in

Botafogo x Peñarol: a final da Copa Conmebol de 1993

Foto: Cézar Loureiro / O Globo

Por Guilherme Diniz

Rivais nas semifinais da Copa Libertadores de 2024, Botafogo e Peñarol já decidiram um torneio continental. Foi lá em 1993, quando alvinegros e aurinegros lutaram pelo troféu da Copa Conmebol em duelos bastante acirrados tanto no Uruguai quanto no Brasil. Após empate em 1 a 1 em Montevidéu, um novo empate foi visto no Maracanã – 2 a 2 – e a final foi para os pênaltis. Na marca da cal, o Glorioso venceu por 3 a 1 e celebrou seu primeiro grande título internacional, além de ser o primeiro clube carioca a levantar um troféu da Conmebol dentro do Maracanã. É hora de relembrar.

O contexto

O troféu da Copa Conmebol.
 

Naquele começo de anos 1990, a Conmebol queria capitalizar mais sua marca e tentar chegar aos moldes do que a UEFA já fazia na época, afinal, a entidade máxima do futebol europeu tinha anualmente a Liga dos Campeões da UEFA, a Recopa da UEFA e a Copa da UEFA, além da Supercopa. Por isso, a Conmebol criou, entre 1988 e 1997, a Supercopa da Libertadores – disputada apenas por clubes vencedores da Libertadores -; a Copa Master, em 1992 e 1995, que reunia os campeões da Supercopa -; e, nos anos de 1993, 1995 e 1996, a Copa Ouro, que reunia clubes vencedores de diferentes torneios da Conmebol. Era tudo bem bagunçado e, na verdade, os clubes se importavam mesmo com a Libertadores, por seu prestígio e a vaga no Mundial Interclubes.

Para tentar criar algo mais constante e democrático, a Conmebol criou em 1992 a Copa Conmebol, que seria disputada pelos clubes melhores colocados nas ligas nacionais após os campeões, que iam direto para a Libertadores. Outro critério que seria utilizado era a classificação de clubes que vencessem algum grande torneio interestadual. A primeira edição foi realizada em 1992 e reuniu 16 clubes, sendo 4 do Brasil, 3 da Argentina, 2 do Uruguai e um de cada país membro da entidade. Os brasileiros presentes naquela edição foram Bragantino, Atlético-MG e Fluminense, oriundos do Brasileirão de 1991, e Grêmio, vice-campeão da Copa do Brasil de 1991. A fórmula de disputa era no sistema de mata-mata, com as equipes do mesmo país se enfrentando nas oitavas de final e os outros confrontos definidos por sorteio. O Atlético sagrou-se campeão.

O (caótico) início de 1993 do Fogão

Botafogo perdeu a final do Brasileirão de 1992 para o Flamengo de Júnior (à esq.), que humilhou Renato Gaúcho no primeiro jogo.
 

Na edição seguinte, o Brasil teve cinco representantes: o Atlético-MG, como campeão de 1992, o Botafogo, vice-campeão brasileiro de 1992, Vasco e Bragantino, 3º e 4º colocados do Brasileirão de 1992, e Fluminense, vice-campeão da Copa do Brasil de 1992. E o torneio foi uma chance de ouro para o Botafogo tentar dar a volta por cima após a dolorosa perda do título nacional para o rival Flamengo. O então presidente Emil Pinheiro mudou completamente a política de contratações logo após a derrota e fez uma limpa no elenco. Saíram nomes como Renato Gaúcho, Carlos Alberto Santos, Pichetti, Valdeir, Márcio Santos e Válber e chegaram nomes menos badalados como Paulo César e Macalé, além de jovens como André Santos, Marcos Paulo e Marcelo ganharem oportunidades com o técnico Edinho. Mas, em novembro de 1992, o presidente renunciou e quem assumiu foi Mauro Ney Palmeiro, que encontrou situações precárias para sua gestão, como falta de dinheiro, nenhum grande investidor e elenco enxuto – jogadores que pertenciam à empresa de Emil acabaram saindo do Fogão também. 

“O Emil levou material do clube. A gente chegava para treinar e o Botafogo não tinha bola, não tinha colete!”, comentou André Duarte, lateral do Fogão na época, em entrevista ao Lance!, 30 de setembro de 2023. 

Sinval, à dir., foi o artilheiro do Botafogo na Copa Conmebol.
 
Carlos Alberto Torres, salvador do Fogão em 1993. Foto: Ricardo Cassiano/Lancepress!
 

Coube ao Botafogo buscar nomes que estivessem à sua condição financeira e chegaram o multifuncional China, o meia Rogerinho e o atacante Eliel. Em maio, a diretoria trouxe para o comando técnico Carlos Alberto Torres, o eterno capitão do tri, que não emplacou de início, mas conseguiu melhorar o Fogão a partir das contratações que vieram em julho: o meia Aléssio, os apoiadores Suélio e Sidney e o atacante Sinval, que quase abandonou o alvinegro quando viu a situação precária do clube.

“O Carlos Alberto Torres pediu meu empréstimo à Portuguesa e eu cheguei sem saber daquela confusão que estava o Botafogo. Vim na terça-feira e no sábado queria ir embora, voltar para São Paulo. […] Era uma situação caótica! Não tinha bola, não tinha camisa para treinar. Aí o (então dirigente) Edson Santana me ligou: ‘olha, estou sabendo que você vai embora. Vem cá, você vai voltar para jogar na Portuguesa? Desculpa te falar, mas você vai jogar para 3 mil pessoas, sendo que aqui tem chance de se consagrar, entrar para a história no time do Nilton Santos, do Jairzinho’. 

Aí não deu outra, fiquei no Rio, enfrentei tudo com o elenco. Lembro que a gente passou muito sufoco. Pegávamos ônibus de linha para ir rumo ao Galeão, às vezes o avião tinha de chegar atrasado para todo mundo viajar junto. Uma tristeza”. – Sinval, em entrevista ao Lance!, 30 de setembro de 2023. 

Experiente e um ídolo, Carlos Alberto Torres passou muita confiança aos jogadores, conseguiu tirar o foco dos problemas estruturais e fez o Botafogo jogar de maneira paciente, mas com inteligência e sabendo aproveitar as oportunidades. Em torneios longos, o time certamente não iria bem – como não foi. Mas, em uma competição curta, como a Copa Conmebol, as chances poderiam surgir. 

Foco total na América

De fato, o Botafogo foi um desastre no Brasileirão de 1993: último colocado no Grupo A, com apenas seis pontos em 14 jogos. Mas, na Copa Conmebol, a história foi bem diferente. O time estreou contra o Bragantino, um dos times mais fortes do país na época e que levava perigo aos clubes cariocas. Mas o Botafogo não se intimidou com a fama do rival e venceu o duelo de ida, no Rio, por 3 a 2 e venceu também em Bragança Paulista por 3 a 1. O adversário seguinte foi o Caracas-VEN, derrotado pelos alvinegros por 1 a 0 na Venezuela e também no Rio (3 a 0). Embalado, o Botafogo foi com muita confiança para a semifinal, onde enfrentou o Atlético-MG, que despachou pelo caminho o Fluminense, nas oitavas de final, e o Deportivo Wanka-PER, nas quartas. 

No primeiro jogo, em Minas, o Galo venceu por 3 a 1 (gols de Valdir, Tavares e Reinaldo), enquanto Sinval descontou para o Fogão. O gol solitário do atacante foi fundamental para manter o Botafogo vivo. O técnico Carlos Alberto Torres fez questão de dizer para Sinval que ele tinha feito “o gol da classificação”. Na volta, em Niterói, o Botafogo teve o desfalque do goleiro Carlão, que se lesionou no duelo contra o Galo. Com isso, o goleiro William Bacana assumiu a titularidade e viraria um símbolo da campanha tempo depois. Em casa, o Botafogo fez provavelmente seu melhor jogo na competição e venceu por 3 a 0, com um show da dupla Perivaldo e Eliel, este o autor do gol que fechou o placar. 

Sinval, que mais uma vez deixou sua marca, comentou na época sobre a classificação. “Estou muito feliz. Essa vinda para o Rio foi muito importante para minha carreira. Estou consolidando a condição de artilheiro com muito trabalho e dedicação. E tudo isso foi possível porque o Botafogo confiou em meu futebol. Só tenho a agradecer. Nem quero pensar no meu contrato agora. Nossa principal preocupação é vencer a Copa Conmebol. O resto se resolve depois”. O atacante já tinha sete gols marcados e era o artilheiro da campanha botafoguense e da Copa Conmebol. Era hora da final. E de encarar o sempre perigoso Peñarol-URU.

A grande final

O Botafogo campeão da Copa Conmebol de 1993. Em pé: Nélson, André, Perivaldo, Clei, Cláudio e William. Agachados: Aléssio, Suélio, Eliel, Sinval e Marcelo Carioca.
 

Adversário do Botafogo na decisão, o Peñarol era bem diferente do time pentacampeão continental em 1987. Já não estavam mais lá o herói Diego Aguirre, Trasante, Pereira e Herrera. Da Silva e Perdomo eram os remanescentes, enquanto Bengoechea e Los Santos os novos destaques do time aurinegro que tentava uma nova glória continental para sua galeria, embora tivesse uma equipe mais aguerrida do que técnica. Pelo caminho daquela Copa Conmebol, o Peñarol eliminou Huracán-ARG, Colo-Colo-CHI (campeão da Libertadores de 1991) e San Lorenzo-ARG, mas não conseguiu superar a campanha do Botafogo, que teve o privilégio de decidir em casa. 

No primeiro jogo, em Montevidéu, o time brasileiro saiu na frente com Perivaldo, logo aos 4’, mas Otero, aos 36’, empatou. O resultado deixou tudo aberto para a volta, no Maracanã e o resultado foi bom diante das circunstâncias de um jogo duríssimo e que nem foi televisionado no Brasil. 

“A chegada ao estádio já foi difícil, dificultaram o máximo para concentrar no jogo. Estava um frio terrível, cinco graus. Foi um jogo pesado, pancadaria. Após o jogo, não deixaram a gente deixar o vestiário. Foi verdadeiramente guerra. A diferença do uruguaio para o argentino é que o argentino gosta de bater, mas não gosta de apanhar. E os uruguaios desciam a porrada sem pensar”, comentou o ex-lateral China, titular naquela partida atuando como volante, em entrevista ao globoesporte.com, 30 de setembro de 2013.

Antes da partida da volta, o técnico Carlos Alberto Torres acreditava que o rival não iria se expor tanto. “As próprias dimensões do Maracanã vão inibi-los a partir pra cima. Eles vão chegar junto e catimbar”, disse o treinador ao Jornal do Brasil. No último treino, o Capita teve que corrigir muitos problemas de marcação dos titulares e deu muitas broncas, alertando que tais erros não seriam perdoados na decisão. Precavido, ele fez seus atletas treinarem pênaltis, caso a decisão terminasse empatada novamente. Do outro lado, o técnico uruguaio Gregório Perez admitiu entrar em campo precavido e sem dar espaços ao rival. “Nossa base é a humildade e o sacrifício de todos para alcançar um objetivo que parecia muito distante ao se iniciar o torneio, mas que agora está alcance”. 

Botafogo x Peñarol final Copa Conmebol 1993

No dia do jogo, o Maracanã recebeu pouco mais de 45 mil pessoas. E a partida foi dramática. O Peñarol abriu o placar com Perdomo, aos 35’ do primeiro tempo, aproveitando um erro de Suélio. No intervalo, o técnico Carlos Alberto Torres sacudiu o elenco e fez os jogadores entrarem com mais garra na segunda etapa. Aproveitando o excesso de faltas do rival, o time botafoguense empatou aos 7’, em cobrança de falta de Eliel. Aos 22’, outra falta perto da área e o artilheiro Sinval virou para o Botafogo em cobrança espetacular, certamente aplaudida de pé por Didi. A vitória por 2 a 1 parecia consolidada. Mas, o velho ditado “tem coisas que só acontecem com o Botafogo” apareceu de novo. Já nos acréscimos, a zaga deu espaço demais para um ataque uruguaio e Otero empatou, jogando uma ducha de água fria nos brasileiros.

Foto: Eurico Dantas / AG
 
Sinval marcou seu 8º gol. Foto: Julio Cesar Guimarães / AG
 

A partida foi direto para os pênaltis. Tensão no Maracanã, que aumentou quando Sinval, tão decisivo ao longo da campanha, errou a primeira cobrança. Mas William Bacana manteve a esperança viva ao defender o chute de Ferreyra. Na sequência, Suélio, Perivaldo e André fizeram para o Fogão, enquanto Da Silva converteu para os uruguaios e Gutiérrez mandou para fora. Na cobrança derradeira do Peñarol, Los Santos não superou William Bacana, que espalmou a bola e ainda viu a redonda trincar a trave. O placar de 3 a 1 garantiu o primeiro grande título internacional do Botafogo. O atacante Sinval foi o artilheiro do torneio com 8 gols, registrando quatro gols nos dois jogos contra o Bragantino, um gol diante do Caracas, dois gols sobre o Atlético-MG e um em cima do Peñarol.

Foto: Cézar Loureiro / O Globo
 

A conquista foi surpreendente pela limitação do elenco do Botafogo na época e por todos os percalços que a equipe teve ao longo do ano. Mas mostrou o enorme trabalho feito por Carlos Alberto Torres e a entrega dos atletas nos jogos decisivos. “Esses jogadores fizeram a história do Botafogo. Qualquer um que contar a história do Botafogo vai lembrar desses caras. Aquele momento era nosso, fizemos nossa parte. Tivemos o nosso momento, e a gente curte bastante. Não tinha nenhum craque, mas deixamos nossa marca”, lembrou Perivaldo, ao globoesporte.com, em 2013. 

Em 8 jogos, o Botafogo venceu cinco, empatou dois e perdeu apenas um. Foram 17 gols marcados e 9 gols sofridos. Até hoje, esse time jamais foi igualado e segue como o único a levantar um torneio internacional para o Glorioso. Porém, em 2024, uma nova geração quer entrar para a história e disputar uma inédita final de Libertadores. Mas, para isso, eles devem superar na semifinal o Peñarol, o mesmo rival lá de 1993. Puro simbolismo. Como gosta o supersticioso torcedor alvinegro.

Julio Cesar Guimarães / O Globo
 

A campanha do campeão:

Botafogo 3×2 Bragantino

Bragantino 1×3 Botafogo

Caracas 0x1 Botafogo

Botafogo 3×0 Caracas

Atlético-MG 3×1 Botafogo

Botafogo 3×0 Atlético-MG

Peñarol 1×1 Botafogo

Botafogo (3) 2×2 (1) Peñarol

Licença Creative Commons
O trabalho Imortais do Futebol – textos do blog de Imortais do Futebol foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição – NãoComercial – SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em imortaisdofutebol.com.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Esquadrão Imortal – River Plate 2014-2019