ele é o 4º maior artilheiro do torneio em todos os tempos – mas teve sua despedida manchada com o rebaixamento do clube para a Série B, após derrota por 2 a 0 para o Vitória em pleno estádio de São Januário. Treinado por Renato Gaúcho, o cruzmaltino entrou em campo naquele dia com Rafael; Wagner Diniz, Jorge Luiz, Odvan e Johnny (Leandro Bonfim); Jonílson, Mateus (Faioli), Mádson e Alex Teixeira; Leandro Amaral e Edmundo. Uma escalação que nenhum torcedor tem saudades…
Aos prantos e arrasado, Edmundo deixou os gramados da pior maneira possível. Mas, em 2012, o Vasco tratou de fazer uma justa homenagem ao craque em um amistoso contra o Barcelona-EQU (rival do Vasco na final da Libertadores de 1998), em evento organizado pelo então presidente Roberto Dinamite. O Vasco goleou por 9 a 1 e Edmundo marcou dois gols, uma festa digna e merecida para mais de 21 mil pessoas em São Januário. Após o apito final, Edmundo, agora feliz, disse:
“Vendo o carinho que essa torcida tem por mim eu diria que eu deveria ter jogado aqui a minha vida inteira, mas às vezes a gente toma alguma atitude, faz algumas coisas sem pensar e elas dão errado. Mas, recebendo esse carinho e esse presente, lamentar do que? Eu tenho que comemorar, ser feliz e agradecer muito”.
Após pendurar as chuteiras, Edmundo virou comentarista, colecionou algumas polêmicas, claro, e sempre marca presença no mundo esportivo. Com uma história digna de filme, Edmundo foi um dos maiores talentos do nosso futebol, teve tudo para dar errado, mas deu certo. Venceu títulos, conquistou torcedores, poderia ter vencido ainda mais e cravou seu nome com talento, rebeldia e muitos gols. Um craque animal. E imortal.
Números de destaque:
Disputou 244 jogos e marcou 137 gols pelo Vasco.
Disputou 223 jogos e marcou 99 gols pelo Palmeiras.
Disputou 39 jogos e marcou 10 gols pelo Brasil.
Marcou 370 gols em pouco mais de 630 jogos na carreira.
O trabalho Imortais do Futebol – textos do blog de Imortais do Futebol foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição – NãoComercial – SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em imortaisdofutebol.com.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença.