Grandes feitos: Campeã Olímpica em 1952 e Vice-campeã Mundial em 1954. Foi a maior máquina de fazer gols do futebol europeu na história.
Time base: Grosics; Buzánszky, Lóránt e Lantos; Bozsik e Zakariás; Toth (Budai), Kocsis, Hidegkuti, Puskás e Czibor. Técnico: Gusztáv Sebes.
“A mais avassaladora das seleções”
Por Guilherme Diniz
É impossível falar em grandes seleções de futebol sem citar a Hungria da década de 1950. Hoje, o futebol do país não é nem coadjuvante no mundo da bola e vive ainda da história de seu melhor time. Se a bendita Copa do Mundo de 1954 tivesse ficado em mãos húngaras, talvez o futebol no país pudesse ser outro nos dias de hoje. E, se os conflitos políticos entre Hungria e URSS não tivessem existido, talvez o país tivesse a chance de segurar seus craques por mais tempo na época. Mesmo sem o título mundial, a Hungria entrou para a história. Puskás, Kocsis, Hidegkuti e companhia deram tantos shows, mas tantos shows, que o futebol jamais vai se esquecer daquele time estupendo, apelidado de Mágicos Magiares, que inovou o esporte com o esquema “WW” (que seria o embrião do 4-2-4 do Brasil na Copa de 1958) e deixou inúmeros adversários atordoados (inclusive o Brasil), entre eles a soberba Inglaterra, que levou de seis em pleno estádio de Wembley. É hora de relembrar.
Adaptando um esquema vencedor
O futebol do começo do século XX não era muito apegado a táticas. Não até o Arsenal de Herbert Chapman adotar o esquema tático WM, com dois zagueiros, três volantes, dois meias e três atacantes. O esquema logo se tornou referência no esporte e praticamente todas as equipes o utilizaram. Porém, em 1950, o treinador húngaro Gusztáv Sebes decidiu inovar. Ele percebeu que o WM provocava espelhos nos confrontos em que duas equipes o utilizavam. Com a facilidade em ter craques fora do comum no time, ele inverteu o M e criou o WW. O esquema primou pela movimentação do time, pelo toque de bola, e pelo fator surpresa no ataque, pois um meia-atacante pelo meio (que os zagueiros achavam ser um centroavante) atraía a marcação adversária, deixando os dois atacantes livres para fazer a festa. No caso da Hungria, Hidegkuti era o falso centroavante, e Puskás e Kocsis os atacantes genuínos. O trio foi fundamental para o sucesso que aquela seleção começaria a fazer.
Prontos para o show
Com a base feita a partir do grande time do Honvéd, a Hungria começou o seu show. O time passou a fazer ótimas partidas, procurava marcar de um a dois gols nos primeiros 20 minutos de partida e a mostrar um profissionalismo tremendo. Sem a bola, o time recuava um de seus volantes formando uma linha de quatro zagueiros, utilizada em quase todos os times hoje. O técnico Sebes primava, também, pelo aquecimento e preparação física de seus jogadores, algo não levado muito à sério na época. Isso possibilitava a constante movimentação e troca de posições do time. Notou a semelhança? Isso mesmo, aquela Hungria seria a inspiração clara do Carrossel Holandês na Copa de 1974.
O primeiro grande desafio
A Hungria estava pronta para disputar as Olimpíadas de Helsinque, na Finlândia, em 1952. O time era o favorito ao título, ao lado do Brasil (vice-campeão mundial em 1950) e a forte seleção da Iugoslávia. Na fase preliminar, a Hungria venceu a Romênia por 2 a 1. Na primeira fase, vitória sobre a Itália por 3 a 0. Nas quartas de final, massacre contra a Turquia: 7 a 1, com 2 de Kocsis e 2 de Puskás. Na semifinal, 6 a 0 contra a Suécia, com novo show do trio mágico Hidegkuti, Puskás e Kocsis. A Hungria estava na decisão. O adversário seria a Iugoslávia, que havia eliminado URSS, Dinamarca e Alemanha.
Time de ouro
A Hungria não tomou conhecimento dos iugoslavos e venceu por 2 a 0, gols de Puskás e Czibor. O time conquistava a sua primeira de três medalhas de ouro na história do futebol olímpico. O ouro consagrava a campanha impecável do time, com cinco vitórias em cinco jogos, 20 gols marcados e apenas dois sofridos. A Europa e o mundo conheciam, enfim, a força daquele time mágico. Era hora de iniciar a preparação para o torneio vedete de dois anos depois: a Copa do Mundo.
Vitória histórica
Antes do Mundial da Suíça em 1954, a Hungria ainda protagonizou um feito histórico. Em novembro de 1953, a equipe de Puskás e companhia enfrentou a Inglaterra em um amistoso no mítico estádio de Wembley. Os ingleses nunca haviam sido derrotados em casa por nenhuma seleção fora da Grã-Bretanha. Pois o esquadrão magiar enfiou 6 a 3 nos ingleses, num jogo que ficou marcado na história. O mundo se assombrou ao ver aqueles craques colocarem os ingleses na roda. Ninguém esperava que os inventores do futebol perdessem em Wembley, ainda mais de goleada. Pois perderam. Inapelavelmente. Era a deixa para a Hungria entrar na Copa do ano seguinte como favorita absoluta. Quem poderia tirar o título deles?
Novo show
A Copa de 1954 tinha, além da Hungria, o então campeão Uruguai como outro favorito ao título – a Celeste ainda mantinha a base vencedora de quatro anos antes e foi muito bem no Mundial. Aquela Copa ficaria marcada como a com melhor média de gols da história: absurdos 5,4 gols por jogo! Isso mesmo! Foram 140 gols em 26 jogos! Essa média astronômica de gols foi beneficiada, claro, pela Hungria. Na primeira fase, duas vitórias: 9 a 0 na Coreia do Sul e 8 a 3 na Alemanha. Foram 17 gols em dois jogos. Surreal? Não para Puskás, Kocsis e Hidegkuti, que voavam naquele mundial.
Nas quartas de final, a Hungria enfrentou o Brasil em um jogo que seria o mais violento já registrado nas Copas na época e que ficou conhecido como “Batalha de Berna”. Foram três expulsões (todas as registradas na Copa, numa mesma partida!) e muito quebra pau. No fim, prevaleceu o futebol húngaro, que derrotou o Brasil por 4 a 2. Na semifinal, um jogo épico contra o Uruguai. A partida foi bem disputada, mostrando a qualidade dos uruguaios e assustando um pouco os magiares.
Após empate em 2 a 2 no tempo normal, porém, a Hungria mostrou mais poder de precisão e marcou dois gols: 4 a 2 para a Hungria. O time estava na final. O Uruguai sentiu demais a ausência de Obdulio Varela, o eterno capitão que destroçou o Brasil no Maracanazo de 1950. Era hora da coroação do maior esquadrão do planeta. Era, não fossem os alemães…
O milagre de Berna
Depois de vivenciar a “Batalha de Berna”, a Hungria teve de presenciar outro feito na cidade suíça: um milagre. O time mais temido e formidável do mundo sucumbiu inexplicavelmente para a regular Alemanha de Fritz Walter e perdeu de virada por 3 a 2. Como podia um time daqueles, recheado de craques, perder uma Copa ganha? Vários fatores podem explicar. Na primeira fase, a Alemanha levou um chocolate da Hungria, lembra? Pois é, só que naquele jogo os alemães pouparam cinco titulares na derrota para os magiares, pensando no jogo seguinte. Ou seja, a Hungria não enfrentou a força máxima dos alemães. Outro ponto foi que naquela partida da primeira fase o zagueiro alemão Liebrich deu uma entrada dura no maior craque da Hungria, Puskás. O jogador saiu de campo contundido logo no primeiro tempo, perdeu os jogos seguintes e disputou a final “baleado”.
Outro ponto: a Hungria vinha de uma partida duríssima contra o Uruguai, que só foi decidida na prorrogação, e estava visivelmente cansada. Já a Alemanha vinha de uma goleada fácil sobre a Áustria por 6 a 1. O último ponto: o jogo final foi disputado debaixo de um dilúvio, uma chuva torrencial. Isso prejudicou demais o futebol recheado de toques de bola dos magiares, prevalecendo a força e robustez dos alemães.
Um pequeno ponto não comprovado é que no intervalo do jogo, com a partida empatada em 2 a 2 e os alemães no vestiário, Adi Dassler, fundador da marca Adidas, trocou as travas das chuteiras dos jogadores para que escorregassem menos. Verdade ou não, o fato é que a Alemanha estava muito mais preparada para aquele jogo que os mágicos húngaros. Foi a primeira derrota da Hungria após 32 partidas, de junho de 1950 até o fatídico 4 de julho de 1954. Um recorde. A equipe ainda acumulou os seguintes recordes até hoje inigualados em Copas:
- Maior número de gols marcados em uma só Copa: 27 gols;
- Maior média de gols marcados em uma só Copa: 5,4 gols por jogo;
- Maior saldo de gols em uma só Copa: +17 gols;
- Artilheiro com a maior média de gols em uma só Copa: Kocsis, com 2,2 gols por jogo – 11 gols em 5 jogos
O fim da magia
A derrota na final de uma Copa praticamente ganha foi um baque para a Hungria. O time nunca mais seria o mesmo e nunca repetiu o sucesso estrondoso de 1954 e até de outrora em outras Copas. Jogadores se aposentaram da seleção e a Revolução Húngara de 1956 somada aos diversos conflitos no país por conta da influência soviética culminaram com o fim da magia. Nunca mais o mundo viu uma seleção tão mortal no ataque quanto aquela Hungria. Claro, logo em 1958 surgiria “um certo Brasil” de Pelé, Zagallo e Didi, mas essa é outra história... O que ficou, para sempre, foram os encantos e números de Puskás, Kocsis, Hidegkuti e Czibor. Os Mágicos Magiares foram imortais.
Números de destaque:
- Antes da final da Copa de 1954, a Hungria disputou 32 partidas, venceu 28 e empatou quatro, com 146 gols marcados e 36 sofridos. Média de 4,56 gols marcados por jogo;
- Entre 1950 e 1956, a Hungria disputou 69 jogos, venceu 58, empatou 10 e perdeu apenas um (exatamente a final da Copa…);
- A Hungria detém até hoje o recorde mundial de aproveitamento na história: entre junho de 1950 e fevereiro de 1956, foram 42 vitórias, sete empates e uma derrota, aproveitamento de 91%;
- Entre junho de 1950 e julho de 1954, a seleção húngara permaneceu 32 jogos sem perder;
- A Hungria detém o recorde mundial de 73 jogos seguidos marcando ao menos um gol – entre abril de 1949 e junho de 1957;
- Puskás e Kocsis formaram a dupla mais prolífica de uma seleção na história. Juntos, eles anotaram 159 gols pela Hungria.
Os personagens:
Grosics: era a muralha do gol de um time extremamente ofensivo. Integrou a grande equipe húngara por mais de uma década, até se aposentar do time em 1962.
Buzánszky: foi defensor e tinha a árdua missão de parar os atacantes adversários devido a vocação ofensiva do time. Atuou de 1950 até 1956.
Bozsik: eleito para o All-Star Team da Copa de 1954, o volante brilhou no meio de campo da mágica Hungria naquele Mundial. Além de desarmar os adversários como poucos, Bozsik armava jogadas ofensivas, dava passes primorosos, tinha visão de jogo e muita técnica. Jogou demais no Budapeste Honvéd e o clube até batizou seu estádio com o nome do craque: József Bozsik Stadium. .
Lantos: outro grande defensor do time húngaro. Atuou mais de 50 partidas pela seleção.
Zakarías: foi um eficiente e habilidoso meio campista e ajudava a “segurar a bronca” lá atrás.
Lóránt: ajudava na contenção do meio de campo. Jogou 37 partidas pela Hungria.
Toth: grande jogador, Toth foi peça importante na partida contra o Brasil, participando de muitas jogadas que resultaram em gols.
Budai: outro símbolo daquela equipe, foi um dos pilares no meio de campo e do ataque daquele time. Mágico com a bola nos pés.
Hidegkuti: era o cérebro do time e o “falso centroavante”, já que recuava para servir os companheiros. Foi um dos maiores jogadores da história do futebol e da seleção húngara. Em 69 jogos marcou 39 gols pela Hungria. Marcou época no futebol.
Czibor: outra estrela húngara, Zoltán Czibor atuou em mais de 40 partidas pela seleção e foi referência no esquema ofensivo do time. Ele, ao lado de Puskás e Pedro Cea (uruguaio) foram os únicos jogadores a marcar gol em finais de Copa do Mundo e Olimpíada. Tinha extrema habilidade e muita velocidade.
Puskás: o maior gênio do futebol húngaro e um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. Marcou 83 gols em 85 jogos pela Hungria, uma média absurda de quase um gol por jogo. Rápido, técnico, habilidoso e cerebral, era a estrela máxima do time. Encantou o mundo, também, jogando pelo Real Madrid multicampeão da década de 50. Desde 2009, a FIFA concede ao jogador que marcou o gol mais bonito do ano um prêmio em homenagem a estrela húngara: Prêmio Ferenc Puskás. Super merecido. Leia mais sobre ele clicando aqui.
Kocsis: um dos maiores pontas e atacantes que o futebol já viu, Sándor Kocsis era o terror para as defesas adversárias. Suas arrancadas e gols em profusão eram comuns, tanto é que marcou 75 gols em 68 jogos pela Hungria, e foi artilheiro da Copa de 1954 com 11 gols, um recorde superado apenas pelo francês Just Fontaine em 1958. Foi gênio e referência em bola na rede na década de 50. Leia mais sobre ele clicando aqui.
Gusztáv Sebes (Técnico): estrategista e precursor do famoso esquema tático WW , Sebes foi um dos maiores técnicos de sua geração. Foi um treinador moderno para sua época, e primava pela eficiência de seus jogadores, bem como preparo físico, treinamento e habilidade.
Leia mais sobre a goleada sobre a Inglaterra clicando aqui.
Leia mais sobre a semifinal contra o Uruguai clicando aqui.
Leia mais sobre o Milagre de Berna clicando aqui.
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Faz pouco tempo estive lendo Budapeste do Chico Buarque e não é que ele usou e abusou dos jogadores desta seleção para nomear lugares e personagens. Recomendo a leitura. Uma mesa literária com a mediação do escrivão Puskás e participação do prosista Hidegkuti e do poeta Kocsis é impagável. Isso sem contar na praça Czibor, a avenida Bozsik, o hotel Zakariás e por aí vai.
Parabéns pela página.
Muito bem lembrado, Flávio! E obrigado pelo elogio!
Muito bom artigo. Conheço no essencial o seu conteúdo e tenho de dizer que gostei de ler.
A Hungria da primeira metade dos anos 50 foi, sem dúvida, uma das melhores selecções que o futebol produziu. A melhor de sempre? Qualquer resposta será sempre subjectiva.
O que não deixa de ser estranho é o declínio em que o futebol húngaro mergulhou a partir daí e mais especificamente a partir dos anos 70. A Hungria foi dos primeiros países a abraçar o profissionalismo e teve um lote de treinadores invejável distribuido por vários países. Talvez muitos não saibam, mas 16 títulos de campeão em Portugal foram obtidos com treinadores húngaros – um record.
Parece que está em marcha actualmente um plano estatal para devolver ao futebol húngaro alguma da credibilidade de outrora. Será que vai resultar?
Ótimo comentário, Fernando! Realmente é uma pena o futebol húngaro viver no ostracismo desde aqueles anos dourados. O país tinha tudo para ser uma potência europeia, mas parece que deixou de focar no futebol após a Copa de 1954. Apenas seus treinadores conseguiram sucesso. Eu particularmente torço para uma Hungria forte no futuro. Quem sabe um dia, não é mesmo? Obrigado pelo prestígio!
a maravilhosa seleção hungara de 1954, foi um assombro, sem duvida alguma a melhor seleção europeia de todos os tempos!!! um time fantástico!!! merecia ganhar a copa com justiça!!! assim como o brasil em 1950!!! coisas do futebol!!!!
É uma pena saber que um time destes havia enfraquecido com o tempo…
Parabéns pelo excelente trabalho realizado a cada dia me encanto mais com tanta informação a respeito desse esporte tão apaixonante.
A boatos que a seleçao alema uso doping em seu jogadores antes da final contra a hungria sera que sao verdadeiros ?
Leia mais sobre isso no texto sobre o jogo entre Alemanha e Hungria, Bruno! Acesse o link a seguir http://imortaisdofutebol.com/2013/07/21/jogos-eternos-alemanha-3×2-hungria-1954/
A melhor seleção de todos os tempos!!! Os números não mentem. Só perdeu a final de 54 porque se ganhasse, não seria ela a campeã, mas sim o comunismo. Que era muito repudiado por todo povo húngaro, inclusive seus jogadores. Visto à revolução de 56.
E depois dele o futebol húngaro jamais foi o mesmo. Hehe
Parabéns, um belo texto histórico produzido pelo site.
Retratando muito bem uma das maiores seleções estrangeiras de todos os tempos.
Obrigado pelo elogio, Thiago. Abraços!