Nascimento: 29 de Novembro de 1925, em Viena, Áustria. Faleceu em 14 de Novembro de 1992 em Innsbruck, Áustria.
Times que treinou: ADO Den Haag-HOL (1962-1969), Feyenoord-HOL (1969-1973), Sevilla-ESP (1973), Club Brugge-BEL (1974-1978), Seleção Holandesa (1977-1978), Harelbeke-BEL (1979), Standard Liège-BEL (1979-1981), Hamburgo-ALE (1981-1987), Swarovski Tirol-AUT (1987-1991) e Seleção Austríaca (1992).
Principais títulos por clubes: 1 Copa da Holanda (1967-1968) pelo ADO Den Haag.
1 Mundial Interclubes (1970), 1 Liga dos Campeões da UEFA (1969-1970) e 1 Campeonato Holandês (1970-1971) pelo Feyenoord.
3 Campeonatos Belgas (1975-1976, 1976-1977 e 1977-1978) e 1 Copa da Bélgica (1976-1977) pelo Club Brugge.
1 Copa da Bélgica (1980-1981) e 1 Supercopa da Bélgica (1981) pelo Standard Liège.
1 Liga dos Campeões da UEFA (1982-1983), 2 Campeonatos Alemães (1981-1982 e 1982-1983) e 1 Copa da Alemanha (1986-1987) pelo Hamburgo.
2 Campeonatos Austríacos (1988-1989 e 1989-1990) e 1 Copa da Áustria (1988-1989) pelo Swarovski Tirol.
Principal feito por seleção: Vice-campeão do Mundo (1978) pela Holanda.
“Fumaça, futebol e títulos”
Por Guilherme Diniz
Ele era um fumante tão inveterado que obrigou a FIFA a colocar um imenso cinzeiro à beira do gramado na final da Copa do Mundo de 1978. Ele era quieto, mas quando falava algo, era preciso anotar em uma agenda ou mesmo num pedaço de papel, pois as palavras seriam verdadeiras, profundas ou mesmo engraçadas. E, acima de tudo, ele foi um dos maiores vencedores do futebol mundial e simplesmente um rei em países como Holanda, Bélgica e Alemanha. Ernst Franz Hermann Happel, mais conhecido como Ernst Happel, conseguiu escrever seu nome no futebol com títulos extraordinários, conceitos amplamente difundidos e façanhas igualadas por pouquíssimos treinadores do esporte mais popular do mundo. Zagueiro de muito talento nos anos 40 e 50, o austríaco foi para o banco de reservas ao pendurar as chuteiras para transformar o Feyenoord no primeiro clube holandês campeão europeu e mundial muito antes do tal “Ajax de Cruyff e Michels”.
Os anos se passaram e Happel marcou época no futebol belga, onde quase abocanhou outra taça continental com o Brugge. Em 1978, uma bola na trave impediu o título mundial da Holanda comandada pelo austríaco na Argentina, mas em 1983 ele deu a volta por cima com seu segundo título continental ao derrotar a temível Juventus de Platini e Paolo Rossi comandando o Hamburgo. Quando realizava o sonho de comandar a seleção de seu país, em 1992, Happel foi vítima do próprio vício e morreu de câncer de pulmão, deixando uma coleção invejável de troféus e uma trajetória tão marcante que fez a Áustria elegê-lo o maior treinador do país no século XX e rebatizar o clássico estádio Praterstadion, em Viena, como Ernst Happel Stadion. É hora de relembrar.
Sumário
Experiência de campo
Antes de ser treinador de futebol, Ernst Happel jogou como zagueiro (dos bons) durante muitos anos no Rapid Wien, clube de seu país natal onde virou ídolo e conseguiu chegar até a seleção austríaca, pela qual disputou a Copa do Mundo de 1954 e ganhou o bronze no mundial com a melhor média de gols da história, muito graças à própria Áustria, que aplicou durante a campanha goleadas como o 5 a 0 na Tchecoslováquia e um inesquecível 7 a 5 na Suíça, até hoje a partida com maior número de gols das Copas. A vivência em campo e o prazer de jogar contra grandes nomes do esporte fizeram com que Happel se mantivesse no mundo da bola mesmo depois de sua aposentadoria dos gramados, aos 33 anos, em 1959. O ex-zagueiro virou assistente técnico do Rapid Wien e começou a aprender um pouco sobre os macetes da profissão, bem como o jeito certo de lidar com jogadores, massagistas, auxiliares e tantos outros profissionais que compõem um clube de futebol. Com o tempo, Happel foi adquirindo um jeito próprio, de falar bem pouco, ouvir mais e manter determinada distância dos atletas, passando longe do estilo fervoroso e “paizão” muito comum na América Latina, Espanha e Itália.
Em 1962, o austríaco ganhou sua primeira chance profissional no ADO Den Haag, da Holanda. Mesmo sem grandes jogadores e trabalhando em um clube bem pequenino, Happel fez com que os jogadores do ADO deixassem de lado o medo de enfrentar grandes clubes do país e encheu-lhes de autoconfiança. Além disso, era frequente nos treinamentos o foco no preparo físico e na constante movimentação, para que os adversários se cansassem e dessem os espaços necessários para os gols, um claro esboço do que viria a ser o Futebol Total que se consagrou nas mãos de Rinus Michels na década de 70.
Com essa rejuvenescida, o ADO Den Haag deixou de ser um mero coadjuvante na Holanda e conseguiu boas posições no Campeonato Holandês, com destaque para os terceiros lugares nas temporadas 1964-1965 e 1965-1966, e os dois quartos lugares em 1966-1967 e 1967-1968. Mas o destaque da passagem de Happel no clube verde e amarelo foi o inédito título da Copa da Holanda conquistado na temporada de 1967-1968 sobre o gigante Ajax, que perdeu de 2 a 1 na final (os gols do ADO Den Haag foram marcados por Schoenmaker e Aarts). O notável desempenho de Happel no clube de The Hague foi crucial para que o Feyenoord fizesse uma proposta ao austríaco, em 1969. Em Roterdã, o treinador ficaria conhecido em toda a Europa e no mundo.
Imagem e semelhança
Happel chegou ao Feyenoord em um ambiente todo construído para o sucesso. A equipe havia acabado de conquistar o Campeonato Holandês, tinha jogadores eficientes e a organização que o austríaco tanto almejava em seus trabalhos. Além disso, o time iria disputar naquela temporada de 1969-1970 a Liga dos Campeões da UEFA, competição que jamais havia sido conquistada por um clube holandês. O Ajax de Rinus Michels bem que tentou na temporada anterior, mas levou uma sacolada de 4 a 1 do Milan-ITA na final. Com olhos na competição europeia, Happel fez do Feyenoord um time à sua imagem e semelhança.
Adepto de defensores que tivessem eficiência com a bola nos pés e força tática e física sem ela, o treinador formou uma linha de quatro (Romeijn, Laseroms, Israël e van Duivenbode) muito coesa que ajudaria o clube de Roterdã a levar o menor número de gols de todo o Campeonato Holandês daquela temporada (22 em 34 jogos). O ataque era composto por três homens na frente (Wery, Kindvall e Moulijn) e outros três no meio de campo para o suporte e criação (Franz Hasil, Wim Jansen e van Hanegem), com um jogador exercendo a função de meio-campista marcador e articulador (Jansen).
Bem organizado e já com os objetivos traçados por seu comandante, o Feyenoord começou sua caminhada europeia contra o fraquíssimo KR Reykjavík, da Islândia, e simplesmente humilhou o rival nos dois jogos: 12 a 2 (maior goleada na história da competição) e 4 a 0. A partida seguinte foi um teste de fogo: o Milan-ITA, então campeão da Europa e do mundo. No primeiro jogo, em Milão, vitória italiana por 1 a 0. Na volta, mais de 60 mil pessoas empurraram os alvirrubros, que venceram por 2 a 0 (gols de Jansen e van Hanegem) e conseguiram uma apoteótica classificação. Nas quartas de final, a classificação veio após vitória por 2 a 1 no agregado sobre os alemães do Vorwärts Berlin. O último desafio antes da final foi o Legia Warsaw-POL, dos craques Gadocha e Deyna. Após um 0 a 0 no primeiro jogo, o Feyenoord voltou a mostrar força futebolística e também do seu alçapão e venceu os poloneses por 2 a 0 (gols de van Hanegem e Hasil). A Holanda estava pelo segundo ano seguido na final da Liga, dessa vez com os vermelhos e brancos de Roterdã. Era hora de apagar o vice do ano anterior e faturar uma taça inédita para o país.
Um novo campeão mostra sua estrela
A final da Liga dos Campeões de 1970, disputada no estádio San Siro, em Milão-ITA, colocou o Feyenoord de Ernst Happel contra o Celtic-ESC de Jock Stein. Era o futebol técnico, ofensivo e veloz dos holandeses contra a força, talento e precisão dos escoceses, campeões de 1967 e lutando pelo bi. E foi na partida mais importante de sua ainda recente carreira de treinador que Happel mostrou que tinha mesmo estrela. O austríaco conseguiu frear completamente o meio de campo escocês com as atuações impecáveis de Hasil, van Hanegem e Jansen no encalço de Murdoch, Connely e Auld, colocou sua equipe pra frente desde o início e, mesmo com o 1 a 0 para o Celtic, empatou dois minutos depois do gol rival e virou para 2 a 1 na prorrogação, com um belo gol marcado no finalzinho por Kindvall. Pela primeira vez na história um clube holandês era campeão da Europa. E não era o Ajax de Cruyff e Michels. Era o Feyenoord de Ernst Happel, que eclipsou as façanhas domésticas do rival de Amsterdã e fez o continente inteiro olhar com muito mais atenção para Roterdã, a capital europeia do futebol na temporada de 1969-1970.
Campeão mundial e holandês
Ainda em 1970, Happel levou o Feyenoord ao topo do mundo com a conquista do Mundial Interclubes. O troféu veio após dois jogos difíceis contra os argentinos do Estudiantes, que abriram 2 a 0 no primeiro jogo, em La Bombonera, mas levaram o empate dos holandeses. Na volta, em Roterdã, van Daele fez o único gol do jogo e que garantiu mais uma taça inédita aos comandados de Happel. Em 1971, o Feyenoord faturou o título holandês com 26 vitórias, cinco empates e três derrotas em 34 jogos, com 82 gols marcados e 25 sofridos. O sueco Kindvall foi o destaque do time ao marcar 24 gols e se tornar o artilheiro da competição. Outro capítulo marcante foi a vitória por 3 a 1 sobre o rival Ajax fora de casa. Aquele, porém, foi o último título de Happel no comando da equipe. O próprio treinador decidiu pôr um ponto final na vitoriosa trajetória no clube em 1973 e deu como justificativa, entre outras coisas, a falta de disciplina:
“Com muitas vitórias, a disciplina vai desaparecendo. Ficamos amigos demais, sofremos e choramos juntos, rimos e vencemos lado a lado. Esse é o tipo de coisa que não dura muito.” – Ernst Happel.
No mesmo ano, o treinador comandou o Sevilla-ESP em pouquíssimas partidas e passou a temporada de 1974 sem trabalhar, talvez para acompanhar de perto o Carrossel Holandês que por muito pouco não ganhou a Copa do Mundo da Alemanha. O ano sabático serviu para o austríaco repor as energias e fumar novos cigarros, claro. Em 1975, Happel teria um novo desafio, dessa vez no desconhecido futebol belga.
Façanhas em azul e preto
Assim como no Feyenoord, Happel foi mostrando logo de cara seu talento em arrumar elencos e transformá-los em times vencedores. Na temporada 1975-1976 o austríaco levou seu novo clube, o Club Brugge, ao título nacional e conduziu os azuis e negros à final da Copa da UEFA após triunfos sobre Lyon-FRA, Ipswich Town-ING, Roma-ITA, Milan-ITA e Hamburgo-ALE. Na decisão (à época disputada em dois jogos), os belgas venciam o Liverpool-ING de Phil Neal, Ray Kennedy e Kevin Keegan em pleno Anfield Road por 2 a 0, mas levaram a virada e perderam por 3 a 2. Na volta, em Brugge, Raoul Lambert abriu o placar, mas Keegan empatou para o Liverpool, resultado que deu o título para os ingleses. O revés não abalou Happel, que seguiu fazendo história e conquistou mais dois títulos nacionais, em 1977 e 1978, e uma Copa da Bélgica em 1977.
O Club Brugge ainda teve outra brilhante campanha europeia na temporada 1977-1978, quando despachou KuPS-FIN, Panathinaikos-GRE, Atlético de Madrid-ESP e Juventus-ITA e chegou à final da Liga dos Campeões da UEFA. Porém, outra vez a equipe foi vítima do Liverpool, que derrotou os belgas por 1 a 0 na decisão de Wembley. Sem papas na língua, Ernst Happel fez pouco caso do título inglês:
“Eles foram apenas uma sombra do time que enfrentamos na decisão da Copa da UEFA dois anos atrás. Fiquei desapontado, mas eles mereceram a vitória, embora nós estivéssemos prejudicados pela ausência de dois jogadores machucados (um deles era o astro do time, Raoul Lambert).”
Com o fim da temporada europeia, Happel deixou a Bélgica para se dedicar por completo ao seu outro dever de casa na época: a seleção holandesa.
Religando o Carrossel
Paralelo ao seu trabalho no Brugge, Ernst Happel aceitou, ainda em 1977, um honroso desafio de comandar a seleção da Holanda que ele tanto admirava e conhecia. O foco era a montagem do time que disputaria a Copa do Mundo de 1978, na Argentina, montagem esta que seria feita sem o maior nome do futebol holandês, Johan Cruyff, que abandonou a equipe laranja por conta de sua posição contrária ao regime ditatorial argentino e outros fatores burocráticos. Mesmo sem o astro, Happel formou uma equipe que poderia tranquilamente sair da América do Sul com o título que lhe escapou em 1974. A base era a mesma de quatro anos atrás e preservava alguns dos nomes conhecidos em todo mundo como Jongbloed, Krol, Jansen, Haan, Neeskens, Rep e Rensenbrink.
A estreia do time laranja foi contra o Irã e os europeus não encontraram dificuldades para fazer 3 a 0, com três gols de Rensenbrink. Na segunda partida, empate sem gols contra o Peru e derrota (de virada) por 3 a 2 para a Escócia no último jogo da primeira fase. As críticas começaram a chover na cabeça de Happel pelo fato de a Holanda não estar jogando o futebol brilhante dos tempos de Michels, mas o austríaco tratou de calar a boca de todos a partir da segunda fase, justamente quando a Holanda mais precisava jogar bola. Logo no primeiro jogo, goleada de 5 a 1 sobre a Áustria, duelo em que Happel teve de deixar de lado seu amor à pátria e pensar apenas no âmbito profissional. Na sequência, embate contra a Alemanha, que estava na frente do placar até os 37´do segundo tempo quando René van de Kerkhof empatou para os holandeses: 2 a 2.
O resultado serviu como uma doce vingança de quatro anos atrás, pois o resultado praticamente eliminou os alemães da Copa. No último jogo, contra a Itália, o zagueiro holandês Brandts abriu o placar para a Azzurra ao fazer um gol contra, aos 20´do primeiro tempo. Foi aí que Happel mostrou aos italianos que sua Holanda era melhor e tinha uma arma letal – o contra-ataque. Foi através dele que os laranjas viraram o placar com o zagueiro Brandts se redimindo, aos 5´do segundo tempo, e com um chutaço de Arie Haan, aos 32´. A vitória colocou a Holanda na final e a Itália teve que disputar o terceiro lugar com o Brasil.
Ah, aquela trave…
Na grande final da Copa do Mundo de 1978, Ernst Happel teve pela frente os donos da casa como rivais. O duelo seria extremamente complicado por diversos fatores, seja a torcida contra, seja a pressão política, seja o ambiente hostil, seja o próprio time argentino. Uma curiosidade daquela partida foi a instalação de um enorme cinzeiro à beira do gramado para que os técnicos de Holanda e Argentina pudessem despejar as cinzas de seus cigarros no local, afinal, a dupla Happel-Menotti fumava como quem bebe água.
No primeiro tempo, a Argentina ficou mais acuada do que no ataque, com medo de a Holanda pôr em prática suas letais armas ofensivas, sempre com Neeskens e Resenbrink como pivôs nos lances perigosos. Lá atrás, Fillol garantia a igualdade no placar e evitava que a Holanda abrisse o marcador. Foi então que o atacante Kempes, aos 38´, recebeu na área e abriu o placar para a Argentina. Na segunda etapa, a Argentina parecia acomodada com o 1 a 0 e se segurou. A Holanda, valente, foi em busca do empate e conseguiu com Nanninga, de cabeça, aos 37 minutos. Os nervos dos argentinos ficaram à flor da pele e a Holanda quis porque quis virar o placar.
Aos 45´, quando o árbitro já olhava para o relógio e buscava fôlego para a prorrogação, Resenbrink teve a chance de dar o título mundial para a Holanda. O atacante recebeu dentro da área e chutou, mas a bola bateu caprichosamente na trave, para alívio dos argentinos e desespero dos holandeses. Na prorrogação, os argentinos mostraram mais poder de decisão, fizeram dois gols e ficaram com o título. À Holanda, restou o segundo vice-campeonato seguido e a lamentação profunda de Happel, que viu a trave destruir a maior conquista de sua carreira. Dizem que o treinador não conseguiu ter a mesma força sobre o elenco holandês como seu antecessor, Rinus Michels, muito por causa de seu jeito frio e de poucas palavras. Antes de os holandeses subirem ao gramado do Monumental naquela final contra a Argentina, Happel teria dito apenas a seguinte frase:
“Cavalheiros, dois pontos” – à época, as vitórias valiam dois pontos, e não três.
Os laranjas bem que tentaram, mas não conseguiram cumprir a ordem do austríaco.
Últimos anos belgas e ida à Alemanha
Após a Copa, Happel continuou no futebol belga, teve uma breve passagem pelo Harelbeke e foi comandar o Standard Liège em 1979. Treinando os “Rouches” e jogadores como Michael Preud´homme e Arie Haan, Happel manteve sua sina vencedora e conquistou uma Copa da Bélgica em 1981 e a Supercopa nacional no mesmo ano. No campeonato, a equipe foi vice-campeã em 1980 e terceira colocada em 1981. Se não conseguiu grandes títulos pelo Standard, foi Happel o responsável por montar a base da equipe que, em 1982, chegou a uma surpreendente final de Recopa Europeia contra o Barcelona-ESP de Udo Lattek, que venceu o duelo por 2 a 1 jogando em casa. Mas onde estava Ernst Happel em 1982? Ora, na Alemanha, fumando, treinando e se preparando para fazer ainda mais história.
A volta por cima
Em 1981, o austríaco foi contratado pelo Hamburgo, principal equipe alemã da época e que batia na trave nas competições europeias que disputava. O time era excelente e muito competitivo, com um sistema defensivo formado por Uli Stein, Kaltz, Jakobs e Wehmeyer, além de Beckenbauer, que fez uma ponte no clube até 1982, mas jogando poucas partidas. No meio de campo e no ataque, Hartwig, von Heesen, Milewski, Groh, Felix Magath e Hrubesch construíam as jogadas responsáveis por destruir as defesas adversárias.
Com um elenco entrosado, Happel não teve dificuldades para impor seu estilo e aperfeiçoar mais e mais aquele esquadrão. Na temporada 1980-1981, o time por pouco não levou o título do Campeonato Alemão, que acabou ficando com o Bayern. O ótimo atacante Hrubesch marcou 17 gols e foi um dos maiores destaques do Hamburgo, que aplicou a maior goleada do torneio: 7 a 1 no Schalke 04. Com o vice-campeonato, o técnico Happel conseguiu identificar os erros da equipe e corrigi-los, com o objetivo de retomar o trono alemão já na temporada seguinte. E foi o que ele fez.
Na temporada 1981-1982, o Hamburgo deu show (com direito a goleadas impiedosas, incluindo um 4 a 1 no Bayern München, em casa, e um 4 a 3 no mesmo Bayern, em pleno estádio olímpico de Munique) e conquistou o título alemão com três pontos de vantagem sobre o vice-campeão, o Köln, em uma campanha sensacional: 18 vitórias, 12 empates e apenas quatro derrotas em 34 jogos, com estrondosos 95 gols marcados e 45 sofridos, uma média de 2,79 gols por jogo.
O maior responsável por fazer o Hamburgo uma máquina de gols foi o “Header Beast” Hrubesch, que, do alto de seus 1,88m e um talento formidável para marcar gols de cabeça, anotou 27 tentos em 32 jogos na temporada, artilheiro máximo daquela Bundesliga. O título valeu vaga na Liga dos Campeões da UEFA de 1982-1983, que serviria para apagar a má impressão deixada pelo clube alemão após as derrotas por 1 a 0, na Suécia, e 3 a 0, em casa, para o Göteborg-SUE de Sven-Göran Eriksson na final da Copa da UEFA de 1981-1982.
Chega de vice!
Na temporada 1982-1983, Ernst Happel estava disposto a acabar de vez com os incômodos vices que o perseguiam desde a década de 70. O treinador ainda vivia das glórias com o Feyenoord e acumulava derrotas continentais com o Brugge e Hamburgo, além de ver seu ex-clube, o Standard Liège, também ser vice logo após sua saída. Com foco total na Liga dos Campeões da UEFA, o austríaco iniciou o caminho rumo à final contra o Dynamo Berlin, da Alemanha Oriental. Depois de empatar em 1 a 1 na partida de ida, o Hamburgo venceu a volta por 2 a 0 (gols de Hartwig e Hrubesch) e se classificou. Nas oitavas de final, duas vitórias sobre o Olympiacos (GRE): 1 a 0 na Alemanha, gol de von Heesen, e 4 a 0 em pleno estádio Olímpico de Atenas, com 75 mil pessoas, que viram o show de Magath, Hrubesch, Rolff e Bastrup. Nas quartas de final, duelo contra o Dynamo Kyiv (URSS) e vitórias por 3 a 0 (hat-trick de Balstrup) e derrota por 2 a 1 na volta.
Antes da final, o Hamburgo eliminou o Real Sociedad-ESP após empatar a partida de ida, na Espanha, em 1 a 1 e vencer em casa por 2 a 1 (gols de Jakobs e von Heesen). Faltava apenas um jogo para os alemães conquistarem o maior título europeu. Mas o adversário seria dificílimo: a Juventus, base da seleção italiana tricampeã mundial no ano anterior.
Pioneiro e imortal
A decisão, no estádio Olímpico de Atenas-GRE, colocou frente a frente dois times de puro talento e que viviam fases maravilhosas. De um lado, o Hamburgo, campeão alemão e perto do bi naquele ano, com um time coeso e muito forte ofensivamente. Do outro, a experiente e copeira Juventus, com nada mais nada menos que seis craques que levaram a Itália ao tricampeonato mundial na Copa de 1982, e reforçada por Boniek e Platini. A equipe italiana, claro, era favorita e tinha ampla maioria dos 75 mil torcedores. Mas ninguém esperava que o Hamburgo liquidasse a fatura logo com nove minutos de jogo, quando Magath chutou de fora da área e marcou um golaço em Dino Zoff: 1 a 0.
O jogo seguiu e a Juventus foi “colocada no bolso” por Ernst Happel, que conseguiu dar um nó tático no treinador rival, Giovanni Trapattoni, anular as estrelas do time italiano e ter um grande volume de jogo. Os alemães só não fizeram mais gols por falta de pontaria, principalmente de Magath, o craque do jogo. Ao apito do árbitro, o Hamburgo comemorou seu primeiro título europeu e a coroação de uma temporada marcante, que ainda teve o título do Campeonato Alemão.
Ernst Happel entrava para a história como o primeiro treinador a conquistar por dois clubes diferentes uma Liga dos Campeões da UEFA, feito que só seria igualado por Ottmar Hitzfeld, em 2001 (quando venceu com o Bayern München, depois de já ter vencido com o Borussia Dortmund, em 1997), José Mourinho, em 2010 (quando venceu com a Internazionale, depois de já ter vencido com o Porto, em 2004) e Jupp Heynches, em 2013 (quando venceu com o Bayern München, depois de já ter vencido com o Real Madrid, em 1998). Naquele ano, o austríaco entrava de vez para o rol dos imortais.
Depois do auge, vem a queda…
A conquista da Alemanha e da Europa em 1983 foram o auge do Hamburgo e de Ernst Happel, tanto em maturidade quanto em talento. Depois disso, ambos seguiram competitivos, mas incapazes de manter o apetite por títulos de antes. A primeira taça perdida foi o Mundial Interclubes de 1983, quando Happel mostrou seu lado ranzinza ao se negar a tirar uma foto antes do jogo contra o Grêmio-BRA por “não conhecer” o rival. Em campo, o brasileiro Renato Gaúcho fez questão de o austríaco passar a conhecer o clube tricolor, que venceu a decisão de Tóquio por 2 a 1 com dois gols do camisa 7. Ainda em 1983, os alemães perderam para o Aberdeen-ESC de Alex Ferguson o título da Supercopa da UEFA, após empate em 0 a 0 em Hamburgo e vitória escocesa por 2 a 0 na volta. Happel só voltou a conquistar um título em 1987, quando o Hamburgo venceu a Copa da Alemanha em cima do Stuttgarter Kickers por 3 a 1. O troféu foi a deixa para Happel colocar ponto final em sua trajetória de seis anos no Hamburgo. Já com 62 anos, o treinador queria voltar ao seu país para tentar, pelo menos uma vez, comandar sua querida seleção austríaca.
Últimos títulos, seleção e o fim
De 1987 até 1991, Happel comandou o Swarovski Tirol-AUT e ganhou suas últimas taças da carreira – os Campeonatos Austríacos de 1989 e 1990 e a Copa da Áustria de 1989. No Tirol, o treinador não conseguiu sucessos internacionais, claro, pelo fato de o time ser bem modesto e sem grandes craques. Depois de chegar ao 17º título na carreira, Happel realizou o sonho de dirigir a seleção austríaca de futebol no começo de 1992, a única equipe que faltava para ele se dar por satisfeito. No entanto, naquele mesmo ano, o treinador foi vítima de seu vício por cigarros ao ser diagnosticado com câncer de pulmão. Happel viveu apenas até novembro de 1992, quando faleceu quatro dias antes de um jogo da Áustria contra a Alemanha. Na partida, o clássico boné que Happel usava na época para esconder a calvície permaneceu no banco de reservas como homenagem ao mais vencedor treinador austríaco de todos os tempos.
Lenda viva
Após a morte de Ernst Happel, o futebol seguiu homenageando o mítico treinador, que viu lá de cima o belo e clássico estádio Praterstadion, em Viena, ser rebatizado como Ernst Happel Stadion. Além disso, o treinador foi nomeado o melhor do século XX na Áustria e é lembrado até hoje como um dos maiores de todos os tempos por sua inteligência tática, seu poder de competição e por ser mestre em levar equipes pouco famosas no âmbito continental a façanhas memoráveis. Com 17 títulos, dezenas de finais e um carinho enorme de torcedores da Alemanha, Áustria, Bélgica e Holanda, Happel conseguiu marcar seu nome com tinta dourada e no coração de todos os amantes do futebol, em especial dos torcedores de Feyenoord e Hamburgo, que jamais viram equipes tão vencedoras quanto as comandadas pelo austríaco que não ficava um dia sequer sem ver, ouvir ou respirar futebol. Para ele, um dia sem futebol era um dia perdido. Um técnico imortal.
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Extras:
Frases marcantes de Ernst Happel:
“Medo é uma palavra que não existe no meu vocabulário.”
“Jogar marcando homem a homem é a mesma coisa que ter 11 burros em campo.”
“Um bom jogador de meio de campo tem olhos na nuca. Esse é o segredo.”
“Prefiro que o placar seja 5 a 4 do que 1 a 0!”
“É preciso talento natural nesta profissão. Conhecimentos teóricos não são o suficiente.”
“As pessoas gostam da fantasia e os torcedores também querem assistir a um espetáculo. Afinal de contas, o futebol é apenas um jogo e também precisamos nos divertir.”
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fera, seu site eh maravilhoso, meus parabéns meesmoo…coleciono jogos antigos e tem uma séries de jogos fantastico que gostaria que fossem revisitados aqui…grande abraço!
Obrigado pelos elogios, Adriano! Abs!
Eu como um apreciador de futebol clássico,não posso de deixar de parabeniza-lo pelo excelente trabalho.
Muito obrigado pelos elogios, Marcos! Abraços!