Data: 14 de novembro de 1999
O que estava em jogo: a vitória, claro, na primeira partida das quartas de final do Campeonato Brasileiro de 1999.
Local: Estádio do Barradão, Salvador, BA, Brasil.
Árbitro: Oscar Roberto Godói
Público: 21.101 pessoas
Vitória: Fábio Costa; Rodrigo, Moisés, Eloy e Leandro; Baiano, Tácio, Fernando (Pedro Paulo) e Artur (Preto Casagrande); Tuta e Cláudio. Técnico: Toninho Cerezo.
Vasco: Carlos Germano; Maricá, Odvan, Mauro Galvão e Felipe; Amaral (Paulo Miranda), Nasa (Fabiano), Juninho Pernambucano e Ramon (Alex Oliveira); Donizete e Viola. Técnico: Antonio Lopes.
Placar: Vitória 5×4 Vasco. Gols: (Viola-VAS, 6′ e 11′, Artur-VIT, aos 13′, Fernando-VIT, aos 35′, Tuta-VIT, aos 38′ e Donizete-VAS, aos 46′ do 1ºT; Fernando-VIT, pênalti, aos 10′, Donizete-VAS, aos 15′, e Fernando-VIT, pênalti, aos 21′ do 2ºT).
“Pirotecnia de Gols no Barradão”
Por Guilherme Diniz
As fases de mata-mata do Campeonato Brasileiro sempre tiveram jogos espetaculares, cheios de emoção e grandes momentos. Muitos ainda sentem falta desse sistema de classificação no torneio nacional, mas os pontos corridos dificilmente sairão de cena. Por isso, os jogos do passado sempre rendem boas lembranças. E um deles aconteceu nas quartas de final de 1999, no Estádio do Barradão, em Salvador. De um lado, o Vitória de Toninho Cerezo, embalado após as conquistas da Copa do Nordeste e do Campeonato Baiano em pleno ano de seu centenário e querendo ao menos repetir a campanha do vice de 1993. Do outro, o favorito Vasco, campeão brasileiro de 1997, campeão da Libertadores de 1998 e ainda com a base vencedora daqueles anos com Carlos Germano, Felipe, Mauro Galvão, Juninho Pernambucano, Ramon e Donizete.
Quando a bola rolou, o time carioca até deu mostras de que iria vencer ao abrir 2 a 0, mas o público no Barradão viu um dos jogos mais emocionantes da história do Brasileirão e com um roteiro impróprio para cardíacos. O rubro-negro conseguiu virar o jogo ainda no primeiro tempo, mas o Vasco seguiu vivo ao empatar nos acréscimos. Na segunda etapa, a partida continuou frenética, com bola na trave e mais um gol do Vitória. Minutos depois, o Vasco empatou de novo, mas outra vez o Vitória abriu vantagem. Na reta final, os cariocas tiveram a chance de empatar, mas Fábio Costa defendeu um pênalti de Juninho Pernambucano e decretou a vitória por 5 a 4 do Leão, em um espetáculo de futebol ofensivo. É hora de relembrar.
Pré-jogo

No ano de seu centenário de fundação, o Vitória já colecionava duas taças em 1999 e seguia em ótima fase. Depois da Copa do Nordeste e do Estadual, o clube rubro-negro fez uma boa campanha no Brasileirão e terminou na 6ª colocação, com 34 pontos em 21 jogos. Comandado pela lenda Toninho Cerezo, multicampeão por Atlético-MG, Roma, Sampdoria e São Paulo, o time de Salvador contava com uma equipe muito forte no setor ofensivo e com boas alternativas também no setor defensivo.
No gol, Fábio Costa era intocável e demonstrava muita personalidade, sangue frio nas saídas de bola e ótimo senso de colocação. Na lateral-direita, Rodrigo, ex-Corinthians, tinha qualidade nos passes e na marcação, enquanto na esquerda o veloz Leandro (que seria campeão da Tríplice Coroa de 2003 pelo Cruzeiro) era uma arma letal no setor ofensivo. No meio, Baiano, Fernando e Artur davam combate quando o time sofria ataques dos rivais e ainda apareciam lá na frente para municiar o goleador Tuta e também Cláudio. Fernando ainda se sobressaia pela técnica e também por conta da qualidade nas bolas paradas e nos chutes de média e longa distâncias.
Já do lado do Vasco, a equipe carioca vivia anos de ouro desde 1997, quando levantou o Brasileirão, e 1998, época de sua primeira Copa Libertadores. Em 1999, o cruzmaltino foi campeão do Torneio Rio-SP, mas era pouco para uma equipe tão forte e competitiva. Afinal, a espinha dorsal estava toda lá, com o experiente goleiro Carlos Germano, o imbatível Mauro Galvão na zaga, o habilidoso lateral-esquerdo Felipe, os estandartes da criação no meio, Juninho Pernambucano e Ramon, e um perigoso ataque com Donizete Pantera e Edmundo, que havia retornado naquele ano para virar novamente a referência ofensiva do time. O cruzmaltino era comandado pelo técnico Antônio Lopes, que conhecia cada particularidade de seu elenco. No Brasileirão, o Gigante da Colina fez uma campanha consistente na primeira fase e terminou na 3ª colocação, somando 36 pontos em 21 jogos.

Com a definição dos duelos do mata-mata, o duelo entre Vitória e Vasco dava um certo favoritismo ao time carioca, que havia vencido os baianos no primeiro turno por 3 a 1 em São Januário, só que as campanhas de ambos não eram tão díspares. Os cariocas somaram apenas dois pontos a mais do que os rubro-negros, venceram os mesmos 10 jogos e marcaram dois gols a mais – 33 a 31. Só no quesito gols sofridos que os cariocas tinham uma boa vantagem, com 23 gols sofridos em 21 jogos, enquanto os baianos sofreram 33 gols em 21 jogos. Outro fator que dava mais equilíbrio ao duelo era a ausência de Edmundo dos jogos decisivos por causa de uma punição por indisciplina sofrida pelo atacante. Sem ele, Antônio Lopes teria que armar seu ataque com Viola e Donizete.
Com a vantagem de fazer o segundo e o terceiro jogo em casa (na época eram 3 jogos para definir o classificado, apenas se um time vencesse as duas primeiras partidas que a terceira era cancelada), o Vasco viajou a Salvador querendo ao menos o empate, mas sabia que o Vitória era muito forte diante de sua torcida. O técnico Cerezo armou sua equipe em um 4-3-1-2, com Fernando tendo liberdade para aparecer no setor ofensivo e criar jogadas. Já o Vasco foi com o habitual 4-4-2, com Juninho e Ramon responsáveis pela criação e Juninho tendo também a função de recuar para ajudar na marcação, Amaral e Nasa centralizados, Maricá e Felipe nas laterais e Mauro Galvão e Odvan no miolo de zaga.
Primeiro tempo – Proibido piscar

A partida começou com o Vitória a todo vapor e já recebendo a primeira falta do jogo com um minuto. Na cobrança, Baiano rolou a bola para Fernando, que chutou de fora da área e levou perigo ao goleiro Carlos Germano. A resposta dos cariocas veio aos 5’, em cobrança de falta de Juninho que exigiu boa defesa de Fábio Costa. Na sequência, Juninho cobrou escanteio, Moisés afastou para trás e Viola, sem marcação, só teve o trabalho de empurrar a bola para o fundo das redes: 1 a 0. Festa da enorme torcida vascaína no Barradão! O gol foi um baque tremendo para o Vitória, que teria que se lançar ao ataque de qualquer maneira logo naquele início e ainda tomar cuidado com os letais contra-ataques do Vasco.
E, apenas quatro minutos depois, Felipe recebeu passe de Juninho Pernambucano e cruzou na medida para Viola cabecear, sem chance de defesa para Fábio Costa: 2 a 0. O Vasco não só confirmava seu favoritismo com dava pinta de que iria golear! E, vencendo ali e também no Rio, o time carioca poderia eliminar o terceiro confronto e ir direto para a semifinal. Atordoado, o Vitória precisava marcar pelo menos um gol para seguir vivo na partida. E, aos 12’, Artur aproveitou sobra de bola na entrada da área e acertou uma bomba. Carlos Germano pulou, mas não achou nada. Rubro-negro de volta ao jogo!

Com a torcida cantando novamente, o Vitória foi com tudo para o ataque e levou perigo nos minutos seguintes, principalmente aos 17’, quando o ataque baiano chegou na área cruzmaltina em tabelinha entre Cláudio e Tuta. Cláudio cruzou para o companheiro, que se esticou e finalizou por cima do gol de Carlos Germano. Um minuto depois, Baiano tentou de fora da área e também levou perigo. O Vasco só apareceu novamente aos 19’, em chance de Donizete interceptada por Eloy. Aos 24’, Tuta foi para o mano a mano com Odvan, ganhou do zagueiro, mas não conseguiu superar a lenda Mauro Galvão, que ganhou e recuperou a bola para o Vasco. Aos 25’, em jogada de escanteio, Moisés perdeu uma oportunidade incrível para o Vitória ao cabecear para a linha de fundo.
Até que, aos 28’, o Vitória teve uma falta a seu favor de longa distância. Fernando, especialista no quesito, foi na bola e chutou direto, forte. A bola desviou em Viola pelo caminho, enganou Carlos Germano e entrou: 2 a 2. No Barradão, quem mandava era o Leão! Tudo igual! O Vitória estava ensandecido, não se contentava com o empate. Queria mais. E, dois minutos depois, após uma tentativa de Juninho na intermediária, Cláudio engatilhou um ataque para o rubro-negro, driblou Odvan e tocou para Tuta, na pequena área, que completou para o fundo do gol: virada do Vitória! No banco, Cerezo saltava enlouquecido e em puro êxtase pelo feito de seu time em tão pouco tempo.

Atrás do placar, o Vasco teve que sair de novo para o ataque e Ramon cobrou falta buscando o ângulo, aos 33’, mas a bola saiu pela linha de fundo, em lance que assustou o goleiro Fábio Costa. Dois minutos depois, Juninho Pernambucano invadiu a área e teve a chance de chutar, mas demorou e foi pressionado, facilitando a defesa do goleiro. Já nos acréscimos, Ramon conduziu a bola até perto da grande área, olhou e lançou para Donizete. O Pantera tentou um sem-pulo, mas a bola espirrou e sobrou para Viola, cercado por um marcador e pelo goleiro. Na confusão, o atacante ainda conseguiu levantar a bola e Donizete empurrou a redonda para o gol: 3 a 3.
Os jogadores do Vitória reclamaram de falta no lance, mas o árbitro validou o gol. Não dava para vacilar contra o time carioca, ainda mais com uma linha de frente com tantas qualidades. Ao fim da primeira etapa, o torcedor podia esperar de tudo. Pois aquele jogo entregava futebol em estado puro.
Segundo tempo – Delírio rubro-negro

Muitas partidas frenéticas em um só tempo caem de ritmo no tempo seguinte e vice-versa. Pois aquele jogo manteve o nível alto e as emoções foram ainda maiores. Logo com um minuto, Cláudio cruzou para Fernando, que mergulhou para finalizar e acertou a bola na trave! Aos 4’, Rodrigo cruzou com muito perigo, mas Mauro Galvão apareceu antes de Tuta e impediu a finalização do atacante. Na sequência, Leandro arrancou pela esquerda e tocou para Cláudio, que limpou a marcação de Mauro Galvão e chutou no canto, exigindo grande defesa de Carlos Germano. A resposta vascaína veio no minuto seguinte, em chute de Juninho Pernambucano que passou tinindo pelo gol de Fábio Costa. Aos 7’, Carlos Germano deu rebote em finalização da entrada da área e, na sobra, Mauro Galvão derrubou Tuta. Pênalti! E cartão amarelo para o veterano zagueiro, que vinha impecável até aquele momento. Na cobrança, Fernando deslocou Carlos Germano e fez o quarto gol rubro-negro.
Mais uma vez o Vasco foi para o ataque e tentou com Felipe, aos 12’, que recebeu na intermediária e chutou por cima do gol. No minuto seguinte, Tuta teve boa chance após cobrança de falta de Fernando, mas a bola foi para fora. E, aos 15’, Viola recebeu de costas para o gol e, muito bem marcado, tentou ajeitar para Ramon, também cercado. A zaga do Vitória acabou focando nos dois e não percebeu Donizete, que viu a sobra e mandou um petardo indefensável para o gol: 4 a 4. Que jogo era aquele!!

O Leão deu a saída e já se mandou para o ataque, parecia toma lá, dá cá! Cláudio ganhou da defesa rival e finalizou no canto. Carlos Germano se esticou e fez grande defesa. O relógio andou só mais um pouco e, aos 20’, Baiano cobrou falta, a bola tocou no braço de um jogador do Vasco na barreira e o árbitro marcou pênalti. Na cobrança, Fernando venceu de novo o goleiro cruzmaltino e balançou as redes pela terceira vez. Era o quinto gol do Vitória: 5 a 4.
Aos 25’, o técnico Antônio Lopes resolveu colocar Alex Oliveira no lugar de Ramon, cansado. Tempo depois, foi a vez de Preto Casagrande entrar no lugar de Artur pelo lado rubro-negro. O Vasco tentava ficar mais com a bola, enquanto o Vitória diminuiu o ritmo naquela reta final. Aos 31’, Juninho cobrou falta direto no gol e Fábio Costa fez uma defesa difícil, evitando o empate do Vasco. Após mais mexidas nas duas equipes, o jogo ficou tenso quando Moisés chegou atrasado e derrubou Alex Oliveira na grande área, aos 36’. Pênalti! Juninho Pernambucano pegou a bola. Especialista em bola parada, o gol era quase uma certeza. Bem, quase porque o meia bateu no meio do gol e Fábio Costa defendeu!

Festa no Barradão! E que chance perdida pelo Vasco. O jogo seguiu tenso, mas o placar permaneceu 5 a 4. Ao apito do árbitro, o Brasileirão ganhou mais um jogo para a história, daqueles para ver e rever. “Tínhamos jogadores experientes, como Tuta, o próprio Rodrigo, que era da base, saiu e voltou para dar essa experiência. Allan Dellon, Preto Casagrande. Muita gente boa nesse grupo. A gente teve a felicidade de chegar longe na competição”, comentou Fernando, do Vitória, ao globoesporte.com, anos depois. “As duas equipes têm no DNA o jogo ofensivo, principalmente jogando em casa. O Vasco era um time muito equilibrado, fazia muitos gols e tomava poucos. Isso nos surpreendeu. Fez cinco gols no Vasco, o que era difícil de acontecer. Nós fizemos quatro gols. Isso mostra um pouco do futebol ofensivo. Lógico que todos gostam de futebol bem jogado. É difícil ver um placar como esse. Importante no futebol é o equilíbrio, foi um grande jogo que nos traz um ensinamento bacana de jogo ofensivo”, comentou Ramon ao mesmo GE. De fato, aquele Vitória 5×4 Vasco foi uma ode ao futebol ofensivo e aos tempos de ouro do futebol brasileiro na década de 1990.
Pós-jogo: o que aconteceu depois?
Vitória: vencer em casa deu ao clube baiano a vantagem de jogar por dois empates nas partidas seguintes, ambas em São Januário. No primeiro jogo, eletrizante 2 a 2, com os gols rubro-negros anotados por Cláudio e Tuta. No terceiro jogo, um novo empate (1 a 1) classificou o Vitória para a semifinal, na qual a equipe não resistiu ao Atlético-MG do artilheiro Guilherme e perdeu o primeiro jogo, no Mineirão, por 3 a 0 (com dois gols de Guilherme e um de Belletti). Na segunda partida, no Barradão, vitória baiana por 2 a 1. E, no terceiro duelo, também no Barradão, o Galo venceu por 3 a 0 (dois gols de Guilherme e um de Marques) e se garantiu na final – o time mineiro perdeu o título para o Corinthians. Depois daquele ano, o clube baiano não conseguiu mais realizar grandes campanhas no Brasileirão e colecionou rebaixamentos e momentos ruins. A melhor campanha foi em 2013, quando terminou o Brasileirão de pontos corridos na 5ª colocação.
Vasco: ainda com sua base vencedora, o time carioca conseguiu dar a volta por cima em 2000 ao levantar dois títulos marcantes: o Brasileirão e a Copa Mercosul, esta com uma virada espetacular diante do Palmeiras após perder por 3 a 0 o primeiro tempo e virar para 4 a 3 em pleno estádio Palestra Itália, um placar tão alucinante quanto o do Barradão de um ano atrás. Mas com final feliz para o Gigante da Colina. Leia mais clicando aqui!
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