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Seleções Imortais – Bélgica 1980-1986

Em pé: Ceulemans, Pfaff, Vervoort, Grün, Demol e Claesen. Agachados: Gerets, Veyt, Enzo Scifo, Renquin e Vercauteren.

 

Grandes feitos: Vice-campeã da Eurocopa (1980), 10ª colocada na Copa do Mundo da FIFA de 1982 e 4ª colocada na Copa do Mundo da FIFA de 1986. Conseguiu os resultados mais expressivos da história da Seleção Belga de futebol.

Time-base: Jean-Marie Pfaff; Eric Gerets, Georges Grün (Walter Meeuws), Stéphane Demol (Luc Millecamps / Franky Van Der Elst), Michel Renquin e Patrick Vervoot; Enzo Scifo (Julien Cools / Ludo Coeck), Jan Ceulemans e Franky Vercauteren (René Vandereycken / Wilfried Van Moer); Nico Claesen (François Van Der Elst / Czerniatynski) e Daniel Veyt (Erwin Vandenbergh / Raymond Mommens). Técnico: Guy This.

 

“A era de ouro dos Rode Duivels”

Por Guilherme Diniz

Desde o longínquo ano de 1920 que a Seleção Belga não conseguia um lugar de destaque ou fazia uma grande campanha em alguma competição internacional. Mas, após um sono profundo de 60 anos, eis que os “Diabos Vermelhos” conseguiram mostrar ao mundo que tinham, sim, um futebol eficiente e competitivo. Durante seis anos, a equipe dos países baixos beliscou os dois maiores troféus que uma seleção pode almejar – uma copa continental e uma Copa do Mundo – e por muito pouco não conseguiu gritar “é campeão”. Mesmo sem títulos, os belgas fizeram história com um vice-campeonato na Eurocopa de 1980 e um maravilhoso 4º lugar na Copa de 1986, com queda apenas nas semifinais diante da Argentina de Maradona.

Os resultados maiúsculos foram consequência de uma safra de ouro que desabrochou no país naquela época, com nomes como o estupendo goleiro Pfaff, o ótimo lateral Eric Gerets, o habilidoso meia Enzo Scifo, o polivalente Jan Ceulemans e muitos outros que brilharam não só pelo selecionado belga, mas também por seus vitoriosos clubes. Além deles, o responsável por fazer a Bélgica temida foi Guy This, célebre estrategista e sedento por vitórias a qualquer custo e de qualquer maneira, seja com brilho, seja na raça. É hora de relembrar uma das maiores forças europeias na década de 80.

 

O despertar

Desde 1920 que a glória para o futebol belga se restringia a foto acima, do time campeão olímpico nas Olimpíadas da Antuérpia.
Desde 1920 que a glória para o futebol belga se restringia à foto acima, do time campeão olímpico nos Jogos da Antuérpia.

 

Mesmo com o Ouro Olímpico conquistado em 1920, a Bélgica não tinha tradição ou grande poderio no futebol mundial até a chegada da década de 80. Para piorar, aquela conquista olímpica foi cercada de controvérsias pelo fato de a Tchecoslováquia, rival dos belgas na decisão, ter abandonado a partida após 39 minutos de jogo em protesto à atuação do árbitro britânico John Lewis, que “puxava a sardinha” para os anfitriões de maneira explícita, segundo os tchecos. A Bélgica venceu por 2 a 0 e ficou com o ouro, mas a torcida do país nunca se lembrou do título com muito carinho. Nos anos 70, o país viveu momentos de alegria quando o Anderlecht, o mais tradicional clube belga, começou a vencer títulos inéditos e históricos em solo europeu, com um bicampeonato da Recopa da UEFA e um bicampeonato da Supercopa da UEFA, além de vários títulos nacionais (leia mais clicando aqui).

A equipe trouxe novas perspectivas para a seleção pelo fato de contar com excelentes jogadores como François van der Elst, Franky Vercauteren, Ludo Coeck e Paul Van Himst, atletas que teriam participação no selecionado belga em boa parte dos anos 80. Além deles, o país ainda contava com talentos do Standard Liège (Eric Gerets, Michel Renquin e um novato Michael Preud´homme), do Club Brugge (Vandereycken, Julien Cools e Jan Celeumans), que foi vice-campeão da Liga dos Campeões de 1977-1978, e do Beveren (Jean-Marie Pfaff).

Guy This, técnico da Seleção Belga por mais de dez anos.
Guy This, técnico da Seleção Belga por mais de dez anos.

 

As campanhas brilhantes de seus clubes em competições europeias chamaram a atenção não só da orgulhosa e feliz torcida belga, mas também de Guy This, o homem eleito pela Associação de futebol do país para comandar a seleção a partir de 1976, justamente a era do apogeu do Anderlecht. O treinador chegou bastante elogiado pelas campanhas que havia feito com o Royal Antwerp, vice-campeão belga em 1973-1974 e 1974-1975, e começou a construir a base que viria a brilhar na década seguinte apoiando-se em trabalhos táticos e principalmente físicos, com destaque para os ensinamentos de Raoul Mollet, pentatleta belga nos anos 30 e 40 que escreveu o livro “Treinamento de força”, em 1961, obra que deixou clara a importância de um trabalho específico para que os atletas aguentassem diferentes ritmos de jogos e nas mais diversas modalidades.

Guy This tinha como lema “é preciso ganhar sempre, não importam os métodos, sequer as maneiras”, e foi logo pondo em prática suas palavras nas Eliminatórias para a Eurocopa de 1980, nas quais a Bélgica terminou na liderança e invicta, com quatro vitórias e quatro empates em oito jogos, tendo a defesa menos vazada do grupo com cinco gols sofridos. Os destaques foram as vitórias sobre Portugal (2 a 0), e Escócia (2 a 0, em casa, e 3 a 1, fora). Van der Elst mostrou enorme faro de gol ao marcar cinco tentos e ser o artilheiro do time. Garantidos na Euro, os belgas queriam mostrar que podiam, sim, ir longe em uma grande competição internacional.

 

A primeira grande campanha

Eric Gerets, brilhante lateral do time vermelho.
Eric Gerets, brilhante lateral do time vermelho.

 

Em 1980, a Bélgica não iniciou sua jornada na Eurocopa da Itália antes de se preparar corretamente. A equipe disputou quatro amistosos e venceu todos: 5 a 0 em Luxemburgo, 2 a 0 no Uruguai (que havia vencido o Mundialito da FIFA naquele ano), 2 a 1 na Polônia e 2 a 1 na Romênia. Os triunfos renderam vários elogios da imprensa e provaram que o time estava mesmo no caminho certo e bem treinado por This, que salientava a força do conjunto e a amizade entre os atletas como características de destaque daquele time. Na Euro, os belgas eram os azarões diante da anfitriã Itália, da Inglaterra e da Espanha, e não eram cotados a absolutamente nada pela imprensa estrangeira.

Mas os vermelhos começaram a mostrar força ao empatar em 1 a 1 com a Inglaterra de Shilton, Neal, Sansom e Keegan, na estreia, com um gol de oportunismo marcado por Ceulemans. Em seguida, a Espanha de Arconada, Migueli, Alexanco, Gordillo, Quini e Juanito foi derrotada por 2 a 1, com uma atuação inteligente da Bélgica, que neutralizou as principais jogadas dos espanhóis, mostrou força no contra-ataque e definiu o jogo com gols de Eric Gerets e Julien Cools.

Na última partida, os belgas precisavam apenas de um empate contra a anfitriã Itália para irem à final. Sabendo disso, o técnico Guy This fechou seu meio de campo e armou um ferrolho bem à italiana para impedir que jogadores como Graziani, Bettega, Antognoni e Tardelli ameaçassem a meta de Pfaff. A tática deu certo, os italianos pouco atacaram e o placar em 0 a 0 no estádio Olímpico de Roma colocou a Bélgica na decisão da Euro, a primeira da equipe na história e o primeiro grande momento do time desde 1920.

Ceulemans (à dir.) em ação contra a Alemanha.
Ceulemans (à dir.) em ação contra a Alemanha.

 

Na final, Van der Elst e Vandereychen foram as principais armas belgas contra os fortes alemães, que apostavam em Stielike, Briegel, Schuster, Rummenigge, Hrubesch e Allofs para levantar o bicampeonato continental. Logo aos 10´, a Alemanha abriu o placar com Hrubesch. A Bélgica equilibrou as coisas, levou perigo, mas só empatou no segundo tempo com Vandereychen, de pênalti. Com a prorrogação chegando, Hrubesch, aos 43´, marcou o gol salvador que deu o título europeu à Alemanha. Foi uma verdadeira ducha de água fria para os belgas, mas a campanha serviu como trampolim para que a seleção continuasse forte em busca de boas campanhas nos próximos torneios, principalmente nas Copas que estavam por vir.

O time de 1980 - Em pé: Ceulemans, Pfaff, Meeuws, Millecamps e Vandereycken. Agachados: Van Moer, Erick Gerets, Cools, Mommens, Renquin e Francois Van Der Elst.
O time de 1980 – Em pé: Ceulemans, Pfaff, Meeuws, Millecamps e Vandereycken. Agachados: Van Moer, Eric Gerets, Cools, Mommens, Renquin e Francois Van Der Elst.

 

Rumo à Espanha

Após a Euro, a Bélgica descansou quatro meses até entrar novamente em campo pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1982. A equipe iniciou a caminhada rumo ao Mundial com um empate em 1 a 1, fora de casa, contra a Irlanda. Além dos britânicos, os belgas teriam pela frente a França de Platini, a rival Holanda e o fraco Chipre. Em novembro, os vermelhos derrotaram os vizinhos holandeses por 1 a 0, em Bruxelas, com gol de Vandenbergh. Na sequência, a equipe bateu o Chipre (2 a 0, fora de casa, e 3 a 2, em casa), venceu a Irlanda (1 a 0, em casa), perdeu para a França por 3 a 2, em Paris, mas deu o troco com uma vitória maiúscula por 2 a 0, em casa, com gols de Czerniatynski e Vandenbergh. No último jogo, a derrota para a Holanda, em Roterdã, por 3 a 0, não foi suficiente para eliminar os belgas, que terminaram na liderança do Grupo 2 com cinco vitórias, um empate e duas derrotas em oito jogos, com um ponto à frente da França. A Holanda acabou fora do Mundial (os laranjas só voltariam a uma Copa em 1990) e Vandenbergh foi o goleador dos belgas com cinco gols marcados.

Após um ano quase sabático em 1981, com apenas um amistoso disputado (derrota por 2 a 0 para a Espanha), a Bélgica entrou em campo novamente no começo de 1982, venceu dois jogos e perdeu um, e viajou até a Espanha para a disputa do Mundial. Era hora de mostrar ao mundo a safra de jogadores que vestiam o manto vermelho dos Rode Duivels.

 

Desbancando os campeões e conhecendo o território

Em 1982, Maradona não conseguiu fazer a diferença. O paredão belga talvez explique o motivo...
Em 1982, Maradona não conseguiu fazer a diferença. O paredão belga talvez explique o motivo…

 

De volta a uma Copa após 12 anos, a Bélgica teve logo na estreia um adversário complicadíssimo: a Argentina, campeã do Mundial anterior e com nomes como Fillol, Passarella, Tarantini, Ardiles, Bertoni, Kempes e Maradona. Era um time perigoso e que estava entre os favoritos ao título. Mas, com a bola rolando, a Bélgica mostrou força, equilíbrio e contou com uma atuação soberba de Pfaff, que impediu vários gols dos argentinos e provou ser, na época, um dos maiores goleiros do mundo. Além de contar com uma boa retaguarda, a Bélgica tinha força de ataque e levava perigo à zaga argentina, que também escapava por pouco de levar gols.

Aos 17´do segundo tempo, a equipe vermelha construiu com calma, técnica e astúcia o primeiro e único gol do jogo. Após troca de passes que começou lá no campo de defesa, Vandenbergh, tão importante para a classificação belga à Copa, recebeu lançamento de Vercauteren, aproveitou a bobeada da zaga, matou no peito e chutou com calma para marcar: 1 a 0. As mais de 95 mil pessoas que lotaram o Camp Nou, em Barcelona, aplaudiram de pé o resultado surpreendente e histórico dos belgas, que derrotavam os campeões do mundo com muita maturidade.

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Na partida seguinte, a classificação foi assegurada com o triunfo por 1 a 0 sobre El Salvador, com gol de Coeck. No último jogo da primeira fase, os belgas empataram em 1 a 1 com a Hungria (o gol belga foi anotado por Czerniatynski) e garantiram o primeiro lugar no grupo, mas o saldo do confronto contra os húngaros foi ruim: Pfaff, que estava pegando tudo no gol belga, se contundiu e era desfalque certo para a segunda fase. Outro que também estava fora era o lateral Gerets, que sofreu uma concussão.

Sem a dupla, a Bélgica foi presa fácil para a Polônia, que venceu por 3 a 0 com três gols de Boniek, que fez a festa na meta do goleiro Custers. No jogo seguinte, nova derrota, dessa vez para a URSS, por 1 a 0, resultado que eliminou os belgas da Copa. O gosto amargo da eliminação foi sentido muito pelo fato de o time sofrer com duas ausências fundamentais justo na reta final do torneio. Com Pfaff, Boniek não teria feito os gols que fez. E com Gerets, a URSS não teria a liberdade que teve pelas pontas. Mas não havia tempo para lamentar. Era preciso trabalhar e pensar nos próximos desafios.

 

Hora de mudanças

O "Príncipe" Scifo: craque deu mais velocidade e talento ao setor ofensivo do time.
O “Príncipe” Scifo: craque deu mais velocidade e talento ao setor ofensivo do time.

 

Entre 1982 e 1983, a Bélgica disputou mais uma vez as Eliminatórias para uma Eurocopa, dessa vez a de 1984, na França, e se classificou em primeiro lugar, à frente de Suíça, Alemanha Oriental e Escócia, com quatro vitórias, um empate, uma derrota, melhor ataque (12 gols marcados) e grandes exibições da dupla Vanderbergh e Van der Elst. Na Euro, porém, o time não se encontrou e caiu ainda na primeira fase, com direito a uma goleada de 5 a 0 sofrida diante da França, que seria a campeã com uma atuação simplesmente mágica de Platini. A queda precoce levantou dúvidas sobre a continuidade daquela geração e uma reformulação foi sugerida por muitos para que a Bélgica recomeçasse os trabalhos visando a Copa do Mundo de 1986, no México. Mas a Associação belga manteve Guy This no cargo, que decidiu dar mais chances ao talentoso meia Enzo Scifo, craque do Anderlecht de apenas 18 anos que mostrava enorme controle de bola e muita técnica. Com ele em campo, a Bélgica se rejuvenesceu e foi com mais confiança para a disputa das Eliminatórias da Copa.

O heroico gol de Grün, contra a Holanda, que colocou a Bélgica na Copa de 1986.
O heroico gol de Grün, contra a Holanda, que colocou a Bélgica na Copa de 1986.

 

Na estreia, o time vermelho bateu a Albânia por 3 a 1, em casa, empatou sem gols com a Grécia, fora, e perdeu por 2 a 0 para a Albânia, fora. Na sequência, vitórias por 2 a 0 sobre Grécia e Polônia, ambas em casa, e empate sem gols com a Polônia, fora, resultado que obrigou os belgas a disputar a repescagem contra os rivais holandeses, que já contavam com algumas estrelas que fariam da Holanda campeã da Europa em 1988, tais como Van Breukelen, Rijkaard, Van Tiggelen, Gullit e Van Basten. Na ida, em Bruxelas, Vercauteren fez o gol da vitória belga por 1 a 0, resultado que dava a vantagem do empate aos vermelhos para o duelo da volta, em Roterdã.

Em território inimigo, os belgas levaram dois gols no segundo tempo e viam a classificação para a Copa ficar distante a cada minuto que se passava e com os crescentes gritos dos mais de 55 mil torcedores holandeses. Mas, aos 40´, Grün aproveitou uma bola alçada na área e fez, de cabeça, o heroico gol da classificação pelo critério de desempate (o gol marcado fora de casa). A derrota com sabor de vitória colocou a Bélgica na Copa e deixou os vizinhos laranjas mais um vez ausentes de um Mundial. O que poderia ser melhor do que aquilo para o torcedor belga? Uma boa participação no México. E, de preferência, sem contusões para atrapalhar.

 

Precavidos e classificados

As "figurinhas" belgas na Copa de 1986.
As “figurinhas” belgas na Copa de 1986.

 

Na viagem até o México, a delegação belga se precaveu do famoso “Mal de Montezuma”, que costuma acometer os estômagos de turistas que visitam o país, e levou 20 mil litros de água e centenas de quilos de queijo holandês, mantimentos que os belgas acreditavam ser “extremamente perigosos” em terras mexicanas. Parece que a tal carga foi tida como um desaforo pelos anfitriões, que venceram os belgas na estreia do Grupo B por 2 a 1. A recuperação dos europeus veio na sequência, com vitória por 2 a 1 sobre o Iraque, com gols de Scifo, num chute cruzado após passe de Ceulemans, e Claesen, de pênalti. No último jogo, Vercauteren abriu o placar diante do Paraguai, mas Roberto Cabañas empatou. Veyt deixou a Bélgica em vantagem no começo do segundo tempo, mas outra vez Roberto Cabañas anotou para os paraguaios. O resultado em 2 a 2 classificou a Bélgica como a melhor terceira colocada. Embora não tivesse jogado bem na fase inicial, os vermelhos estavam guardando o melhor justamente para a fase que tanto eles foram prejudicados no Mundial anterior: o matar e matar.

 

Grandes jogos e a queda sob Maradona

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Nas oitavas de final, a equipe de Guy This teve pela frente uma das favoritas: a URSS, de Dasayev e Belanov. E foi deste último o gol que abriu o placar, aos 27´do primeiro tempo. Os soviéticos bem que tentaram ampliar, mas Pfaff estava exuberante no gol. No começo do segundo tempo, Scifo aproveitou uma bola na área e empatou: 1 a 1. Aos 25´, Belanov fez mais um para a URSS, mas Ceulemans, aos 32´, voltou a empatar. Em um jogo com a Bélgica jogando no contra-ataque e a URSS esbarrando em Pfaff, a prorrogação se tornou o caminho natural para um provável desfecho.

Nela, pesou o treinamento intensivo aplicado pelo técnico Guy This e o espírito de bravura do time belga, que virou o jogo aos 12´do primeiro tempo, quando Gerets deu um de seus preciosos cruzamentos para a área e Demol, de cabeça, mandou para o fundo do gol de Dasayev. Aos 5´da segunda etapa, com direito a tabelinha de cabeça e grandes passes, a Bélgica fez 4 a 2 com Claesen. Com a mão na vaga, o time ainda levou um gol um minuto depois, de pênalti, mas o placar ficou mesmo em 4 a 3. A classificação heroica inflou os belgas para as quartas de final, na qual o adversário seria a também embalada Espanha, que havia eliminado a sensação da primeira fase, Dinamarca, com uma goleada por 5 a 1.

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Mais uma vez, Pfaff foi o nome do time com pontes maravilhosas e presença de área simplesmente perfeita, parando todo e qualquer ataque espanhol. Jogando no erro do adversário, a Bélgica aproveitou a chance que teve no primeiro tempo e fez 1 a 0 com Ceulemans, aos 35 minutos. Na segunda etapa, Zubizarreta evitou um gol certo da Bélgica, que a partir daí só se defendeu. A Espanha martelou, martelou, Pfaff fez milagres homéricos, mas Señor mandou um petardo no final do jogo que enganou Pfaff e balançou, enfim, as redes do goleirão: 1 a 1. Após 30 minutos sem gols na prorrogação, a Bélgica mostrou personalidade nas cobranças de pênaltis e converteu todos os seus chutes. Já a Espanha errou um tiro, com Eloy, que viu Pfaff, o craque do jogo, defender. O placar de 5 a 4 fez da Bélgica uma incrível e histórica semifinalista. Ninguém acreditava, mas era verdade. Os belgas, antes desconhecidos e sem grandes campanhas em Mundiais, eram um dos quatro melhores do planeta.

Pfaff, grande nome da Bélgica na Copa de 1986.
Pfaff, grande nome da Bélgica na Copa de 1986.

 

Faltando apenas um desafio antes da final, a equipe atendeu as recomendações de Guy This e não se acuou diante da Argentina. Aliás, nem era possível, ainda mais com Maradona jogando o que estava jogando na época. O time vermelho teve várias chances, levou perigo nas bolas aéreas, nos contra-ataques e nas jogadas de impedimento, mas o gol teimava em não sair – e o bandeirinha esfriava todas as armadilhas do “off-side” dos belgas. No segundo tempo, Maradona chamou a responsabilidade e decidiu a parada para a Argentina com dois golaços e uma atuação magnífica – alguns dizem que foi até melhor que no jogo contra a Inglaterra.

O placar de 2 a 0 colocou os Hermanos na final (eles seriam os campeões) e eliminou a Bélgica, que foi cabisbaixa e sem pernas para a disputa do terceiro lugar, contra a França. Após disputar duas prorrogações, uma disputa de pênaltis e ter de correr durante 90 minutos atrás de um Maradona infernal, os belgas foram presas fáceis para os franceses, que venceram por 4 a 2. Ao final da competição, Pfaff foi eleito o Melhor Goleiro da Copa, Scifo o Melhor Jogador Jovem e Pfaff e Ceulemans escalados no All-Star Team do Mundial. Prêmios merecidos e que comprovaram o quão histórica foi a campanha do país no maior torneio do futebol mundial.

A base da Bélgica de 1986: o meio de campo e o ataque resolviam na base de jogadas rápidas. Na zaga, Pfaff e seus zagueiros eram difíceis de ser superados.
A base da Bélgica de 1986: o meio de campo e o ataque resolviam na base da velocidade. Na zaga, Pfaff e seus zagueiros eram difíceis de ser superados.

 

Em busca do bis

Após o auge no México, a Bélgica viu grande parte de suas estrelas cair de produção – e sofrer as consequências da idade – e não conseguiu repetir as boas campanhas de antes nas grandes competições internacionais. Nas Copas de 1990 e 1994, a equipe foi apenas a 11ª colocada em ambas, mas brindou o planeta com mais um grande goleiro: Michael Preud´homme, craque que o Imortais já relembrou aqui. Ausente dos Mundiais de 2006 e 2010 e das Eurocopas de 2004, 2008 e 2012, a seleção vermelha voltou a contar com uma nova safra de bons jogadores que passeou nas Eliminatórias para a Copa de 2014 e alcançou as quartas de final do Mundial, ao ser derrotada pela Argentina, e chegou ao 3º lugar na Copa de 2018. Muitos esperavam que Courtois, Kompany, Lukaku, Hazard entre outros pudessem ir mais longe, mas a inexperiência pesou. Com isso, os belgas torcem para que o tempo possa ajudar e tais jovens se tornem maduros o bastante para surpreender num futuro próximo. Como fez a grande seleção comandada por Guy This. Uma seleção imortal.

 

Os personagens:

Jean-Marie Pfaff: corajoso, astuto, rápido, dono de reflexos apurados e preciso senso de colocação, Pfaff foi um dos maiores goleiros da história do futebol europeu e também um dos maiores de toda a Bélgica. Soberbo e impecável nas duas Copas que disputou, o craque foi um dos principais responsáveis pelas ótimas campanhas da equipe na época e abocanhou vários títulos de melhor goleiro da temporada e até do mundo. Após fazer seu nome pela seleção, Pfaff brilhou com a camisa do Bayern-ALE entre 1982 e 1988 e conquistou três títulos alemães e duas Copas da Alemanha. Pela Bélgica, o goleiro disputou 64 partidas entre 1976 e 1987.

Eric Gerets: ídolo e capitão do PSV-HOL durante anos, Eric Gerets marcou época com uma regularidade impressionante e muita eficiência pelo lado direito do setor defensivo tanto dos times pelos quais jogou quanto pela seleção. É considerado um dos maiores laterais-direitos da história do futebol europeu e brilhou intensamente por mais de uma década. Tinha muita qualidade nos passes, era ótimo na marcação e ainda apoiava o ataque com maestria, marcando alguns gols. Pela seleção belga, disputou 86 jogos na carreira e marcou dois gols, sendo um dos recordistas em participações pelos vermelhos.

Georges Grün: grande volante e zagueiro, o belga brilhou no Anderlecht durante os anos 80 até chegar ao Parma-ITA, em 1990, onde disputou mais de 100 jogos e conquistou títulos como a Copa da Itália de 1992, a Recopa de 1993 e a Supercopa da UEFA de 1993. Pela seleção, Grün disputou 77 jogos e marcou seis gols, sendo um deles crucial para que a Bélgica disputasse a Copa do Mundo de 1986: o tento único na derrota por 2 a 1 para a Holanda, nas Eliminatórias, que colocou os belgas no Mundial pelo critério do gol marcado fora de casa.

Walter Meeuws: defensor da Bélgica na Eurocopa de 1980 e na Copa de 1982, Meeuws foi um dos principais de seu país na época e brilhou com a camisa do Club Brugge entre 1978 e 1981. Acabou perdendo espaço após 1984 para Grün.

Stéphane Demol: foi o grande xerife da zaga belga na Copa de 1986 e autor de um dos gols da vitória épica sobre a URSS, nas oitavas de final, por 4 a 3. Muito bom na jogada aérea com seus quase 1,90m de altura, Demol teve destaque nos clubes de seu país e no Porto-POR, pelo qual viveu momentos de goleador e faturou um título nacional.

Luc Millecamps: o defensor jogou toda a carreira no pequenino Waregen, mas conseguiu atrair a atenção do técnico Guy This, que o convocou para vários jogos no começo dos anos 80. Com a forte concorrência no setor, acabou perdendo espaço. Disputou 35 jogos pela seleção e atuou na Euro de 1980 e na Copa de 1982.

Franky Van Der Elst: foi um dos principais nomes do futebol belga nos anos 90 e atuou em quatro Copas do Mundo. Em 1986, jogou em três partidas da equipe na campanha do 4º lugar, mas não se firmou como titular. Podia jogar como zagueiro ou volante. Fez carreira no Club Brugge e recebeu diversos prêmios pela regularidade e qualidade nos passes e na marcação. Disputou 86 jogos pela Bélgica e marcou um gol.

Michel Renquin: o zagueiro construiu sua carreira no Standard Liège e foi um dos principais nomes do time belga naquele começo de anos 80. Tinha precisão nos desarmes e segurança. Vestiu a camisa vermelha em 55 partidas.

Patrick Vervoot: podia atuar no meio de campo e na lateral-esquerda com a mesma qualidade e precisão nos passes. Jogava no Beerschot quando ganhou suas primeiras oportunidades na seleção. Depois, vestiu a camisa do Anderlecht e passou por vários outros clubes.

Enzo Scifo: habilidoso, cerebral e presente em todos os cantos do ataque, o ascendente de italianos Enzo Scifo foi o principal nome do futebol belga nos anos 80 e 90. Brilhante com a bola nos pés, foi o principal nome da equipe que alcançou o 4º lugar na Copa de 1986 e despertou a atenção de diversos clubes da Europa após jogar como gente grande e idade de garoto – tinha apenas 20 anos na época do Mundial. Estrela no Anderlecht entre 1983 e 1987, vestiu a camisa da Internazionale-ITA por um curto período e teve destaque no futebol francês e, tempo depois, no Torino-ITA, onde faturou uma Copa da Itália. É o jogador que mais disputou jogos de Copas do Mundo pela Bélgica na história (17 partidas), além de ter vestido a camisa vermelha em 84 oportunidades e ter marcado 18 gols.

Julien Cools: foi um dos principais jogadores belgas nos anos 70 e capitão do time vice-campeão da Eurocopa de 1980. Polivalente e incansável, Cools foi convocado em 35 oportunidades para a Bélgica entre 1974 e 1980 e só perdeu espaço por causa da ascensão de outros jogadores no setor. Viveu grandes momentos no Club Brugge, onde foi ídolo.

Ludo Coeck: meio campista de muita técnica, ótima visão de jogo e eficiente nos chutes de longa distância, Coeck jogou por mais de uma década no Anderlecht e conquistou quase todos os títulos possíveis com a equipe belga. Pela seleção, esteve presente na Copa de 1982 como titular absoluto do time.

Jan Ceulemans: recordista em jogos pela Bélgica (96 partidas) e um dos principais artilheiros (23 gols), Ceulemans foi outro craque de imenso destaque em seu país no final dos anos 70 e início dos anos 90. Polivalente, o meia podia atuar em praticamente todos os setores de ataque e não só marcava gols como também dava passes para os companheiros. Dono de um fôlego invejável, muita força e perigosíssimo nas jogadas aéreas, Ceulemans brilhou no Club Brugge dos anos 80 e foi o “capitão coragem” (apelido que ganhou na época) da Bélgica na Copa de 1986. Foi ídolo.

Franky Vercauteren: cria das categorias de base do Anderlecht, o ponta-esquerda Vercauteren foi um dos mais talentosos atacantes do futebol belga no final dos anos 70 e boa parte da década de 80. Rápido, precioso nos dribles e com ótima visão de jogo, o “pequeno príncipe”, como ficou conhecido, encantou os torcedores da equipe de Bruxelas e virou titular absoluto de seu time e também da seleção, pela qual jogou 63 partidas entre 1977 e 1988. Ausente na campanha do vice-campeonato da Euro de 1980, Vercauteren esteve nos Mundiais de 1982 e 1986.

René Vandereycken: meia de talento e velocidade, Vandereychen foi outro que despontou no Club Brugge e que teve destaque na seleção no começo dos anos 80. Brilhou no ataque do time vice-campeão europeu de 1980 e só não foi titular do time na Copa de 1982 por causa de uma contusão que o tirou do Mundial. Em 1986, foi convocado e viajou ao México, mas não tinha mais a intensidade de antes e ficou na reserva.

Wilfried Van Moer: era veterano quando integrou o time vice-campeão da Euro de 1980, mas deu sua contribuição com muita força de marcação e liderança perante os mais jovens. Viveu seus melhores momentos nos anos 70, pelo Standard Liège. Disputou 57 jogos e marcou nove gols pela seleção belga.

Nico Claesen: atacante oportunista, Claesen rodou por vários clubes, mas sempre foi lembrado pelo técnico Guy This naqueles anos 80. Claesen integrou os selecionados belgas na Euro de 1984 e nas Copas de 1986 e 1990. Entre 1983 e 1990, disputou 36 partidas pela Bélgica e marcou 12 gols.

François Van Der Elst: atacante muito rápido e oportunista, Van der Elst jogou de 1971 até 1980 pelo Anderlecht e marcou gols decisivos para o time conquistar os títulos históricos no período. Pela seleção, disputou 44 jogos entre 1973 e 1983 e marcou 14 gols, sendo um dos destaques do time na Euro de 1980. Disputou a Copa de 1982, mas acabou de fora do Mundial de 1986.

Czerniatynski: alto e oportunista, o atacante foi um dos grandes nomes da Bélgica na Copa de 1982, na qual anotou um gol, e atuou em 31 jogos entre 1981 e 1994 pela seleção, com sete gols marcados.

Daniel Veyt: o atacante do Waregem fez dupla com Claesen na Copa de 1986, mas não teve o mesmo brilho que em seu clube. Disputou apenas 12 jogos pela seleção.

Erwin Vandenbergh: foi um dos principais artilheiros do futebol belga nos anos 80 e titular do time na Euro de 1980 e na Copa de 1982, na qual fez o gol histórico da vitória por 1 a 0 sobre a Argentina. Disputou 48 jogos pela seleção e marcou 20 gols. Era muito inteligente e rápido.

Raymond Mommens: jogava como ponta-esquerda ou atacante mais centralizado e teve destaque no Lokeren da época com assistências e gols pontuais. Pela seleção, disputou a Euro de 1980 e as Copas de 1982 e 1986, mas não foi titular absoluto.

Guy This (Técnico): houve outros técnicos mais vitoriosos no futebol belga, mas foi Guy This o grande responsável por levar aquela geração de talento e competitividade aos mais altos e impensáveis patamares durante mais de uma década. Com notável espírito esportivo e capaz de unir seus grupos em prol de um objetivo, This fez história ao comandar a melhor seleção belga da história. Em sua primeira passagem, comandou a seleção em 101 jogos, com 46 vitórias, 24 empates e 31 derrotas. No começo dos anos 90, voltou, mas permaneceu apenas 13 partidas. Foi um dos principais nomes do futebol no país em todos os tempos.

 

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6 Comentários

  1. GRANDE SITE!!!!!!!!!!!!!O MELHOR QUE JÁ VI SOBRE FOOTBALL!!!!!!!!!!!!!!mas acho que neste post há um pequeno erro…,a irlanda do norte fazia parte do apuramento para Espanha´82 junto com Bélgica e França????Não seria a República da Irlanda?não pesquisei,por isso,peço desculpa,se estiver errado

  2. Esse é o melhor site de futebol que já visitei, mas acho que está na hora de colocar um post sobre um jogadora imortal um exemplo é Mia Hamm a primeira grande jogadora do mundo, e eu adorei esse post sobre a seleção belga de 1986 só o Maradona para para-los

Craque Imortal – Alberto Spencer

Napoli_1989_1990

Esquadrão Imortal – Napoli 1986-1990