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Craque Imortal – Silvio Marzolini

Nascimento: 04 de outubro 1940, em Buenos Aires, Argentina. Faleceu em 17 de julho de 2020, em Buenos Aires, Argentina.

Posição: Lateral-Esquerdo

Clubes: Ferro Carril Oeste-ARG (1959) e Boca Juniors-ARG (1960-1972).

Principais títulos por clubes: 5 Campeonatos Argentinos (1962, 1964, 1965, 1969-Nacional e 1970-Nacional) e 1 Copa Argentina (1969) pelo Boca Juniors.

Principais títulos individuais: 

Eleito para o All-Star Team da Copa do Mundo da FIFA: 1966

Eleito para a Seleção dos Sonhos da Argentina pela IFFHS: 2021

Eleito para a Seleção dos Sonhos da Argentina do Imortais: 2020

 

“La Leyenda de la Izquierda”

Por Leandro Stein

 

Durante a Copa de 1970, questionado sobre os maiores jogadores da história além de Pelé, Bobby Charlton declarou: “Marzolini, da Argentina, que considero um lateral simplesmente perfeito. Didi, Puskás e Di Stéfano. Esses homens sabem tudo de futebol”. A afirmação vinha, afinal, de um craque que seria incluído por muita gente nesta seleta lista. E que havia enfrentado Marzolini quatro anos antes, durante a Copa de 1966, na caminhada da Inglaterra rumo ao título mundial. Uma consideração enorme a quem nem sempre é lembrado entre os maiores defensores de todos os tempos fora da Argentina – mas foi um gigante.

Silvio Marzolini não vestiu apenas a camisa do Boca Juniors ao longo de sua carreira profissional, mas a honrou por 12 anos. Capitão dos xeneizes e presente em marcantes conquistas, foi um dos grandes símbolos do clube na vitoriosa década de 1960. O lateral esquerdo também defendeu a seleção da Argentina ao longo de nove anos, presente em dois Mundiais. Porém, talvez a falta de sucessos da Albiceleste e a própria ausência na Copa de 1970 tenham prejudicado a fama do craque além de suas fronteiras. Quem viu, contudo, garante que Marzolini não devia nada aos maiores. É hora de relembrar.

 

Garoto de personalidade

Marzolini nasceu em Buenos Aires e cresceu já amando o Boca Juniors. O grande ídolo do garoto nascido em 1940, aliás, era brasileiro: o atacante Heleno de Freitas, com uma passagem curta mas badalada pela Bombonera. O menino tinha até mesmo um pôster do craque em seu quarto. Não seguiria os passos como um goleador, embora fosse igualmente considerado um galã e até estrelaria filmes durante o auge da carreira. Já com a bola, se transformaria em um dos defensores mais técnicos do futebol mundial. Bom marcador, não se limitava apenas a correr atrás dos pontas. Também conduzia a bola com classe, muito habilidoso, e por vezes era deslocado mais à frente.

“Sempre gostei de jogar com liberdade, tocar a bola e me mandar para frente. Não me conformo em defender, em ficar preso lá atrás, e é por isso que questiono se essa é minha função na equipe ou se posso cumprir outra”, diria em 1968, durante entrevista à revista El Gráfico.

Guardadas as devidas proporções, representou uma revolução à posição de lateral na Argentina parecida com a gerada por Nilton Santos no futebol brasileiro. Alto e esguio, fugia dos estereótipos com um jogo leal e respeitoso. Começou pelo lado direito, mas aprendeu rápido a ocupar a esquerda, onde se consagrou.

Marzolini começou sua carreira no Deportivo Italiano, desde cedo como lateral. Nesta época, trabalhava como aprendiz de desenhista em uma companhia ligada à Fiat e chegou a receber uma proposta para se juntar à base da Juventus-ITA, mas o negócio não foi para frente. Ainda na adolescência, iria ao Ferro Carril Oeste e confiava tanto em seu taco que, certa feita, arranjou briga com os dirigentes porque queria ser promovido da base ao primeiro time. Tomou um gancho de dois anos por isso, mas se destacou tanto nas competições amadoras que quase foi parar na Roma. O Verde negou a venda e enfim o promoveu.

Aos 18 anos, Marzolini apareceu na elite do Campeonato Argentino. Realizou sua estreia pelo Ferro Carril Oeste em maio de 1959 e quis o destino que enfrentasse logo de cara o Boca Juniors. Após a boa campanha do Verde, acabando na quarta colocação da liga, Marzolini seria considerado uma das grandes revelações do país – ganhando até capa na revista El Gráfico. Acabaria levado pelo próprio Boca Juniors. Um de seus mentores no clube seria Bernardo Gandulla, antigo ídolo xeneize que também atuou no Vasco e, naquela época, fazia parte da comissão técnica. Ajudaria a aprimorar o trabalho do jovem na lateral.

O Boca atravessava um momento de reformulação e levava seis anos sem conquistar o Campeonato Argentino. Marzolini chegou à Bombonera acompanhado pelo goleiro Antonio Roma, seu companheiro no Ferro – num pacote de reforços que ainda incluía diversos jogadores estrangeiros, entre eles brasileiros. Ambos se transformariam em pilares xeneizes nos anos 1960, quando logo retomariam as glórias. De início, o Boca ainda fez algumas campanhas insuficientes na liga nacional. A transformação aconteceria em 1962, um ano especial ao jovem.

Copa e títulos com o Boca

Marzolini já era convocado pela seleção e acabaria incluído no elenco que disputou a Copa do Mundo. Não seria um bom desempenho da Albiceleste no Chile, eliminada ainda na fase de grupos. Mas o lateral seria titular absoluto e vestiu a camisa 3, com boas atuações no torneio. Enfrentou inclusive Bobby Charlton, em encontro no qual a Inglaterra acabou vencendo por 3 a 1. Nesta época, por ter origem italiana, o defensor costumava receber propostas da Serie A – inclusive do fortíssimo Milan, que o cortejou após o título europeu de 1963. Mas preferia continuar defendendo o clube de seu coração.

A reconquista do Campeonato Argentino também não demorou. O Boca Juniors levou a taça em 1962, botando um ponto final na espera que durou oito anos. A vitória cabal ao troféu aconteceu na penúltima rodada, quando os boquenses ganharam o clássico contra o River Plate na Bombonera – com direito a um pênalti defendido por Roma no final. Era uma equipe bastante forte, em que o brasileiro Paulinho Valentim e Norberto Menéndez apareciam entre os destaques ofensivos. Já na zaga, quem fazia a cobertura do lateral era Orlando Peçanha, acostumado a acompanhar Nilton Santos na Seleção. Marzolini foi uma figura constante na linha defensiva e se confirmava como um dos melhores de sua geração. Aquela equipe do Boca ainda chegaria à decisão da Libertadores de 1963, mas sucumbiu ao Santos de Pelé. Acabou se machucando na segunda partida contra o Peixe.

Se o Boca não repetiria o desempenho no Campeonato Argentino em 1963, com o título vencido pelo Independiente, já retomou a taça em 1964. Os xeneizes sobraram no topo da tabela e de novo desfrutaram de um clássico decisivo na reta final. O empate com o River na penúltima rodada selou a taça. Pois o filme se repetiria em 1965, com o bicampeonato e mais troça sobre os rivais. Agora no antepenúltimo compromisso, o Boca ganhou na Bombonera de virada, com o gol da vitória assinalado por Menéndez aos 42’ do segundo tempo.

O melhor lateral da Copa de 1966

Foto: PA Images via Getty Images

 

O momento do Boca Juniors se reverteu na seleção argentina que disputou a Copa do Mundo de 1966. Seis jogadores xeneizes estiveram presentes na Inglaterra. Marzolini permanecia como uma das referências e, desta vez, contribuiria à classificação rumo aos mata-matas. A Argentina teve uma pedreira imensa ao encarar a Inglaterra em Wembley nas quartas de final. O duelo pegado se tornaria célebre pela expulsão do capitão Antonio Rattín, outro boquense, ainda no primeiro tempo. Os Three Lions, apesar disso, só garantiram a vitória por 1 a 0 nos minutos finais. Marzolini teve uma excelente atuação na marcação de Alan Ball e, ao término da competição, seria eleito como o melhor de sua posição no Mundial. A camisa que trocou com Bobby Charlton no jogo histórico, durante anos, usou como pijama para dormir.

A Argentina de 1966. Em pé: Roberto Ferreiro, Antonio Roma, Rafael Albrech, Roberto Perfumo, Jorge Solari e Silvio Marzolini. Agachados: Mario Chaldu, Sarnari, Daniel Onega, Vicente De la Mata e Oscar Más.

 

Nos anos seguintes, a Argentina veria a ascensão de outros grandes times, como o Racing e o Estudiantes de Verón e Bilardo. O Boca Juniors não manteve mais a dominância. A esta altura, Marzolini era um dos veteranos do elenco e passou a usar a braçadeira com mais frequência, quando Rattín não estava em campo. E seguia em alta conta além das fronteiras: comporia a seleção do resto do mundo em 1968, para um amistoso no Maracanã, além de ser especulado por clubes como o Real Madrid. A volta ao topo em La Boca aconteceria em 1969, ano em que Alfredo Di Stéfano se tornou treinador na Bombonera. O clube levou a Copa Argentina e o Campeonato Nacional – um dos turnos no agora dividido Campeonato Argentino.

Foi nesta ocasião que, na rodada final, o Boca deu sua famosa volta olímpica no Monumental. Norberto Madurga comandou o empate por 2 a 2 contra o River Plate, suficiente ao título dos visitantes. Com a braçadeira, Marzolini puxou a volta olímpica sob aplausos dos torcedores rivais. A diretoria millonaria, porém, resolveu ligar o sistema de irrigação para espantar os boquenses. Então, sozinho e encharcado, Marzolini deu mais uma volta em desaforo. Mas não que 1969 tenha sido feito apenas de alegrias. Foi naquele ano que a Argentina perdeu sua chance de se classificar à Copa de 1970, superada pelo Peru nas Eliminatórias. Marzolini despediu-se da equipe nacional naquele momento, no empate por 2 a 2 que culminou na eliminação da Albiceleste. Totalizou 28 partidas com a seleção.

 

Últimos anos

A volta por cima aconteceria com o Boca Juniors. Marzolini faturou o Campeonato Nacional mais uma vez em 1970, seu quinto título na liga em 11 temporadas com o clube. Desta vez, a coroação aconteceria na decisão contra o Rosario Central. Todavia, a história construída não seria suficiente para preservar o respeito ao lateral. Em 1971, o capitão xeneize colocou-se entre as lideranças da greve de jogadores que buscava melhores condições aos profissionais. O ídolo teve seu espaço limitado pelo presidente Alberto J. Armando, que impediu sua venda à França e só liberava seu passe para atuar no interior. Assim, o craque se aposentou com apenas 32 anos. “Preferi ir assim, com a imagem intacta. Para que homenagens ou despedidas? Eu dei muito ao futebol, mas o futebol me deu muito mais. Sou agradecido”, diria na época.

Marzolini e Maradona.

 

Recordista em jogos quando se aposentou, Marzolini é hoje o terceiro jogador com mais aparições pelo Boca Juniors. Soma 408 partidas, 365 pela liga, atrás apenas de Roberto Mouzo e Hugo Gatti. Também é o atleta xeneize com mais atuações no clássico contra o River Plate – quando os rivais amargavam seu jejum, transformando o defensor em símbolo da supremacia. O lateral esquerdo venceu 14 compromissos, terceiro com mais triunfos na história do confronto. E os momentos inesquecíveis ampliam ainda mais a lenda que construiu na Bombonera.

Felizmente, a história de Marzolini com o Boca Juniors não se encerraria com aquela saída pela porta dos fundos em 1972. O ex-defensor retornou como técnico no início dos anos 1980 e comandou a equipe na conquista do Campeonato Metropolitano de 1981 – o único de Diego Maradona com a camisa azul y oro, em campanha inesquecível pelas atuações do camisa 10 e de outros jovens valores.

Marzolini ainda voltaria a dirigir Diego no clube durante os anos 1990, mas acabou superado pelo Vélez de Carlos Bianchi em nova tentativa de título em 1995. Seu trabalho mais relevante desde então ocorreu no Banfield, onde contribuiu para criar uma das categorias de base mais prolíficas do país. Entre seus pupilos, Nicolás Tagliafico, campeão do mundo em 2022, que responsabilizou Marzolini por sua carreira como lateral.

Marzolini faleceu em 2020, aos 79 anos, em decorrência de um câncer. O Boca Juniors, felizmente, é um dos clubes que mais respeita e cultiva sua história. Assim, Marzolini pôde receber um grande reconhecimento em vida: ganhou uma estátua no museu xeneize, honraria concedida a lendas como Riquelme, Palermo, Maradona, Rattín ou Suñé. O garoto que sonhava com as cores do clube em sua infância, por fim, acabaria imortalizado naquela que foi sua casa por 12 anos como jogador. É a grandeza de quem foi admirado entre os melhores e provou seu talento com uma coleção de troféus.

 

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