Nascimento: 09 de março 1975, em La Plata, Argentina.
Posição: Meio-campista
Clubes: Estudiantes-ARG (1994-1996, 2006-2007-empréstimo, 2007-2012, 2013-2014 e 2017), Boca Juniors-ARG (1996), Sampdoria-ITA (1996-1998), Parma-ITA (1998-1999), Lazio-ITA (1999-2001), Manchester United-ING (2001-2003), Chelsea-ING (2003-2007), Internazionale-ITA (2004-2006-empréstimo) e Brandsen-ARG (2012).
Principais títulos por clubes: 1 Copa Libertadores da América (2009), 2 Campeonatos Argentinos (2006-Apertura e 2010-Apertura) e 1 Campeonato Argentino Série B (1994-1995) pelo Estudiantes.
1 Copa da UEFA (1998-1999) e 1 Copa da Itália (1998-1999) pelo Parma.
1 Supercopa da UEFA (1999), 1 Campeonato Italiano (1999-2000), 1 Copa da Itália (1999-2000) e 1 Supercopa da Itália (2000) pela Lazio.
1 Campeonato Inglês (2002-2003) pelo Manchester United.
1 Campeonato Italiano (2004-2005), 2 Copas da Itália (2004-2005 e 2005-2006) e 1 Supercopa da Itália (2005) pela Internazionale.
Principais títulos individuais:
Eleito para o Time do Ano da ESM: 1999-2000
FIFA 100: 2004
Futebolista do Ano da Argentina: 2006 e 2009
Eleito para o Time do Ano da América do Sul: 2006, 2008, 2009 e 2010
Futebolista do Ano da América do Sul pelo El País: 2008 e 2009
Melhor Jogador da Copa Libertadores da América: 2009
Bola de Prata do Mundial de Clubes da FIFA: 2009
Golden Foot Legend Award: 2022
“La Brujita”
Por Guilherme Diniz
Em cada jogo, ele corria o campo todo, freava, acelerava, cadenciava, punha fogo. Enxergava coisas que poucos viam, fazia coisas que poucos faziam. Parecia até bruxaria. Bem, estava no sangue. Herdado de seu pai, La Bruja, lenda do Estudiantes tricampeão da Libertadores no final dos anos 1960 e que apavorou os rivais naquela época. Pois La Brujita, como ficou conhecido, foi ainda melhor. Em quase todos os clubes que jogou, foi a referência no meio de campo com passes sensacionais, lançamentos primorosos, gols e assistências. Multicampeão por várias equipes na Itália, ainda teve tempo para voltar ao seu time de coração, o Estudiantes, para ser o gladiador que deu o Apertura de 2006, o Clausura de 2010, e, principalmente, a Libertadores de 2009 aos Pincharratas. Em um Mineirão lotado, soube conter os ânimos de seus companheiros e encontrar brechas na marcação rival para o gol de empate e o da virada. Se aposentou vestindo alvirrubro e virou presidente. Uma verdadeira história de amor. Juan Sebastián Verón, ou simplesmente Verón, foi um dos maiores craques da história do futebol sul-americano e um dos mais talentosos meio-campistas da Argentina. Se faltou uma conquista de peso com a albiceleste – algo que marcou sua geração – sobraram taças por clubes, algumas raras, e muito talento com a bola nos pés. É hora de relembrar.
Sumário
Um novo bruxo na família
Filho de Juan Ramón Verón, meia e atacante do Estudiantes tricampeão da Libertadores em 1968, 1969 e 1970 e campeão mundial em 1968, Juan Sebastián Verón não teve dúvidas sobre qual caminho seguir ao ver o sucesso de seu pai no futebol. Após passar seus primeiros cinco anos de vida na Colômbia, por conta da trajetória de Ramón Verón no Atlético Júnior e no Cúcuta Deportivo, Verón retornou à Argentina em 1980, para tempo depois começar a jogar nas categorias de base do Estudiantes. Ao contrário de seu pai, Verón teria características mais defensivas, atuando como meio-campista que organizava o jogo, distribuía a bola e municiava os atacantes com passes e lançamentos. Mas, como tinha uma técnica acima da média, ele também podia conduzir a redonda até o campo de ataque, driblar os rivais e marcar gols.
O problema é que Verón debutou no Estudiantes em 1994, justamente uma temporada que ficou marcada pelo rebaixamento do clube alvirrubro para a Segundona do futebol argentino. Apaixonado pelo pincharrata, Verón sentiu demais aquele início e temeu que seu nome fosse manchar o passado glorioso do pai.
“Que maneira de começar, por favor! Estreei em abril de 1994 e uns meses depois fomos à Série B. Por sorte, o clube pôde sair em seguida, se não, teria sido difícil. E a partir daí mudou tudo. Eu tomava o rebaixamento mais como torcedor, para mim era um momento duro, triste, muito triste, sobretudo porque vir do meu pai que havia ganhado tudo e eu começar e ir ao descenso…”, comentou o futuro craque à revista El Gráfico (ARG) certa vez.
Verón confessou ainda que temeu por sua continuidade no clube em 1994-1995, mas a diretoria garantiu que as coisas iriam mudar. “Estava para ir embora. Me lembro de que no primeiro treino depois éramos 60 ou 70 jogadores, uma coisa de loucos. Pensei ‘aqui não jogo nunca mais’. Mas eles disseram que ficasse tranquilo aí arranquei com continuidade no Nacional B”. Quando começou a jogar mais regularmente, Verón demonstrou enorme caráter e muita maturidade. Nos treinamentos e partidas, jogava de cabeça erguida, sem qualquer temor ou medo. Isso trouxe muita tranquilidade aos colegas de clube e em especial a Miguel Ángel Russo, técnico do time na época. “Ele jogava como se estivesse no quintal de casa. Tem genes distintos”, comentou Russo.
Além de ser crucial para as jogadas ofensivas, Verón era um marcador implacável, não aliviava nas divididas e era temido pelos rivais. Com ele, o Estudiantes conseguiu o acesso à elite com uma campanha irrepreensível: 42 jogos, 27 vitórias, 11 empates e apenas quatro derrotas, com 86 gols marcados e 34 gols sofridos, além de 11 pontos de vantagem sobre o segundo colocado. Em 38 jogos, Verón marcou 5 gols, além de ter anotado dois gols em quatro jogos da Supercopa da Libertadores disputada pelo clube em 1994. Uma curiosidade é que um dos gols foi na vitória sobre o Cruzeiro, em outubro, por 1 a 0, no primeiro encontro de La Brujita com o clube mineiro, muito antes do mágico ano de 2009.
Breve passagem xeneize e a ida à Sampdoria
Verón disputou alguns jogos na elite do futebol argentino pelo Estudiantes, mas seu futebol virtuoso chamou a atenção do Boca Juniors, que pagou 3 milhões de dólares ao clube de La Plata para ter Verón já em 1996. Em La Bombonera, o meio-campista jogou ao lado de Maradona e Caniggia e viu a torcida se encher de expectativa por uma temporada perfeita. No entanto, os xeneizes não conseguiram levantar o caneco mesmo liderando o Clausura nas primeiras rodadas. A campanha foi decepcionante – o Boca terminou na 5ª colocação -, mas Verón disputou 17 jogos e marcou 4 gols, um deles contra seu ex-clube, em La Bombonera.
Ainda em 1996, Verón debutou pela seleção argentina, em amistoso contra a Polônia realizado em Tucumán. O craque foi muito elogiado pelo técnico Daniel Passarella e virou presença constante nas convocações da equipe, atuando em nove jogos da albiceleste nas Eliminatórias para a Copa de 1998. A exposição pela Argentina e o bom futebol ajudaram Verón a ganhar destaque no exterior e, assim como vários de seus compatriotas na época, ele foi jogar no futebol italiano, mais precisamente na Sampdoria de Sven-Göran Eriksson.
A equipe de Gênova pagou mais de 5 milhões de euros pelo argentino, que tinha a missão de suprir a saída de Clarence Seedorf para o Real Madrid. Com um sistema de jogo focado na marcação por zona e nomes como Roberto Mancini, Mihajlovic e Montella, a Sampdoria de Eriksson foi muito competitiva naquela temporada 1996-1997 e, com Verón no meio de campo, fez grandes jogos e terminou na 6ª colocação, garantindo uma vaga na Copa da UEFA. O meio-campista disputou 34 jogos, marcou 5 gols e foi um dos principais nomes do Campeonato Italiano naquela época.
Na temporada seguinte, Eriksson deixou o comando da Sampdoria para treinar a Lazio e levou consigo o atacante Roberto Mancini. Verón seguiu no time titular, mas a equipe não fez uma boa campanha e sentiu bastante a saída do ex-treinador. Mesmo assim, o argentino disputou 29 jogos e marcou dois gols, além de ser convocado para a Copa do Mundo de 1998.
Mundial e auge na Itália
O meio-campista foi titular absoluto da equipe de Passarella na Copa do Mundo da França e não foi nem sequer substituído, jogando ao lado de Almeyda, Simeone e Ortega, e esteve nos cinco jogos da Argentina no Mundial, incluindo a lendária partida contra a Inglaterra, nas oitavas de final, na qual ele deixou sua marca na vitória nos pênaltis por 4 a 3, e também o fatídico revés para a Holanda por 2 a 1, nas quartas – Verón deu o passe para o gol de Claudio López no duelo contra os laranjas. O craque foi um dos melhores jogadores daquela Copa.
Na temporada 1998-1999, o argentino se transferiu para o endinheirado Parma, que tinha um timaço na época com Buffon, Thuram, Cannavaro, Sensini, Dino Baggio, Crespo e Chiesa. Pelos gialloblú, Verón encaixou perfeitamente no meio de campo armado pelo técnico Alberto Malesani e ajudou a equipe a vencer a Copa da Itália e a Copa da UEFA, esta com vitória por 3 a 0 sobre o Olympique de Marselha-FRA na decisão, com o último gol do jogo anotado por Chiesa após assistência de Verón – ele contribuiu com seis assistências naquela temporada, além de ter disputado 42 jogos e marcado quatro gols.
A fase no Parma não durou muito, pois o técnico Sven-Göran Eriksson quis contar com o argentino na Lazio, dirigida pelo sueco na época. O time da capital romana tinha acabado de vencer a Recopa da UEFA e vinha forte para buscar mais títulos naquela virada de século. Verón também reencontrou o atacante Roberto Mancini e, jogo a jogo, confirmou mais uma vez por que era um dos mais talentosos meio campistas do planeta. Formando uma “meiuca” lendária ao lado de Matías Almeyda, Pavel Nedved e Dejan Stankovic, Verón ajudou a Lazio a vencer a Supercopa da UEFA de 1999 – vitória por 1 a 0 sobre o Manchester United de Alex Ferguson -, a Copa da Itália de 1999-2000, a Supercopa da Itália de 2000 e o Campeonato Italiano de 1999-2000, no qual ele participou de 31 jogos e marcou 8 gols, a maior era artilheira do argentino na carreira. Ele foi eleito para o Time do Ano da ESM na época e se transformou em definitivo em um dos melhores do planeta.
Verón fez golaços naquela temporada, incluindo um olímpico na vitória por 4 a 0 sobre o Verona e outros quatro gols de falta, além de um gol no dérbi contra a Roma vencido pela Lazio por 2 a 1. Com uma classe absurda para bater na bola, enorme visão de jogo e completo, era um dos principais trunfos do timaço da Lazio. A sua boa fase se estendeu à seleção argentina, pela qual marcou quatro gols na caminhada quase perfeita da albiceleste rumo à Copa do Mundo de 2002, quando a equipe venceu 13, empatou quatro e só perdeu um dos 18 jogos, ficando à frente do Equador, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai.
Decepção na Inglaterra e retorno à Itália
Após 79 jogos, 14 gols e 22 assistências pela Lazio, Verón foi contratado pelo badalado Manchester United em 2001 por cerca de 28 milhões de libras. Em Old Trafford, todos esperavam que Verón fizesse uma parceria inesquecível com os craques Giggs e Beckham. Jogar nos Red Devils teve um significado muito emotivo para Verón, que sabia do passado do clube na carreira de seu pai, nos lendários jogos pelo Mundial Interclubes de 1968.
“Eu sabia que o United era um grande clube, meu pai me contou sobre Best, Law e Charlton, alguns dos jogadores que ele jogou contra na final do Mundial Interclubes de 1968. Eu vi o escudo do Estudiantes no museu do Old Trafford e o rosto do meu pai em um pôster. Aquilo foi emocionante. Eu me senti como se estivesse nos passos do meu pai”. – Juan Sebastián Verón, em entrevista ao The Independent, 2016.
No início, ele fez bons jogos e deu impressão de que realmente seguiria em alta, mas lesões no joelho minaram a estadia do argentino na Inglaterra. Seu grande jogo foi um 5 a 3 do United pra cima do Tottenham, quando os Red Devils perdiam por 3 a 0 e conseguiram a virada graças à magia de Verón, autor de um gol e uma assistência. O argentino teria mais espaço se não tivesse sofrido com os problemas no joelho, pois ele tinha o apoio do técnico Alex Ferguson em seu início no clube. O técnico disse certa vez em uma coletiva de imprensa, após se indagado sobre Verón pelos jornalistas, que “Verón is a great fucking player and you (jornalistas) are all fucking idiots”.
Em 2002, Verón foi o capitão da Argentina na Copa do Mundo, mas teve atuações bem abaixo do esperado e a albiceleste foi eliminada ainda na fase de grupos. O argentino foi bastante criticado principalmente por seu desempenho na derrota para a Inglaterra por 1 a 0, partida na qual ele saiu já no intervalo. Na época, os jornais argentinos disseram até que ele jogou mal de propósito só porque atuava no futebol inglês (!). No último jogo, no empate em 1 a 1 contra a Suécia, Verón começou no banco de reservas e só entrou no segundo tempo. Vale destacar que ele sentia dores no tendão naquele Mundial e, por isso, não conseguiu repetir o ótimo futebol nos tempos de Parma e Lazio naquela Copa no Oriente.
No ano seguinte, o meio-campista acabou negociado junto ao Chelsea, clube para onde ele não queria ir. No entanto, ele foi mesmo assim e seu desempenho foi ainda pior: apenas 14 jogos e um gol na época 2003-2004. Ele comentou ao Diário AS (ESP), em 2003, que havia uma incompreensão entre ele e Ferguson na época.
“Ferguson confiou em mim quando cheguei, mas depois me pareceu que havia um mal-entendido mútuo entre nós. […] Em alguns períodos, percebi que ele preferia alguns companheiros meus do que eu”, disse o argentino. Anos depois, Verón admitiu que não queria ter deixado o United.
“Eu senti que, indo para o Chelsea, eu poderia ter uma boa chance de ter uma sequência maior de partidas, mas eu não cheguei nesse estágio. […] Eu gostaria de ter ficado mais no United, acredito que as coisas poderiam ter sido diferentes”, comentou Verón à revista Four Four Two, em 2021.
Precisando de uma reviravolta na carreira, Verón se transferiu para a Internazionale, por empréstimo, em 2004. Vestindo o manto nerazzurri e jogando ao lado dos compatriotas como Zanetti, Cambiaso, Burdisso, Kily González e Julio Cruz, o argentino conseguiu recuperar a boa forma e fez grandes jogos, em especial na final da Supercopa da Itália de 2005, quando marcou o gol da vitória por 1 a 0 sobre a Juventus que garantiu o título ao time de Milão. Esse período de decepções na Inglaterra e retorno à Itália acabaram prejudicando o craque na busca por uma vaga entre os convocados da Argentina para a Copa do Mundo de 2006, quando o meio-campista ficou de fora da lista do técnico José Pekerman. Ainda infeliz na Inter, Verón precisava de um novo rumo na carreira. E ele seria em casa: no Estudiantes.
La Brujita voltou!
O contrato de Verón com o Chelsea ainda tinha um ano e, por isso, o clube inglês acatou a vontade do jogador de retornar ao seu país e aceitou emprestá-lo ao Estudiantes na temporada de 2006. “Sempre quis voltar. Cada vez que chegava no país pensava em adiantar a minha volta. Dou graças que agora posso escolher. Foi uma decisão trabalhada”, comentou Verón na época. O craque chegou em La Plata com a missão de reconduzir o Estudiantes a um título argentino, algo que não acontecia há 23 anos. Comandado pelo então novato técnico Diego Simeone, o Estudiantes tinha um bom elenco e vinha de campanha satisfatória na Copa Libertadores de 2006, quando caiu apenas nas quartas de final diante do então campeão São Paulo, nos pênaltis, fora de casa.
O forte do time era exatamente o setor onde Verón iria jogar, o meio de campo, com o incansável Braña, o polivalente José Sosa e ainda Diego Galván, que auxiliavam sobretudo os atacantes José Luis Calderón (veterano e que havia jogado com Verón no time do começo dos anos 1990) e Mariano Pavone. Atuando mais avançado, La Brujita rapidamente impôs seu jogo ao Estudiantes e foi um dos principais protagonistas do time que brigou ponto a ponto com o forte Boca Juniors pelo título do Apertura de 2006. Os pincharratas emendaram uma sequência de 10 vitórias seguidas e 12 triunfos nos últimos 13 jogos, alcançando os mesmos 44 pontos do Boca.
O grande momento do Estudiantes no campeonato foi o clássico de La Plata contra o Gimnasia, disputado em 15 de outubro, no Estádio Ciudad de La Plata. Com uma atuação coletiva sensacional e três gols de Calderón, os alvirrubros massacraram o rival por 7 a 0, a maior goleada da história de um dos clássicos mais tradicionais do futebol argentino, cuja primeira partida aconteceu em 1916. Curiosamente, aquele foi o primeiro clássico disputado por Verón na carreira, já que nos anos 1990 ele não chegou a enfrentar o Gimnasia. Com o mesmo número de pontos do Boca, o Estudiantes decidiu o título em um jogo desempate contra os xeneizes no dia 13 de dezembro de 2006, no estádio José Amalfitani, e venceu por 2 a 1, gols de José Sosa e Mariano Pavone, selando o título nacional e o fim do jejum nacional dos pincharratas. Contando o triunfo decisivo contra o Boca, foram 20 jogos, 15 vitórias, dois empates, três derrotas, 37 gols marcados e 13 gols sofridos.
A partir de 2007, o meio-campista foi contratado em definitivo pelo Estudiantes e, como capitão, virou o líder que a equipe precisava para buscar novos títulos. Verón recusou propostas do exterior (DC United-EUA e Internazionale-ITA) e também de times da Argentina (River Plate, San Lorenzo e Boca Juniors) para permanecer em La Plata. Após uma temporada sem títulos, o clube argentino entrou em 2008 confiante. E, sob o comando do técnico Leonardo Astrada, o time de La Plata fez grande campanha na Copa Sul-Americana. Nas oitavas, a equipe encarou o compatriota Arsenal de Sarandí e venceu o primeiro duelo por 2 a 1 e empatou por 0 a 0 na volta. Nas quartas, vitória por 2 a 0 em casa (gols de Boselli e Verón) e empate em 2 a 2 contra o Botafogo-BRA. Nas semis, em novo duelo contra um rival doméstico (Argentinos Juniors), os pincharratas empataram o primeiro jogo em 1 a 1 e venceram a volta por 1 a 0, em casa, com gol de Calderón, e garantiram a vaga na final.
O adversário foi o Internacional-BRA, que vivia uma das mais vertiginosas fases de sua história, com os recentes títulos da Libertadores e do Mundial de Clubes da FIFA, em 2006. No primeiro jogo, em La Plata, a força da torcida no caldeirão do Estádio Ciudad de La Plata não foi suficiente para evitar a derrota por 1 a 0 para os brasileiros, que chegaram a atuar com um jogador a menos desde os 24 minutos do primeiro tempo (Guiñazú foi expulso).
Insistindo nas bolas aéreas, o time argentino parou no bom sistema defensivo dos gaúchos e nas defesas do goleiro Lauro. A volta, no Beira-Rio, seria dureza para os pincharratas, que precisavam pelo menos de uma vitória por um gol para levar a decisão para a prorrogação. Mas o time argentino foi valente, fez um gol com Boselli (anulado por impedimento duvidoso) para, enfim, chegar ao tento que precisava no segundo tempo, com o zagueiro Alayes. O jogo permaneceu com vitória argentina por 1 a 0 e foi para a prorrogação. Nela, muita tensão e erros de passes que indicavam a loteria dos pênaltis. Só que Nilmar, aos 8’ da segunda etapa, fez um gol chorado, típico de decisão, que decretou o empate em 1 a 1 e o título colorado. Foi uma ducha de água fria para os pincharratas, que teriam outra chance de brigar por um título: a Copa Libertadores de 2009.
A maior glória de Verón
O pai de Verón levantou três Libertadores no final dos anos 1960. E, por isso, Juan Sebastián Verón tinha uma vontade imensa de pelo menos levantar uma Glória Eterna por seu clube de coração. Era algo cravado em seu coração, em sua alma. E La Brujita fez da Libertadores de 2009 a competição de sua carreira. Após superar a fase preliminar, os Pincharratas passaram por alguns apuros na fase de grupos e a diretoria demitiu Astrada para trazer Alejandro Sabella, velho conhecido da torcida por seus tempos de jogador pelo próprio clube de La Plata, e que também começaria no Estudiantes sua carreira como técnico.
A chegada de Sabella contagiou os jogadores e o Estudiantes goleou o Deportivo Quito por 4 a 0, em La Plata, e na sequência goleou o Cruzeiro também por 4 a 0. Com nove pontos, bastou um empate sem gols contra o Universitario de Sucre na última rodada para garantir a classificação às oitavas de final em segundo lugar, com 10 pontos. Sabella implantou rapidamente seu estilo naquele time. Recuou um pouco Verón e deu ao craque a função de organizar as jogadas, com intensa movimentação. Acabou com o losango de Astrada e armou um 4-4-2 clássico, com Braña na marcação centralizada, Enzo Pérez mais aberto pela direita e Benítez pela esquerda. Na frente, a aposta era em Boselli como goleador e Gastón La Gata Fernández para abrir espaços na defesa com sua velocidade. O sistema defensivo teria Cellay e Desábato no miolo de zaga, e Germán Ré e Marcos Angeleri nas laterais, com o titular Andújar no gol.
Nas oitavas, o Estudiantes encarou o Libertad-PAR e mostrou que queria voltar a ser o gigante da América que fora no passado. Com gols de Fernández e Boselli (duas vezes), o clube argentino venceu por 3 a 0 e fez a festa dos mais de 40 mil torcedores no Estádio Ciudad de La Plata. Na volta, no Paraguai, empate sem gols que garantiu a vaga nas quartas, quando eliminou o Defensor-URU após duas vitórias por 1 a 0. Na semifinal, o rival foi o Nacional-URU e, no primeiro jogo, em La Plata, o time de Verón venceu por 1 a 0, gol de Diego Galván. Na volta, no Centenário com 48 mil tricolores, Boselli outra vez mostrou seu faro artilheiro e marcou os dois gols da vitória por 2 a 1 que colocou os argentinos na final pela primeira vez após 38 anos.
Na final, o Estudiantes reencontrou o Cruzeiro, adversário da equipe argentina na fase de grupos. Na ida, em La Plata, mais de 52 mil pessoas transformaram o Estádio Ciudad de La Plata em um caldeirão para ajudar o Estudiantes a vencer o time brasileiro. Mas os azuis vinham embalados e conseguiram segurar o empate sem gols graças às defesas do goleiro Fábio, que impediu pelo menos quatro grandes chances dos argentinos. Seria preciso vencer no Mineirão de qualquer jeito. E justo em um estádio com retrospecto péssimo para os clubes argentinos: até aquele ano, em 35 jogos, apenas quatro eles venceram. Haja futebol, sangue frio e apelo às místicas do clube para conseguir a virada. Mas havia o alento: o Estudiantes poderia utilizar as bruxarias de seu capitão…
No dia do jogo, quase 65 mil pessoas estavam no Mineirão. Se o Estudiantes não tinha a força da torcida a favor, o clube recorreu às suas “entranhas” para o entusiasmo: os próprios jogadores. Todos eles se uniram e disseram ao técnico Sabella que iriam vencer dentro do estádio mineiro. O treinador disse em entrevista ao La Nación (ARG) que no trajeto até o Mineirão, faltando 30 metros para chegar ao portão, “o ônibus se mexia de maneira impressionante” e ele ficou temeroso de que os jogadores poderiam “quebrar os vidros das janelas”. Os atletas gritavam e bradavam bem alto cânticos de euforia. Sem entender aquilo, a torcida do Cruzeiro percebeu que aquele Estudiantes não vinha a passeio. Vinha para ganhar.
Quando a bola rolou, os primeiros 20 minutos foram sem grandes lances, com os times ainda se estudando. Só aos 21’ que Fernández apareceu com perigo e tocou para Boselli, que furou na hora de chutar. O Cruzeiro tentou a resposta em cobrança de escanteio de Gérson Magrão, mas Wellington Paulista não conseguiu desviar para o gol após cabeçada de Leonardo Silva. Até os 30’, mais duas chances do time da casa, ambas interceptadas pela zaga. Bem marcado, Verón não conseguia criar como de costume, mas roubava bolas e mais bolas dos rivais e comandava as ações no meio, além de anular o meio-campista cruzeirense Ramires, que sofreu faltas duras do argentino, que deu o troco pela cotovelada recebida do brasileiro no primeiro duelo.
Na segunda etapa, logo aos seis minutos, um chute de Henrique desviou em Desábato, enganou o goleiro Andújar e abriu o placar do Mineirão: 1 a 0. Muitos poderiam decretar o título do time brasileiro, ainda mais após um gol daquele, de fora da área, como o de Elivélton no título de 1997. Parecia que o misticismo estava do lado cruzeirense. Mas não. Os argentinos respiraram fundo. Pegaram a bola para si. Enquanto a torcida da casa pedia o segundo gol, eles criavam chances. E apenas cinco minutos depois, Verón lançou na direita, nas costas de Gérson Magrão, para Cellay. O defensor cruzou para a área e La Gata Fernández escorou para empatar: 1 a 1. O Cruzeiro sentiu. Já o Estudiantes começou a salivar o gosto de la Copa. Verón se inflou em campo. Como o capitão que era, virou o norte para o caminho da virada.
Aos 27’, o Estudiantes ganhou escanteio. Na cobrança, Verón. Na área, a confusão típica. E o craque colocou uma poção de sua bruxaria na bola. A redonda viajou direto para a cabeça do artilheiro da Libertadores, Boselli, mandar para o fundo do gol de Fábio: 2 a 1. Virada dos pincharratas! Puro delírio na pequena torcida alvirrubra no Mineirão. E êxtase profundo nos jogadores, certos de que a história estava sendo escrita após quase 40 anos. Nos minutos seguintes, frieza absoluta para controlar o jogo. Andújar seguia fazendo uma Libertadores impecável garantindo o resultado lá atrás. Verón, quando tinha a bola, era o Estudiantes em si, encarnado, a continuidade da lenda iniciada por seu pai. Ele não escondia a emoção a cada virada do ponteiro do relógio. E, quando o árbitro encerrou o jogo, La Brujita deixou as lágrimas caírem de vez.
O rosto sisudo do capitão deu lugar ao emocionado. Verón se igualava ao pai e era campeão da Copa Libertadores. De quebra, entrava para o seletíssimo grupo de pais e filhos campeões da América pelos mesmos clubes, ao lado dos uruguaios Roberto Matosas (pai, campeão em 1960 e 1961) e Gustavo Matosas (filho, campeão em 1987), campeões pelo Peñarol, e Néstor Gonçalves (pai, campeão em 1960, 1961 e 1966) e Jorge Gonçalves (filho, campeão em 1987), campeões também pelo Peñarol.
O Estudiantes foi campeão com a segunda campanha mais longa da história da Libertadores: 16 jogos, com nove vitórias, quatro empates e três derrotas, além de 21 gols marcados e nove sofridos, um aproveitamento de quase 65%. O clube foi também o primeiro e até hoje único campeão que não levou gols jogando em casa! Além disso, Sabella não perdeu nenhum jogo: em 11 partidas, venceu oito e empatou três, aproveitamento de quase 82%. O atacante Boselli foi o artilheiro do torneio com 8 gols, Verón foi eleito o craque da final, o craque da Libertadores e ainda levou o prêmio de Melhor Futebolista da América do Sul em 2009.
Quase campeão do mundo e última Copa
Após a Libertadores, o Estudiantes perdeu algumas peças importantes, mas manteve a base principal e ainda trouxe o experiente lateral-direito Clemente Rodríguez para a disputa do Mundial de Clubes da FIFA. Em dezembro, já em Abu Dhabi, o Estudiantes encarou o Pohang Steelers, da Coreia do Sul, na semifinal, e venceu por 2 a 1. Na decisão, o time argentino enfrentou o Barcelona de Guardiola, que buscava seu 6º troféu no ano. Favorito, o time catalão dava sinais de que iria passar por cima do esquadrão de Verón. Mas não foi bem assim.
O técnico Alejandro Sabella fez uma memorável preleção aos seus jogadores, inflou o lado competitivo e vencedor do grupo e o Estudiantes não deixou o Barcelona aplicar seu futebol demolidor. Com uma marcação especial sobre Messi e neutralizando Xavi, o Estudiantes foi o dono do primeiro tempo e isso se refletiu no placar: 1 a 0, gol de Boselli, aos 36’, após aproveitar cruzamento de Juan Díaz. O segundo tempo foi angustiante, com o Barça atacando a todo momento e o Estudiantes se segurando. Até que, aos 43’, Pedro apareceu para empatar o jogo e levá-lo para a prorrogação.
Nela, quem estava mais sumido no jogo decidiu: Lionel Messi. De peito, o argentino virou para 2 a 1 e deu ao Barcelona seu primeiro título mundial. A tristeza, claro, abateu a todos do Estudiantes. Verón ganhou a Bola de Prata como segundo melhor jogador do torneio e o Estudiantes foi recebido com muito orgulho por seus torcedores na volta à Argentina. Eles perderam, mas não foram as presas fáceis que todos esperavam.
No ano seguinte, Verón foi convocado para a Copa do Mundo de 2010. O argentino foi titular na estreia da equipe diante da Nigéria e deu uma assistência para o gol de Heinze. O meio-campista não jogou a partida seguinte por causa de uma lesão, mas retornou nos 2 a 0 sobre a Grécia que garantiu a Argentina nas oitavas de final, quando começou na reserva, mas entrou no segundo tempo e ajudou na vitória por 3 a 1 sobre o México. Nas quartas, porém, La Brujita não jogou e a Argentina perdeu para a Alemanha por 4 a 0. Verón decidiu se aposentar da seleção após a Copa e revelou que sua relação com o então técnico, Diego Maradona, não era das melhores.
“Maradona se contradisse com o que disse no início e o que fez depois. Ele é efusivo demais na hora de fazer declarações e se envolve em questões que depois se tornam difíceis de lidar. Chegou a comentar comigo que me via como o Xavi da nossa Seleção. Obviamente depois todo mudou nas conversas que tive com ele antes de sair da equipe e terminei sem jogar. Foram questões até táticas e eu as entendo. Mas certamente nisso está a minha amargura”, disse Verón após o Mundial.
De fato, ele fez muita falta na goleada sofrida para a Alemanha e certamente seria uma voz em campo para os mais jovens do time, além de arrumar o meio de campo e não deixar o time alemão – muito bom, mas bem jovem na época – engolir a albiceleste. Verón disputou 72 jogos, marcou 9 gols e deu 18 assistências pela Argentina em sua carreira. Ainda em 2010, o craque venceu mais um título nacional pelo Estudiantes – o Apertura.
Aposentadoria e presidência
Verón jogou no Estudiantes até 10 de maio de 2014, quando decidiu se aposentar, curiosamente no mesmo dia que seus compatriotas Javier Zanetti e Gabriel Heinze. Meses depois, o craque foi eleito presidente do clube com 75% dos votos e presidiu o Estudiantes de 2014 até 2017, quando foi reeleito para um novo mandato até 2020. Nesse período, La Brujita voltou atrás da aposentadoria e vestiu a camisa do clube mais cinco vezes em 2017, até pendurar as chuteiras de vez, aos 41 anos. O último jogo do craque foi a vitória do Estudiantes sobre o Botafogo, pela Libertadores, por 1 a 0, em La Plata, na última rodada da fase de grupos daquela competição.
Em abril de 2024, Verón voltou à presidência do Estudiantes e logo na sequência seu clube venceu a Copa da Liga Argentina. Com títulos em vários clubes, um futebol marcante, inúmeras assistências para gols (foram 124) e atuações magistrais, Verón foi sem dúvida um dos maiores craques da história do futebol argentino e mundial. Uma lenda que ressuscitou seu clube de coração e o recolocou no topo da América de maneira primorosa. Um craque imortal.
Números de destaque:
Disputou 216 jogos, marcou 25 gols e deu 36 assistências pelo Estudiantes.
Disputou 82 jogos, marcou 11 gols e deu 15 assistências pelo Manchester United.
Disputou 79 jogos, marcou 14 gols e deu 22 assistências pela Lazio.
Disputou 74 jogos, marcou 4 gols e deu 11 assistências pela Internazionale.
Disputou 68 jogos, marcou 7 gols e deu 7 assistências pela Sampdoria.
Disputou 42 jogos, marcou 4 gols e deu 14 assistências pelo Parma.
Disputou 14 jogos, marcou um gol e deu uma assistência pelo Chelsea.
Disputou 72 jogos, marcou 9 gols e deu 18 assistências pela seleção da Argentina.
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Verón era um jogador que eu queria muito ver como craque imortal no site. Mandou bem no Calcio, mas o melhor mesmo foi a relação dele com o Estudiantes, principalmente em 2009, quando venceu a Libertadores e dificultou bastante para aquele indescritível Barcelona no Mundial. Uma verdadeira lenda pincharrata.
Para mim, Brujita Verón é mais que bem-vindo à seção dos craques imortais, a minha favorita desse site. Abração, Imortais!
Obrigado pelo comentário, Miguel! Abraço!