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Craque Imortal – Riquelme

Riquelme

Nascimento: 24 de Junho de 1978, em Buenos Aires, Argentina.

Posição: Meia

Clubes: Argentinos Juniors-ARG (1992-1995 e 2014), Boca Juniors-ARG (1996-2002, 2007 e 2008-2014), Barcelona-ESP (2002-2003) e Villarreal-ESP (2003-2007).

Principais títulos por clubes: 1 Mundial Interclubes (2000), 3 Copas Libertadores da América (2000, 2001 e 2007), 1 Recopa Sul-Americana (2008), 5 Campeonatos Argentinos (1998-Apertura, 1999-Clausura, 2000-Apertura, 2008-Apertura e 2011-Apertura) e 1 Copa da Argentina (2011-2012) pelo Boca Juniors.

2 Copas Intertotos (2003 e 2004) pelo Villarreal.

Principais títulos por seleção: 1 Medalha de Ouro Olímpico (2008 – Pequim), 1 Copa do Mundo da FIFA Sub-20 (1997) e 1 Torneio de Toulon Sub-21 (1998) pela Argentina.

Principais títulos individuais:

Melhor Jogador do Torneio de Toulon: 1998

Eleito para o Time do Ano da América do Sul: 1999, 2000, 2001, 2008, 2011

Jogador Argentino do Ano: 2000, 2001, 2008, 2011

Melhor Jogador da Copa Libertadores da América: 2001 e 2007

Jogador Sul-Americano do Ano: 2001

Don Balón Award: 2004-2005

Eleito o Jogador Artístico do Ano pelo jornal Marca (ESP): 2005

Bola de Prata da Copa das Confederações: 2005

Jogador com mais Assistências no Campeonato Espanhol: 2004-2005 (17 assistências)

9º Maior Artilheiro da História do Boca Juniors: 92 gols

6º Maior Artilheiro da História do Villarreal: 45 gols

Eleito o Melhor Jogador da História do Villarreal pelo Diário Marca (ESP)

Jogador que mais disputou partidas em La Bombonera com a camisa do Boca: 206 jogos

Maior Artilheiro do Boca Juniors na história da Copa Libertadores: 25 gols

6º Jogador que mais vestiu a camisa do Boca Juniors na história: 388 jogos

 

 

“El Maestro Romântico”

Por Guilherme Diniz

Olhe aquele jogador lá no meio de campo. Isso, o camisa 10. Daqui a pouco ele vai receber a bola. Pronto! Preste atenção. Viu como ele driblou aquele marcador? Oh! Viu a caneta naquele outro?! Veja como a bola o obedece. Veja como ela fica calma. O tempo parece passar arrastado, em câmera lenta. Olhe à sua volta. Perceba como as pessoas estão mais quietas. Estão prestando atenção nele. Ele hipnotiza. O jogo muda de forma com ele. Tudo vai no tempo que ele quiser. Veja, ele acelerou, o time foi junto. Olhe, uma tabelinha. Ele parou. Olhou. Veja o lançamento… O atacante recebeu. Golaço! Que passe! Viu? Ei, estou falando com você! Vixe, ficou hipnotizado também…

A história figurada acima aconteceu com contornos semelhantes em muitos estádios da Argentina e do mundo no final dos anos 90. Daquela era em diante, um jogador com semblante de menino assombrou os gramados do futebol com uma classe simplesmente impressionante. Se não estivesse com um uniforme, jamais levaria alguém a chamá-lo de atleta. Bastava lhe dar a bola para tudo mudar. Poucos ostentaram de maneira tão plena e tão romântica a camisa 10. Poucos escaparam de zagueiros e marcadores de maneira tão fácil, tão esguia. Poucos pensaram o jogo como ele. Pra que correr, correr e correr sem propósito? Ele sabia onde estar e quando estar. E levava a bola para onde ela queria estar: no pé de um companheiro ou dentro do gol. Ele foi o senhor do tempo. Cadenciava uma partida num breque. Acelerava a bola na cancha num toque. E transformava futebol em espetáculo num lançamento, drible, gol. A palavra “passe”, para ele, era um mantra, algo a ser executado de maneira plena. E ele o fazia como nenhum outro.

Com a camisa do Boca Juniors, ajudou a despertar o clube argentino de um sono profundo para aterrorizar adversários na América, na Europa e até no Japão. Jovem, ganhou duas Libertadores e um Mundial Interclubes deixando os rivais (principalmente os brasileiros) atônitos de tanta bola que ele jogava. E, já consagrado, teve um dos desempenhos mais sensacionais de um jogador na história da Libertadores, quando ganhou a competição de 2007 dando aulas de futebol. Para ele, jogar em La Bombonera foi como brincar no quintal de casa. Na Europa, pilotou um submarino amarelo e fez o Villarreal brigar com os grandes da Espanha e do continente. Só faltaram mais glórias com a camisa albiceleste de sua Argentina, mas ainda sim ele ganhou um Ouro Olímpico capitaneando um jovem time em Pequim. Espere um pouco. Escrevi tanto até agora que nem sequer mencionei o nome desse jogador! Mas precisa? Tudo bem, vamos seguir o protocolo: Juan Román Riquelme. Que nome… É hora de relembrar a carreira de um dos maiores gênios do futebol.

Destino: la cancha

San Fernando, Gran Buenos Aires, 24 de Junho de 1978. Naquele dia, nascia Juan Román Riquelme, o primeiro dos onze filhos que iriam compor a família. Parecia coisa do destino nascer justo onze vidas do ventre de Dona Riquelme. Onze. Cinco mulheres e seis homens. Um “time inteiro” de futebol. No dia seguinte, acredite, o país parou. Não, não foi para fazer o cortejo do bebê Riquelme, ninguém tinha o dom da premonição. O motivo era a final da Copa do Mundo, vencida pela Argentina sobre a Holanda por 3 a 1, em Buenos Aires. Foi o primeiro título mundial da história da Albiceleste. A família Riquelme vivia um momento de luz enorme com a chegada de Román e a felicidade proporcionada pela seleção. Com toda aquela atmosfera futebolística, o caminho natural do garoto foi o futebol.

Román jogava em diversos torneios locais de seu bairro e se destacava pela rara habilidade com a bola nos pés. Ele sempre era o mais requisitado pelos colegas nos times e capaz de marcar gols incríveis, além de deixar os companheiros na cara do gol. Foi então que, em uma tarde, em sua casa em Don Torcuato, uma pessoa bateu à porta da família Riquelme. Era Jorge Rodríguez, descobridor do talento de Román e que dirigia o clube do bairro chamado La Carpita de Villa Libertad. Rodríguez, impressionado com o talento do garoto de apenas sete anos, conversou com os pais de Román a fim de levá-lo à equipe.

Eles concordaram e o pequeno começou a jogar por lá até tentar a sorte no Platense. Porém, ele foi recusado pelo clube da Gran Buenos Aires. Motivo? Román era “muito magro” para o “fútbol”. Azar o deles… Após completar o ensino primário, o jovem decidiu ser jogador profissional de futebol. E, aos dez anos, começou nos juvenis do Argentinos Juniors, que não hesitou em contratar o jogador. Famoso por revelar grandes nomes do futebol argentino – entre eles o deus Maradona – os dirigentes do “Bicho” sabiam que mais uma estrela iria nascer nas canteras coloradas. E, de fato, nasceria.

 

De La Paternal a La Boca

Pelo Argentinos, Riquelme só jogou nos times juvenis.

 

Com apenas dez anos, Riquelme começou nas divisões inferiores do Argentinos Juniors até chegar à adolescência. Atuando como meio-campista, crescia de produção a cada ano com muita categoria, talento e habilidade para bater na bola, dar passes e cobrar faltas e pênaltis. Mesmo com seu brilho, não conseguia chegar ao time titular. E esse certo desprezo foi notado por Carlos Bilardo, ex-jogador e então técnico do Boca Juniors, em meados de 1996. Como vivia em La Paternal, obviamente que ele dava uma espiada nos jogos juvenis da equipe do Argentinos. E, ao ver Riquelme, não hesitou em pedir o jogador ao presidente do Boca na época, Mauricio Macri. O mandatário xeneize atendeu aos pedidos do “Doutor” e contratou Román e outros três jogadores por 3,3 milhões de dólares. Outros dois jogadores também estavam na mira, mas acabaram indo para outros clubes: Cambiasso, que foi para o Real Madrid, e Placente, que foi jogar no River. Não demorou muito para Bilardo subir Riquelme para os titulares já em 1996, quando o meia tinha 18 anos.

 

“Um dia, pensei que teria que ir ao treinamento na reserva. Veio o Pumpido (auxiliar à época) e me mandou falar com o Bilardo, que me fez treinar entre os titulares e depois ir à concentração. Bilardo salvou minha vida!”.Riquelme, em entrevista extraída do jornal La Nación (ARG), 26 de janeiro de 2015.

 

O craque faria sua estreia no Boca em um jogo contra a Unión Santa Fe, em La Bombonera, no dia 10 de novembro de 1996. Antes do jogo, Bilardo perguntou ao jovem: onde gostaria de jogar? E ele respondeu: “não sendo no gol e na defesa, em qualquer lugar!”. Com isso, o treinador escalou Riquelme no meio de campo, com a camisa 8. Resultado? Passe para gol, dribles e lances de gente grande na vitória por 2 a 0 do Boca. Duas semanas depois, Riquelme marcou seu primeiro gol pelo Boca, na goleada de 6 a 0 sobre o Huracán. No ano seguinte, o jovem já era figurinha carimbada nas seleções juvenis da Argentina e venceu o sul-americano e a Copa do Mundo Sub-20 da FIFA.

Naquela equipe comandada por José Pékerman, Riquelme era uma das estrelas de um grande time com Samuel, Cambiasso e Aimar. O craque marcou dois gols no Sul-Americano e quatro no Mundial, teve atuações de gala e foi eleito um dos melhores atletas de ambos os torneios. Em 1999, faturou o Torneio de Toulon, na França, e foi eleito o melhor jogador da tradicional competição amistosa realizada em Toulon (FRA), capital do departamento de Var, desde 1974 com seleções convidadas e apenas com atletas abaixo de 21 anos. Vale lembrar que o torneio começou mesmo em 1967, com clubes, só voltando em 1974, com seleções.

Riquelme (à dir.) com o título mundial sub-20 pela Argentina.

 

Mesmo com tanto futebol demonstrado pela albiceleste, demorou um pouco para o jogador ser devidamente aproveitado pelo novo técnico do Boca, Héctor Veira, que escalava Román, em 1997, quase como um volante, pela esquerda, posição que desagradava o jogador. Mas ele tinha um motivo: o titular era Maradona. Como o treinador ainda escalava Palermo, Latorre e Guillermo Schelotto, ele não queria tirar nenhum dos três por serem “fenômenos” na época. Por isso, acabava sacrificando Riquelme um pouco mais atrás ou mesmo entre os reservas. Para o deleite do torcedor xeneize, Riquelme jogou algumas partidas ao lado de Maradona, algo simplesmente incrível – melhor do que isso seria a dupla juntamente com Messi em um jogo de futebol!

Riquelme com a bola…

 

…E uma cena de deleite: Maradona e Román, juntos.

 

Ainda naquele ano, no dia 16 de novembro, o craque fez seu debute pela Argentina justamente em La Bombonera, no empate em 1 a 1 com a Colômbia pelas Eliminatórias da Copa de 1998. No entanto, ele ficaria de fora dos convocados pelo técnico e ex-jogador Daniel Passarella. Em tempos de um forte River Plate (leia mais clicando aqui), que vencia vários títulos e até uma Copa Libertadores, em 1996, a torcida do Boca clamava por uma equipe competitiva. Com a aposentadoria de Maradona, Riquelme começou a jogar mais no time titular, mas nada de títulos. Foi então que chegou o ano de 1998. E, com ele, um treinador que mudaria para sempre a história do Boca e do próprio Riquelme: Carlos Bianchi.

 

A era de ouro

Riquelme e Palermo, expoentes da era mais vertiginosa da história do Boca.

 

Após a chegada de Bianchi ao Boca, as manchetes que antes mostravam um time bagunçado e com intrigas começou a noticiar a montagem de um dos mais emblemáticos esquadrões da América e do mundo em todos os tempos. Com calma e muita, mas muita inteligência, Bianchi – já na história após suas façanhas com o Vélez Sarsfield campeão da América e do mundo em 1994 (leia mais clicando aqui) -, montou um time que teria no toque de bola sua principal arma. E não havia no país ninguém melhor no quesito do que Riquelme. Bianchi tratou de colocar o meia onde ele mais gostava de jogar, nada de “volante pela esquerda” ou de ajudar a defesa.

A função do camisa 10 era municiar o ataque, criar chances de gol, parar o jogo quando preciso, acelerar no momento certo. Enfim, demonstrar tudo o que ele sabia fazer e que não havia sido explorado devidamente nos dois anos de Riquelme como profissional. E, logo de cara, o Boca conquistou o Apertura de 1998 de maneira invicta, com 13 vitórias e seis empates em 19 jogos, com 45 gols marcados (melhor ataque) e apenas 18 sofridos (melhor defesa).

A seca de seis anos sem taças terminou com Riquelme na criação e Schelotto ao lado de Palermo no ataque. O tridente letal fez o Boca colecionar vitórias e fez de Palermo o artilheiro com incríveis 20 gols em 19 jogos, recorde na era dos torneios curtos. Em 1999, Riquelme faturou o bicampeonato nacional – no qual o Boca quebrou o recorde de invencibilidade no profissionalismo argentino de 40 jogos, que antes pertencia ao Racing dos anos 60, que ostentou 39 jogos sem derrota – e disputou seu primeiro clássico contra o River em La Bombonera, na vitória por 2 a 1 sobre o maior rival.

Riquelme marcou sete gols na campanha do título e coroou um ano maravilhoso que ainda teve uma atuação de gala na vitória sobre o Barcelona-ESP por 3 a 2, em torneio amistoso disputado em agosto (veja os lances no vídeo ao final deste texto) e cinco jogos pela seleção principal da Argentina, incluindo uma participação na Copa América, competição que Riquelme atuou em todos os jogos da equipe portenha, mas viu seu time ser eliminado pelo forte Brasil nas quartas de final por 2 a 1. Após um ano intenso, era hora do craque disputar pela primeira vez uma competição na qual ele iria ficar marcado para sempre: a Copa Libertadores.

 

Começa o ROMANce

Riquelme corre para comemorar o gol contra o River, na Liberta de 2000.

 

Se a palavra ‘romance’ tem Román em sua composição, certamente é a melhor para sintetizar a sincronia de Riquelme com o principal torneio das Américas. Pelo Boca, o craque jogou muito em 2000 e foi um dos líderes do time rumo a conquista de um título que não vinha desde os anos 70. Após superar a primeira fase, o time xeneize despachou o El Nacional-EQU com uma vitória por 5 a 3 em La Bombonera, com um golaço do camisa 10, que recebeu um cruzamento, ajeitou a bola mansamente e só escolheu o canto do goleiro. Nas quartas de final, o rival foi o River Plate. Seriam dois clássicos de tirar o fôlego. Na ida, no Monumental, o time da casa abriu o placar, mas os millonarios foram inventar de fazer uma falta perto da área… Riquelme bateu com tanta perfeição que o goleiro Bonano nem sequer foi na bola: 1 a 1. Foi o primeiro gol do craque no Superclássico. O River fez mais um gol e foi com a vantagem do empate para a volta, em La Bombonera.

No entanto, sob um clima fantástico, o Boca devorou o rival. E Riquelme provou ser um camisa 10 fora de série. Com passes perfeitos, movimentação e magia pura, o jogador foi o grande destaque da partida. Foi de Riquelme o passe impressionante para Delgado fazer 1 a 0 Boca. Tempo depois, o zagueiro Trotta fez um pênalti escandaloso em Battaglia. Riquelme bateu e saiu para comemorar levantando os braços, pedindo para sua torcida pulsar ainda mais La Bombonera. O 2 a 0 colocava o time na semifinal. Mas ainda teve tempo para Palermo, que entrou na segunda etapa pela primeira vez após seis meses contundido, marcar o seu: 3 a 0.

Mas a cereja do bolo daquele jogo foi o famoso “caño” em Yepes, do River. Em determinado momento do jogo, Riquelme, de costas, rolou a bola por entre as pernas do rival de maneira sublime, perfeita. Não contente, continuou com sua companheira, escapou de um, dois, três, segurou, prendeu, avançou e só foi interceptado com um carrinho.

 

Román tenta passar por Galeano…

 

… E por Júnior, ambos do Palmeiras. Final de 2000 foi super disputada e duelo teve que ser decidido nos pênaltis.

 

Foi um jogo inesquecível para qualquer xeneize. E uma apresentação de gala do camisa 10. Embalado, o Boca enfiou 4 a 1 no América-MEX, no primeiro jogo da semifinal. Na volta, os mexicanos abriram 3 a 0, mas Samuel fez o gol salvador que colocou o Boca na decisão. O adversário seria o Palmeiras-BRA, campeão da Libertadores em 1999 e um dos times mais competitivos da época (leia mais clicando aqui). Na ida, La Bombonera viu um eletrizante empate em 2 a 2. Riquelme foi o maestro do meio de campo, conduziu o jogo, soube segurar a bola quando preciso e participou ativamente de todos os grandes lances de ataque do time.

Na volta, no Morumbi, o zero não saiu do placar e a decisão foi para os pênaltis. Nela, Riquelme converteu o seu, viu os companheiros acertarem todas e o Boca vencer por 4 a 2, resultado que deu o tricampeonato da América ao time argentino e sepultou o jejum de 22 anos sem títulos na Liberta. Foi o primeiro título internacional de Riquelme com a camisa do Boca e, sem dúvida, sua primeira grande taça na carreira, que já o colocava entre os melhores jogadores do continente. Mas ainda haveria mais um desafio: encarar o Real Madrid-ESP na grande final do Mundial de Clubes, no Japão, em novembro.

 

Rey del mundo

Em Tóquio, o mundo inteiro pôde testemunhar o talento de Riquelme. Quem ainda não o conhecia, conheceu. Quem ainda duvidava de seu talento, engoliu a seco a verdade. E quem já sabia do que ele era capaz, se encheu de emoção com o que o camisa 10 fez durante os 90 minutos contra o poderoso Real de Casillas, Hierro, Roberto Carlos, Makélélé, Figo e Raúl, comandados pelo futuro supercampeão com a seleção espanhola Vicente Del Bosque. Román não se importou com a banca do rival. Ele estava lá para ser campeão do mundo com seu clube. E foi.

Riquelme foi o dono da bola. Organizou tudo o que o Boca fez no jogo. Foi um terror para Makélélé e companhia. Viu Palermo abrir o placar logo aos três minutos de jogo. E, após uma roubada de bola no campo de defesa, fez um lançamento de mais de 50 metros perfeito para o matador boquense fuzilar Casillas. Foi como se ele tivesse feito um arremesso com a mão como quem diz “toma, faz mais um e liquida esse jogo”. O Boca abriu 2 a 0, Roberto Carlos descontou, e o jogo terminou 2 a 1 para os argentinos, que celebraram o bicampeonato mundial. Riquelme jogou tanto que rapidamente começaram a chover ofertas de clubes europeus por seu futebol. Mas ele ainda queria ficar no Boca. E levantar mais taças.

 

Coleção de taças, rugas com a diretoria e o show no Palestra Itália

Quando voltou do Japão, o Boca ainda tinha compromissos no Apertura do Campeonato Argentino. Após uma vitória sobre o San Lorenzo por 1 a 0 – no jogo de exibição da taça de campeão mundial à torcida em La Bombonera -, o Boca caiu de produção e perdeu dois jogos seguidos por conta do cansaço da temporada e da viagem ao Japão. No último jogo, o alívio veio com a vitória por 1 a 0 sobre o Estudiantes. Foi a terceira taça nacional de Riquelme, que marcou quatro gols e deu 15 assistências na competição. Certo de que ele já era uma estrela, o craque começou a cobrar mais reconhecimento da diretoria e um contrato melhor, mas o presidente Mauricio Macri não se entendia com o jogador, algo que seria o começo para o fim daquela trajetória de Román no Boca. Ele já havia cobrado um aumento após a conquista da Libertadores de 2000 e teve algumas melhorias, mas ainda longe do que almejava.

O estopim veio no dia 08 de abril de 2001, num clássico contra o River, em La Bombonera. O Boca vencia por 1 a 0 quando teve um pênalti a seu favor. Riquelme foi para a bola, bateu e o goleiro defendeu. Algo raríssimo de se ver! Mas, no rebote, Román testou e mandou a bola para o gol. Na comemoração, o camisa 10 se esquivou dos companheiros, foi até o meio de campo e colocou as mãos nas orelhas, olhando firmemente em direção ao palco presidencial. Motivo? Talvez um protesto de inconformismo e para calar críticos, em especial o presidente do Boca, Mauricio Macri, que estava em La Bombonera naquele dia. Porém, após o jogo, Riquelme foi irônico:

“A comemoração foi para minha filha, que é fanática pelo Topo Gigio”

E a tal celebração “a la Topo Gigio” entrou para sempre na história do futebol argentino. Ela seria, a partir dali, uma das marcas do jogador em comemorações tamanha repercussão que teve.

Naquele ano, o Boca não manteve a coroa em casa, mas seguiu firme em busca do bicampeonato continental. Após passear na primeira fase – cinco vitórias e uma derrota -, a equipe passou pelo Júnior-COL, nas oitavas, e pelo Vasco-BRA, nas quartas, com categoria e autoridade. Na semifinal, outra vez o Palmeiras pelo caminho. E, de novo, empate em 2 a 2 no primeiro duelo, em La Bombonera, em jogo tenso que teve até a expulsão de Bianchi, que teria que comandar o time da arquibancada na volta, no Parque Antártica. Para piorar, os jogadores do Boca ameaçavam não jogar por causa do atraso nos pagamentos das premiações dos títulos da temporada anterior. Mesmo sob um clima terrível, com catimba e a ira de revanche dos alviverdes que pairava no ar, o Boca foi pra cima do Palmeiras e protagonizou mais um jogo para a história. Quer dizer, Riquelme protagonizou.

O que o argentino jogou naquele dia foi algo impressionante. Ele controlava a bola de um jeito que nenhum palmeirense conseguia pegar. A ira era tanta que em determinados momentos os alviverdes tinham vontade de bater no camisa 10. Riquelme chamou os brasileiros para bailar. Bailar em sua própria terra, como cantaram os argentinos depois. Argel, Galeano, Alexandre e Magrão caçaram Román em todo momento, em todo canto, mas o que viam era a bola colada em seus pés. Principalmente depois que o Boca abriu 2 a 0, primeiro com Gaitán, depois, claro, com Riquelme, que conduziu a bola até a entrada da área, passou pelos marcadores como se fossem robôs e chutou rasteiro, sem chance para o goleiro Marcos.

Caçado, Riquelme escapou de todos e deu um baile no Palestra.

 

Dali em diante, Riquelme fez o que sabia: segurou, prendeu, infernizou. Tempo depois, o argentino revelou que foi agredido por Galeano com um soco na boca. Avesso às provocações e sempre frio, cumprimentou o rival. Ele só queria jogar bola. Em entrevista ao programa Animales Sueltos, da TV América, mais de uma década depois, Riquelme disse que não temeu nem um pouco o Palmeiras naquele dia.

“Com 14 anos, eu jogava nos torneios relâmpagos dos bairros e em favelas contra adultos, valendo dinheiro. A briga acabava com os jogos. Não tinha ninguém para me defender. Por isso, por que eu iria tremer contra o Palmeiras?”.

 

Levando em consideração que tais partidas eram disputadas em lugares inóspitos e até com adultos com armas nos calções segundo relatos (!), tudo o que se passou no Parque Antártica naquela noite foi uma mera formalidade para Riquelme. O time brasileiro ainda empatou, o jogo foi para a disputa de pênaltis, Riquelme fez o dele e o Boca foi para a final. Bermúdez, capitão xeneize na época, não teve dúvidas de que aquele foi o maior jogo da carreira de Riquelme.

“Para mim, como seu companheiro de clube, a maior partida de Juan Román Riquelme em sua carreira foi aquela contra o Palmeiras na semifinal da Libertadores de 2001, no Parque Antártica. Ele mostrou tudo o que era, tudo o que sabia. E graças a ele nosso time ganhou de um dos favoritos e no Brasil”. – Jorge Bermúdez, em entrevista reproduzida na coleção em vídeo “La Historia del Club Atlético Boca Juniors”, DVD 4 – 2001-2009, Imagem Video Series, Argentina.

 

O maestro com a taça…

 

… Que mais parecia um garoto com seu novo brinquedo.

 

Na decisão, o Boca venceu o Cruz Azul-MEX por 1 a 0 no México, mas perdeu em casa pelo mesmo placar e voltou a decidir a América nos pênaltis. Riquelme converteu sua cobrança e o Boca venceu por 3 a 1, conquistando o bicampeonato consecutivo. No final do ano, o craque era a grande esperança para mais um título no Mundial de Clubes, mas o Boca acabou sucumbindo diante do forte Bayern München-ALE, que venceu por 1 a 0 na prorrogação e faturou o bicampeonato mundial. Mesmo sem a taça, Riquelme chegou a um patamar incrível em tão pouco tempo de carreira. Ele já era um dos maiores da América, foi eleito o Futebolista do Ano no continente, tinha ganhado tudo com o Boca…

Enfim, não tinha que provar mais nada a ninguém. A não ser pela seleção, pela qual ainda tinha esperança de conseguir uma vaga para a Copa de 2002, mas acabou ficando de fora da lista do técnico Marcelo Bielsa, que preferia jogadores como Aimar, Gallardo e Verón. O meia só jogou a Copa América de 1999, um amistoso e o jogo festivo da aposentadoria de Maradona, em 2001, no qual o ídolo argentino jogou com uma camisa do Boca por baixo do uniforme com o nome Román às costas. Era como uma passagem de bastão para que o meia assumisse a partir dali. No entanto, Bielsa deixou Román de fora de todas as Eliminatórias e o craque viu a Copa pela TV. A Argentina acabou eliminada ainda na primeira fase…

Maradona e a emblemática cena em sua despedida: deixem com Román a partir de agora…

 

Momentos ruins e a ida ao Barcelona

Em 2002, não bastasse a ausência na Copa, Riquelme colecionou momentos ruins no Boca. Ele viu seu time ser eliminado pelo histórico algoz Olimpia-PAR (que venceu uma Libertadores em cima do Boca em plena La Bombonera nos anos 70. Leia mais clicando aqui), viu o clima com a diretoria esquentar cada vez mais e seu irmão Cristian, de 18 anos, ser sequestrado e libertado após o pagamento de resgate de cerca de 160 mil dólares. Essa série de fatores fizeram com que a diretoria, logo após a queda na Liberta, acelerasse a venda do meia para o futebol europeu.

Com seu talento nato, o principal comprador foi, claro, o Barcelona, que levou Román para a Catalunha por cerca de 13 milhões de dólares. Lá, o meia seria o camisa 10 do técnico holandês Louis van Gaal, célebre no continente pelo trabalho feito no grande Ajax da metade dos anos 90 (leia mais clicando aqui). Mas, o que era para ser um lindo tango por todo o Camp Nou virou uma dança insossa, sem brilho. De temperamento difícil e sem papas na língua, Van Gaal recebeu Riquelme com elogios por seu futebol, mas, no dia de sua apresentação, chamou o jogador para conversar:

 

“Você é um dos melhores jogadores do mundo com a bola nos pés, mas quando não a tem, deixa o time com um a menos. Aqui temos um sistema e você terá que jogar como ponta pelo lado esquerdo”.

 

Riquelme e Van Gaal: os sorrisos eram meras formalidades…

 

Era justamente o que Riquelme não queria. E, como ele também era genioso, a dupla não se entendeu. Román não aceitava jogar em tal posição. E, nos jogos, Van Gaal não se importava com os passes que ele dava. O holandês queria um jogador veloz, ponteiro, que voltasse, que tivesse aquela correria tão comum do futebol europeu. Mas Román era diferente. Ele era o clássico camisa 10. Era um dos últimos românticos do futebol. Ele criava. Fazia acontecer. Pensava o jogo. Ele não tinha nada que ficar correndo que nem um maluco! Van Gaal chegou a chamá-lo de “desordenado” e confessou que não havia pedido o argentino, que era “coisa da diretoria”. Enfim, a relação começou péssima, Román jogou pouco e foi para o banco de reservas. O ano de 2002 foi mesmo para esquecer.

 

Em janeiro de 2003, Van Gaal deixou o Barça, mas Román não conseguiu ganhar títulos com o Barça e não foi nem sombra do craque do Boca. No verão, Frank Rijkaard assumiu o comando técnico para começar uma revolução definitiva no clube. Para isso, a diretoria começou a vender ou emprestar jogadores excedentes e Riquelme acabou entrando no pacote. Ele foi emprestado ao Villarreal. Será que ele seria esquecido no Velho Continente? Muito pelo contrário. Ele provaria seu valor pilotando um Submarino Amarelo.

 

El artista del Submarino Amarillo

A chegada de Riquelme ao Villarreal gerou muitas dúvidas na imprensa. Afinal, qual seria o Román que jogaria com a camisa amarela? O camisa 10 sensacional dos tempos de Boca ou o tímido e triste jogador do Barcelona? A resposta veio em pouco tempo. Jogando com a camisa 8 e ao lado dos compatriotas Arruabarrena e Battaglia, ex-colegas de Boca, e Coloccini, ele tinha tudo para voltar a brilhar. E, com o técnico Benito Floro, passou a jogar em sua posição predileta, como um clássico meia armador. Era tudo o que o clube precisava.

Logo em sua primeira temporada, marcou oito gols e deu dez assistências nos 33 jogos que disputou no Campeonato Espanhol e ajudou o time a chegar até as semifinais da Copa da UEFA, quando perdeu para o forte Valencia. No caminho continental, Riquelme marcou dois gols na vitória por 2 a 0 sobre o Torpedo Moscow-RUS, na segunda fase, e outro na vitória por 3 a 0 sobre o Galatasaray-TUR, na terceira. Dava gosto ver o craque jogar, mostrar sua categoria e ter ao seu lado vários sul-americanos no time, entre eles o brasileiro Marcos Senna, que se naturalizou espanhol tempo depois.

A dupla Riquelme e Forlán no Villarreal: jogos inesquecíveis.

 

Após uma temporada para “lavar a alma”, Riquelme cresceu ainda mais de produção com a chegada do técnico Manuel Pellegrini, que soube extrair o que de melhor o meia poderia oferecer. E, com a vinda do uruguaio Diego Forlán, o Villarreal passou a incomodar de vez os gigantes da Espanha. Primeiro, a equipe venceu a Copa Intertoto e se garantiu na Copa da UEFA – os amarelos chegaram até as quartas de final e perderam para o AZ-HOL. Depois, veio uma campanha simplesmente inesquecível no Campeonato Espanhol. Forlán e Riquelme formaram uma dupla letal e que lembrou muito a parceria entre Román e Palermo nos tempos de Boca. Foram gols, gols e mais gols que colocaram o Villarreal na terceira colocação de La Liga, atrás de Barcelona e Real Madrid.

Juntos, Forlán e Riquelme marcaram 40 dos 69 gols do Villarreal, uma soma impressionante. De quebra, Román deu 17 assistências e foi um dos principais destaques da competição, ganhando o prêmio Don Balón e o de Jogador mais Artístico do campeonato pelo jornal Marca (ESP), um reconhecimento pelos shows que ele deu naquela temporada. Uma das vítimas dele foi o Barcelona, que, mesmo com Ronaldinho, Iniesta e companhia, levou de 3 a 0 na casa do Villarreal com uma apresentação fantástica de Román, que deu duas assistências.

Na temporada 2005-2006, Riquelme seguiu como o principal jogador do Villarreal e foi o principal condutor do time na disputa da Liga dos Campeões da UEFA. Após despachar o Everton-ING na fase preliminar, o time espanhol avançou à fase de grupos. Nela, a equipe mostrou muita eficiência defensiva e conseguiu a primeira posição do grupo, com duas vitórias e quatro empates em seis jogos, ficando à frente de Benfica-POR, Lille-FRA e Manchester United-ING, que acabou na lanterna. Nas oitavas, Riquelme deixou o seu no empate em 2 a 2 com o Rangers-ESC, na Escócia, e viu seu time se classificar após o empate em 1 a 1, na Espanha.

Nas quartas, o time amarelo teve pela frente a Internazionale-ITA, com Adriano no auge. Na ida, em Milão, vitória nerazurri por 2 a 1. Mas, na volta, o Villarreal teve Riquelme em seu esplendor. Ele flutuou por El Madrigal. Deu passes sublimes, inverteu o jogo de trivela, deu chapéu, viu o jogo como ninguém viu, enfim, foi o camisa 10 disfarçado sob o número 8. Precisando de apenas uma vitória simples para se classificar, o Villarreal encontrou o tento da classificação, claro, com participação de Riquelme. Logo aos oito minutos do segundo tempo, após desfilar na primeira etapa, ele cobrou uma falta ensaiada na cabeça do compatriota Arruabarrena, que testou firme para fazer 1 a 0 e colocar o Submarino Amarelo em uma histórica semifinal. Com Román tinindo, tudo era possível para o Villarreal. Mas eles teriam pela frente o grande Arsenal-ING de Henry, Campbell, Ljungberg, Lehmann e companhia (leia mais clicando aqui).

 

O fim do romance

Na semifinal, o Villarreal viajou até Londres para o duelo contra o Arsenal e perdeu por 1 a 0, num jogo em que o time espanhol teve muitas dificuldades para furar a quase intransponível defesa inglesa. Riquelme teve as melhores chances em chutes de longa distância, mas insuficientes para marcar. Na volta, no El Madrigal, esteve nos pés do craque a chance de igualar o placar agregado. Em uma cobrança de pênalti, aos 45’ do segundo tempo, Riquelme foi vencido pelo goleiro Lehmann, que defendeu a cobrança do argentino. Justamente num lance de sua especialidade, o craque sucumbiu. O empate sem gols colocou o time inglês na decisão e eliminou o Villarreal. Era o fim do sonho amarelo. Cabisbaixo, o meia foi frio: “eu não matei ninguém. Só perdi um pênalti”. Era o início do fim da trajetória do argentino com a camisa amarela.

Triste por causa da distância da família e em atritos constantes com a diretoria, ele queria retornar para sua Argentina. Em La Liga, havia feito uma ótima temporada com 12 gols e dez assistências, mas o Villarreal terminou na 7ª posição. Além dos grandes jogos que fez, Riquelme provou ser diferente ao ter sua camisa requisitada por Zidane, no dia 07 de maio de 2006, quando o francês se despediu dos gramados pelo Real Madrid – antes de disputar a Copa do Mundo daquele ano – no empate em 3 a 3 contra o Villarreal. O francês até comentou depois sobre o fato:

 

“Se pudesse comandar uma equipe, nela sempre jogaria Riquelme. Pouca gente enxergava o futebol como ele. Foi uma honra eu ter me aposentado com sua camisa nas mãos”.

 

Zidane troca de camisa com Riquelme.

 

No entanto, o craque ainda tinha uma chance de sorrir naquele ano de 2006: sendo o camisa 10 da Argentina na Copa do Mundo.

 

Enfim, uma boa sequência na albiceleste

Riquelme, na Copa América de 1999….

 

… E mais experiente, anos depois. Foto: Jun Sato / Getty Images.

 

Os tempos de grandes jogos no Villarreal acabaram refletindo no curto, porém marcante período de Riquelme como titular na Seleção Argentina. Com a chegada do técnico José Pékerman, em 2004 – que veio após a perda de um título praticamente ganho da Copa América para o Brasil (leia mais clicando aqui) -, Román teria um porto seguro na equipe, afinal, foi sob o comando de Pékerman que o craque viveu seus grandes momentos nas seleções juvenis da albiceleste nos anos 90. Ciente de que Román era o “enganche” perfeito para sua equipe, Pékerman foi o primeiro a dar o devido reconhecimento que o craque merecia na seleção. Atuante nas Eliminatórias, Riquelme marcou gols, deu passes e foi um dos destaques para a classificação da equipe ao Mundial.

Em um clássico contra o Brasil, no Monumental, em 2005, o meia deu assistências, pintou, bordou e marcou um golaço simplesmente épico, para deixar até o artista Ronaldinho com inveja na época. O camisa 8 deu um toque de calcanhar fantástico para um companheiro no meio de campo, avançou, tabelou com Lucho González, se desvencilhou de Roque Júnior e acertou um chutaço de perna esquerda (a “menos calibrada”) sem chances para o goleiro Dida. O golaço embalou a Argentina, que venceu por 3 a 1 e se garantiu no Mundial. Anos depois, o próprio Riquelme elegeu aquele gol, seu primeiro e único contra o Brasil, como o mais bonito de sua carreira:

 

“Se tenho que escolher um gol, fico com aquele no estádio do River contra o Brasil, no dia em que nos classificamos para o Mundial de 2006. Esse gol foi lindo”.Riquelme, em entrevista à ESPN da Argentina e reproduzida no jornal O Tempo (BRA), 26 de janeiro de 2015.

Na Alemanha, os sul-americanos caíram no chamado “grupo da morte” ao lado de Holanda, Costa do Marfim e Sérvia e Montenegro. Mas a equipe de Román não sentiu o peso dos outros rivais e deu show. Na partida de estreia, vitória por 2 a 1 sobre os africanos, com uma assistência de Riquelme no gol de Saviola. No duelo seguinte, uma goleada histórica de 6 a 0 sobre os sérvios com um gol mágico, daqueles que você não se cansa de ver e rever, a nítida escola argentina da troca perfeita de passes, com Riquelme como o maestro de uma obra de 24 passes que resultou no gol de Cambiasso. O craque foi eleito o “Homem do Jogo” tamanho show que deu em campo, em um jogo que marcou, também, a estreia de Lionel Messi em Copas.

Na segunda fase, o meia cobrou o escanteio que resultou no gol de Crespo na vitória por 2 a 1 sobre o México e na cobrança do escanteio que gerou o gol de Ayala no duelo contra a Alemanha, nas quartas de final. Mas, naquele jogo, o técnico Pékerman errou ao tirar Riquelme no segundo tempo quando a Argentina vencia os anfitriões e precisava cadenciar e prender a bola, coisa que o camisa 10 poderia fazer naquela reta final de jogo. Ele saiu aos 27’. Oito minutos depois, a Alemanha empatou. E, na disputa de pênaltis, venceu por 4 a 2. Era o fim da linha para a albiceleste no Mundial.

 

De volta ao lar

Após a Copa, Riquelme afirmou que deixaria a seleção a pedido da mãe, que passava por um momento ruim de saúde. De volta à Espanha, foi deixado de lado no Villarreal após uma discussão com o presidente do clube que escancarou de vez sua situação por lá. Após uma derrota por 4 a 1 para o Osasuna, em casa, pelo Campeonato Espanhol, o mandatário Fernando Roig entrou no vestiário dizendo que o time havia “recuado demais”. Riquelme contestou o mandatário pela petulância e minou de vez o clima. Não houve briga com o técnico, ao contrário do que muitos jornais noticiaram à época.

 

“Nunca aconteceu nada com Pellegrini, nunca discuti. Minha briga foi com o presidente Fernando Roig. Pellegrini serviu para fazer o que queria o presidente (suspender o atleta)”. Riquelme, em entrevista ao diário AS (ESP), 13 de março de 2017.

 

Pellegrini também comentou na época dizendo que “Riquelme figura entre os cinco melhores jogadores do mundo em sua posição, mas não está comprometido com o clube. Se as individualidades se põem a serviço da equipe, ótimo. Mas, se querem estar acima da equipe, sobram. Román renunciou ao Villarreal, como antes havia renunciado à seleção. E o primeiro que lamenta sou eu, pois é um jogador extraordinário”. O fato é que Riquelme, àquela altura, não admitia intervenções. Ele já era um craque, não precisava provar nada e não escondia que era genioso, temperamental e difícil de lidar. Colecionava amigos e inimigos na mesma proporção. E, com seu jeito, muitas vezes rachava os vestiários. No começo de 2007, eis que surge uma luz para o craque. O Boca Juniors topou repatriar o meia por empréstimo com o intuito de disputar a Copa Libertadores daquele ano e vencê-la. Villarreal e Boca se acertaram, o time argentino concordou em pagar o salário do jogador e Román voltou à Buenos Aires por cinco meses, para delírio da torcida xeneize.

Com sede de futebol, Riquelme fez questão de mostrar tudo o que sabia com a camisa de seu clube do coração. E, com a experiência no futebol europeu, jogar em solo sul-americano foi como passear. No Clausura, disputou 15 jogos, marcou dois gols e deu oito assistências, mas o Boca acabou com o vice. Porém, Román estava guardando o seu melhor para a Libertadores…

 

La Copa de Román

Na fase de grupos, o Boca estava “desalojado” e não jogou em La Bombonera por causa de uma punição imposta em 2005 pela Conmebol. Por isso, o time penou para se classificar e só conseguiu na última rodada com uma goleada de 7 a 0 sobre o Bolívar-BOL. Na fase de mata-mata, porém, Riquelme começou seus shows. Contra o Vélez, nas oitavas, marcou um gol na vitória por 3 a 0 em La Bombonera (o Boca estava de volta ao lar!). Na partida de volta, o Vélez fez três gols, mas Riquelme classificou o Boca com um gol olímpico! Nas quartas, contra o Libertad-PAR, após empate em 1 a 1 em casa, o Boca jogou muito em Assunção, Riquelme fez o seu (mais um golaço) e o Boca se garantiu na semifinal com uma vitória por 2 a 0. Nas semis, derrota fora para o Cúcuta-COL por 3 a 1, mas vitória por 3 a 0 em casa, com um golaço de falta de Riquelme e assistência para o terceiro gol, de Battaglia.

Na grande final, contra o Grêmio-BRA, Riquelme foi simplesmente gigante. O craque fez dos dois jogos finais os palcos para esbanjar toda sua qualidade e genialidade. Em La Bombonera, no dia 13 de junho, as mais de 50 mil pessoas que encheram o gramado de papéis picados viram lances exuberantes do camisa 10, que orquestrou todo e decisivo lance de seu time. Aos 18´do primeiro tempo, Riquelme cobrou falta na área gremista e Palacio completou para o gol de Saja: 1 a 0. No começo do segundo tempo, falta para o Boca. Riquelme cobrou forte, no canto, e marcou mais um golaço para sua coleção: 2 a 0.

A explosão foi nítida e o barulho ensurdecedor em La Bombonera. Na comemoração, o camisa 10 deixou aflorar sua alegria e energia pelo gol e a ânsia de ser campeão da América. Como retribuição, a torcida gritou seu nome sem parar, o que esfriou qualquer reação do Grêmio e inspirou o terceiro gol do Boca, aos 44´, quando Riquelme (pra variar…) entortou dois defensores e chutou forte, exigindo a defesa de Saja. No rebote, Palermo cruzou, a zaga gremista se atrapalhou e Ledesma fechou a conta com grata participação de Patrício: 3 a 0. O título estava praticamente ganho.

Riquelme nos céus: o Boca era campeão da América pela sexta vez.

 

No dia 20 de junho, a torcida gremista fez uma bonita festa, clamou pela imortalidade de seu clube, mas quem se tornou imortal, mesmo, foi o Boca e seu maestro. Frios como gelo e surdos para as vaias dos gremistas, os argentinos deram aula de competitividade e de como vencer uma Libertadores. Depois de segurar o 0 a 0 na primeira etapa, aos 23´ do segundo tempo, Riquelme recebeu de Ibarra na direita e emendou um chute ao seu estilo, alto, sem chances para Saja: 1 a 0. Aos 35´, contra-ataque letal dos argentinos: bola com Riquelme, que passou para Palacio. Este chutou para a defesa de Saja, mas, no rebote, Riquelme completou para o gol: 2 a 0. E 5 a 0 no placar agregado. O Boca era hexacampeão da América. Foi a consagração de Riquelme, artilheiro do time com 8 gols marcados (a mesma quantidade que Palacio e Palermo juntos!) e escolhido o melhor jogador do torneio. Foi um romance curto, porém inesquecível. Após a taça, ele voltou para a Espanha, mas com um “até breve”. Ele iria voltar…

Com sua querida Liberta, pela terceira vez.

 

Ouro e adeus à Albiceleste

Capitão, Riquelme conseguiu o ouro por sua seleção nas Olimpíadas de 2008.

 

Após a Libertadores, Riquelme decidiu retornar à seleção sob o comando de Alfio Basile e viajou até a Venezuela para a disputa da Copa América. Ele marcou cinco gols, deu três assistências e foi um dos destaques da Argentina até a final, quando o time acabou sucumbindo diante do Brasil por 3 a 0. O craque foi o vice-artilheiro do torneio. Ainda naquele ano, foi convocado para as Eliminatórias e marcou dois gols de falta na vitória sobre o Chile por 2 a 0, em outubro, algo que nenhum futebolista havia feito pela seleção em décadas. Aliás, 2007 foi o melhor ano dele com a camisa albiceleste, pela qual marcou nove gols em nove jogos.

Em 2008, foi um dos convocados com mais de 23 anos para a disputa das Olimpíadas de Pequim e com a honra de ser o capitão do time do técnico Sergio Batista. A Argentina foi soberana desde o início, venceu todos os jogos e se vingou do Brasil na semifinal, quando Agüero, duas vezes, e Riquelme, de pênalti, fizeram os gols da vitória por 3 a 0 que classificou a albiceleste para a final. Nela, vitória sobre a Nigéria por 1 a 0 e Ouro Olímpico conquistado. Foi o maior e único título de Riquelme com a seleção.

Agüero, Riquelme e Messi.

 

O craque com o ouro no peito.

 

Riquelme e Ronaldinho, em Pequim.

 

Descontração na entrega das medalhas.

 

Depois daquela conquista, o jogador criou grandes expectativas para a disputa do Mundial de 2010, mas a saída de Basile e as desavenças com o novo técnico, Maradona, que criticou o rendimento do meia em 2009, fizeram com que Román renunciasse em definitivo a seleção. Em entrevista ao Canal 13 (ARG) na época, ele disse:

 

“Temos posturas diferentes e maneiras distintas de pensar. Por isso, não podemos continuar trabalhando juntos. Me dói muito, mas não vou disputar a Copa do Mundo”.

 

Riquelme disputou 51 jogos e marcou 17 gols com a camisa da Argentina. No geral, seu rendimento pela equipe só foi satisfatório sob o comando de Pékerman, Basile e Batista, treinadores que souberam como usar o talento de Román em campo. A imprensa quase sempre criticou sua lentidão nos jogos da seleção e os atritos que teve com alguns colegas no período. O fato é que quem mais perdeu com tudo isso foi a própria Argentina, que não teve o craque nas Copas de 2002 e 2010 em duas grandes épocas para levantar o sonhado tricampeonato mundial.

 

Os últimos anos de Boca

Riquelme foi contratado em definitivo pelo Boca ainda em 2007, por cerca de 15 milhões de dólares, um valor astronômico na época para os padrões financeiros dos clubes argentinos. Por causa de trâmites burocráticos, ele acabou de fora do Mundial de Clubes da FIFA daquele ano e fez uma falta danada ao Boca, que acabou goleado pelo Milan de Kaká por 4 a 2 na decisão (leia mais clicando aqui). Em 2008, pôde entrar em campo e teve vários compromissos com o Boca. Venceu o Apertura e uma Recopa Sul-Americana, mas viu o Boca ser eliminado da Libertadores pelo embalado Fluminense na semifinal (leia mais clicando aqui).

Ainda sim, Riquelme marcou quatro gols com sua assinatura e participou ativamente da campanha da equipe na competição. Nas temporadas seguintes, o craque jogou mais recuado, sem a velocidade de antes, mas com a técnica impecável. Foi o maestro do Boca em tempos não tão vertiginosos como antes e em um ambiente mais complicado, com intrigas e novas desavenças com atletas e dirigentes. Marcelo Cañete, meia revelado pelo Boca justamente naquela volta de Román, comentou sobre como era o Riquelme já veterano:

 

“Ele levava a molecada da base para almoçar e conversar. Era um cara que gostava da companhia dos mais jovens e de nos dar conselhos para a carreira. Ele era o líder do vestiário. Quando ele falava, todos tinham que ouvir. Isso era muito marcante, especialmente para os mais jovens. Quando o Riquelme falava, até o presidente do Boca tinha que ir embora. Era uma liderança muito positiva. Ele tem uma personalidade muito forte. Se não gosta de você, esquece, nem te olha na cara e nem te cumprimenta. Mas, se gosta, faz de tudo por você. Briga até pelo seu contrato! Te dá conselhos, te leva para almoçar, jantar e compra tudo o que você pode precisar. E se ele achar que a diretoria tem que renovar seu contrato, vai lá brigar com os caras por você”.  – Marcelo Cañete, em entrevista à ESPN, 15 de abril de 2017.

 

Tímido e recluso, ele cada vez mais se mostrava desconfortável com a imprensa e muita gente ao seu redor. Queria ficar tranquilo em sua querida Don Torcuato, com os amigos. Ele seguiu no Boca até 2012, venceu um Apertura e uma Copa da Argentina, e disputou mais uma decisão de Libertadores, em 2012. Mas, ao contrário das outras três que disputou, Román viu seu time perder para o Corinthians-BRA (leia mais clicando aqui). O vice fez com que o meia anunciasse o fim de sua estadia no Boca, dizendo que “amava o clube, seus torcedores, e que era eternamente grato por tudo, mas se sentia vazio”.

Após muitas especulações, ele seguiu na equipe em 2013 e fez um gol quase do meio de campo que eliminou o Corinthians, algoz do ano anterior, nas oitavas de final da Libertadores daquele ano. Carrasco de tantos times brasileiros (Palmeiras, Grêmio, Cruzeiro…), ele acabou incluindo mais um em sua lista. Naquela mesma temporada, o craque anunciou seu adeus em definitivo do Boca após novas desavenças pessoais, dessa vez com o técnico Carlos Bianchi, que voltou ao Boca justamente em 2013 e não demonstrou “carinho” na novela de renovação de contrato do jogador. Mais do que isso, ele já não estava em sua melhor forma física e seu jeito de ser já havia desgastado sua relação com todos no clube, até mesmo com a organizada do Boca. Porém, antes de pendurar as chuteiras, o maestro queria voltar para onde tudo começou: La Paternal. Ele queria vestir pela última vez a camisa do Argentinos Juniors.

 

Dívida paga e o fim de uma lenda

Em julho de 2014, Riquelme acertou sua ida ao Argentinos com o objetivo de levar o clube à primeira divisão. E, com 15 partidas e três gols, Román ajudou seu clube de juventude à subir para a primeira divisão. Na comemoração do acesso, o craque mostrou a serenidade de um atleta realizado, em entrevista reproduzida em 07 de dezembro de 2014 na Trivela“Agora vou comer uns assados, tomar um mate com os amigos. Estou tranquilo porque devolvi ao Argentinos tudo aquilo que me deu quando era criança. Agora estamos quites. Conseguimos o que queríamos”.

 

Após encher de emoção os corações dos torcedores do Bicho, Riquelme anunciou sua aposentadoria em janeiro de 2015, após quase se transferir para o Cerro Porteño-PAR. Aos 36 anos, Román pendurava as chuteiras para, quem sabe um dia, voltar ao Boca, mas como presidente. O “último 10” deixava o futebol menos cerebral, menos artístico. Era o fim de um legítimo dono do meio de campo, do homem que pensava, que via o jogo como ninguém mais via, que controlava a bola como poucos e sabia se desvencilhar dos adversários no mais claustrofóbico espaço de campo e mesmo cercado por dois, três, quatro adversários. Era o fim do romântico que usou em boa parte da carreira chuteiras pretas, clássicas, num exemplo claro ao seu estilo retrô. Era o fim de um dos maiores garçons que o futebol já viu, que deu o prazer do grito de gol aos companheiros em 247 vezes (!).

Porém, o legado de Román estava imortalizado para sempre. O que ele fez com a camisa do Boca foi impressionante, digno de estátua, como o clube realmente ergueu em sua homenagem. Levar um clube pequenino como o Villarreal a uma semifinal de Liga dos Campeões como ele levou foi uma enormidade. E tratar a bola com tanto carinho como ele tratou lhe rendeu títulos merecidos e admiração unânime de todos, até mesmo dos rivais. Ele pode ter sido marrento, sistemático, orgulhoso. Mas foi um craque raro, daqueles que lembraremos durante décadas. Um craque imortal.

Riquelme e sua estátua.

 

Números de destaque:

Disputou 388 jogos e marcou 92 gols pelo Boca Juniors. Além disso, deu 150 assistências para gols com a camisa azul e ouro.

Disputou 42 jogos e marcou seis gols pelo Barcelona.

Disputou 144 jogos e marcou 45 gols pelo Villarreal.

Ao longo da carreira, deu cerca de 247 assistências para gol. É um dos recordistas em todos os tempos.

 

Leia mais sobre o Boca da Era Bianchi clicando aqui.

Leia mais sobre o Villarreal 2004-2006 clicando aqui.

Leia mais sobre o Boca 2004-2007 clicando aqui.

 

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Comentários encerrados

11 Comentários

  1. um dos jogadores mais injustiçados que já vi! poderia ter ido mais longe na seleção argentina. depois de maradona foi o melhor jogador argentino que vi jogar. talvez o messi empate com ele!

  2. Ótimo Texto. Me lembro de algum tempo atrás (logo após ele aposentar) ter pedido você, para fazer um texto sobre a carreira dele. Hoje, a cada linha que eu lia, via que valeu a pena esperar. Parabéns imortais.

    Aproveito e deixo uma sugestão. Fazer um ”esquadrão imortal” do Cruzeiro 2013-2014.

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