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Craque Imortal – Coutinho

Foto: Gazeta Press / Colorização: ColouriseSG.
Foto: Gazeta Press / Colorização: ColouriseSG.

 

Nascimento: 11 de Junho de 1943, em Piracicaba, SP, Brasil. Faleceu em 11 de março de 2019, em Santos, SP, Brasil.

Posições: Centroavante e Atacante.

Clubes: Santos-BRA (1958-1967 e 1970), Vitória-BRA (1968), Portuguesa-BRA (1969), Atlas-MEX (1971), Bangu-BRA (1971-1972) e Saad-BRA (1973).

Principais títulos por clubes: 2 Mundiais de Clubes (1962 e 1963), 2 Copas Libertadores da América (1962 e 1963), 5 Taças Brasil (1961, 1962, 1963, 1964 e 1965), 4 Torneios Rio-SP (1959, 1963, 1964 e 1966) e 6 Campeonatos Paulistas (1960, 1961, 1962, 1964, 1965 e 1967) pelo Santos.

Principais títulos por seleção: 1 Copa do Mundo da FIFA (1962), 1 Copa Roca (1963) 1 Taça Bernardo O’Higgins (1961) e 2 Taças Oswaldo Cruz (1961 e 1962) pelo Brasil.

Principais títulos individuais e Artilharias:

Artilheiro da Copa Libertadores: 1962 (6 gols)

Artilheiro do Torneio Rio-SP: 1961 (9 gols) e 1964 (11 gols)

Artilheiro da Taça Brasil: 1962 (7 gols)

3º Maior Artilheiro da história do Santos: 368 gols em 457 jogos.

6º Maior Artilheiro de Clubes Brasileiros: 368 gols em 457 jogos.

Eleito para o Time dos Sonhos do Santos pela revista Placar: 2006

Eleito para o Time dos Sonhos do Santos do Imortais: 2021

 

 

“O Professor da Grande Área”

Por Guilherme Diniz

Não havia no mundo um centroavante melhor do que ele nos anos 1960. Com aquela técnica impecável? Ninguém. Capaz de aplicar dribles curtos e secos nos mais diferentes adversários e hostis lugares do campo? Ninguém. Com uma frieza assustadora na hora de concluir a gol? Ninguém. Com aquela precisão de chute? Ninguém. Ele era único. Dentro da área, dominava todos os fundamentos. Não jogava. Lecionava. Era o professor. Em um dos mais lendários esquadrões de todos os tempos, foi titular. Se comunicava por telepatia com o maior jogador de todos os tempos. E, de tão bom, surgiu a lenda de que tinha que usar esparadrapo na munheca para não ser confundido com ninguém mais ninguém menos que Pelé. Só não brilhou mais por causa da tendência que tinha a engordar e as contusões causadas pelos zagueiros que tentavam de todas as maneiras e com todas as “ferramentas” pará-lo.

Antônio Wilson Vieira Honório, mais conhecido como Coutinho, foi um dos mais talentosos e prolíficos centroavantes da história do futebol brasileiro e mundial. Foi o parceiro ideal do Rei Pelé, com tabelinhas de tirar o fôlego e arrancar sorrisos de quem ama o esporte. Camisa 9 do Santos campeão de tudo, o “professor da grande área” conhecia tudo e mais um pouco sobre como se portar por ali. Seus gols e jogadas deveriam ser descritos em manuais a todos os jovens que um dia sonham em ser jogador de futebol e atuar no ataque. Era arte pura. Uma ode ao futebol ofensivo, à festa do gol, à alegria. É hora de relembrar.

 

Talento de Piracicaba

Coutinho, bem jovem, já com a camisa do Santos. Foto: Gazeta Press.

 

Coutinho nasceu em 1943, na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. Curiosamente, a cidade tem nas origens de seu nome o significado de “o lugar onde o peixe para”, na língua Tupi, em referência, também, ao Rio Piracicaba. Parecia mesmo que o destino de Coutinho era o Peixe da Vila Belmiro. Mas ele teve que batalhar para conseguir realizar o sonho de ser jogador de futebol. Por mais que jogasse muita bola nas ruas de seu bairro, seu pai, Valdemar Honório, não queria que ele fosse apenas jogador de futebol e queria outro futuro para seu filho. Tanto é que ele sempre dizia “não” quando algum olheiro aparecia em Piracicaba para levá-lo. A resposta sempre era a mesma: “Não. Ele ainda é uma criança”.

Mas Cotinho (sem o “u”), como era conhecido na cidade, dificilmente aceitava uma resposta negativa. Tinha personalidade forte e fazia o que bem entendia. Ele sempre acompanhava o XV de Piracicaba e não perdia uma partida, além de atuar pelos juniores do clube Palmeirinha. De vez em quando, ficava do lado de fora do estádio Roberto Gomes Pedrosa esperando alguma bola que aparecesse por ali para apanhá-la e vendê-la, uma forma de ajudar no sustento de sua família e de seus quatro irmãos, principalmente na entressafra que deixava seu pai sem emprego nos engenhos de açúcar da cidade.

Certa vez, estava no dilema de ficar esperando bolas ou jogar. Até que um jogador do Palmeirinha se machucou e surgiu uma vaga para Coutinho no time que iria disputar uma partida preliminar antes de um jogo do Santos do técnico Lula, equipe que já ostentava uma fama na época pelos títulos e jogadores que começavam a despontar na Vila – entre eles Pepe, Zito, Pagão, Del Vecchio e um tal de Pelé…

Coutinho marcou o gol da vitória do infantil do Palmeirinha sobre o XV na preliminar, e, logo após o jogo, o técnico santista Lula – que tinha um impressionante olhar clínico para jovens promessas -, foi até o vestiário do time conversar com o garoto, em um bate-papo representado pela revista Placar em reportagem de Carlos Maranhão publicada no mês de agosto de 1977:

Lula: “Quer ir para o Santos, menino?”

Coutinho: “Meu pai não deixa.”

Lula: “Não se preocupe, eu falo com ele.”

O técnico do alvinegro praiano conversou com Seu Valdemar por horas e explicou que na Vila o garoto teria futuro, pois o clube era campeão paulista, tinha uma base fantástica e a estrutura e tranquilidade necessárias para o desenvolvimento do jovem. E Coutinho, enfim, foi para Santos. Era hora de começar a escrever sua história. Mas ela quase nem começou…

 

A intervenção do professor e a estreia

Pelo alto, Coutinho também fazia estragos nas defesas rivais.

 

Com apenas 14 anos, Coutinho arrumou as malas e se mandou para a Baixada Santista. Com coragem e certo de seu talento, ele tinha a chance de realizar seu sonho. Mas o início não foi como ele imaginava. Longe da família, ele treinava, estudava e voltava até a pensão da dona Georgina, na Rua Euclides da Cunha. Sozinho e ainda sem chances no time titular, certa noite pegou suas coisas para voltar à Piracicaba. Georgina ficou desesperada e chamou ajuda. Rapidamente chegaram o técnico Lula, China, dos juvenis, e Augusto Saraiva, diretor do peixe. Lula alertou que ele estava “fazendo uma bobagem”, que deveria “ter paciência e esperar”. Chorando, o jovem ouviu os conselhos de Lula e esperou. Valeu a pena.

 

Rápido, oportunista e com uma capacidade de finalização impressionante, o jovem foi promovido ao elenco principal e disputou sua primeira partida pelo Santos em 17 de maio de 1958, contra o Sírio Libanês, em Goiânia. Ele tinha apenas 14 anos e 11 meses e se tornou o mais jovem jogador a disputar uma partida pelo time profissional do Peixe na história – uma curiosidade é que Coutinho, como era muito jovem, exigia do Santos licenças do Juizado de Menores para a disputa de jogos noturnos e também em viagens. Ele deixou sua marca na goleada de 7 a 1 após entrar no lugar de Jair Rosa Pinto. A fim de relembrar suas origens e provar que tinha identidade própria, ele decidiu adotar o apelido de Coutinho, ao contrário da sugestão dada pelo radialista Ernane Franco de “Antoninho”, em homenagem a Antônio Fernandes, ídolo de outrora da equipe.

Coutinho era visto na Vila como principal substituto de Pagão, centroavante extremamente técnico, mas que vivia se machucando por não ser forte fisicamente. Por conta disso, Coutinho acabou virando titular rapidamente e garantiu seu espaço no time. Além das qualidades com a bola nos pés, ele se posicionava muito bem, se movimentava constantemente e confundia os zagueiros. E, mesmo com cerca de 1,70 m de altura, tinha uma enorme impulsão para marcar gols de cabeça. Lapidado cada vez mais por Lula, Coutinho começaria naquele final de anos 1950 a construir uma das mais incríveis parcerias futebolísticas de todos os tempos ao lado de Pelé. Com a dupla no ataque alvinegro, a história do Santos Futebol Clube nunca mais seria a mesma.

 

As primeiras conquistas da dupla inesquecível

Coutinho e Pelé, a dupla dos sonhos.

 

Lula rapidamente percebeu que Coutinho e Pelé deveriam ser a dupla titular do ataque santista. E, claro, baseou todo o esquema de jogo naqueles dois garotos que pareciam irmãos de tão parecidos. Em campo, vestidos de branco, correndo e driblando quem viam pela frente, os atacantes eram um pandemônio. O entrosamento que apresentavam era algo impressionante, parecia até que se comunicavam por telepatia. Mas, na verdade, aquilo era talento em estado puro. As jogadas saíam naturalmente, nada era treinado ou preparado de antemão. Um completava o outro. Coutinho adorava dar gols para Pelé.

Sempre após tabelas perfeitas, toques de primeira e uma tranquilidade absurda para pensar o que fazer dentro da área. O próprio Pelé admitia que Coutinho era melhor do que ele dentro da área e também na hora de finalizar. E, quando os adversários concentravam suas jogadas em Pelé, Coutinho fazia a festa com sua frieza na hora de concluir e precisão cirúrgica, rara, única. O Rei dizia que Coutinho nunca errava uma jogada. E, quando as tabelinhas ficaram conhecidas e “manjadas”, aí que a dupla passou a executá-las com mais letalidade. Como os adversários chegavam para dar “no meio”, bastava um leve toque para um brucutu rival ficar estatelado no chão.

Após fazer sua estreia como titular aos 16 anos e marcar os dois gols da vitória por 2 a 0 sobre a Portuguesa, em 21 de abril de 1959, Coutinho não parou mais. Naquele mesmo ano, marcou dois gols na vitória por 3 a 0 do Santos sobre o Vasco que garantiu o título do Torneio Rio-SP, o primeiro caneco do craque pelo Peixe, e cinco gols no histórico 12 a 1 pra cima da Ponte Preta. E, na excursão do Santos pela Europa, deixou sua marca na goleada de 7 a 1 sobre a Internazionale no Torneio de Valência. Foi em 1959 que o Santos atingiu o recorde de gols em uma só temporada no futebol mundial: 342 gols em 99 jogos (!), sendo 58 deles anotados por Coutinho.

Genioso, Coutinho não levava desaforo pra casa e retrucava até com árbitros!

 

No ano seguinte, o craque marcou três gols na goleada de 5 a 3 sobre o forte Stade de Reims-FRA da época, que tinha Kopa e Fontaine, nas semifinais do Torneio de Paris, e mais dois na final vencida por 4 a 1 sobre o Racing Paris. Também em 1960, foi convocado pela primeira vez para a seleção e atuou como titular com apenas 17 anos no duelo contra o Uruguai, em 09 de julho, vencido pela Celeste por 1 a 0. Só em 1961, em seu terceiro jogo com a amarelinha, que Coutinho marcou seu primeiro gol, na vitória por 2 a 0 sobre o Paraguai, que sofreu mais dois gols do craque dias depois, em outra vitória do Brasil, por 3 a 2, pela Taça Oswaldo Cruz.

Sem rivais em São Paulo, o Santos expandiu sua hegemonia para o Brasil. Em 1961, venceu a Taça Brasil entrando nas semifinais por ser campeão estadual de São Paulo. Com esse privilégio, o time aproveitou e não tomou conhecimento do América-RJ, ao vencer dois jogos por 6 a 2 e 6 a 1 e perder um por 1 a 0. Na final, o time da Vila reencontrou o Bahia, algoz de dois anos antes. Na primeira partida, em Salvador, empate em 1 a 1. Na volta, o Pacaembu viu um show de Pelé e Coutinho, que marcaram os gols da goleada por 5 a 1 que garantiu o primeiro caneco nacional do clube, além da vaga para a Copa Libertadores da América de 1962.

Também em 1961, Coutinho marcou cinco gols na goleada de 8 a 2 sobre o Basel-SUI, em outra excursão do Peixe pela Europa, e deixou o seu em um dos maiores bailes daquele ano no futebol nacional: os 7 a 1 do Santos sobre o Flamengo em pleno Maracanã, pelo Torneio Rio-SP, com gols de Pelé (3), Pepe (2), Coutinho e Dorval. Um show que fez os mais de 90 mil torcedores aplaudirem de pé o esquadrão alvinegro. Para se ter uma ideia, o Santos disputou naquele ano 94 jogos, venceu 67, empatou 14, perdeu apenas 13 e marcou 338 gols, uma média de 3,59 gols por jogo! E Coutinho marcou 78 gols, ficando atrás apenas de Pelé, que anotou 110. Aquela foi a temporada mais prolífica de Coutinho em toda sua carreira.

 

A conquista do mundo e a reserva na Copa

O esquadrão de 1962. Em pé: Lima, Zito, Dalmo, Calvet, Gylmar e Mauro. Agachados: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Foto: Arquivo Abril/VEJA.

 

Coutinho disputou em 1962 sua primeira Copa Libertadores e foi o artilheiro do Santos na histórica conquista com seis gols. Ele marcou um na goleada de 6 a 1 sobre o Deportivo Municipal-PER, três nos 9 a 1 sobre o Cerro Porteño-PAR e mais dois na vitória por 2 a 1 contra o poderoso Peñarol-URU de Spencer e Pedro Rocha, em plena Montevidéu, no primeiro jogo da final da competição. A conquista credenciou o Peixe à disputa do Mundial de Clubes contra outro esquadrão lendário: o Benfica de Eusébio e Coluna. E, de novo, Coutinho foi decisivo. No primeiro jogo, disputado no Maracanã, marcou um dos gols da vitória por 3 a 2 sobre os portugueses. E, no segundo duelo, em Lisboa, deixou sua marca na goleada de 5 a 2 que deu ao Santos seu primeiro título mundial. Em 1962, Coutinho marcou 57 gols pelo Peixe, outra marca considerável, com destaque, também, para os cinco gols na goleada de 5 a 1 sobre o XV de Piracicaba.

Aquele foi o segundo torneio mundial vencido por Coutinho em 1962. Meses antes, o craque integrou o elenco da seleção brasileira que disputou e venceu a Copa do Mundo do Chile. No entanto, o craque acabou de fora do time titular por causa de uma contusão no joelho sofrida um mês antes do Mundial, em um duelo contra País de Gales, no Pacaembu. Em um lance com um zagueiro, Coutinho teve a perna agarrada pelo galês, que a torceu. Ocorreu uma lesão no menisco do joelho direito do craque. Tal contusão foi crucial para as pretensões de Coutinho na Copa. E ela jamais foi corrigida por completo. Justo na melhor fase do craque. Ele acabou sendo substituído por Vavá e perdeu a grande chance da carreira pela seleção. O pior é que ele vinha sendo titular em todos os jogos antes da Copa. Após aquela lesão, a carreira do jogador mudaria para sempre e ele ganharia um novo adversário: a balança.

 

A questão do peso

Coutinho, acima do peso: balança foi rival ferrenha do craque. Foto: Gazeta Press.

 

Coutinho nunca negou que sua maior paixão era comer bem. Além disso, nunca gostou de treinamentos físicos. Para piorar, tinha tendência a engordar. O técnico Lula até costumava dizer: “Coutinho, toma cuidado, você tem ‘promoção’ para engordar” – na verdade era ‘propensão’. Mas Coutinho dava o troco com bom humor. Quando o camisa 9 subia na balança do vestiário e Lula dizia “como você está gordo hein?”, o atacante, sempre com uma resposta na ponta da língua, batia na barriga do treinador e dizia: “o senhor também!”. O peso não atrapalhava muito o rendimento do craque no começo dos anos 1960, dava até mais força para ele aguentar as pancadas dos rivais. O problema era sempre no começo da temporada e nos períodos em que ele ficava muito tempo sem jogar, durante alguma contusão ou passava por algum momento difícil. Aí era o problema, pois ele engordava muito por exagerar na comilança.

“A vida inteira gostei de comer bem. Não posso ver um vidro com aqueles refrescos coloridos pulando lá dentro. Vou logo tomar dois ou três copos. Quando estou parado, chego a repetir a comida na hora do almoço ou jantar. Entendeu?”Coutinho, em entrevista a Carlos Maranhão, revista Placar, 26 de agosto de 1977.

Por causa disso, passou a enfrentar a marcação cerrada da comissão técnica do Santos e fez regimes rigorosos. Um deles, em São Paulo, rendeu até puxão de orelha do médico por causa do excesso de copos d’água que ele bebia após os treinamentos. Mesmo com a moderação exigida, ele dizia que “não se aguentava de sede”. Além disso, adorava refrigerantes e, com os amigos, nunca negava um chopinho. Ele era feliz assim. E ficou ainda mais reticente com dietas mirabolantes quando, após perder 22 quilos logo após a Copa de 1962, desmaiou na Via Anchieta de volta a Santos de tão fraco. Além da tendência a engordar e o joelho que incomodava, dizia que ia “parar logo”. “Não quero jogar muito tempo, não. Já estou ficando cheio dessa vida: é viagem todo dia, concentração a semana inteira, regime para não engordar. Eu também sou gente, gosto de tomar uma cerveja, de ficar livre. Vou parar logo”, disse certa vez. Entre 1964 e 1966, o jogador passou dos 80 kg, sendo que seu peso ideal era 66 kg. Há quem diga que o camisa 9 chegou aos 100 kg já perto do final da década.

Problemas com a balança de lado, Coutinho ainda tinha muito o que fazer após 1962. E fez. Em 1963, marcou um gol na goleada de 5 a 0 sobre o estrelado Botafogo de Garrincha, Nilton Santos, Quarentinha e companhia que decretou o tricampeonato da Taça Brasil. E, na Libertadores, o craque deixou sua marca duas vezes na vitória por 3 a 2 sobre o Boca Juniors-ARG, no primeiro jogo da final, e marcou mais um gol na vitória por 2 a 1 na partida de volta – além de dar o passe para Pelé fazer o outro -, em plena La Bombonera, resultado que decretou o bicampeonato continental santista.

Ainda em 1963, Coutinho faturou o bicampeonato mundial com o Santos. Ele não marcou nas finais, mas atuou nas três partidas contra o Milan de Cesare Maldini e Gianni Rivera. Também em 1963, o craque voltou a ser convocado para a seleção brasileira e disputou alguns amistosos, marcando um gol na vitória por 2 a 1 sobre a Alemanha na casa do adversário. Ele ainda entrou em campo em 1965, em amistoso contra a Hungria, mas acabou perdendo espaço no time por causa do peso – e do joelho – e não foi convocado para a Copa de 1966. Pela seleção, Coutinho disputou 15 jogos e marcou seis gols. Ele dizia que nunca teve sorte com a amarelinha. E, de fato, não teve mesmo. Foram poucos jogos para um jogador com tanto talento.

 

Os últimos louros

Coutinho em ação contra o Corinthians, em 1964: show do craque.

 

Logo no comecinho de 1964, no dia 16 de janeiro, Coutinho e Pelé protagonizaram talvez a mais famosa tabelinha entre ambos. Em um duelo contra o Grêmio, no Olímpico, pela semifinal da Taça Brasil de 1963, Coutinho deu um chapéu em um rival e passou para Pelé, que também deu um chapéu em outro adversário e devolveu de cabeça para Coutinho. A partir dali, a dupla foi trocando passes de cabeça do meio de campo até a área gremista. A mágica do equilíbrio e ousadia não terminou em gol, mas fez com que a torcida no estádio Olímpico aplaudisse de pé aqueles dois gênios. Detalhe: o Santos venceu por 3 a 1. Para se ter uma ideia do que foi aquilo, veja o gol abaixo, também uma tabelinha de cabeça clássica, entre Falcão e Escurinho, do Internacional de 1976:

Foram “apenas” três toques de cabeça, certo? Multiplique isso por três e imagine como foi o de Pelé e Coutinho… Uma pena que não temos imagens… Em 1964, o Santos seguiu excursionando e dando shows. E eles se davam principalmente nos clássicos paulistas, em especial contra o Corinthians, que vivia o drama de jamais vencer o time santista na época. Prova disso foi o incrível 7 a 4 do Santos em 06 de dezembro, com três gols de Coutinho e quatro de Pelé, jogo que teve até escolta policial após a partida. Por causa de uma operação que fez no joelho na época – que se agravou por causa de uma artrose que endureceu suas articulações -, Coutinho jogou bem menos e marcou “só” 29 gols, praticamente metade do que estava acostumado. Isso tudo com apenas 21 anos.

Veja a goleada de 7 a 4:

Foi naquela época, já consagrado, que surgiu a teoria de que Coutinho usava um esparadrapo no pulso para se diferenciar de Pelé. Mas aquilo não passava de mais uma lenda do futebol, desmentida pelo próprio Coutinho várias vezes. O que aconteceu é que ele machucou o pulso uma vez e teve que usar uma faixa de esparadrapo na região. Quando as dores cessaram, ele tirou a bandagem, mas como o jogador permaneceu algum tempo com ela, foi o estopim para a criação do conto. Ainda sobre a comparação com o Rei, o camisa 9 dizia: “Quando eu fazia uma jogada linda, falavam que era o Pelé, quando eu errava um passe ou chute, era o Coutinho”. O fato é que quem ganhava com tudo aquilo era o Santos e o amante do futebol.

Coutinho e Pelé em um clássico San-São de 1964. Foto: Arquivo Estadão.

 

Em 1966, Coutinho voltou a brilhar em uma partida contra o Corinthians, no dia 08 de outubro. Era um duelo especial para o Timão, que estreava naquele dia sua nova contratação: Garrincha. O técnico corintiano Filpo Nuñez armou um esquema para não deixar Pelé jogar. E, de fato, o Rei não fez gols nem brilhou. Só que se esqueceram que havia Coutinho do outro lado. E o camisa 9 marcou todos os gols da vitória por 3 a 0 do Santos.

 

A aposentadoria precoce

A partir de 1966, Coutinho começou a cair de produção no Santos. Brigando cada vez mais com a balança e sem a velocidade de antes por causa do joelho, ele jogava pouco e ainda via a concorrência aumentar com a ascensão de Toninho Guerreiro e Edu no ataque santista. Após não ser convocado para o Mundial de 1966, o craque se entregou de vez. Naquele ano, marcou apenas 15 gols. Em 1967, cinco, todos em amistosos. Em 1968, acabou emprestado ao Vitória. Em 1969, jogou pela Lusa. Voltou em 1970 ao Santos e marcou seis gols, sendo o último no dia 26 de agosto de 1970, no empate em 2 a 2 contra o São Bento. Com apenas 27 anos, parecia um ex-jogador, caricatura da lenda que fora um dia.

Nos três anos seguintes, tentou a sorte no futebol mexicano, no Bangu – onde perdeu 11 quilos, mas não conseguiu vaga entre os titulares – e no Saad, onde encerrou a carreira em 1973 com 30 anos. Era o fim precoce do jogador brasileiro que mais jogou e que mais brilhou em tão pouco tempo na história.

Após pendurar as chuteiras, Coutinho foi técnico das categorias de base do Santos, partiu para o futebol mato-grossense e mineiro, mas não repetiu o sucesso que teve em campo. Seguiu em sua querida Santos, morando com a esposa Vera a dois quarteirões da Vila Belmiro, e sempre se esquivando da imprensa como se esquivava dos zagueiros. Quando resolvia dar entrevista – que eram raras – não tinha papas na língua e falava o que pensava. Mesmo com a fama de bravo, era simpático, sempre sorridente e feliz da vida por tudo o que viveu, aprendeu e deu ao Santos e ao futebol.

Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, em 2008. Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press.

 

Com o passar dos anos, recebeu diversas homenagens, mas sofreu muito com a diabetes, doença que lhe obrigou a amputar os três dedos do meio do pé esquerdo. Fazendo dietas restritas, teve que abdicar de muita coisa que gostava, mas nunca se desligou completamente do futebol, esporte que via na TV, mas apenas jogos bons e Messi, “um craque espetacular, que dá vontade de ver jogar”, dizia.

Se a partida estivesse ruim, trocava de canal. Ele era exigente, afinal, o que ele fez em campo não vemos com frequência no futebol deste século XXI. Em março de 2019, Coutinho sofreu um infarto do miocárdio em decorrência de diabetes e hipertensão arterial e nos deixou para fazer suas tabelinhas lá no céu.

 

Autêntico e imortal

Foto: Pedro Ernesto Guerra / SFC.

 

Com uma carreira recheada de títulos, Coutinho sempre mereceu um reconhecimento maior por seu trabalho dentro de campo. Por ser avesso às entrevistas e à exposição, não teve a fama de seus companheiros de Santos, mas seus números, jogadas e gols foram eternos. Sem ele, Pelé não teria superado os 1000 gols. Sem ele, o Santos não teria vencido tudo o que venceu. Sem ele, o futebol daquele começo de anos 1960 teria sido sem graça. Sem ele, perderíamos a referência de como um centroavante deve se portar na pequena e na grande áreas. Ainda bem que tivemos ele. Foi por pouco tempo, menos do que queríamos. Mas o bastante para agradecermos hoje e sempre pelo que ele fez. Muito obrigado, Coutinho. Um craque imortal.

 

Números de destaque:

Disputou 457 jogos e marcou 368 gols pelo Santos;

Coutinho marcou três ou mais gols em 29 jogos na carreira;

Coutinho foi uma máquina de fazer gols em seus anos de auge. Veja os números (fonte: Acervo Histórico do Santos FC):

1959: 58 gols

1960: 35 gols

1961: 78 gols

1962: 57 gols

1963: 37 gols

1964: 29 gols

1965: 39 gols

Coutinho jamais perdeu para o Corinthians. Ele marcou 13 gols contra o rival;

Contra o Palmeiras, Coutinho também marcou 13 gols, com dois gols em dois jogos seguidos entre 1962 e 1963;

Contra o São Paulo, o craque marcou 14 vezes, sendo três gols nos 4 a 1 de 16/12/1961, pelo Paulistão, e outros três gols nos 4 a 1 de 19/04/1964, pelo Torneio Rio-SP.

 

Leia mais sobre o Santos dos anos 1960 clicando aqui.

 

 

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