in ,

Esquadrão Imortal – San Lorenzo 2013-2014

Foto: Martina Costart
Em pé: Mercier, Torrico, Cetto, Gentiletti, Mattos e Mas. Agachados: Villalba, Buffarini, Romagnoli, Ortigoza e Cauteruccio. Foto: Martina Costart

 

Grandes feitos: Campeão da Copa Libertadores da América (2014) e Campeão do Campeonato Argentino (Inicial-2013). Conquistou o maior título da história do clube.

Time-base: Torrico; Buffarini, Cetto (Fontanini / Alvarado), Gentiletti (Kannemann / Yepes) e Mas; Mercier e Ortigoza; Villalba, Romagnoli (Kalinski) e Piatti (Barrientos / Gonzalo Verón); Matos (Ángel Correa / Blandi / Cauteruccio). Técnicos: Juan Antonio Pizzi (2013-2014) e Edgardo Bauza (2014).

 

“El Ciclón de América”

 

Por Guilherme Diniz

 

Por muito, mas muito tempo, as iniciais do San Lorenzo eram sinônimo de piada para os rivais. De todos os chamados cinco grandes do futebol argentino – grupo composto, além do Ciclón, por River Plate, Boca Juniors, Independiente e Racing – o clube de Almagro era o único que não tinha em sua galeria o troféu da Copa Libertadores. Por isso, as iniciais CASLA (Clube Atlético San Lorenzo de Almagro) “significavam” Clube Argentino Sem Libertadores da América. Essa alcunha doía demais para os torcedores, que ficavam angustiados por aquela situação e também por outros clubes do país, como Estudiantes, Argentinos Juniors e Vélez Sarsfield, também terem a maior glória continental em suas galerias. Mas, por uma “obra divina”, isso acabou em 2014. 

Um ano após levantar o título argentino e um ano após o conclave de 2013 eleger o argentino (e torcedor fanático do Ciclón) Jorge Mario Bergoglio como Papa, o San Lorenzo levantou sua primeira Libertadores de maneira histórica e derrotando pelo caminho gigantes como Grêmio e Cruzeiro até superar o Nacional-PAR na decisão, quando segurou o empate em 1 a 1 no Paraguai e venceu diante de sua torcida, no Nuevo Gasómetro, por 1 a 0. Foi a glória de um time cascudo, extremamente eficiente na parte tática e que não deu chances aos rivais em sua casa, onde venceu seis e empatou um dos sete jogos que disputou naquela competição. No final do ano, a equipe ainda tentou o sonho máximo no Mundial de Clubes da FIFA, mas aí nem um milagre poderia fazer com que o time argentino vencesse o Real Madrid de CR7. É hora de relembrar a trajetória do Ciclón da América.

 

Do martírio à reconstrução

Após anos marcantes no começo de 2000, quando venceu a primeira edição da Copa Sul-Americana, o San Lorenzo entrou em um período complicado que quase culminou com a queda para a Série B do Campeonato Argentino. Em 2012, a equipe brigou até o fim da competição para não cair e só se salvou na reta final, terminando na 12ª posição. No ano seguinte, o clube manteve alguns jogadores e trouxe o atacante Cauteruccio (ex-Quilmes), o jovem lateral-esquerdo Emmanuel Mas (ex-San Martín), o zagueiro Fontanini (ex-Atlético Rafaela), o meia/atacante Gonzalo Verón (ex-Sportivo Italiano) e confirmou o retorno de Néstor Ortigoza, que estava emprestado ao Emirates Club, do EAU. 

Ortigoza se transformou no grande nome do meio de campo do San Lorenzo em 2013-2014.

 

Além de tais reforços, a diretoria incorporou ao elenco três jogadores das categorias de base: o zagueiro Kannemann e os atacantes Ángel Correa e Héctor Villalba. Sob o comando de Juan Antonio Pizzi, o San Lorenzo não era nem de longe favorito aos títulos argentinos de 2013 (Final e Inicial), principalmente pela péssima campanha do ano anterior e por não ter um elenco conhecido. Mas, ao longo da temporada, o Ciclón iria provar o contrário.

 

Boa impressão

Após um início irregular no Torneio Final do Campeonato Argentino de 2013, o San Lorenzo melhorou a partir da 12ª rodada e subiu posições. Após vencer o Quilmes por 2 a 1, fora, a equipe de Pizzi derrotou o Boca Juniors por categóricos 3 a 0, em casa; bateu o All Boys por 3 a 0, venceu o Unión por 4 a 2, empatou com o Atlético Rafaela em 0 a 0 e com o Argentinos Juniors em 1 a 1, venceu o Independiente por 1 a 0 em Avellaneda – resultado que rebaixou o Diablo pela primeira vez na história – e empatou com o Lanús na última rodada em 2 a 2.

O San Lorenzo terminou na 4ª colocação, atrás apenas do campeão, Newell’s Old Boys, do vice, River Plate, e do Lanús, 3º. Com apenas três derrotas em 19 jogos, o clube azul e grená mostrou uma evolução notável naquele campeonato graças ao esquema tático formado pelo técnico Pizzi, que armou um time com uma linha de 4 atrás, dois homens mais recuados no meio de campo, mas que também ajudavam no ataque, três mais à frente e um atacante centralizado. E seria dessa maneira que o Ciclón começaria a reescrever sua história de glórias.

 

A saga nacional

Ao contrário do Torneio Final, o San Lorenzo manteve-se no pelotão de elite do Torneio Inicial desde a primeira rodada. Os cuervos venceram o Olimpo na estreia por 2 a 1 (dois gols de Cauteruccio) e o Racing fora de casa por 3 a 0. Na sequência, dois tropeços diante do Argentinos Juniors e do Quilmes, mas logo superados com vitórias sobre o River Plate (1 a 0) e Rosario Central (2 a 0), jogo este que ficou marcado pela lesão nos ligamentos do joelho do atacante Cauteruccio, que desfalcou o clube por seis meses. No lugar dele, o técnico Pizzi passou a escalar Villalba mais avançado, com Correa, Romagnoli e Piatti mais atrás, ajudando na criação e também nos contra-ataques. 

Com os times muito parelhos, a competição foi acirrada até o fim e ninguém conseguiu se distanciar no topo da tabela. O San Lorenzo ficou na segunda colocação a maior parte do campeonato, enquanto o Newell’s era o rival a ser batido e liderou o certame nas rodadas 4 e 5 e da 7ª até a 14ª, quando o clube de Boedo venceu o Boca Juniors por 1 a 0 e permaneceu firme na vice-liderança, a apenas dois pontos dos leprosos. Na rodada 15, eis que Newell’s e San Lorenzo se enfrentaram na casa dos leprosos, em Rosário. O time rubro-negro abriu o placar com o veterano David Trezeguet, mas o Ciclón não se intimidou e foi pra cima, igualando o marcador após triangulação de Correa, Villalba e Piatti, que fez 1 a 1. O resultado permaneceu até o fim e acabou sendo mais benéfico ao San Lorenzo, que demonstrou estar mais do que vivo em busca de um título que não vinha desde 2007.

 

Campeões!

Na rodada seguinte, os cuervos venceram o Belgrano por 4 a 2 e arrancaram um empate na marra do Atlético Rafaela, resultados que deixaram o Ciclón na liderança a duas rodadas do fim. Na rodada 18, o San Lorenzo empatou em 0 a 0 com o Estudiantes e foi para a última rodada precisando da vitória ou um empate, dependendo dos outros resultados, para ficar com o título. O Ciclón visitou o Vélez Sarsfield e empatou em 0 a 0, enquanto o Newell’s só empatou com o Lanús em casa (2 a 2). Com isso, o San Lorenzo venceu o título argentino com 33 pontos em 19 jogos, sendo nove vitórias, seis empates e quatro derrotas, com 29 gols marcados e 17 gols sofridos. Ignacio Piatti, com 8 gols, foi o artilheiro do time na competição. O troféu garantiu o clube argentino na Copa Libertadores de 2014. 

Foto: Juan Mabromata / AFP

 

Uma “curiosidade divina” é que o título nacional aconteceu justamente no ano em que o Papa Francisco começou seu papado. Torcedor fanático e sócio do San Lorenzo, Jorge Mario Bergoglio certamente levou boas vibrações aos jogadores e ao seu time de coração. Prova disso foi a defesa impressionante do goleiro Torrico no jogo contra o Vélez, aos 44’ do segundo tempo, evitando um gol que enterraria as chances de título do time. E o Pontífice continuaria com suas rezas no ano seguinte…

 

Em busca do sonho

Foto: AFP

 

Antes mesmo do fim de 2013, o técnico Pizzi comunicou sua saída do San Lorenzo após receber uma proposta do Valencia-ESP. Com isso, a diretoria do Ciclón teve que buscar o mais rápido possível um substituto que pudesse conduzir aquele time na Copa Libertadores, o principal objetivo dos cuervos em 2014. E o escolhido foi o argentino Edgardo Bauza, que vinha de bons trabalhos no futebol sulamericano, em especial na LDU, pela qual venceu a Copa Libertadores de 2008. Bauza manteve a base deixada por Pizzi, mas com mais cautela defensiva e muita marcação. A tônica de seu time seria levar poucos gols e ser preciso nos contra-ataques e finalizações. Nada de futebol vistoso ou bonito. Competir seria o mantra. E, dessa maneira, seria possível sonhar com a Glória Eterna.

Bauza, técnico do San Lorenzo em 2014.

 

O San Lorenzo iniciou sua jornada no Grupo 2, ao lado de Botafogo-BRA, Unión Española-CHI e Independiente Del Valle-EQU, uma chave bem traiçoeira. E, jogo a jogo, ela se mostrou mesmo a mais equilibrada da competição, com todos os clubes brigando pelas duas vagas até a última rodada. A estreia dos argentinos foi diante do Botafogo, que venceu por 2 a 0 no Maracanã. Na partida seguinte, os argentinos venceram a primeira: 1 a 0 sobre o Del Valle, em casa (gol de Correa). Na terceira partida, os cuervos só empataram em 1 a 1 com a Unión Española, em casa, e mantiveram o grupo totalmente embolado.

No quarto jogo, o San Lorenzo visitou a Unión Española e perdeu por 1 a 0, resultado que exigia uma recuperação rápida da equipe, caso contrário, a vaga ficaria em risco. Jogando contra o Del Valle, no Equador, Blandi fez 1 a 0 para os argentinos, que venciam até os 90’ + 5’, quando Sornoza, de pênalti, empatou. Com apenas cinco pontos, o San Lorenzo precisava vencer seu último jogo, em casa, diante do Botafogo (que também tinha chances de classificação), e torcer para o Del Valle não vencer por muitos gols a Unión Española se quisesse avançar em segundo lugar. 

Jogando com o apoio de sua torcida, o San Lorenzo foi pra cima e abriu o placar com Villalba, aos 28’, aproveitando vacilo de Jorge Wagner. Com amplo domínio na posse de bola, o time argentino fez o segundo gol no começo da etapa complementar, em chute de fora da área de Piatti. Já no final da partida, Piatti fez outro gol e fechou o 3 a 0, resultado que fez a torcida explodir no Nuevo Gasómetro, mas ficar atenta ao outro jogo daquela noite. 

 

Por algum tempo, a vitória do Independiente Del Valle sobre a Unión Española por 3 a 1 era suficiente para classificar os equatorianos e eliminar o San Lorenzo. Mas o jogo virou um festival de gols e ficou 5 a 4 para os equatorianos aos 77’. Mais um gol do time de Sangolquí iria acabar com o sonho do Ciclón. Porém, a partida permaneceu assim e quem ficou com a vaga foi o San Lorenzo, que terminou com 8 pontos e um gol de saldo, enquanto o Independiente Del Valle terminou com 8 pontos, mas nenhum gol de saldo. A Unión Española ficou em primeiro lugar, com 9 pontos, e o Botafogo terminou na lanterna, com 7.

A vaga arrancada até a última gota de suor foi memorável, mas acabou custando ao San Lorenzo a desvantagem de decidir praticamente todos os jogos do mata-mata fora de casa. E quando digo praticamente é que apenas o Nacional, do Paraguai, teve uma campanha pior do que os argentinos. Com isso, só se a final fosse entre a dupla que o San Lorenzo teria o privilégio de fazer a finalíssima em casa (na época ainda não existia a final única). Mas é claro que tal fato jamais iria acontecer, não é mesmo? Hehehe…

 

Demolindo titãs

Foto: Wesley Santos / Pressdigital

 

Com a 15ª campanha entre os 16 classificados, o San Lorenzo enfrentou o Grêmio, 2º melhor da fase de grupos, já nas oitavas de final. O técnico Edgardo Bauza sabia que um resultado convincente na ida, em Buenos Aires, era mais do que necessário para manter as chances de classificação vivas. E, jogando ao lado de sua torcida e aproveitando um rival desfalcado, o San Lorenzo venceu por 1 a 0, gol de Correa, resultado magro diante das circunstâncias, pois os cuervos acertaram a trave de Marcelo Grohe e tiveram mais chances no primeiro tempo. A vitória aliviou, claro, pois dava ao time a vantagem do empate, mas era muito difícil jogar na casa tricolor. 

Dias depois, o San Lorenzo foi até Porto Alegre e conseguiu se fechar bem diante do rival. O Grêmio quase fez o primeiro no começo do jogo, mas um carrinho providencial de Buffarini evitou o gol certo. Os cuervos ainda assustaram em lance de Villalba, que só não marcou porque Zé Roberto evitou com um carrinho dentro da área. Mas o Grêmio chegou ao seu gol no segundo tempo, com Dudu, aos 83’, resultado que levou a decisão da vaga para os pênaltis. Na marca da cal, o San Lorenzo foi frio, converteu todas as suas cobranças e Torrico defendeu os chutes de Barcos e Maxi Rodríguez, garantindo a vitória por 4 a 2 e a vaga nas quartas de final. Era hora de encarar outro brasileiro bicampeão da América à época: o Cruzeiro de Fábio, Dedé, Henrique, Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart, Júlio Baptista e Willian, campeão brasileiro em 2013 e que seria bi em 2014.

Clima tenso na partida de volta, no Mineirão. Foto: EFE

 

No duelo de ida, em Buenos Aires, o San Lorenzo jogou de maneira burocrática a etapa inicial e pouco fez para abrir o placar. Tocando muito de lado e sem criatividade, a equipe argentina foi muito passiva, assim como o Cruzeiro, que apenas se defendeu. Quem demonstrou poder de criação foi Villalba, jovem que desmontou a zaga cruzeirense e criou as melhores chances. Só aos 19’ do segundo tempo que o gol, enfim, saiu, quando Gentiletti subiu mais alto que Dedé e marcou, de cabeça, o gol da vitória: 1 a 0.

Mais uma vez os argentinos tinham a vantagem do empate fora de casa. Porém, diferente do duelo contra o Grêmio, o San Lorenzo conseguiu sair em vantagem logo no começo do jogo no Mineirão. Willian tentou cavar uma falta e perdeu a bola, cedendo contra-ataque pela direita. Dedé deu o bote errado no cruzamento, e Piatti bateu forte dentro da área para abrir o placar, aos nove minutos. Perdido, o Cruzeiro não conseguiu chegar ao empate e o San Lorenzo ainda teve uma grande chance na sequência, em chute defendido por Fábio, com os pés. No final da primeira etapa, Marcelo Moreno teve grande chance para a Raposa, mas o chute do boliviano bateu nas duas traves e não entrou! Aquilo era intervenção divina vindo do Vaticano, certeza!

Foto: Getty Images

 

Na etapa complementar, o Cruzeiro jogou melhor graças às substituições feitas pelo técnico Marcelo Oliveira e chegou ao empate aos 25’, com o zagueiro Bruno Rodrigo, de cabeça, após cruzamento de Dagoberto. O time brasileiro seguiu no ataque, mas o goleiro Torrico estava iluminado e fez grandes defesas. O drama argentino aumentou aos 31’, quando Romagnoli foi expulso por uma suposta agressão a Marcelo Moreno – ela não ocorreu e a Conmebol retirou a sanção ao jogador depois. Com isso, Edgardo Bauza fechou de vez o time, que foi consistente e conseguiu segurar o 1 a 1, resultado que classificou o time azul e grená e eliminou o Cruzeiro, que deixou o Brasil sem um representante na etapa semifinal de uma Libertadores pela primeira vez depois de 23 anos. 

 

Semis “diferentes” e o show para a final

Foto: Juan Karita / AP

 

Após a classificação, o San Lorenzo ficou dois meses sem jogar pela Libertadores por conta da paralisação para a Copa do Mundo da FIFA – vencida pela Alemanha. O retorno dos cuervos aconteceu em julho, quando a equipe de Bauza encarou o surpreendente Bolívar-BOL, que havia superado pelo caminho o León-MEX e o Lanús-ARG. Do outro lado da chave, o Nacional-PAR iria enfrentar o Defensor-URU, em semifinais bem diferentes para os padrões da Libertadores, que quase sempre teve equipes campeãs. Naquele ano, já tínhamos a certeza de um campeão inédito. Por isso, tudo poderia acontecer e os confrontos eram totalmente abertos.

O San Lorenzo fez o primeiro jogo contra o Bolívar em casa e sabia que precisava marcar gols e mais gols para encarar a temida altitude boliviana sem preocupações na volta. E, logo aos 5’, um tiro livre cobrado por Romagnoli foi para a cabeça de Mauro Matos, que abriu o placar. O Bolívar teve que ir pra cima, mas o San Lorenzo aproveitou as brechas e fez o segundo, aos 26’, de novo após falta cobrada por Romagnoli que foi ao encontro de Emmanuel Mas, autor do gol. 

Emmanuel Mas, artilheiro da goleada sobre o Bolívar. Foto: EFE.

 

Na etapa final, Mercier fez o terceiro gol, aos 24’, e quatro minutos depois, Buffarini acertou um belo chute para fazer 4 a 0. Já nos minutos finais, Barrientos cobrou falta e Mas, de novo, fechou a conta: 5 a 0. O Nuevo Gasómetro simplesmente explodiu em festa naquela noite. Com uma vantagem desse tamanho, o San Lorenzo já podia pensar na final inédita. Só uma tragédia imensa tiraria a vaga dos cuervos. E, abençoados como estavam na época, isso jamais iria acontecer. 

Na partida de volta, em La Paz, a torcida compareceu em peso ao estádio Hernando Siles para apoiar o Bolívar em busca do milagre, mas o San Lorenzo não deixou o rival aprontar e só foi levar um gol nos acréscimos. O placar de 1 a 0 sacramentou o 5 a 1 no agregado para os cuervos, que carimbaram a vaga na final da Libertadores pela primeira vez! E, incrivelmente, o clube argentino teria a honra de decidir em casa, diante de sua torcida. Adivinhou? Isso mesmo: o adversário seria o Nacional-PAR, exatamente o único que havia feito campanha pior do que o Ciclón na fase de grupos! Era ou não era uma intervenção divina??

 

Ciclón de América!!!

O Nacional do Paraguai havia superado no mata-mata o tradicional Vélez Sarsfield-ARG (1 a 0 e 2 a 2), o Arsenal de Sarandí-ARG (1 a 0 e 0 a 0) e o Defensor-URU (2 a 0 e 0 a 1) até conseguir a vaga na decisão. Time por time, o San Lorenzo vivia melhor fase e tinha mais qualidade, mas, com as surpresas aos borbotões daquela Libertadores, todo cuidado era pouco ao San Lorenzo, principalmente no primeiro jogo, no caldeirão do Defensores del Chaco tomado por 36 mil torcedores, incluindo de outros times do Paraguai. No primeiro tempo, o San Lorenzo foi mais precavido, seguro na defesa e conseguiu neutralizar a euforia do Nacional, que começou mais agressivo, mas diminuiu o ritmo depois. 

Uma das formações do San Lorenzo em 2014: força no meio de campo e nas laterais eram as virtudes do time de Bauza.

 

Ainda no primeiro tempo, Emmanuel Mas acertou a trave do goleiro Don e quase abriu o placar para o San Lorenzo. Na etapa final, o Nacional tentou furar o bloqueio argentino, mas não conseguia superar o ótimo sistema tático de Bauza. Até que, aos 19 minutos, em jogada iniciada na esquerda e concluída na direita, com participação de Romagnoli, Villalba e Buffarini, este cruzou para Matos, que pegou de primeira e fez 1 a 0. Um vitória àquela altura era o maior dos prêmios ao San Lorenzo. Mas, sabe como é o futebol e Libertadores: sempre armam surpresas. E, nos acréscimos, aos 45’ + 3’, Julio Santa Cruz fez o gol de empate que levou ao delírio a torcida paraguaia e encheu de frustração os argentinos. Na coletiva após o jogo, o técnico Edgardo Bauza rechaçou o esforço de seus comandados.

 

“Tenho que cumprimentá-los pela partida que fizeram. Pedi para que não ficassem frustrados com o gol aos 48 minutos, o que é normal. Tivemos autoridade. Muda muito um empate por 1 a 1, sendo que poderíamos ter ganho. Mas vamos fazer o mesmo. É futebol. Temos mais 90 minutos”.

 

O treinador ainda destacou que confiava na vitória em casa, mas que não podia baixar a guarda. “Estou convencido de que, se repetirmos a atuação e melhorarmos algumas coisas, a possibilidade é grande. Mas é futebol, o Nacional vai jogar no contragolpe, temos que administrar a posse de bola e quebrar as duas linhas defensivas. Tudo pode acontecer”.

Dias depois, o Nuevo Gasómetro estava simplesmente efervescente para a finalíssima. A torcida do Ciclón protagonizou uma festa impressionante que contagiou os jogadores. Era a noite da América. De acabar com o estigma e o jejum que tanto tirava o sono dos fanáticos hinchas do San Lorenzo. Quando a bola rolou, o time argentino se mostrou nervoso e viu o Nacional mais organizado e perigoso. No primeiro minuto, o time visitante acertou a trave do goleiro Torrico. Outros três lances de perigo vieram a seguir, em chutes que passaram muito perto do gol. A torcida argentina temia pelo pior e não via nenhuma perspectiva de melhora.

Ortigoza cobra o pênalti mais importante da história do San Lorenzo. Foto: Enrique Marcarian / Reuters.

 

Bem, isso até chegar aos 35’, quando Coronel, muito bem no jogo, colocou a mão na bola dentro da área. Pênalti para o Ciclón! Na cobrança, o meio-campista Ortigoza chutou forte e marcou o gol do alívio, provavelmente um dos gols mais importantes da história do clube: 1 a 0. A torcida foi ao delírio, começou as cantorias e a inflar o time, que mudou de postura na segunda etapa e passou a controlar mais o jogo. Àquela altura, não adiantava mais se aventurar no ataque. Bastava ter a bola e reduzir o ímpeto paraguaio que a taça estaria garantida. Quando o árbitro apito o final do jogo, enfim, a Glória Eterna era do San Lorenzo pela primeira vez!

 

Foto: Amilcar Orfali/LatinContent via Getty Images

 

As quase 44 mil pessoas no Nuevo Gasómetro puderam soltar o grito de campeão que por décadas teimou em causar engasgos na garganta. Em 14 jogos, foram seis vitórias, quatro empates e quatro derrotas, com 16 gols marcados e nove gols sofridos. Dias depois, claro, os jogadores e a comissão técnica do San Lorenzo foram até o Vaticano e levaram a taça da Libertadores para o seu mais ilustre torcedor vê-la de perto: o Papa Francisco! O Pontífice não escondeu a felicidade ao ver o cobiçado troféu e disse: “Saúdo os campeões da América. Ser do San Lorenzo é parte de minha identidade cultural”. Se havia uma conquista mais abençoada, era aquela do San Lorenzo!

 

Sem chances no Mundial e o fim

Após a Libertadores, o San Lorenzo acabou perdendo peças importantes como o meia Piatti, o atacante Correa e o defensor Gentiletti. Por outro lado, trouxe o zagueiro colombiano Mario Yepes e o goleiro Leo Franco. No entanto, tais reforços foram insuficientes para que o time seguisse competitivo. No Campeonato Argentino, o Ciclón ficou apenas na 11ª colocação e demonstrou fraco poder ofensivo. E, no Mundial de Clubes da FIFA, no Marrocos, a equipe argentina até passou pela semifinal, quando derrotou o Auckland City-AUS por 2 a 1 (gols de Barrientos e Matos), mas na final, diante do Real Madrid de Bale, Benzema e Cristiano Ronaldo, o San Lorenzo não conseguiu superar a força dos merengues e perdeu por 2 a 0 – gols de Sergio Ramos e Bale -, ficando com o vice-campeonato. 

Ali, terminou a boa fase da equipe de Boedo, que na temporada seguinte terminou apenas na 3ª colocação a fase de grupos da Libertadores e não conseguiu manter a coroa na América. Em fevereiro de 2016, o Ciclón ganhou a Supercopa Argentina (que valia pelo ano de 2015), mas desde então não conseguiu erguer mais troféus. A torcida espera que uma nova geração possa devolver as glórias ao clube em breve e repita o período mágico de 2013 e 2014, quando a Argentina e a América foram pintadas de azul e grená. Devidamente abençoadas por Francisco.

 

Os personagens:

 

Torrico: foi, sem dúvidas, um dos maiores goleiros da história do San Lorenzo, clube pelo qual jogou de 2013 até 2022. Após ajudar a equipe a vencer o Campeonato Argentino de 2013 – foi dele o milagre no último jogo contra o Vélez -, Torrico se consagrou de vez na campanha do título da Libertadores ao acumular defesas milagrosas principalmente no mata-mata, em especial contra Grêmio e Cruzeiro. Em 2014, Torrico foi eleito para o Time Ideal da América pelo jornal El País e foi o melhor goleiro da Libertadores. Ele disputou 195 jogos pelos cuervos e se aposentou aos 42 anos pelo San Lorenzo. 

Buffarini: outro que viveu seu melhor momento pelo Ciclón, o lateral-direito foi um dos mais regulares do elenco e se destacava pelo apoio ao ataque e bons passes e cruzamentos, além de chutar bem de fora da área. Jogou de 2012 até 2016 em Boedo, disputou 175 jogos, marcou 13 gols e deu 14 assistências.

Cetto: o defensor começou no Rosario Central, teve uma passagem pelo futebol francês e chegou ao San Lorenzo em 2013, ano em que fez uma boa dupla de zaga com Gentiletti e que se repetiria em boa parte dos jogos de 2014. Além de cumprir bem seu papel na zaga, Cetto ainda costumava levar perigo nas jogadas aéreas em cobranças de escanteio. Em 63 jogos entre 2012 e 2015, anotou 7 gols. 

Fontanini: não foi titular absoluto, mas ajudou a compor o elenco e atuou em alguns jogos durante a caminhada continental. Jogou o primeiro jogo da final ao lado de Gentiletti.

Alvarado: cria do San Lorenzo, o zagueiro começou a sua trajetória em 2005 e jogou até 2009 em Boedo, quando se transferiu para o Belgrano. Após uma temporada, retornou ao San Lorenzo e permaneceu até 2013, quando ajudou o time a vencer o Campeonato Argentino.  

Gentiletti: zagueiro que podia atuar também como lateral-esquerdo, foi sem dúvida o principal nome do miolo de zaga do San Lorenzo naquele período de ouro. Em 2012, o defensor jogou mais como lateral até a chegada de Emmanuel Mas, que fez com que ele voltasse à sua posição preferida, que era a zaga. Com bom senso de cobertura, marcação e visão de jogo, foi uma referência e muito querido pela torcida. Fez um gol importantíssimo contra o Cruzeiro, nas quartas de final. Após brilhar pelos cuervos e ser eleito para o Time Ideal da América em 2014, foi contratado pela Lazio.

Kannemann: outra cria das bases, o zagueiro não teve muitas chances em 2013 nem na campanha da Libertadores de 2014, mas ganhou posição após a saída de Gentiletti e se firmou na zaga dos cuervos com seu jeito viril e implacável na marcação. Ficou no San Lorenzo até 2015, quando se transferiu para o futebol mexicano. Em 2016, foi jogar no Grêmio e venceu sua segunda Libertadores no ano seguinte, em 2017.

Yepes: o zagueiro colombiano chegou com status de grande estrela após brilhar na Copa do Mundo de 2014 pela Colômbia e foi o principal reforço dos cuervos para a disputa do Mundial. Ao lado de Kannemann, Yepes fez uma boa zaga, mas insuficiente para ajudar o San Lorenzo a erguer o troféu. O colombiano ficou até 2015, quando decidiu se aposentar tempo depois. 

Mas: jogou de 2013 até 2016 no San Lorenzo e foi o titular absoluto da lateral-esquerda do time de Boedo no período. Com eficiência no apoio ao ataque, nos passes e cruzamentos, Mas fez grandes jogos na Libertadores de 2014, sendo um dos destaques na semifinal diante do Bolívar. Foram 144 jogos, 9 gols e 14 assistências com a camisa azul e grená.

Mercier: ao lado de Ortigoza, Mercier compôs uma das melhores duplas de volantes da história do San Lorenzo. Com muita eficiência na marcação, no desarme e nos passes, foi um jogador onipresente do time argentino e ganhou inclusive o prêmio de melhor jogador argentino de 2014 pela AFA. Disputou 184 jogos e marcou três gols pelo San Lorenzo entre 2012 e 2018.

Ortigoza: o paraguaio marcou o gol do título da Libertadores do San Lorenzo em 2014, mas fez muito mais do que isso: iniciou contra-ataques, fez lançamentos, roubou bolas, marcou gols, deu assistências para gols e foi outro grande nome do meio de campo da equipe naqueles anos marcantes. Com muita raça, técnica e talento, virou ídolo da torcida e entrou no Time do Ano da América de 2014. Foi convocado regularmente para a seleção do Paraguai na época e disputou uma partida na Copa do Mundo de 2010. Foram 243 jogos, 25 gols e 24 assistências pelo San Lorenzo entre 2011 e 2017 e 2021-2022.

Villalba: o meia começou no San Lorenzo em 2012 e foi conquistando seu lugar com muita técnica e boa capacidade para criar jogadas ofensivas graças ao seu improviso e boa visão de jogo. Entre 2012 e 2016, Villalba disputou 118 jogos, marcou 16 gols e deu 13 assistências. 

Romagnoli: jogador com mais títulos na história do San Lorenzo, considerado o maior ídolo dos cuervos e presente no esquadrão que venceu a Copa Sul-Americana de 2002, Romagnoli foi o maestro dos azuis e grenás entre 1998 e 2004 e retornou em 2009 para seguir sua lenda em Boedo. Com ampla visão de jogo, experiência e passes precisos, foi o cérebro do time campeão da América em 2014 e estandarte de uma era inesquecível. Em todas suas passagens pelo San Lorenzo, Romagnoli acumulou números notáveis: 399 jogos, 36 gols e 90 assistências, além de seis títulos e o título de Futebolista do Ano na América em 2014. 

Kalinski: com a concorrência no meio de campo, acabou de fora do time titular em boa parte da temporada de 2014, embora estivesse no clube desde 2011 e atuado em vários jogos anteriormente. Após a Libertadores, voltou ao time titular e integrou o elenco vice-campeão mundial. Foram 150 jogos e quatro gols pelo clube entre 2011 e 2016.

Piatti: capaz de atuar como meia e atacante, Ignacio Piatti viveu seu melhor momento da carreira pelo San Lorenzo entre 2012 e 2014, quando ajudou a equipe azul e grená a vencer o título argentino de 2013 ao marcar 8 gols na campanha vencedora – ele foi o artilheiro do Ciclón na competição. Em 2014, não foi tão goleador, mas continuou bem na equipe e foi um dos destaques do time na campanha do título da Libertadores. Em 82 jogos pelo clube de Boedo, Piatti marcou 20 gols e deu oito assistências.

Barrientos: meia com boa técnica e velocidade, começou nas categorias de base do Ciclón e, após uma breve ida ao exterior, retornou na metade de 2014 e foi um dos titulares do time no segundo semestre e na disputa do Mundial de Clubes. Permaneceu até 2016, quando venceu a Supercopa Argentina. 

Gonzalo Verón: o atacante sofreu com algumas lesões e disputou poucos jogos entre 2013 e 2014. Nas vezes em que foi titular, fez bons jogos atuando ao lado de Cauteruccio. Foi titular na campanha do San Lorenzo no Mundial de Clubes da FIFA de 2014.

Matos: foi o centroavante do time na campanha da Libertadores e, embora não tenha sido o matador que a torcida esperava, deixou sua marca no primeiro jogo da decisão contra o Nacional, além de ter feito o gol da vitória sobre o Auckland City na semifinal do Mundial. Entre 2014 e 2016, Matos disputou 94 jogos e marcou 21 gols pelo Ciclón.

Ángel Correa: cria das bases, o atacante debutou aos 18 anos no time profissional, em 2013, e foi conquistando espaço na equipe principal graças à sua habilidade, velocidade e técnica. Foi muito importante para o setor ofensivo do time tanto na criação de jogadas quanto nos arremates e finalizações. Correa jogou tanto que foi vendido rapidamente ao Atlético de Madrid, onde joga até hoje. Ele esteve ainda no elenco da Argentina campeã do mundo de 2022. Correa disputou 65 jogos e marcou 12 gols pelo Ciclón.

Blandi: o centroavante chegou em 2014, a pedido do técnico Bauza, para dar mais opções de ataque ao elenco. Acabou marcando apenas um gol na trajetória continental e saiu da equipe no mesmo ano, em baixa.

Cauteruccio: o uruguaio foi um dos xodós da torcida mesmo com a grave lesão que sofreu em 2013. Com boa visão de jogo e muito inteligente, era eficiente nas tabelas, na abertura de espaços no ataque e na finalização. Entre 2013 e 2017, disputou 114 jogos e marcou 42 gols.

Juan Antonio Pizzi e Edgardo Bauza (Técnicos): o técnico Pizzi foi o responsável por montar a espinha dorsal da equipe e forjou a mentalidade competitiva e vencedora do San Lorenzo em 2013, quando levantou o título nacional. Já Bauza deu mais força defensiva, melhorou o meio de campo e conseguiu levantar uma Libertadores histórica.

Licença Creative Commons
O trabalho Imortais do Futebol – textos do blog de Imortais do Futebol foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição – NãoComercial – SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em imortaisdofutebol.com.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Guia para fazer apostas acumuladas em partidas da liga brasileira

Esquadrão Imortal – Rangers 1963-1972