Data: 19 de dezembro de 1995
O que estava em jogo: o título da Copa Conmebol de 1995.
Local: Estádio Gigante de Arroyito, Rosário, Argentina
Árbitro: Ernesto Fellipe (URU)
Público: 45.000 pessoas
Os Times:
Rosario Central-ARG: Bonano; Ordóñez (Colusso), Carbonari, Lussenhoff e Graff; Coudet (Daniele), Cardetti, Palma e Gordillo (Pobersnik); Da Silva e Pablo Sánchez. Técnico: Angel Túlio Zof.
Atlético Mineiro-BRA: Taffarel; Dinho, Ademir, Ronaldo Guiaro e Paulo Roberto; Éder Lopes, Doriva, Carlos (Dedé Capixaba) e Leandro Tavares; Renaldo (Gutemberg) e Ézio (Euller). Técnico: Procópio Cardoso.
Placar: Rosario Central 4×0 Atlético Mineiro (Gols: Da Silva-RCE, aos 23’, Carbonari-RCE, aos 39’ e Cardetti-RCE, aos 40’ do 1ºT; Carbonari-RCE, aos 43’ do 2º T).
Nos pênaltis, Rosario Central 4×3 Atlético Mineiro. Palma, Pobersnik, Carbonari e Da Silva fizeram para o Rosario. Colusso perdeu. Guiaro, Taffarel e Euller fizeram para o Atlético. Doriva e Tavares perderam.
“O Milagre de Rosário”
Por Guilherme Diniz
Fim de jogo no Mineirão. Com um segundo tempo irresistível, o Atlético Mineiro vence o Rosario Central por 4 a 0 e praticamente coloca a mão na taça da Copa Conmebol de 1995. Ézio, Cairo, Paulo Roberto e Silva fizeram os gols do time brasileiro e todos acreditaram que aquela final já estava definida. O Rosario teria que vencer por cinco gols se quisesse ficar com sua primeira taça internacional. E por pelo menos quatro gols para levar o duelo para os pênaltis. No papel, os times eram parelhos. Mas aquela vantagem dos alvinegros era gigante. Como reverter uma goleada? E como superar o goleiro atleticano, um dos mais lendários do futebol brasileiro na época, o tetracampeão Taffarel? Bem, sendo igualmente gigante. No Gigante de Arroyito, que recebeu 45 mil pessoas em uma noite emblemática de 19 de dezembro de 1995.
Com apetite, garra e vocação para o impossível, o Rosario Central fez provavelmente um dos mais incríveis jogos de sua história. Sua hinchada esgotou os ingressos vendidos a preço popular na véspera – 5 pesos – e empurrou o clube rosarino para a remontada. No primeiro tempo, três gols. Nos minutos finais do segundo, mais um gol. E, nos pênaltis, nem Taffarel conseguiu parar aquele esquadrão destinado à eternidade: vitória argentina por 4 a 3 e explosão no Gigante para a festa do primeiro título continental do Rosario Central, ineditismo que deixou o rival Newell’s Old Boys louco de inveja. É hora de relembrar um dos jogos mais espetaculares da história do futebol sulamericano.
Pré-jogo
Naquele ano de 1995, a América do Sul tinha três grandes torneios anuais: a Copa Libertadores, a Supercopa da Libertadores e a Copa Conmebol, esta criada em 1992 e que reunia equipes que haviam terminado em posições secundárias dos torneios nacionais de seus respectivos países, pois na época apenas os campeões nacionais e das copas nacionais iam para a Libertadores. Após os títulos do Atlético-MG (1992), Botafogo (1993) e São Paulo (1994), a edição de 1995 era provavelmente a mais aberta de todas, com várias equipes aptas a levantar o título.
Do lado brasileiro, disputaram Atlético-MG, Ceará, Corinthians e Guarani, enquanto no lado argentino foram Gimnasia y Esgrima e Rosario Central, que curiosamente cogitou não disputar a competição por causa dos problemas financeiros que vivia na época e até ameaça de greve dos jogadores, que não recebiam há meses. Porém, ao analisar a tabela e os adversários, os rosarinos perceberam que a competição era bem curta e poderia render um caneco inédito ao clube argentino.
O Rosario daquele ano havia se despedido de jogadores importantes como Kily González, Marcelo Delgado e El Puma José Luiz Rodríguez, além do ídolo Mario Kempes, que se aposentou do futebol em 1995. Para compensar as perdas, o clube incorporou ao elenco o atacante Cardetti, cria das bases, o volante Eduardo Coudet, ex-Platense, e o atacante uruguaio Rubén Da Silva. Com o técnico Ángel Tulio Zof, que jogou no Rosario no final dos anos 1940 e parte dos anos 1950, o clube tinha um personagem que conhecia tudo do Rosario, afinal, ele acumulava seis passagens pelos canallas na carreira de treinador. Além dele, quem se destacava era o veterano Omar Palma, atacante que mais venceu títulos pelo clube e que estava em sua terceira passagem pelo Rosario – a primeira fora em 1979.
Do lado atleticano, a equipe queria o bicampeonato após conseguir a vaga graças ao 4º lugar no Brasileirão de 1994, quando ficou atrás apenas de Palmeiras, Corinthians e Guarani. Comandado por Procópio Cardoso, o Galo tinha em Taffarel sua grande figura, principalmente após o goleiro ter ajudado a seleção brasileira a conquistar o tetracampeonato na Copa do Mundo dos EUA. Além dele, o time brasileiro contava com o experiente lateral-esquerdo Paulo Roberto, o ótimo volante Doriva, o goleador Ézio (ex-Fluminense) e o meia Leandro Tavares.
Quando a competição começou, o time brasileiro superou o Guarani na primeira etapa – empate em 1 a 1 e vitória por 1 a 0 -, passou sem problema algum pelo Mineros-VEN com um 10 a 0 no agregado e sofreu para eliminar o América de Cali-COL após derrota por 4 a 3 na Colômbia, vitória por 1 a 0 em Minas e triunfo nos pênaltis por 4 a 3. Do lado rosarino, nada de dramas ou percalços: vitórias sobre o Defensor-URU por 3 a 1 e 2 a 1 na primeira etapa, mais duas vitórias sobre o Cobreloa-CHI (2 a 0 e 3 a 1) e mais duas diante do Atlético Colegiales-PAR (2 a 0 e 3 a 1). Invictos, os argentinos foram para o primeiro jogo da final com muita confiança e certos de que sairiam do Mineirão com um bom resultado.
Mas, quando a bola rolou, o time brasileiro se impôs e abriu o placar logo aos 7’, com Ézio. No segundo tempo, a porteira abriu e Cairo, Paulo Roberto e Silva fizeram os gols da goleada de 4 a 0 que deixaram o sentimento de terra arrasada nos argentinos. Bem, pelo menos naquela noite. Nos dias seguintes, os rosarinos se fecharam em busca da virada. Coudet propôs ao presidente Víctor Vesco que baixasse o preço dos ingressos para 5 pesos, que na época era um valor de entrada popular. Isso iria facilitar ainda mais a lotação máxima do estádio Gigante de Arroyito. E a tática deu certo. Todas as 45 mil entradas foram vendidas e a torcida foi em peso empurrar seu clube de coração.
Era um momento único na história do Rosario. A chance de levantar um título continental e deixar o rival, o Newell’s, furioso, afinal, os leprosos tiveram duas chances nos anos anteriores – 1988 e 1992 – de levantar uma Libertadores, mas perderam ambas. Era ainda a homenagem máxima ao ídolo Palma, que poderia levantar seu quarto título com o clube e fechar um ciclo memorável com os canallas.
“Naquele dia, fomos a campo mais do que tudo para homenagear o Negro Palma, uma espécie de celebração nossa, do sentimento canalla, com caráter épico. Embora tivéssemos um pouco de esperança, como aqueles filmes americanos ruins em que o mocinho vence na hora”, comentou Negro Fontanarrosa, famoso torcedor do Rosario Central em entrevista ao El Ciudadano Web, em dezembro de 2018.
Na preleção, o técnico Zof deixou bem claro que se o Rosario fizesse dois gols no primeiro tempo, a virada seria possível. E, no dia do jogo, quando os jogadores subiram ao gramado, encontraram um caldeirão em ebulição, uma torcida barulhenta, muito, muito papel picado, bandeirão na arquibancada superior e um clima de decisão simplesmente contagiante. Graff, jogador do Rosario na época, chegou a dizer que quando viu toda aquela gente, queria “comer um brasileiro” tamanha ânsia por vencer. E não tinha como o time não entrar nesse clima ao ver o estádio daquele jeito. E, se aquilo mexeu positivamente com os argentinos, mexeu negativamente nos atleticanos, que sentiram o baque de um estádio tão hostil. Ali, naquela recepção pré-jogo, o Rosario já vencia por 1 a 0.
Primeiro tempo – La Academia Canalla
Com apetite e voracidade, o Rosario foi pra cima desde o início e não demorou para levar perigo ao gol de Taffarel, logo aos 2’, em cabeçada de Carbonari. Com reclamações pela não marcação de dois pênaltis nos primeiros minutos, os argentinos pressionaram, mas o gol hesitou em sair. Isso até os 23’, quando Palma passou por Doriva, tocou em Ordóñez e este gingou pra cima da marcação até tocar na direita para Cardetti. O atacante cruzou rasteiro e Da Silva tocou na bola, que foi mansamente para o fundo do gol: 1 a 0. A torcida foi à loucura e passou a gritar ainda mais. Atordoado, o Atlético não conseguia criar chances de gol e era pressionado a todo momento, em especial com o veterano Palma, que levava os hinchas ao delírio com sua habilidade e dribles.
Após boas oportunidades desperdiçadas por Pablo Sánchez e Da Silva, o Rosario teve uma falta a seu favor, aos 39’. Na cobrança, o lateral Carbonari foi para a bola e chutou com efeito. Taffarel foi nela, mas o goleirão falhou e a redonda entrou: 2 a 0. Enquanto a massa rosarina fazia a festa nas arquibancadas, os atleticanos tentaram retardar o reinício do jogo, o que causou muita confusão e as expulsões de Paulo Roberto e Federico Lussenhoff, deixando ambas as equipes com 10 jogadores.
Só que, de catimba, brasileiro não entende nada. E, quando o jogo recomeçou, a zaga atleticana se atrapalhou toda e a bola voltou ao Rosario. Da Silva dominou na entrada da área e viu a chegada livre de Cardetti pela direita, com quase metade da grande área ao seu dispor. O atacante teve tempo de dominar, esperar a saída de Taffarel e bater de chapa, no canto, para fazer 3 a 0, aos 40’. Se o técnico Zof havia dito que o Rosario precisava de dois gols no primeiro tempo, seu time fez logo três!
E ainda saiu o quarto tempo depois, com Carbonari, mas o árbitro considerou falta do jogador argentino no goleiro Taffarel no lance. Perto do apito final, Pablo Sánchez chutou e a bola bateu na trave do Galo. Com o fim do primeiro tempo, a massa rosarina estava em polvorosa. Só faltava um gol para levar a decisão para os pênaltis. E dois para o sonho do título nos 90 minutos.
Segundo tempo – Da tensão ao impossível
Desnorteado, o Atlético voltaria à etapa final com mudanças: saíram Carlos, Ézio e Renaldo, entraram Dedé, Gutemberg e Euller. Mais comedido, o time brasileiro passou a manter a posse de bola e não ceder tantos espaços como no primeiro tempo. A tática deu certo e o Rosario não conseguiu ser tão agressivo nos primeiros minutos. Palma e Carbonari levaram perigo em cobranças de falta, enquanto Euller teve duas boas chances: em uma, tentou encobrir o goleiro Bonano. Na outra, chutou para fora com o gol vazio. Os nervos ficaram à flor da pele naquela reta final e as faltas aumentaram.
Em determinado momento, Cardetti acabou expulso, assim como Dedé. Já nos 10 minutos finais, o Rosario foi com tudo em busca do quarto gol. Em uma cabeçada de Da Silva, no ângulo, Taffarel soltou e Carbonari acabou demorando demais para concluir o rebote. Até que, aos 43’, após cobrança de escanteio de Palma, o mesmo Carbonari apareceu sozinho na área e testou firme, no canto de Taffarel, para selar o 4 a 0 e a decisão nos pênaltis. A celebração do jogador rosarino, subindo o alambrado do estádio, virou uma imagem marcante daquela noite. Ele queria ficar perto daquela gente. Se pudesse, pularia no meio deles para celebrar. O mais difícil aquele time já havia conseguido. A “loteria” dos pênaltis era fichinha para eles.
Pênaltis – ¡Campeones de corazón!
O Atlético iniciou as cobranças muito mal: Doriva mandou para fora do gol. Palma deslocou Taffarel e fez o primeiro. Leandro Tavares cobrou o segundo e Bonano espalmou, contando com a sorte de a bola ainda bater na trave e sair. Pobersnik fez o segundo gol e manteve a confortável vantagem dos canallas. Ronaldo Guiaro bateu forte, no meio do gol, e anotou o primeiro do Galo, enquanto o iluminado Carbonari deixou mais um na noite. Taffarel decidiu bater o próximo do Galo e chutou bem, marcando o gol. Na sequência, o goleiro brasileiro, enfim, defendeu o chute de Colusso e a tensão voltou ao Gigante de Arroyito, principalmente após o gol de Euller. Na última cobrança dos argentinos, Da Silva precisava fazer para selar o título. Se errasse, começariam as cobranças alternadas. Mas o uruguaio chutou forte, no ângulo, e o placar de 4 a 3 deu o título ao Rosario Central.
Na comemoração, Da Silva, claro, escalou o alambrado atrás do gol e desatou a festa absurda que tomou conta do Gigante de Arroyito. Centenas e centenas de torcedores invadiram o gramado e a entrega da taça foi sem qualquer organização nem cerimônia. Os jogadores a levantaram em meio a multidão e a conquista entrou direto para a história como uma das maiores do futebol sulamericano e a primeira da Argentina na Copa Conmebol. Uma remontada digna de filme e uma das maiores já vistas no continente. Simplesmente eterna. E Gigante!
Pós-jogo: o que aconteceu depois?
Rosario Central: o troféu histórico fez do clube canalla o primeiro do interior da Argentina a celebrar um título continental e, em 1996, a equipe lutou para defender sua conquista. Antes, em fevereiro, os argentinos enfrentaram mais uma vez o Atlético-MG em duelo válido pela Copa Master da Conmebol, outro dos muitos torneios aleatórios que a entidade sul-americana criou naquela década e que reuniu os campeões anteriores da Copa Conmebol. O jogo foi disputado em Cuiabá (MT) e terminou empatado em 0 a 0. Em uma interminável disputa de pênaltis, o Galo deu o troco e venceu por 10 a 9, garantindo a vaga na final – os alvinegros acabaram perdendo para o São Paulo por 3 a 0.
Na Copa Conmebol de 1996, os rosarinos não conseguiram o bi e acabaram eliminados nas semifinais pelo Lanús, que venceu os dois jogos – 3 a 0 e 3 a 1. O Rosario ainda alcançou outra final de Copa Conmebol em 1998 – eliminando o Atlético-MG na semifinal -, mas perdeu o título para o Santos. O clube passou muito tempo no ostracismo até viver glórias mais recentes no âmbito nacional, quando conquistou a Copa Argentina de 2018 e a Copa da Liga Argentina de 2023, que deu aos canallas uma vaga na Copa Libertadores de 2024. E adivinhe quem foi um dos rivais do clube na fase de grupos? O Atlético-MG, velho rival lá dos anos 1990 e da noite eterna de 19 de dezembro de 1995.
Atlético-MG: o revés foi bastante dolorido para o Galo, que só em 1997 conseguiu voltar a brilhar e reconquistou outro título da Copa Conmebol ao derrotar os argentinos do Lanús por 4 a 1 na Argentina e empatar em 1 a 1 em Minas. No ano seguinte, o Galo tentou o tricampeonato da competição e, nas semifinais, reencontrou o Rosario Central. No duelo de ida, em Rosário, empate em 1 a 1. Na volta, em Minas, os argentinos venceram por 1 a 0 e celebraram mais um triunfo sobre os alvinegros – na final, porém, eles perderam o título para o Santos. Em 2024, a dupla voltou a se enfrentar na fase de grupos da Copa Libertadores e, com lembranças amargas, o clube brasileiro tratou de vencer os dois jogos: 1 a 0 na Argentina e 2 a 1 em casa. Não foi uma grande vingança, mas valeu.
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Cara, eu lembro desse jogo. Foi inacreditável que o Atlético Mineiro tenha deixado a vantagem do primeiro jogo escapar…