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A história do Paraguai x Colômbia que terminou com um narco se oferecendo para matar Chilavert

Por Leandro Stein

Eliminatórias da Copa do Mundo de 1998. Em abril de 1997, Paraguai e Colômbia se enfrentavam no Defensores del Chaco pela primeira rodada do returno. Era uma partida importante às seleções, que vinham de boas campanhas na competição. O duelo quente renderia uma confusão generalizada, com Faustino Asprilla e José Luis Chilavert entre os protagonistas. Ambos trocaram agressões e foram expulsos, o que desencadeou o tumulto. E, quase 20 anos depois, o atacante colombiano revelou que o desfecho do episódio poderia ter sido trágico. À uma televisão colombiana, em 2019, Tino garantiu que um narcotraficante colombiano ofereceu seus sicários para assassinar o goleiro paraguaio – o que ele obviamente recusou.

A Colômbia estava na própria história de Chilavert. O primeiro gol do arqueiro aconteceu justamente no duelo em Assunção pelas Eliminatórias da Copa de 1990. A oportunidade surgiu nos acréscimos do segundo tempo, durante uma saída desastrada de René Higuita, que se chocou com um adversário dentro da área. O árbitro assinalou o pênalti e iniciou o imbróglio. Diante dos protestos acalorados dos jogadores colombianos, a polícia paraguaia entrou em campo. Um fotógrafo local chegou a denunciar Bernardo Redín por agressão e o colombiano necessitou da intervenção do embaixador de seu país para evitar as consequências judiciais. Depois de uma longa paralisação, Chilavert balançou as redes e confirmou a vitória por 2 a 1, que não serviu tanto à Albirroja. Apenas os colombianos foram ao Mundial da Itália.

A rivalidade seria alimentada por outros encontros. Em 1995, a Colômbia foi responsável por eliminar o Paraguai nas quartas de final da Copa América. Nos pênaltis, os Cafeteros avançaram. E a seleção treinada por Hernán Darío Gómez também se deu melhor contra o time de Paulo César Carpegiani na abertura das Eliminatórias para a Copa de 1998. Em Barranquilla, Asprilla bailou contra Chilavert. O triunfo por 1 a 0 veio graças a um chutaço do centroavante, que o goleiro não conseguiu alcançar. Antes da partida, o guaraní havia ganhado as manchetes por prometer um gol de falta contra Faryd Mondragón e por dizer que o atacante Iván Valenciano “se parecia com Quico”, do seriado Chaves. Fez com que os anfitriões se vingassem em campo.

Assim, naturalmente a temperatura subiu para o segundo jogo, meses depois. Quando os dois times se reencontraram em Assunção, em abril de 1997, ambos dividiam a liderança das Eliminatórias. Somavam os mesmos 17 pontos em oito rodadas disputadas e possuíam quatro pontos de vantagem sobre a Argentina. O resultado no Defensores del Chaco, portanto, possuía um peso decisivo na afirmação do vencedor. Enquanto a Colômbia sustentava os últimos anos de sua geração dourada, o Paraguai tentava provar sua força com uma equipe que se alavancava. E, entre os protagonistas naturais, jogadores de “personalidade forte” e carreira referendada. Chilavert e Asprilla eram desses.

Nervos à flor da pele

O Paraguai abriu o placar logo aos seis minutos. Uma cobrança de falta fechada de Francisco Arce pela esquerda passou por Mondragón e terminou batendo nas pernas de Carlos Gamarra, antes de entrar. Ainda no primeiro tempo, a Colômbia viu sua melhor chance ser barrada por Chilavert. Carlos Valderrama chutou no capricho de dentro da área e o arqueiro desviou com a ponta dos dedos, fazendo a bola a explodir no travessão. Além disso, Chilavert também travava um duelo particular com Asprilla. Em três oportunidades, saiu nos pés do atacante para brecá-lo e evitar o empate dos colombianos.

A confusão se desencadearia aos 30’ da segunda etapa, durante um lance ofensivo da Colômbia. Asprilla cometeu uma falta em cima de Celso Ayala e, segundo Chilavert, pisou no joelho do zagueiro. O arqueiro foi tirar satisfação. Depois disso, as versões diferem sobre quem agiu primeiro, mas é fato que o goleiro cuspiu no colombiano e o centroavante deu um tapa na boca do paraguaio. O árbitro brasileiro Wilson de Souza Mendonça não deixou barato. Asprilla foi o primeiro a ver o cartão vermelho direto. Chilavert ficou por um tempo fazendo cera no gramado. Quando o goleiro se levantou, também foi expulso pelo árbitro, que ainda assinalou o pênalti pela cusparada. Já era uma confusão sem tamanho, mas ainda assim o pior estava por vir.

Ao deixar o campo, Chilavert cumprimentou Rubén Ruiz Díaz, que assumiria o gol na cobrança. Enquanto passava pelo banco de reservas da Colômbia, cruzou com Asprilla sentado. Covardemente, o goleiro deu um soco no rosto do colombiano. Conforme seu próprio depoimento à revista Soho, ainda disse: “Se te pego fora de campo, te mato”. Então, o pau comeu em Assunção.

Víctor Aristizábal foi defender o companheiro e deu uma voadora em Chilavert, mas o goleiro conseguiu se esquivar. O alambrado no Defensores del Chaco parecia pronto a vir abaixo, enquanto a polícia entrou com seus escudos para acuar os jogadores cafeteros, que iam para cima do banco guaraní. Sobraram pancadas para os visitantes. Deu ruim até para a “turma do deixa disso”. Na tentativa de conter o possesso Valderrama, Mondragón também ouviu xingamentos do companheiro.

Depois da bagunça, a polêmica

Após vários minutos de paralisação, também sem o expulso Aristizábal, a Colômbia buscou o empate. Mauricio Serna converteu o pênalti que começou todo o rolo. Ao menos, o Paraguai conseguiu aplacar a fúria dos 37 mil presentes nas arquibancadas. O empate saiu dois minutos depois, aos 37’ do segundo tempo. Após mais uma cobrança de falta de Arce, a bola foi escorada no segundo pau e Derlis Soto completou na pequena área. Ficou nisso. Com a vitória por 2 a 1, a Albirroja chegou aos 20 pontos e se isolou na liderança, enquanto os Cafeteros estacionavam nos 17 e precisavam tirar o prejuízo na sequência das Eliminatórias. Na saída do estádio, Asprilla deu sua versão dos fatos. 

“Dou a mão ao defensor e Chilavert me ofende. Ele cuspiu em mim, eu respondi e dei um golpe na cara. O árbitro me expulsa e apita o pênalti. Logo Chilavert sai e me dá um soco na cara”. 

Já Chilavert declarou: “Asprilla me deu uma cusparada e eu disse que ele não existia. Aristizábal reagiu e quis me agredir, porque estava dando pontapés por todos os lados. O árbitro se equivocou, eu quero ver o vídeo porque não sei a razão de me expulsar e dar o pênalti. Não sou amigo de Asprilla e nem penso em ser. Sou o melhor do mundo, Asprilla não existe”.

E, segundo as revelações recentes de Asprilla, aquela confusão não acabou dentro do Defensores del Chaco. Em 2019, o centroavante estreou um programa ‘Faustino, El Grande’, em uma rede de televisão local. Contou o que aconteceu nas horas seguintes ao duelo em Assunção.

Quando já estava no hotel onde a seleção colombiana se hospedava em Assunção, Asprilla recebeu uma ligação. Do outro lado da linha estava Julio César Correa Valdés, o ‘Julio Fierro’, conhecido narcotraficante colombiano. O criminoso convidou o atacante para se dirigir ao hotel onde ele estava na capital paraguaia. Tino foi, justamente ao lado de Aristizábal, o outro protagonista da briga com Chilavert.

Conforme Asprilla, Fierro estava com mais dez pessoas bêbadas e mulheres paraguaias. Então, o traficante pediu a “autorização” para que dois de seus capangas fossem atrás de Chilavert e matassem “esse gordo”. Asprilla, entretanto, tratou de esfriar as coisas. Negou qualquer autorização e chegou a temer pelo próprio futuro do futebol colombiano. A um país que já convivera com histórias terríveis entre narcos e futebol, com o exemplo maior das ameaças na Copa de 1994 e da morte de Andrés Escobar, não parecia um mero blefe do criminoso.

“Eu disse a eles: ‘Como assim? Vocês estão loucos? Vão acabar com o futebol colombiano! Isso não pode ser. O que passou em campo, ficou em campo’. Chilavert me deu um soco, expulsaram os dois e isso terminou aí”, contou Asprilla. O centroavante ainda disse que os sicários de Fierro estavam ao lado, portando pistolas. “Chilavert nunca se deu conta. Foi um momento complicado”, concluiu o veterano

Julio Fierro tinha ligações diretas com Pablo Escobar e o Cartel de Medellín, segundo as autoridades colombianas. Em 2000, ele entrou em um programa de delação à agência antidrogas dos Estados Unidos, ganhando a liberdade. No entanto, o narcotraficante morreria tempos depois. Teria sido vítima justamente de seus antigos sócios, que temiam a delação.

Relações cortadas

No fim das contas, a FIFA também não pesou a mão nas sanções aos jogadores. Chilavert pegou um gancho de quatro partidas. Aristizábal ficaria suspenso por três jogos e Asprilla, por dois. Além do mais, cada um precisou pagar uma multa que não passava dos US$ 4 mil. O desempenho de Paraguai e Colômbia caiu no segundo turno das Eliminatórias, mas nada que impedisse a classificação de ambas equipes à Copa de 1998. Os guaranis terminaram a campanha no qualificatório ocupando a segunda colocação, com 29 pontos, e os cafeteros vieram logo atrás, em terceiro, com 28 pontos.

Em 2017, a Blu Rádio de Bogotá tentou promover uma reconciliação ao vivo. Ligou para Chilavert e perguntou sobre o episódio, que o goleiro garantiu ter ficado no passado. Quando avisaram que Asprilla estava do outro lado da linha, porém, o paraguaio preferiu desligar. “Não gostaria de falar sobre isso. Eu penso que é um assunto terminado. Realmente, preferia não falar com ele, porque vi nas redes sociais a maneira como ele quis motivar a seleção colombiana contra o Paraguai, mas não concordo com isso e vamos entrar em uma discussão muito banal. Para quê? Aqui nós não brincamos”, justificou.

À rádio, Asprilla sorriu e respondeu que “Chilavert havia o negado”, assegurando que “as coisas do passado ficaram no passado”. Na mesma época, em tom de brincadeira, Tino havia pedido ‘vingança’ aos compatriotas antes do jogo pelas Eliminatórias da Copa de 2018, afirmando que o soco “ainda doía nele”. O Paraguai conseguiu vencer a partida por 2 a 1, dentro da Colômbia, mas apenas os Cafeteros asseguraram a classificação ao Mundial da Rússia.

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