Por Guilherme Diniz
A rixa: no nordeste, não há clássico igual. É o maior. A maior rivalidade. O duelo que reúne as mais fanáticas torcidas. Uma história que polariza um estado gigante. E isso porque o Vitória, fundado em 1899, teve que esperar muito tempo até surgir seu rival, nascido só no comecinho dos anos 1930. Do primeiro duelo, em 1932, até os dias atuais, tricolores e rubro-negros já fizeram jogos eletrizantes, repletos de gols e com muita rixa, que aumentou principalmente quando as partidas passaram a acontecer mais regularmente na Fonte Nova e no Barradão.
Quando começou: no dia 10 de abril de 1932, na vitória do Bahia sobre o Vitória por 3 a 0.
Maior artilheiro: Juvenal (Vitória): 25 gols
Quem mais venceu: Bahia – 194 vitórias (até agosto / 2024). O Vitória venceu 154. Foram 151 empates.
Maiores goleadas: Bahia 10×1 Vitória, 08 de dezembro de 1939
Bahia 10×2 Vitória, 20 de novembro de 1938
Vitória 7×1 Bahia, 02 de julho de 1948
Vitória 7×3 Bahia, 12 de maio de 2013
Com mais de 490 jogos disputados, mais de 80 anos de história e muita paixão envolvida, Bahia e Vitória fazem um clássico repleto de curiosidades e personagens. Se por um lado o Bahia é o recordista em títulos e também em triunfos (o Bahia não celebra vitória, mas sim triunfos…), o rubro-negro tem vantagem em finais de Copa do Nordeste contra o rival – é o único clássico estadual da região que já decidiu o torneio. Mesmo sendo um duelo jovem, o Ba-Vi é um dos mais tradicionais clássicos do Brasil e conhecido em todo mundo, além de ter superado o antigo clássico do estado, que por mais de três décadas foi o confronto entre Vitória e São Salvador.
Sumário
Do Ajuste de Contas ao Ba-Vi
Fundado em 13 de maio de 1899 como Club de Cricket Victoria, o Vitória começou a praticar futebol a partir de 1902, quando mudou de nome para Sport Club Victoria. Com a criação do Campeonato Baiano em 1905, o rubro-negro começou a despontar como uma das principais forças do estado, mas ficou com dois vices nas edições de 1906 e 1907, perdendo para o São Salvador, que virou instantaneamente o principal oponente do clube. Na sequência, o Vitória faturou um bicampeonato e o São Salvador virou seu rival, cujo duelo se transformou em Ajuste de Contas, pelo fato de ser o tira-teima entre os melhores da Bahia e também pelo caso de alguns atletas do Vitória terem deixado o clube para praticar remo no São Salvador. Com as mudanças no torneio a partir de 1913, tanto o Vitória quanto o São Salvador não aprovaram tais medidas e deixaram de disputar a competição nas décadas seguintes. Com isso, o São Salvador desativou o departamento de futebol e passou a se concentrar apenas aos esportes aquáticos.
Sem um grande rival, o Vitória viu nascer em 1931 um tal de Esporte Clube Bahia, criado para a prática exclusiva do futebol após o fim da modalidade na Associação Atlética da Bahia e do Clube Baiano de Tênis. Com isso, ex-jogadores de ambas as agremiações se uniram e criaram o tricolor em 1º de janeiro de 1931. Naquele mesmo ano, o Bahia venceu o Torneio Início e também o Campeonato Baiano, provando que seu lema “Nasceu para vencer” era mesmo verdadeiro. Só em 1932 que aconteceu o primeiro duelo entre Bahia e Vitória, realizado no Campo da Graça. Com duração de apenas 20 minutos por ser válido pelo Torneio Início do Estadual, que servia como preliminar da competição e suas partidas duravam apenas 20 minutos, o jogo terminou com vit… Digo, triunfo do Bahia por 3 a 0, com gols de Raúl e dois de Gambarrota.
Na época, o futebol do Vitória passava por momentos complicados, pois o time não contava com atletas de talento e seu departamento de futebol ainda não havia adotado o profissionalismo. Porém, com a ascensão meteórica daquele novato Bahia, o Vitória decidiu retornar à disputa do Campeonato Baiano. Meses depois do primeiro duelo, tricolores e rubro-negros fizeram o primeiro duelo de 90 minutos e de novo deu Bahia: 3 a 0, gols de Guarany, Bayma e Raúl. Só em 1934 que o Vitória derrotou o Bahia pela primeira vez: 4 a 3, em jogo bastante polêmico. Bitonha, do Bahia, discordou da repetição de um pênalti a favor do Vitória e partiu pra cima do árbitro Vivaldo Tavares. A briga foi tão grande que a polícia teve que intervir e prendeu Bitonha. Após estampar as capas dos jornais por causa da prisão, o jogador do Bahia se envergonhou e cometeu suicídio com cianureto.
Das goleadas ao crescimento
Como o Vitória só foi profissionalizar seu departamento de futebol em 1953, antes disso os duelos com o Bahia eram, em sua maioria, vencidos pelo tricolor. E com goleada. Tanto é que as maiores goleadas da história do Ba-Vi aconteceram exatamente no final dos anos 1930: um 10 a 1 do Bahia em 1939 e um 10 a 2 em 1938, além de 9 a 4 também em 1938. Por conta disso, o Bahia nutria na época uma maior rivalidade com o Ypiranga, que fazia com o tricolor o “Clássico das Multidões”. No começo dos anos 1950, o Bahia já tinha 13 títulos baianos contra apenas dois do Vitória, que só foi vencer o tricampeonato em 1953, exatamente o ano de sua profissionalização. Com ela, o clube começou a crescer, viu sua torcida aumentar a cada dia e o clássico com o Bahia virou o maior do estado. Em 1955, o Vitória ainda teve o prazer de conquistar o título estadual em cima do tricolor e em pleno dia do aniversário do Bahia! Com uma vitória por 4 a 3 na Fonte Nova – inaugurada quatro anos antes, em 1951 -, o Vitória celebrou seu 4º título estadual na época e a taça na primeira final entre ambos na história.
Em 1957, o Vitória viveu um episódio curioso. Antes de um Ba-Vi decisivo pelo Estadual, o presidente rubro-negro Luís Martins Catharino Gordilho surgiu na concentração com uma foto na qual os jogadores do Vitória estavam pintados como mulheres. Segundo ele, era “obra do presidente do Bahia” na época, Osório Vilas-Boas. Enfurecidos, os jogadores do Vitória entraram ainda mais entusiasmados em campo e venceram o Bahia por 2 a 0, ficando com o caneco. Bem, só após o troféu que o presidente Gordilho admitiu que ele mesmo havia pintado a foto para “motivar” os jogadores… Deu certo.
Em 1959, porém, o rubro-negro teve o desprazer de ver o Bahia vencer a Taça Brasil e se tornar o primeiro clube do nordeste a conquistar um torneio nacional. De quebra, o tricolor emendou cinco conquistas seguidas do Campeonato Baiano, sendo três delas sobre o Vitória. Essa era de ouro do tricolor acabou sendo decisiva para a dianteira do Bahia em relação ao rival tanto no quesito títulos estaduais quanto triunfos. Mesmo assim, foi entre os anos 1940 e 1950 que Juvenal, do Vitória, anotou 25 gols em Ba-Vis e se transformou no maior artilheiro da história do clássico.
Anos 1970 e 1980 – hegemonia tricolor
Após permanecer 14 jogos sem perder para o Bahia – entre 1963 e 1968, a sua maior série no confronto -, o Vitória viveu anos difíceis nas décadas de 1970 e, principalmente, 1980. Foi nesse período que o Bahia praticamente monopolizou as conquistas do Campeonato Baiano e celebrou 9 troféus na década de 1960 contra apenas um do Vitória e outros 7 títulos nos anos 1980 contra três do rubro-negro. Foi no final dos anos 1980 que o Bahia ainda entrou para a história ao vencer o título do Campeonato Brasileiro de 1988. Durante a caminhada tricolor, o esquadrão de Bobô, Charles e companhia venceu o Vitória duas vezes: 1 a 0 (em casa) e 2 a 1 (fora).
Também em 1988, o Bahia faturou o Campeonato Baiano em cima do rival e aplicou durante sua caminhada um 4 a 0 histórico na Fonte Nova, com belos gols e uma apresentação de gala do time tricolor. Na final, o Bahia venceu por 3 a 0 e o jogo nem acabou, pois uma briga interrompeu a partida antes dos 45 minutos finais. Foi entre 1986 e 1988 que o Bahia atingiu sua maior invencibilidade na história do clássico e que superou a antiga marca dos 14 jogos do Vitória: foram 18 partidas só com vitórias do Bahia ou empates. Só em 1989 que o Vitória voltou a celebrar o título estadual em cima do rival, seguido de um bicampeonato em 1990.
Anos 1990 e 2000 – Alegrias rubro-negras
Na década de 1990, o Vitória conseguiu se reestruturar graças a uma nova diretoria, que reduziu as dívidas e prometeu um clube “de ponta no Brasil”. Antes dependente de doações de torcedores ilustres e sócios, o rubro-negro começou a fechar com patrocinadores e andar com as próprias pernas. Tal administração conduziu o Vitória de maneira exemplar ao topo. Depois do título estadual de 1992 e o retorno à elite do Brasileirão em 1993, o Vitória conseguiu realizar uma campanha memorável no torneio nacional e alcançou a decisão após eliminar pelo caminho Santos, Flamengo e Corinthians. O rubro-negro encarou o Palmeiras na final, mas acabou derrotado tanto na Bahia – 1 a 0 – quanto em São Paulo – 2 a 0. O time do Leão na época tinha grandes nomes como o goleiro Dida, o lateral Rodrigo, o meia Paulo Isidoro e o atacante Alex Alves.
Entre 1995 e 1997, o Vitória manteve a boa fase e faturou um tricampeonato baiano, o primeiro da história do clube. Em 1997, a equipe ainda terminou em 9º lugar no Brasileirão e enfiou 3 a 0 no Bahia na Fonte Nova diante de 87.725 pessoas, um dos maiores públicos da história do Ba-Vi. No Brasileirão, o Ba-Vi terminou empatado em 3 a 3 e registrou quase 80 mil pessoas, no maior público do clássico na Série A na história. O mágico 1997 rubro-negro ainda teve a primeira conquista do clube na Copa do Nordeste. E adivinhe? Foi em cima do rival Bahia, superado após vitória rubro-negra por 3 a 0 no primeiro jogo e triunfo tricolor por 2 a 1 na volta, mas insuficiente para tirar o título do Leão. Os destaques daquele Vitória eram Russo, Flávio, Esquerdinha, Uéslei, Gil Baiano, Chiquinho, Bebeto e Agnaldo.
Em 1999, o Vitória faturou o bicampeonato da Copa do Nordeste e, de novo, venceu o troféu sobre o rival. A equipe venceu a ida por 2 a 0 e perdeu a volta por apenas 1 a 0, ficando com mais um grande troféu em uma decisão diante do tricolor. No ano em que celebrava seu centenário, o Vitória tinha um presentão! E ainda foi 3º colocado do Brasileirão, ficando fora da final ao ser eliminado na semifinal pelo Atlético-MG. O rubro-negro tinha na época Fábio Costa, Leandro, Baiano, Artur, Fernando e Tuta. No final da década, o Vitória ostentava mais força do que o rival no cenário nacional e uma inédita soberania em títulos estaduais: 6 a 5.
Nos anos 2000, o Vitória seguiu dominante no estado e somou mais oito títulos estaduais contra apenas um do rival. Foram dois tetracampeonatos e partidas memoráveis no Ba-Vi. Em 2005, o Vitória aplicou 6 a 2 no Bahia, pelo Baiano. Em 2007, um alucinante Bahia 5×6 Vitória, na Fonte Nova, que teve uma reação tricolor quando a partida estava 5 a 3 para o Vitória. Em três minutos, o tricolor empatou, aos 41’ e aos 43’, e fez sua torcida delirar de alegria pelo heroico empate. Mesmo exausto, o time do Vitória ainda encontrou tempo para fazer o sexto gol e ficar com os três pontos. Uma pena que, naquela época, os rivais estavam em péssimas fases, nas divisões inferiores do Brasileirão – o Ba-Vi chegou a ser disputado na Série C em 2006. Vale lembrar que em 2002 o Bahia conseguiu o título da Copa do Nordeste diante do rival, após triunfo por 3 a 1 e empate em 2 a 2 na volta.
Anos 2010 e 2020 – Equilíbrio, brigas e retorno è elite
A dupla viveu uma década de 2010 com equilíbrio nas conquistas estaduais. O Bahia teve vantagem ao levantar cinco troféus do Baiano (2012, 2014, 2015, 2018 e 2019), enquanto o Vitória foi campeão em quatro oportunidades (2010, 2013, 2016 e 2017). Um dos títulos do Bahia mais lembrados foi em 2012, quando encerrou um jejum de 11 anos sem títulos no eletrizante 3 a 3 com o Vitória na final. O troco do Vitória, aliás, os trocos, vieram já em 2013, quando o rubro-negro goleou o tricolor por 5 a 1, em jogo que marcou a inauguração da Arena Fonte Nova, pelo Campeonato Baiano, e depois um 7 a 3 também na Arena Fonte Nova, válido pelo primeiro jogo da final do Estadual – no segundo duelo, o empate em 1 a 1 garantiu o título ao rubro-negro. Em 2015, pela Série B do Brasileiro, o Vitória venceu os dois jogos contra o rival: 4 a 1, no Barradão, e 3 a 1 na Arena Fonte Nova.
Em 2018, o Ba-Vi ficou marcado pelo excesso de expulsões e confusões que fez com que o clássico terminasse aos 34’ do segundo tempo. Após uma comemoração provocativa de um gol por parte de um jogador do Bahia, no Barradão, os jogadores começaram a brigar e quatro tricolores foram expulsos, com três atletas do Vitória também vermelhados. Tempo depois, outro rubro-negro foi expulso. E, aos 35’, um zagueiro do Vitória recebeu o segundo amarelo e foi expulso. Com seis em campo do lado do Leão, o árbitro seguiu a regra e encerrou a partida. Após julgamento, a partida foi vencida pelo Bahia por W.O.
Nesta década, o Vitória conseguiu acabar com a seca de títulos no Campeonato Baiano – que não vence desde 2017 – e venceu o Bahia na decisão de 2024 por 3 a 2, em casa, empatando a volta em 1 a 1 na Fonte Nova. O troféu inspira o rubro-negro para continuar a boa fase em seu retorno à Série A, após vencer o Campeonato Brasileiro da Série B de 2023, seu primeiro título nacional. O rubro-negro reeditará o Ba-Vi na Série A depois de cinco anos. E quem vai ganhar é o Brasileirão, que terá um dos maiores clássicos do país e do nosso futebol na maior vitrine do Brasil.
Curiosidades:
- Com 4 títulos cada, Bahia e Vitória são os maiores campeões da Copa do Nordeste, o que prova a soberania da dupla na região e realça ainda mais a importância do clássico;
- O Bahia é o maior campeão baiano com 50 títulos, enquanto o Vitória tem 30 taças;
- Em finais do Campeonato Baiano, a vantagem é do Vitória. O rubro-negro venceu 15 finais, enquanto o Bahia triunfou em 14 decisões;
- Em duelos pelo Brasileirão da Série A, o Ba-Vi está empatado: são 9 triunfos do Bahia, 9 vitórias do Vitória e 12 empates;
- Na Série B, a vantagem é do Vitória: duas vitórias e um empate;
- Na Série C, foram dois jogos, com um triunfo do Bahia e uma vitória rubro-negra;
- O gol mais rápido da história do Ba-Vi foi de Kieza, do Bahia, aos 19 segundos do primeiro tempo, no duelo entre a dupla pelo Campeonato Brasileiro da Série B de 2015. Mesmo com o gol relâmpago, o Vitória venceu por 3 a 1.
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