Por Guilherme Diniz
Nome: Camp Nou
Localização: Barcelona, Espanha
Inauguração: 24 de Setembro de 1957
Partida Inaugural: Barcelona 4×2 Légia Varsóvia, no dia 24 de Setembro de 1957
Primeiro gol: Eulogio Martínez, do Barça, no jogo Barcelona 4×2 Légia Varsóvia, 24 de Setembro de 1957
Proprietário: Futbol Club Barcelona
Capacidade: 99.354 pessoas
Recorde de público: 120 mil pessoas acompanharam o jogo Barcelona 1×0 Juventus, nas quartas de final da Liga dos Campeões da UEFA, em 05 de março de 1986. Na época, o estádio comportava 121.401 espectadores.
Magnífico. Imponente. Encantador. Palco de alguns dos jogos mais emocionantes e épicos de toda a história do futebol. De viradas. De goleadas. De golaços. Do apogeu dos mais variados craques que impuseram ao longo dos anos grandes trepidações nos arcos de arquibancadas e frenesi em quase 100 mil pessoas. Muita gente. Tem que ser grande mesmo. Afinal, é preciso emancipar a aura daquele ícone. Contar para o maior número possível de pessoas as jogadas, os golaços. Mas não é apenas o Barça o único protagonista ao longo da história. Um dos maiores esquadrões de todos os tempos, o Milan de Sacchi, venceu ali a Liga dos Campeões da UEFA de 1989. E, exatos dez anos depois, a competição viu o Manchester United virar nos três minutos derradeiros uma decisão contra o Bayern e faturar a taça em uma das mais dramáticas decisões de todas. De fato, emoção nunca faltou naquele campo mágico. Um verdadeiro templo do futebol arte.
Há mais de seis décadas, o Camp Nou é um patrimônio de Barcelona, do Barcelona, da Espanha e do futebol. Um dos pouquíssimos estádios “quatro estrelas”, a categoria máxima na classificação da UEFA, a casa blaugrana é inconfundível e passeio obrigatório para todos os que visitam a cidade catalã, e, claro, que amam o esporte. Além disso, o estádio é o 3º maior do mundo e referência de futebol bem jogado e de grandes partidas, muito culpa de seu dono e dos muitos rivais que ousaram desfilar suas virtudes por lá. É hora de conhecer a história do Templo do Futebol Arte.
Hora de pensar alto
Nos difíceis anos 1930, o Barcelona teve que superar guerras, conflitos civis e até o assassinato de seu presidente, Josep Suñol, em 1936, para sobreviver como clube. Com a Guerra Civil Espanhola em seu auge, o clube sofreu diversas perdas, viu o bombardeio aéreo de 1938 destruir grande parte de suas propriedades e seu quadro de associados cair de pouco mais de 15 mil para menos de 3 mil. Naquela década, o clube teve ainda que mudar de nome por imposição do regime para Club de Fútbol Barcelona, a fim de ter uma identidade mais espanhola, embora a alma barcelonista fosse catalã (o clube voltaria a se chamar FC Barcelona somente nos anos 1970). Foi um milagre o clube não desaparecer naquela época, e, após o período turbulento, os blaugranas se reergueram na década de 1940 com o título do Campeonato Espanhol na temporada 1944-1945, pondo fim a um jejum de 16 anos. Com mais de 24 mil associados e os problemas deixados de lado naquele final de década, o Barcelona havia renascido. E pronto para uma nova e promissora década.
Em 1950, o clube contratou aquele que seria seu primeiro craque “arrasta multidões” e que serviria como exemplo para seus sucessores posteriores: Ladislao Kubala. Na época, o estádio Les Corts vivia lotado nas partidas em que Kubala jogava e uma imensa leva de torcedores fazia questão de ver de perto as jogadas de efeito, os dribles e os gols do genial húngaro, algo que começava a chamar a atenção do visionário presidente Agustí Montal i Galobart, que não hesitou em comprar um terreno para que o clube construísse um estádio maior e que comportasse a quantidade de fãs que o Barça atraía.
Por causa disso – e pelo aumento de 100% no número de associados do clube, que passou de 26.300 para 52.791 -, o Barcelona decidiu construir, ainda em 1954, um novo estádio que refletisse o crescimento do clube e comportasse muita gente (e olha que o Les Corts não era pequeno, pois tinha capacidade para mais de 60 mil torcedores!). Com projeto dos arquitetos Francesc Mitjans Miró e Josep Soteras Mauri, além da colaboração de Lorenzo García Barbón, o desenho do futuro estádio tomou forma após a pedra fundamental ser lançada em 28 de março de 1954, com presença de milhares de torcedores, do novo presidente do clube na época, Francesc Miró-Sans e até o arcebispo da cidade. No discurso de lançamento, Miró-Sans proferiu palavras de entusiasmo e sentimento.
“Neste campo, conquistado graças à força do trabalho e do amor, florescerão as vitórias futuras. Com a fé colocada em nós, meu entusiasmo não minguará, e, sem descanso algum, daremos início com o ato simbólico de hoje, e a pedra que fundimos é a semente que vamos semear. Que nossa Moreneta, a Virgem de Montserrat, Patrona da Catalunha, seja o farol luminoso que nos guie na tarefa que empreendemos”. – Francesc Miró-Sans, presidente do Barcelona em 1954, em discurso da época e reproduzido no jornal Mundo Deportivo (ESP), 28 de março de 2013.
Em 1955, as obras começaram com orçamento inicial de 67 milhões de pesetas, que alcançou os 288 milhões após a aquisição de terrenos ao redor. O clube teve que fazer empréstimos, vendeu o Les Corts – embora a venda tenha demorado quase dez anos para ser concretizada – e passou por anos difíceis em termos financeiros até sanar os débitos. Mesmo assim, as obras foram rápidas, e, em apenas três anos, o belíssimo estádio foi erguido com imponentes arcos de arquibancadas que formavam curvas sinuosas e altas, com 48 metros de altura em seu ponto mais alto. O gigante foi erguido em uma área de 55 mil metros quadrados com capacidade para 93.053 pessoas, dispostas em seis lances de grandes arquibancadas e ainda uma área coberta, reservada para as tribunas, camarotes, cabines de imprensa e convidados ilustres.
A inauguração aconteceu em 24 de setembro de 1957, em amistoso entre o Barcelona e o Légia Varsóvia, da Polônia. Os blaugranas foram a campo com Ramallets; Olivella, Brugué e Segarra; Vergés e Gensana; Basora, Villaverde, Eulogio Martínez, Kubala e Evaristo de Macedo. E a vitória foi dos catalães: 4 a 2, diante de 93 mil espectadores que viram o artilheiro Eulogio Martínez anotar o primeiro gol do Estadio del Club de Fútbol Barcelona, o nome oficial pelo qual o estádio ficaria conhecido na época. No entanto, desde aqueles anos, a torcida e a população de Barcelona se referiam a ele como “Camp Nou” (“campo novo”), em paralelo ao Les Corts ser o “viejo”. Oito anos depois, o presidente do clube, Joan Gaspart, convocou os sócios para escolher um novo nome para o estádio. As opções, além do inaugural de 1957, eram “Estadi Barça” e “Estadi Camp Nou”. E, ainda bem tradicionalistas, os sócios escolheram o nome Estadio del Club de Fútbol Barcelona mesmo.
Dinastias, lendas e a expansão
Com capacidade inaugural para 93.053 pessoas, a catedral barcelonista seria ampliada tempo depois para 98.772 espectadores e foi o combustível para o clube iniciar anos de conquistas e grandes exibições. Já na temporada 1958-1959, os blaugranas conquistaram o Campeonato Espanhol e uma Copa del Generalísimo – nome da Copa do Rei na época. Em 1958, Kubala intermediou e ajudou o clube catalão na contratação das estrelas húngaras Kocsis e Czibor, que só aumentaram o poder ofensivo e técnico do time azul e grená, que teve naquela década um de seus maiores esquadrões da história, vencedor de cinco copas nacionais, várias Copas de Feiras (precursora da Liga Europa) e ainda a Pequena Copa do Mundo de clubes de 1957, quando passou por Nacional-URU (4 a 0 e 3 a 2), Botafogo-BRA (3 a 0 e 2 a 2) e Sevilla-ESP (3 a 2 e 2 a 2). O time ainda flertou com o título da Liga dos Campeões da UEFA em 1961, mas perdeu a decisão para o Benfica de Eusébio e Coluna. Ainda na década de 1960, o estádio foi um dos palcos da Eurocopa de 1964, vencida pela Espanha.
Nos anos 1970, o Camp Nou ganhou placares eletrônicos e abrigou a chegada das lendas holandesas Rinus Michels e Johan Cruyff, que revolucionaram para sempre a maneira de jogar do clube catalão com a proposta do Futebol Total feita anos antes no Ajax, os toques envolventes, a posse de bola inabalável e a ofensividade em primeiro lugar. Com isso, o Camp Nou se transformou na casa do futebol bem jogado e certeza de grandes exibições. Cruyff e Michels levaram o Barça ao título espanhol de 1974 após 14 anos de jejum, além da Copa do Rei de 1977-1978, e proporcionaram noites inesquecíveis aos fãs. Além disso, o estádio foi palco da final da Recopa da UEFA de 1972 entre Rangers-ESC e Dynamo Moscou-RUS, vencida pelos escoceses por 3 a 2. Anos depois, em 1982, foi a vez do Barça conquistar o mesmo título em sua casa, ao bater o Standard Liège-BEL por 2 a 1 sob as mãos do lendário técnico Udo Lattek, do astro dinamarquês Allan Simonsen e do goleador Quini.
Na década de 1980, o Camp Nou passou por sua primeira grande reforma para se adequar à Copa do Mundo de 1982, realizada na Espanha, e teve sua capacidade ampliada para 121.401 torcedores. O estádio foi um dos eleitos pela FIFA para abrigar cinco jogos da competição, sendo o mais requisitado de todo o torneio. Entre as partidas, destaque para a vitória da grande Bélgica da época sobre a Argentina de Maradona por 1 a 0, e o triunfo da futura campeã Itália sobre a Polônia por 2 a 0 na semifinal. Em 1984, o clube inaugurou no estádio um museu, que ganharia grandes aportes cênicos (e troféus) nos anos seguintes. Em 1986, o Barça quebrou o recorde de público do estádio ao levar 120 mil pessoas ao jogo das quartas de final da Liga dos Campeões da UEFA daquele ano contra a Juventus-ITA (então campeã europeia), partida que terminou com vitória catalã por 1 a 0. O time alcançou a final, mas acabou perdendo de maneira surpreendente para o Steaua Bucareste, da Romênia.
Em 1989, o Camp Nou foi sede pela primeira vez de uma final de Liga dos Campeões da UEFA. E não poderia haver esquadrão melhor para se consagrar ali: o Milan de Gullit, Van Basten, Maldini, Baresi e companhia, que se sentiu em casa e aplicou 4 a 0 no Steaua Bucareste, com dois gols de Van Basten e dois de Gullit, uma apoteose de um dos maiores times do século XX.
Em 1992, o estádio outra vez foi palco de uma final histórica: a decisão olímpica entre Espanha e Polônia, vencida pelos anfitriões por 3 a 2 diante de 95 mil torcedores. Entre os jogadores campeões, estavam Guardiola e Luis Enrique, que no futuro seriam grandes símbolos do barcelonismo. Dois anos depois, o estádio passou por outra remodelação para se adequar às novas normas de segurança da FIFA e instalou cadeiras numeradas em suas arquibancadas. Com isso, a capacidade voltou a ser de pouco mais de 99 mil torcedores, mantendo o característico número que tanto marcou o coliseu blaugrana e seu status de um dos maiores do mundo.
Além disso, o gramado foi rebaixado em 2,5 metros, o fosso de segurança entre arquibancadas e gramado foi removido, foram construídas novas cabines de imprensa e feita a modernização dos bancos de reservas, do estacionamento e implantação de um moderno sistema de iluminação e som. A renovação se estendeu de 1994 até 1999, mesma década na qual brilhou o Dream Team do técnico Cruyff e de craques como Laudrup, Stoichkov e Romário, além do time comandado por Ronaldo Fenômeno no auge, e depois por Rivaldo e Frank de Boer já no final da década, que teve um amistoso especial em 1999 na celebração dos 100 anos do clube catalão: um 2 a 2 com a notável Seleção Brasileira da época (que jogava muita bola, bem diferente dos timecos que somos obrigados a ver há mais de 10 anos…). Após as reformas, o estádio entrou para o seleto grupo de estádios “top” da UEFA, atendendo a todos os requisitos da entidade para partidas de futebol.
Também em 1999, o Camp Nou sediou mais uma final de Liga dos Campeões. E foi simplesmente uma das mais dramáticas da história, quando o Manchester United virou nos três minutos finais um jogo praticamente perdido para o Bayern e fez 2 a 1, conquistando o título europeu depois de 31 anos de jejum.
Do Bruxo à Meeeeessiiiiiiiii
No novo milênio, enfim, o Camp Nou passou a ser chamado oficialmente como tal após uma nova eleição feita entre os torcedores e sócios, que preferiram a nomenclatura clássica ao invés de Estadi Joan Gamper e Estadi del Futbol Club Barcelona. A vitória do Camp Nou foi esmagadora: mais de 68% dos votos. E justamente após o batismo o estádio passou a receber partidas simplesmente magníficas e virou palco de shows de grandes lendas do esporte. Entre 2004 e 2006, Ronaldinho, o Bruxo, o maior espetáculo da Terra, enfileirou rivais, aplicou dribles, deu chapéus, elásticos e fez algumas das maiores apresentações de sua carreira no Camp Nou. Junto com Eto’o, Deco, Van Bommel, Rafa Márquez, Puyol e companhia, ele ajudou o time blaugrana a conquistar vários títulos nacionais e ainda a sonhada Liga dos Campeões da UEFA de 2005-2006.
Depois dele, foi a vez de Messi, Xavi, Iniesta e o técnico Guardiola construírem o maior esquadrão deste século XXI, campeão mundial em 2009 e 2011, da Liga dos Campeões em 2009 e 2011 e de vários outros títulos. Virou comum a cena da torcida gritar “Meeeeeessiiiiiii, Meeeeeeessiiiiiii” após gols e mais gols do argentino, principalmente nos clássicos contra o rival Real Madrid, que levou surras homéricas dos blaugranas não só entre 2008 e 2012, mas também quando Luis Enrique assumiu o timaço do trio MSN – Messi, Suárez e Neymar -, também campeão do mundo e da Europa, em 2015. Em 2017, o Camp Nou abrigou uma das maiores viradas da história, quando o Barça fez 6 a 1 no PSG no jogo de volta após perder por 4 a 0 na partida de ida das oitavas de final da Liga dos Campeões. De fato, o impossível nunca existiu naquele gramado sagrado.
Patrimônio catalão
Além de grandes partidas do futebol, o Camp Nou já recebeu jogos de Rugby, em 2016, grandes shows musicais de artistas como Julio Iglesias, Bruce Springsteen, Michael Jackson, Sting, Peter Gabriel, os “Três Tenores” Luciano Pavarotti, Plácido Domingo e Josep Carreras, U2 entre outros. O estádio possui fácil acesso por transporte público com três linhas próximas de Metrô, além de três linhas de bondes e 15 linhas de ônibus. Sempre pensando no futuro, o clube planeja uma profunda reformulação de sua casa e arredores com o projeto Espai Barça, que dará uma cobertura total ao estádio e novos assentos – que ampliará sua capacidade para 110 mil pessoas – e modernizará mais de 40 mil metros quadrados da área onde fica o Camp Nou. As reformas começarão em 2020 e devem durar até 2026. Enquanto isso, o Barça jogará as temporadas 2023-2024 e 2024-2025 no estádio Olímpico de Barcelona, que tem capacidade para 55 mil espectadores.
Veja algumas imagens do Espai Barça
Enquanto a roupagem nova não chega, o Camp Nou segue com sua aura clássica intacta e repleto de grandes histórias que podem ser revistas no museu do clube, nas estátuas que rodeiam o estádio e em qualquer partida de futebol disputada nele. Afinal, nunca será apenas um jogo. Será, como os catalães adoram frisar, “més que un partit”…
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