
Grande feito: 14ª colocada na Copa do Mundo da FIFA de 1998.
Time-base: Chilavert; Celso Ayala, Gamarra e Sarabia (Rivarola); Arce (Morales), Enciso, Acuña (Brizuela), Paredes e Campos (Caniza); Cardozo e Benítez (Arístides Rojas). Técnico: Paulo César Carpegiani.
“Ferrolho Albirrojo”
Por Guilherme Diniz
Após disputar a Copa do Mundo de 1986 e ser eliminada nas oitavas de final, a seleção do Paraguai ficou oito anos sem voltar a um Mundial. Decepcionou nas Eliminatórias de 1990 e também de 1994, mesmo tendo como como base o forte Olimpia da época, finalista de três Libertadores seguidas entre 1989 e 1991 e campeão em 1990. O país já caminhava para seu segundo maior jejum desde o hiato de seis Copas entre 1962 e 1982, mas tudo mudou na segunda metade da década de 1990. Com um time competitivo, raçudo e dono de uma retaguarda quase intransponível, o Paraguai conseguiu se classificar para a Copa do Mundo de 1998 terminando na segunda colocação as Eliminatórias, apenas um ponto atrás da líder Argentina.
Com o temido goleiro Chilavert, o ótimo lateral Francisco Arce e o “extraterrestre” Carlos Gamarra, além de vários outros grandes jogadores, a albirroja chegou ao Mundial disposta a pelo menos avançar às oitavas de final, mesmo em um grupo complicado com Espanha, Bulgária e Nigéria. Pois os sulamericanos superaram os desafios e conseguiram a vaga após dois empates e uma vitória categórica sobre a seleção africana, campeã olímpica de 1996, por 3 a 1.
Nas oitavas, eles tiveram pela frente a anfitriã França em um jogo dramático, decidido apenas no famigerado Gol de Ouro, em um momento no qual Gamarra fazia apenas número por estar com uma lesão na clavícula e os paraguaios se defendiam para levar o jogo para os pênaltis. Se a vaga não veio, ficou para a história o grande desempenho daquela seleção, que colocou novamente a albirroja nos holofotes e dois jogadores no All-Star Team – Chilavert e Gamarra. É hora de relembrar.
Sumário
Fazendo o caminho de volta

Como já dito, por mais que o Olimpia tivesse um esquadrão lendário no final dos anos 1980 e fosse a base da seleção paraguaia por um bom tempo, a albirroja não conseguiu se classificar paras as Copas do Mundo de 1990 e 1994. Foram muitos técnicos naquele começo de anos 1990 – incluindo o craque Ladislao Kubala, em 1995 – e pouco padrão de jogo, o que dificultou bastante o rendimento da equipe nas Eliminatórias. Foi então que, em 1996, a federação decidiu apostar no brasileiro Paulo César Carpegiani, campeão paraguaio em 1992 e 1994 pelo Cerro Porteño e com vasta experiência desde os anos 1980, quando comandou o Flamengo campeão mundial e da Libertadores, em 1981, e do Brasileirão, em 1982. Seria o terceiro brasileiro a comandar o Paraguai na história, após as passagens de Paulo Amaral, em 1973, e Valdir Espinosa, em 1993.
Carpegiani conhecia vários nomes que deveriam integrar a seleção principal de maneira indiscutível, entre eles Gamarra e Arce, do Cerro Porteño campeão paraguaio de 1992. O goleiro Chilavert, campeão da Libertadores e do mundo pelo Vélez Sarsfield, em 1994, era outro que dispensava comentários. Polêmico e sem papas na língua, o camisa 1 se garantia em campo com grandes defesas e gols em cobranças de falta e pênaltis. Ainda no setor defensivo, Celso Ayala era outro destaque que vivia grande fase pelo River Plate-ARG campeão da Libertadores de 1996 e se mostrou, com o tempo, o parceiro ideal de Gamarra.


Na lateral-esquerda, Denis Caniza tinha funções mais defensivas, enquanto Jorge Luis Campos dava opções ofensivas e jogava quase como um meia, principalmente no esquema com três zagueiros. No meio, Paredes e Enciso eram os principais pilares na contenção e distribuição da bola, enquanto no ataque Benítez e Cardozo se completavam com bom entrosamento e características distintas, com Benítez mais rápido e apto a abrir espaços nas zagas rivais e Cardozo mais centralizado, como homem de área. O selecionado guaraní tinha ainda o bom meio-campista Acuña, o defensor Pedro Sarabia e o experiente zagueiro Rivarola, grande nome do Grêmio campeão da América em 1995.
Como na época o campeão da Copa do Mundo não precisava disputar as Eliminatórias – no caso, o Brasil -, a disputa por uma das quatro vagas ao Mundial seria um pouco mais fácil para os participantes, afinal, todos ganhavam “uma vaga a mais” com a ausência da sempre favorita (pelo menos naqueles tempos…) seleção canarinho. Sabendo disso, Carpegiani confiava em uma classificação e apostou em bons resultados em casa somados a alguns pontos fora para ficar no top 4.

A trajetória começou com derrota por 1 a 0 para a Colômbia, em Barranquilla, em duelo quente por conta das provocações pré-jogo de Chilavert. O goleirão havia dito que marcaria um gol de falta em Faryd Mondragón e também que o atacante Iván Valenciano “se parecia com Quico”, do seriado Chaves. No segundo jogo, o Paraguai mostrou força e venceu o Uruguai em pleno estádio Centenário por 2 a 0, gols de Francisco Arce e Arístides Rojas, uma vitória enorme e que encheu os guaranís de confiança. E ela aumentou ainda mais após o empate em 1 a 1 contra a Argentina no Monumental de Núñez, com um belo gol de falta anotado por Chilavert, calando a casa albiceleste!
Com muita organização defensiva, a seleção de Carpegiani já era uma das favoritas à vaga e manteve o foco nas rodadas seguintes. Jogando em casa pela primeira vez naquela 4ª rodada, o Paraguai venceu o Chile por 2 a 1, de virada, com gols de Gamarra e Rivarola, em um Defensores del Chaco tomado por 45 mil pessoas. Na sequência, vitória por 1 a 0 sobre o Equador, também em casa, com gol de Benítez, empate sem gols contra a Bolívia na altitude de La Paz, triunfo por 2 a 0 sobre a Venezuela, fora (gols de Benítez e Enciso), e vitória por 2 a 1 sobre o Peru, em casa (gols de Rivarola e Rojas), no fechamento do primeiro turno. Faltava pouco para garantir a vaga na Copa.
¡De vuelta!

O primeiro compromisso paraguaio no returno foi um quente duelo contra a Colômbia, em casa. Quando os dois times se reencontraram em Assunção, em abril de 1997, ambos dividiam a liderança das Eliminatórias. Somavam os mesmos 17 pontos em oito rodadas disputadas e possuíam quatro pontos de vantagem sobre a Argentina. O resultado no Defensores del Chaco, portanto, possuía um peso decisivo na afirmação do vencedor. Enquanto a Colômbia sustentava os últimos anos de sua geração dourada, o Paraguai tentava provar sua força com uma equipe que se alavancava. E, entre os protagonistas naturais, jogadores de “personalidade forte” e carreira referendada.
O Paraguai abriu o placar logo aos seis minutos. Uma cobrança de falta fechada de Francisco Arce pela esquerda passou por Mondragón e terminou batendo nas pernas de Carlos Gamarra antes de entrar. Ainda no primeiro tempo, a Colômbia viu sua melhor chance ser barrada por Chilavert. Carlos Valderrama chutou no capricho de dentro da área e o arqueiro desviou com a ponta dos dedos. Mas a confusão começou mesmo aos 30’ da segunda etapa, durante um lance ofensivo da Colômbia.
Asprilla cometeu falta em cima de Celso Ayala e, segundo Chilavert, pisou no joelho do zagueiro. O arqueiro foi tirar satisfação. Depois disso, as versões diferem sobre quem agiu primeiro, mas é fato que o goleiro cuspiu no colombiano e o centroavante deu um tapa na boca do paraguaio. O árbitro brasileiro Wilson de Souza Mendonça não deixou barato. Asprilla foi o primeiro a ver o cartão vermelho direto. Chilavert ficou por um tempo fazendo cera no gramado. Quando o goleiro se levantou, também foi expulso pelo árbitro, que ainda assinalou o pênalti pela cusparada.

Já era uma confusão sem tamanho, mas ainda assim o pior estava por vir. Ao deixar o campo, Chilavert cumprimentou Rubén Ruiz Díaz, que assumiria o gol na cobrança. Enquanto passava pelo banco de reservas da Colômbia, cruzou com Asprilla sentado. Covardemente, o goleiro deu um soco no rosto do colombiano. Conforme seu próprio depoimento à revista Soho, ainda disse: “Se te pego fora de campo, te mato”. Então, o pau comeu em Assunção, como você pode ler mais clicando aqui.
Após a polícia intervir e os ânimos se acalmarem, a partida recomeçou e a Colômbia buscou o empate. Mauricio Serna converteu o pênalti que começou todo o rolo. Ao menos, o Paraguai conseguiu aplacar a fúria dos 37 mil presentes nas arquibancadas. O empate saiu dois minutos depois, aos 37’ do segundo tempo. Após mais uma cobrança de falta de Arce, a bola foi escorada no segundo pau e Derlis Soto completou na pequena área. Ficou nisso. Com a vitória por 2 a 1, a Albirroja chegou aos 20 pontos e se isolou na liderança, enquanto os Cafeteros estacionavam nos 17 e precisavam tirar o prejuízo na sequência das Eliminatórias.

O Paraguai manteve a ponta ao vencer o Uruguai, em casa, por 3 a 1 (gols de Rojas, Cardozo e Soto) e só dependia de si para ir à França. Na rodada 13, os guaranís enfrentaram a Argentina, em casa, e levaram 2 a 0 no primeiro tempo – gols de Marcelo Gallardo e Verón -, e tiveram que correr atrás do resultado. No começo do segundo tempo, Acuña, de pênalti, descontou, mas o placar terminou mesmo 2 a 1 para os argentinos. O revés acabou afetando os paraguaios, que perderam o duelo seguinte, para o Chile de Zamorano, por 2 a 1, fora de casa, e também para o Equador, fora, por 2 a 1. Vale lembrar que Chilavert não jogou em todos esses revezes por causa da suspensão que levou após os incidentes diante da Colômbia.
Tais resultados deixaram o torcedor temeroso, mas bastava uma vitória no duelo seguinte, contra a Bolívia, em casa, que a vaga estava garantida. E ela veio: 2 a 1, gols de Benítez e Gamarra, resultado que colocou o Paraguai em uma Copa do Mundo depois de duas edições de jejum. Nas últimas rodadas, a albirroja venceu a Venezuela (1 a 0) e perdeu para o Peru (1 a 0), resultados que deixaram a equipe na segunda colocação geral – atrás apenas da Argentina – com 29 pontos, 9 vitórias, 2 empates, 5 derrotas, 21 gols marcados e 14 gols sofridos em 16 jogos.
Preparação e elenco fechado

Após a festa pela classificação e o alívio do dever cumprido, o Paraguai se concentrou na temporada 1998. Carpegiani já sabia que o time só teria sucesso no Mundial se focasse suas ações na defesa, já que o ataque não era tão prolífico. “Temos dificuldades no setor, afinal, o país é pequeno e não há oferta de atacantes como no Brasil, mas nas eliminatórias ficamos em segundo lugar, com só um gol atrás da Argentina”, comentou o treinador, em 1998, à Folha de S. Paulo. E, em torneios de tiro curto, apostar na eficiência defensiva e contra-ataques precisos era uma tática que poderia dar resultado.
Antes do Mundial, a seleção albirroja realizou uma série de amistosos e fez um bom papel nos duelos mais “tranquilos”, contrastando com as derrotas diante de seleções mais fortes. Primeiro, goleou a Polônia por 4 a 0, em fevereiro de 1998, para em seguida empatar três jogos seguidos contra EUA (2 a 2), México (1 a 1) e Colômbia (1 a 1). Em abril, a equipe encarou a Itália, na cidade de Parma, e perdeu por 3 a 1. Depois, viajou até Tóquio para enfrentar o Japão e empatou em 1 a 1. Ainda em solo japonês, os paraguaios foram derrotados pela vice-campeã europeia, a República Tcheca, por 1 a 0.
Em junho, voltaram a Europa para mais três amistosos, que terminaram com três derrotas: 5 a 1 para a fortíssima Holanda, 3 a 2 para a Romênia e 1 a 0 para a Bélgica. Embora os resultados contra equipes mais fortes tenham sido bem desanimadores, Carpegiani confiava na classificação para as oitavas de final, o principal objetivo da seleção albirroja. Claro que não dava para sonhar com título, mas ficar entre os 16 melhores era possível. Na convocação, o brasileiro levou os nomes já conhecidos do torcedor e responsáveis pela classificação:
Goleiros: José Luís Chilavert, Danilo Aceval e Rubén Ruiz Díaz;
Defensores: Francisco Arce, Catalino Rivarola, Carlos Gamarra, Celso Ayala, Pedro Sarabia, Ricardo Rojas e Denis Caniza;
Meio-campistas: Edgar Aguilera, Roberto Acuña, Carlos Humberto Paredes, Miguel Ángel Benítez, Julio César Enciso e Carlos Morales Santos;
Atacantes: Julio César Yegros, Arístides Rojas, José Saturnino Cardozo, Hugo Brizuela, César Ramírez e Jorge Luis Campos.
Entre os melhores!

No sorteio dos grupos, o Paraguai não teve lá muita sorte como outras seleções. A equipe teria pela frente a Bulgária, 4ª colocada na Copa de 1994, do astro Stoichkov e de nomes como Balakov, Ivanov e Penev; a Espanha, do experiente goleiro Zubizarreta, do zagueiro Abelardo, do lateral Sergi, do sempre ótimo Fernando Hierro, do volante Guillermo Amor e do jovem atacante Raúl; e a Nigéria, campeã olímpica em 1996 e que tinha grandes estrelas como o defensor Taribo West, o meia Oliseh, o experiente Finidi George, o atacante Kanu e o astro Jay-Jay Okocha.
Todos acreditavam que o Paraguai era a zebra da chave, até mesmo o técnico Carpegiani, que não teria Arce logo na estreia, contra a Bulgária. “A Bulgária, talvez, está no mesmo nível. Mas a Espanha, com seu futebol rico, e a Nigéria, campeã olímpica em 1996, com vitórias sobre o Brasil e a Argentina, são favoritas”, comentou o brasileiro, à Folha de S. Paulo na época. Antes do jogo, o búlgaro Stoichkov disse que a obrigação da vitória era dos sul-americanos, “os mais fracos da chave”, segundo ele. Carpegiani, à Folha, retrucou.
“Vamos mostrar em campo que não é bem assim. Stoichkov está falando isso porque esta é sua última Copa. Temos muitas informações sobre a Bulgária e vamos lutar para conseguir quatro pontos nesta fase, com boa margem de gols, para passar às oitavas-de-final, que é nosso objetivo. O jogo é decisivo para nossas ambições”.
O treinador sabia das limitações de seu elenco, especialmente no ataque, além de temer pela condição física de seus jogadores. “É o estado físico dos atletas (que me preocupa). Estamos com Arce, Gamarra, Ayala, Rivarola e Sarabia com lesões típicas de esgotamento. Isso porque os times nos entregaram os jogadores muito tarde, bem fora do prazo. O Palmeiras utilizou Arce na Copa do Brasil, e o River Plate usou Ayala e Sarabia na Libertadores. A federação não insistiu quanto devia. Agora estamos pagando por isso”, disse Carpegiani.

Para a estreia, Paraguai foi com seu esquema tradicional de três zagueiros, mesmo sem Arce, e conseguiu neutralizar as principais jogadas búlgaras. Gamarra, no auge, foi impecável e ganhou todas de Stoichkov, mostrando ao falastrão atacante que a equipe albirroja não era tão fraca como ele imaginava. No ataque, Paraguai não foi tão incisivo e apostou muito nas bolas aéreas ao invés de tentar criar jogadas pelo chão, como pediu Carpegiani, principalmente no segundo tempo. Com isso, o jogo terminou 0 a 0 e os guaranís somaram seu primeiro ponto, enquanto a Nigéria venceu a Espanha por 3 a 2 e assumiu a liderança.
Dias depois, foi a vez do Paraguai enfrentar a Espanha, que precisava da vitória de qualquer maneira se quisesse manter viva a chance de classificação. Francisco Arce, recuperado da lesão, voltou ao time e salientou a pressão do lado rival. “A Espanha vai vir com tudo, mas o Paraguai jogará de igual para igual. Se passarmos às oitavas-de-final, a equipe vai ficar fortalecida e avançar mais”. Quando a bola rolou, a Espanha parou na forte marcação paraguaia e ainda sofreu com os contra-ataques do rival. Além disso, quando chutava ao gol, a equipe ibérica via Chilavert realizar boas defesas. Um novo 0 a 0 deu o segundo ponto ao Paraguai e deixou a Espanha a um passo da eliminação.

Com a vitória da Nigéria sobre a Bulgária por 1 a 0, o Grupo D tinha apenas os africanos garantidos na etapa final, e a última vaga ainda em aberto. Quem mais tinha chance era exatamente o Paraguai, que dependia somente de uma vitória simples sobre os nigerianos para avançar. A Espanha precisava vencer a Bulgária e torcer por uma derrota ou empate dos paraguaios, mesmo cenário que os búlgaros dependiam no duelo contra os ibéricos.
No dia 24 de junho, o Paraguai entrou com tudo em busca da vaga e, com apenas um minuto de jogo, Francisco Arce cobrou falta precisa na cabeça de Ayala, que testou firme para fazer 1 a 0. A Nigéria empatou logo em seguida, aos 10’, com Oruma, em boa jogada pela direita. No segundo tempo, a equipe sul-americana impôs sua forte marcação, mas aliou a isso investidas ao ataque. E, aos 13’, Benítez recebeu na entrada da área e chutou forte para fazer um belo gol. Já perto do fim, Cardozo recebeu livre dentro da área e marcou o gol da vitória: 3 a 1. Paraguai nas oitavas de final! Espanha e Bulgária, eliminadas!
“Desde que chegamos à França estamos conscientes de que estamos enfrentando adversários mais fortes. Nosso time é muito esforçado e se apresentou de forma exemplar no segundo tempo contra a Nigéria. Mas não podemos imaginar que as coisas melhoraram. Elas continuam difíceis. Trabalho com computador, números e gráficos, vou colocar para os jogadores o que estamos acertando e errando. Vamos aprimorar ainda mais. Além disso, pela primeira vez, terei 100% da equipe em condição de jogo”, comentou o técnico Carpegiani após o duelo e já projetando a etapa seguinte, na qual o Paraguai teria pela frente nada mais nada menos que a França, anfitriã e repleta de craques – exceto Zidane, que ainda cumpria suspensão e era baixa confirmada do lado bleu.
Drama, gol de ouro e o fim

Antes do duelo entre França e Paraguai, em Lens, o célebre diário L’Équipe (FRA) mostrou surpresa com a seleção albirroja, dizendo que “O Paraguai é, desde quarta-feira à noite (quando a classificação se definiu na chave), o mais célebre e o mais enigmático dos países”. À vista dos franceses, o país era mesmo um mistério, pois todos esperavam a Espanha ou mesmo a Nigéria naquele duelo de oitavas de final. Mas, quando a bola rolou, a equipe europeia se deparou com um time extremamente aplicado defensivamente e que iria jogar recuado, forçando uma prorrogação ou mesmo disputa de pênaltis. O tempo extra era arriscado pelo fato de existir na época o Gol de Ouro, que terminava a partida assim que uma equipe conseguisse fazer um gol. Mesmo assim, a seleção do Paraguai levou a França ao limite, que não conseguiu criar grandes chances e sentia muito a ausência de Zidane.
Sem ele, o time bleu deixava uma lacuna no meio que não era devidamente aproveitada pelo ataque paraguaio, fraco perto da força defensiva que tinha. Para piorar, um ainda novato Henry deixou o jogo aos 64’, com uma lesão no tornozelo, e diminuiu ainda mais as chances ofensivas da França, que tinha que se apegar a Trezeguet e ao incrivelmente inoperante Guivarc’h. Gamarra, Ayala e Enciso simplesmente paravam o time inteiro da França com desarmes, intercepções e bloqueios. Com o fim do jogo no tempo regulamentar e 0 a 0 no placar, a partida foi para a prorrogação, na qual Gamarra teria que jogar com uma proteção no braço após sofrer uma lesão na clavícula, em uma cena parecida com a de Beckenbauer na Copa do Mundo de 1970.



Ali, o técnico Carpegiani, por mais que seu defensor fosse fundamental para o resultado, teria que tirá-lo de campo. Mas não o fez. Gamarra continuou jogando no sacrifício e, aos 113’, uma bola na área da defesa paraguaia foi em direção a Gamarra, que não teve forças para subir e Trezeguet foi perfeito ao escorar para o bico direito da pequena área para o zagueiro Laurent Blanc mandar a bola para o gol de Chilavert. O goleiro tentou fechar o ângulo e ainda tocou na bola, mas a redonda, enfim, entrou. Foi o primeiro gol de ouro dos Mundiais. E a classificação da França para as quartas de final.
O Paraguai deu adeus à Copa e a equipe da casa seguiu em frente rumo ao título inédito. Curiosamente, França e Paraguai tiveram as melhores defesas da Copa com apenas dois gols sofridos cada. Ao time guaraní, ficou a certeza de uma grande retorno aos holofotes do mundo do futebol. Além disso, o zagueiro Gamarra conseguiu a proeza, a glória e a máxima perfeição em não cometer uma falta sequer nos quatro jogos do Paraguai. E isso mesmo tendo enfrentado adversários como Stoichkov, Raúl, Kanu, Henry e Trezeguet. Foi algo simplesmente surreal e sensacional que renderam à Gamarra o título de melhor zagueiro da Copa e presença no All-Star Team. Chilavert, com grandes defesas, em especial naquele jogo contra a França, também entrou no All-Star team do Mundial. Carpegiani demonstrou a sensação de dever cumprido, mas, anos depois, admitiu que errou ao não tirar Gamarra.
“Eu tinha o Rivarola no banco. Era fazer a simples troca. E eu disse para ele: “Gamarra, é minha a responsabilidade. Eu preciso fazer uma outra coisa, senão nós não vamos aguentar isso.” Fiz uma outra modificação e acabei deixando o Gamarra. E é um erro que eu carrego até hoje. (…) A jogada do gol foi em cima dele. O cara meteu a bola nele, e ele ficou com medo de ir no cara que escorou para o outro fazer”, comentou o brasileiro ao programa “Bem, Amigos!”, do SporTV, em agosto de 2017.
“Dei azar que no segundo tempo da prorrogação eles estavam do outro lado (do banco). E naquele momento eu estava com grandes batedores (pênalti), como o Arce, o Chilavert. Eles estavam aguentando, segurando, para ir para a penalidade. Quando tomaram o gol, aconteceu aquilo, eu vi eles se jogando no chão, se lamentando, me irritou muito. Porque um time que se aguenta, que joga para buscar um resultado do empate, ele acaba descendo, e foi o que aconteceu; Eu errei na substituição”.
À espera de uma nova safra de ouro

Alcançar uma etapa de oitavas de final de Copa serviu como volta por cima ao futebol paraguaio. O país seguiu competitivo nos anos seguintes e retornou a um Mundial em 2002, quando se classificou de novo para as oitavas de final, mas acabou eliminado pela Alemanha. A geração dourada foi envelhecendo e abriu espaço para outros atletas, que levaram o país às Copas de 2006 (queda na primeira fase) e à Copa de 2010, na qual o Paraguai teve seu melhor desempenho da história e alcançou as quartas de final, sendo eliminado pela campeã Espanha por apenas 1 a 0 e vendendo bem caro a derrota – vamos relembrar essa história em breve! Aquela, porém, foi a última Copa do Paraguai, que não conseguiu se classificar para os Mundiais de 2014, 2018 e 2022. Com o aumento de vagas para a Copa de 2026, o país espera retornar ao maior torneio do planeta, mas a torcida sabe que será difícil surgir uma nova safra de ouro como a vista no final dos anos 1990 e anos 2000.
Os personagens:
Chilavert: entre os maiores goleiros do mundo nos anos 1990, José Luis Chilavert foi uma das figuras mais icônicas do futebol paraguaio na história e brilhou intensamente pelo Vélez Sarsfield e pela seleção. Além de ser um ótimo goleiro, se impunha em campo, amedrontava os rivais e marcava lindos gols de faltas. Pela albirroja, foram oito gols em 74 jogos. Leia mais sobre ele clicando aqui!
Celso Ayala: zagueiro eficiente na marcação e nos desarmes, foi um dos principais nomes do River Plate campeão da Libertadores de 1996 e vestiu a camisa da seleção em 85 jogos, marcando seis gols. Fez uma grande dupla de zaga com Gamarra e demonstrou enorme entrosamento com o companheiro. Vestiu a camisa da seleção até 2003.
Gamarra: leal, seguro, sublime. Desarmava como poucos e como muitos jamais conseguiram. Se antecipava nas jogadas e conseguia compensar a falta de estatura por conta disso. E, claro, marcava seus gols de vez em quando. Gamarra foi um dos maiores zagueiros da história do futebol sul-americano e viveu seu auge exatamente em 1998, quando arrebatou a todos ao disputar todas as quatro partidas da seleção paraguaia na Copa do Mundo sem cometer uma falta sequer. Uma monstruosidade que lhe rendeu o prêmio de melhor defensor daquele mundial e uma vaga no All-Star Team da Copa.
O defensor ainda disputou a Copa de 2002, como capitão, e foi outra vez preciso e impecável, mas cometeu suas primeiras faltas em um Mundial – uma contra a África do Sul e quatro contra a Alemanha (segundo dados estatísticos da própria FIFA), seleção esta que eliminou o Paraguai nas oitavas de final. A última Copa do craque foi em 2006, mas a seleção do Paraguai acabou eliminada já na fase de grupos. No entanto, o nome de Gamarra já estava para sempre na história dos Mundiais. Leia mais sobre ele clicando aqui!
Sarabia: começou sua trajetória no Cerro Porteño, onde se destacou como um defensor seguro e técnico. Foi presença constante na Seleção Paraguaia durante os anos 1990 e início dos anos 2000. Acumulou 47 jogos pela albirroja na carreira.
Rivarola: o zagueiro, um dos melhores do país nos anos 1990, não teve muitas chances com Carpegiani naquele período por causa da preferência do brasileiro por Gamarra e Ayala. Mesmo assim, quando entrava, cumpria bem suas funções com eficiência na marcação e muita força. Brilhou no Grêmio entre 1995 e 1998.
Arce: um dos maiores laterais-direitos do futebol sulamericano nos anos 1990, Francisco Arce se tornou uma lenda do Paraguai e dos vários clubes que passou. Especialista em bolas paradas, cobrava escanteios e faltas com precisão e ainda marcava lindos gols. Leia muito mais sobre ele clicando aqui!
Morales: podia jogar como meia e também atacante, mas não foi titular absoluto por conta da concorrência no elenco. Esteve no time que empatou com a Bulgária, na estreia, jogando no lugar de Francisco Arce. Foram apenas sete jogos pela albirroja na carreira.
Enciso: um dos mais destacados jogadores paraguaios dos anos 1990 e 2000, Enciso foi ídolo no Internacional-BRA, onde jogou de 1996 até 2000, até chegar ao Olimpia em 2001 e assumir a titularidade do meio de campo e a braçadeira de capitão. Esbanjava garra, tinha boa visão de jogo e não aliviava na marcação dos rivais. Jogou no Olimpia até 2005, venceu a Libertadores de 2002 e disputou a Copa do Mundo de 1998 pela seleção, além de conquistar a medalha de Prata nos Jogos Olímpicos de 2004 como um dos jogadores com mais de 23 anos.
Acuña: El Toro brilhou na seleção paraguaia por quase duas décadas, vestindo o manto albirrojo em 100 oportunidades entre 1993 e 2011. Tinha enorme presença física por conta de sua força, era ótimo na marcação e ainda tinha habilidade para aplicar dribles e distribuir a bola para iniciar contra-ataques – não por acaso, foi jogar futebol de areia após se aposentar. Disputou as Copas de 1998, 2002 e 2006, jogando em todos os jogos nas três edições.
Brizuela: podia jogar como meia e também atacante e se destacava pela velocidade e por iniciar bons contra-ataques. Disputou 21 jogos e marcou 3 gols pela seleção.
Paredes: marcador forte, com grande senso tático e personalidade, era uma das
peças mais importantes do esquadrão paraguaio e fez uma dupla notável com Enciso no meio de campo. Ficou conhecido como “Señor de la media cancha” por conta da qualidade nos passes, posicionamento e presença no setor ofensivo. Foram 10 gols em 74 jogos pela seleção na carreira. Outro que disputou três Copas: 1998, 2002 e 2006.
Campos: polivalente, podia jogar como lateral, meia e ponta, sempre com boa presença no ataque e nas tabelas. Foram 46 jogos e seis gols pela seleção.
Caniza: o lateral-esquerdo tinha características mais defensivas e de marcação, por isso, podia atuar também como zagueiro central quando necessário. Fez carreira no futebol paraguaio e também no México. Foram 100 jogos e um gol pela seleção.
Cardozo: era o homem de área do ataque paraguaio e fez uma boa dupla com Benítez no setor ofensivo da seleção. Jogou entre 1991 e 2006 pela equipe guaraní e anotou 25 gols em 82 jogos no período. Por causa do esquema mais defensivo, não rendeu tanto quanto podia. Cardozo é uma lenda do Toluca-MEX, onde jogou de 1995 até 2005 e virou o maior artilheiro da história do clube com 249 gols em 332 jogos.
Benítez: rápido e habilidoso, ajudava na construção de jogadas e fez uma boa dupla com Cardozo na época. Marcou 11 gols em 32 jogos pela seleção e brilhou no Espanyol campeão da Copa do Rei de 1999-2000 e no Olimpia campeão da Libertadores de 2002.
Arístides Rojas: atacante muito rápido, ganhou o apelido de “La Flecha” e jogou na seleção de 1989 até 1998. Alternou jogos como titular e outros como suplente naquela era e marcou três gols importantes nas Eliminatórias.
Paulo César Carpegiani (Técnico): embora tenha escolhido um estilo de jogo defensivo, o brasileiro conseguiu sucesso no comando do Paraguai ao conduzir a seleção à uma Copa do Mundo depois de vários anos de jejum. Fez uma sólida campanha nas Eliminatórias, e, na fase de grupos do Mundial, superou grandes rivais com uma zaga brilhante e segura. No duelo contra a França, faltou mais ousadia e mexer melhor no segundo tempo. Talvez, a equipe conseguiria até marcar um gol ou mesmo levar o jogo para os pênaltis. Mesmo assim, marcou seu nome na história do país e recolocou o Paraguai entre as grandes seleções do planeta naquele final de anos 1990. Foram 36 jogos, 14 vitórias, 11 empates e 11 derrotas no comando dos albirrojos entre 1996 e 1998.
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Eu queria muito ver esse Paraguai 1998 entre as seleções imortais! Apesar de ter caído nas oitavas, era uma grande seleção! Não é todo dia que você vê Gamarra, Chilavert, Arce, Celso Ayala e cia em um único time! Só perdeu porque a França era forte e pela teimosia de Carpegiani! Mesmo assim, os paraguaios caíram de pé!
Já que estamos falando de Paraguai, acho que o Imortais podia colocar Romerito (aquele do Paraguai 1979) entre os craques imortais!
É sempre uma honra prestigiar o site! Abraço, Imortais!