Data: 14 de maio de 2003
O que estava em jogo: uma vaga na final da Liga dos Campeões da UEFA de 2002-2003.
Local: Stadio delle Alpi, Turim, Itália.
Juiz: Urs Meier (SUI)
Público: 67.299 pessoas
Os Times:
Juventus Football Club: Buffon; Thuram, Tudor, Montero e Birindelli (Pessotto); Zambrotta, Tacchinardi e Davids (Conte); Nedved; Trezeguet (Camoranesi) e Del Piero. Técnico: Marcello Lippi.
Real Madrid Club de Fútbol: Casillas; Salgado, Hierro, Helguera e Roberto Carlos; Flávio Conceição (Ronaldo) e Cambiasso (McManaman); Figo, Guti e Zidane; Raúl. Técnico: Vicente Del Bosque.
Placar: Juventus 3×1 Real Madrid (Gols: Trezeguet-JUV, aos 12´, e Del Piero-JUV, aos 43´do 1º T; Nedved-JUV, aos 28´, e Zidane-RMD, aos 44´do 2º T).
“La partita perfetta della Juventus”
Por Guilherme Diniz
Muito se falava na Europa (e no mundo) do time de Galácticos que o Real Madrid havia montado. Eram craques de todos os quilates e estilos na defesa, no meio de campo e no ataque. Com várias estrelas, aquele esquadrão comemorou seu centenário, em 2002, em grande estilo com um título europeu e um título mundial, façanhas raríssimas para clubes que chegam aos 100 anos. Em 2003, o time era ainda mais forte e lutava por uma vaga na decisão de mais uma Liga dos Campeões naquele dia 14 de maio, em Turim (ITA), a casa da Velha Senhora que sempre foi dona da Itália e que foi, lá nos anos 80, a primeira a conquistar todos os principais torneios organizados pela UEFA. O Real Madrid tinha a vantagem de um gol e podia até empatar. Mais do que isso, era o atual campeão europeu e ostentava em seu semblante aquela soberba comum em times que se acostumam a vencer tudo. Pobres espanhóis. Eles achavam que sairiam do Stadio delle Alpi, com quase 70 mil pessoas ensandecidas e que transbordavam paixão pela Juventus, sem feridas ou gols sofridos.
Os merengues levaram três. Mas poderia ter sido mais. Trezeguet, Del Piero e Nedved, o “tridente bianconeri”, foram implacáveis. Como foram Paolo Montero e Tudor, Zambrotta, Davids e Tacchinardi, Thuram e Birindelli, e, principalmente, Gianluigi Buffon, o sensacional arqueiro que defendeu um pênalti que mudaria a história do jogo cobrado por Figo, Melhor do Mundo em 2001. Naquele dia, o Real Madrid teve que assistir a uma das melhores apresentações da Juventus, mais uma para a vasta e interminável coleção do clube da bota e que rende suspiros até hoje nos torcedores. O desfecho daquela trajetória europeia dos italianos foi amargo, mas a doçura que os craques alvinegros deixaram em seus fãs superou qualquer sabor. É hora de relembrar.
Pré-jogo
Rivais de longa data e que já haviam decidido uma Liga dos Campeões, em 1998, Juventus e Real Madrid tinham mais um duelo eletrizante na semifinal da competição continental naquela temporada 2002-2003. Os prognósticos eram os melhores possíveis, ainda mais pelo fato de o histórico dos duelos jamais ter registrado um empate sequer (oito jogos, cinco vitórias espanholas e três italianas) e ambas as equipes terem jogadores de absoluta qualidade e com capacidade para decidir qualquer partida. Do lado da Juventus, a equipe era a atual bicampeã italiana, tinha um ótimo e consistente elenco comandado com maestria por Marcello Lippi e chegava com força à semifinal após ser líder na fase de grupos à frente de Newcastle United-ING, Dynamo Kyiv-UCR e Feyenoord-HOL, passar em segundo na outra fase de grupos atrás apenas do Manchester United-ING e na frente de Basel-SUI e Deportivo La Coruña-ESP, e eliminar o Barcelona-ESP, nas quartas, com uma vitória por 2 a 1 em pleno Camp Nou, após empate em 1 a 1 no primeiro duelo, na Itália.
Já o Real tinha um time repleto de estrelas como Roberto Carlos, Hierro, Makélélé, Figo, Zidane, Ronaldo e Raúl e superou as fases anteriores sem grandes problemas diante de adversários como Roma-ITA, AEK Atenas-GRE, Genk-BEL, Milan-ITA (os italianos foram líderes na segunda fase de grupos, à frente do Real, segundo colocado), Borussia Dortmund-ALE, Lokomotiv Moscow-RUS e Manchester United-ING, este eliminado nas quartas de final após derrota por 3 a 1, em Madrid, e vitória insuficiente por 4 a 3, em casa.
No primeiro jogo entre os rivais, na Espanha, os comandados de Vicente Del Bosque fizeram valer o fator casa e venceram por 2 a 1, com gols dos brasileiros Ronaldo e Roberto Carlos. No entanto, o time espanhol teria duas baixas quase certas para a volta: o próprio Ronaldo, que sofreu uma lesão ainda no primeiro tempo e teve de deixar o gramado, e Makélélé, que também sentiria uma contusão dias antes da partida decisiva. Do lado bianconeri, Ferrara e Iuliano não jogariam por suspensão, mas Davids estava confirmado após a ausência no primeiro duelo por causa do cartão vermelho que levara no jogo contra o Barcelona, nas quartas.
Com casa cheia, a Juventus confiava em seu poder de fogo e na ausência de Ronaldo para impor seu futebol de forte marcação e belas jogadas de ataque arquitetadas por Nedved para reverter a vantagem espanhola e conseguir uma vaga na final, que poderia ser italiana pelo fato de os rivais de Milão, Inter e Milan, brigarem pela outra vaga. Em um cenário extremamente motivador, a Juventus tinha uma chance de ouro para escrever um capítulo fascinante em sua história.
Primeiro tempo – Com a vaga encaminhada
O Stadio delle Alpi fervia com os quase 70 mil juventinos que esperavam a reviravolta diante do Real para fazer a primeira final italiana da Liga dos Campeões. Com um time bem montado e a volta de Davids, a equipe da casa tinha ligeira vantagem sobre o clube espanhol, que vinha a campo com apenas um atacante de ofício (Raúl), dois volantes fixos (Flávio Conceição e Cambiasso) e mais três homens no meio de campo (Figo, Guti e Zidane). A ideia do técnico Del Bosque era frear as investidas italianas já no círculo central e impedir que a bola chegasse nos pés de Del Piero e Trezeguet, mas os primeiros minutos mostraram o equívoco do comandante merengue. A Juventus tinha muito mais qualidade na marcação e Nedved estava mais brilhante do que nunca.
Ninguém do lado espanhol conseguia frear o tcheco, que brigava pela bola, ajudava na marcação e organizava o jogo como poucos. Tirando uma falta perigosa cobrada por Roberto Carlos, que passou perto do gol de Buffon, o time madrileno não atacou a Juventus, teimou em perder a posse de bola em seu campo e facilitou as coisas para a equipe da casa nos primeiros minutos, que ameaçou pela primeira vez aos 7´, num chute de Nedved que passou à direita do gol de Casillas.
Na sequência, Del Piero e Zambrotta infernizaram as vidas de Roberto Carlos e Hierro e obrigaram o Real a se acuar na defesa, com Raúl solitário no ataque e meio baleado por causa de uma cirurgia no apêndice que diminuiu seu ritmo de jogo. Aos 12´, a Juventus foi premiada por sua imponência. Nedved, pela direita, cruzou na área, Del Piero ajeitou de cabeça e Trezeguet completou para o gol de Casillas: 1 a 0, com a assinatura plena do famoso “tridente de Turim”.
Com o estádio em festa, a Juventus continuou pressionando um Real Madrid atordoado e sem poder de reação. Zidane não encontrava espaços, Figo era um mero espectador e Raúl sofria com Tudor, Montero e Thuram à sua frente. Com a posse de bola e ávida por mais um gol, a Juventus era toda ataque até os 21´, quando Zidane conseguiu se desvencilhar dos alvinegros e deixou Guti na cara de Buffon, mas o meio-campista chutou muito fraco e sem perigo algum. Nos minutos seguintes, o Real teve duas chances, uma com Figo, e outra com Zidane, mas não conseguiu marcar. Do lado juventino, Trezeguet tentou uma bicicleta num cruzamento de Nedved, mas a bola teimou em não entrar. Aos 35´, mais uma grande chance da Juventus, quando Del Piero chamou Hierro para dançar, a bola sobrou para Trezeguet e Michel Salgado conseguiu evitar o pior para o Real. Era clara a má noite da zaga madrilena, que errava muito e não conseguia se entender quando tinha pela frente a linha ofensiva da Juve. Principalmente Hierro, que tinha sérios problemas para neutralizar Del Piero.
Aos 42´, essa confusão merengue foi escancarada pelo craque juventino da camisa 10. Após mais uma recuperação de bola no meio de campo, a zaga da Juve mandou a redonda para a área e Del Piero dominou. O atacante girou, ficou no mano a mano com Hierro, fintou uma, duas vezes, cortou e chutou entre o defensor madrileno e Michel Salgado para marcar um golaço no Stadio delle Alpi: 2 a 0. A Juventus estava à frente no placar do jogo, no placar agregado e no futebol! A superioridade dos italianos era arrebatadora, bem como a qualidade da trupe bianconeri. O Real Madrid era um mero esboço do time tão badalado na temporada anterior. Seus jogadores criticavam o árbitro, a si mesmos e a tudo e todos. Eles precisavam jogar bola. Caso contrário, a Juve atropelaria os espanhóis na segunda etapa.
Segundo tempo – Perfetto!
Precisando de pelo menos um gol, o Real Madrid entrou na segunda etapa sob os cânticos fervorosos da torcida italiana e com a pressão de reverter o placar. Para isso, Del Bosque mudou a tática inoperante da primeira etapa e fez a equipe jogar mais pelas laterais, em especial pela esquerda, com Roberto Carlos, que travaria um interessante duelo contra o impecável Thuram. Aos 7´, Ronaldo, mesmo longe do 100%, entrou no lugar de Flávio Conceição, muito mal na partida, e deu um ânimo extra aos merengues. Só a presença do craque já impunha mais respeito e temor nos zagueiros italianos, bem como uma opção para ofensivas na diagonal e tabelas com Raúl e Zidane. Marcello Lippi percebeu a mudança tática de Del Bosque e fez Nedved e Zambrotta explorarem os espaços deixados por Roberto Carlos em suas subidas ao ataque, algo que se mostraria decisivo tempo depois.
Com boas chances de ambos os lados, a partida ficou mais aberta e com possibilidades para um e para outro. Aos 10´, após falha de Casillas, Trezeguet quase fez o terceiro, mas não alcançou a bola. O jogo ficava mais pegado e o árbitro suíço Urs Meier tinha que trabalhar mostrando cartões (foram três entre os 13´e os 19´). Aos 20´, Paolo Montero derrubou Ronaldo dentro da área e cometeu pênalti. Era a chance de ouro do Real. Um gol àquela altura tornaria as coisas muito mais fáceis e deixaria a Juventus em “maus lençóis”. Figo chamou a responsabilidade e pediu para cobrar. No gol, Buffon estudou cada movimento do português e permaneceu estático no meio do gol esperando o chute do camisa 10. Figo correu, bateu e Buffon defendeu! O português ainda tentou o rebote, mas Thuram mandou a bola para a lateral e evitou o perigo. Estupendo o goleiro italiano! E horrível o meia português, que bateu muito mal na bola e facilitou as coisas para o camisa 1.
Após desperdiçar a chance mais clara que teve no jogo, o Real esfriou os ânimos mais uma vez e possibilitou uma nova crescente da Juventus. Aos 28´, Zambrotta dominou na linha do meio de campo e viu que Nedved estava na lacuna entre os dois defensores madrilenos. O italiano fez um belo lançamento que caiu perfeitamente nos pés do tcheco, que conduziu a redonda com maestria e esperou o momento certo para disparar um chute seco no contrapé do goleiro Casillas e fazer um lindo gol: 3 a 0. Que show! Tudo ocorria perfeitamente para a Juventus naquela noite. O time tinha revertido a vantagem do rival ainda no primeiro tempo, Buffon defendeu um pênalti num momento crucial e Nedved acabava de marcar um gol que dava ainda mais conforto para os donos da casa. Com 4 a 2 no agregado, a Juventus fez algumas modificações no time, mas não relaxou. Seis minutos depois, Del Piero quase fez o quarto gol, mas Casillas fez defesas milagrosas. Um minuto depois, Ronaldo tentou responder, mas Thuram, estupendo, desarmou o brasileiro com a autoridade de um craque do mais alto grau de brilhantismo.
Aos 37´, eis que a Juventus sofreu, talvez, seu único revés na noite. Nedved, o grande nome do jogo, cometeu uma falta em McManaman e foi advertido com o cartão amarelo, algo que o tirava de uma eventual final da equipe na Liga. O tcheco ficou extremamente desapontado e não acreditou no que tinha acabado de acontecer. O torcedor, entorpecido pela estonteante vitória, deu uma gelada naquele instante e temeu a ausência de seu maestro em uma decisão italiana contra o Milan. Aos 44´, Zidane conseguiu superar Buffon e, num chute cruzado, fez o primeiro gol do Real: 3 a 1. O árbitro sinalizava mais cinco minutos de acréscimos, totalizando seis minutos para o Real tentar mais um gol – e para a Juventus se defender de todas as maneiras. O jogo ficou tenso, o Real tentou, mas a Juventus tinha a tradicional essência defensiva italiana e não foi agredida. A melhor chance foi da própria Juve, aos 47´, com Zambrotta.
Ao apito do árbitro, a torcida bianconeri estremeceu o Stadio delle Alpi e celebrou a vaga na sonhada final italiana em Manchester. Com autoridade, aplicação tática e técnica e três gols, a equipe de Turim despachava o badalado Real Madrid e seguia viva no sonho do tricampeonato europeu. A noite foi longa para os aficionados da Velha Senhora. Nas ruas, as comemorações foram sem moderação alguma e com muita cantoria ao fabuloso time comandado por Marcello Lippi, que eliminou o Real Madrid pela segunda vez na história em uma Liga dos Campeões (a primeira foi na temporada 1995-1996, nas quartas de final, quando a Juve acabou campeã). Embora a Juventus já tivesse protagonizado várias outras partidas brilhantes e inesquecíveis (muitas que serão relembradas no blog mais para frente), aquele jogo do dia 14 de maio tem lugar cativo na memória dos torcedores por toda a atmosfera envolvida, pelo caráter decisivo que teve e por se tratar de um rival tão icônico e com tantos craques como o Real. Naquele dia, porém, só deu Juve, que fez uma “partita perfetta” tão bonita como a Mole Antonelliana e tão rica quanto o sabor de um icônico Gianduiotto.
Pós-jogo – o que aconteceu depois?
Juventus: lembra que a Juve sofreu apenas um revés no jogo contra o Real (esqueça o gol de Zidane)? Pois é. A ausência de Nedved na primeira final italiana da história da Liga dos Campeões fez uma falta tremenda para o time de Turim. Sem o tcheco, a equipe perdeu a capacidade de criação e não saiu do zero durante os 120 minutos de jogo (tempo normal + prorrogação). Nos pênaltis, Buffon voltou a fazer milagres, mas Dida foi ainda mais milagroso e ajudou o Milan a vencer por 3 a 2 e ficar com mais um título europeu. Desde então, a Juve nunca mais voltou a uma final europeia e entrou em um período negro que culminou com seu rebaixamento na temporada 2005-2006 do Campeonato Italiano, após um escândalo de manipulação de resultados. A equipe voltou às glórias nos anos 2010 e voltou a ser a dona da Itália como sempre foi, mas ainda espera levantar a taça continental que escapou em 2015 – contra o Barcelona e, adivinhe, em 2017, contra o Real Madrid, que goleou por 4 a 1. É, Nedved, Del Piero e companhia fizeram uma falta naquele dia…
Real Madrid: assim como a Juventus, o Real entrou em decadência após aquela partida e demorou bastante para voltar a brilhar em território europeu. A equipe venceu alguns títulos nacionais, claro, mas só voltou a uma final continental em 2014. Antes disso, os madrilenos enfrentaram a Juventus em mais seis ocasiões. Na temporada 2004-2005, vitória por 1 a 0, em casa, e derrota por 2 a 0, fora, que causou a eliminação da equipe nas oitavas de final. Na temporada 2008-2009, duas derrotas na fase de grupos, uma por 2 a 1, fora, e outra por 2 a 0, em casa. Na temporada 2013-2014, vitória por 2 a 1, em casa, e o primeiro empate na história do duelo: 2 a 2, em Turim, ambos os jogos pela fase de grupos da competição que acabou vencida pelo Real. Desde então, já são 19 duelos continentais, com nove vitórias do Real, oito da Juve e apenas dois empates. Além disso, eles se encontraram em mais uma decisão, em 2017, e deu Real: 4 a 1. Com duas vitórias em duas finais, os merengues ainda conseguem encerrar qualquer discussão contra os bianconeri. Afinal, nos mais importantes jogos, eles venceram.
A rivalidade entre Real e Juve se acirrou muito no final dos anos 90. Leia mais sobre os grandes times que eles formaram no Imortais!
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Com Nedved resultado teria sido favorável a Juve
jogaço
Também deixar Ronaldo no banco, tá de sacanagem mereceu perder.
Ola Guilerme gostaria de parabenizá-lo pelo otimo trabalho feito até agora e gostaria de saber se está Juventus terá um lugar aqui nos imortais?
Obrigado pelos elogios, Marcos. Talvez sim, mas só pro futuro. Abs.
Jogaço, e que ironia do destino, Zidane ser eliminado por seu ex-time em sua antiga casa.
Esse foi um jogaço,Thuram devia dar pesadelos em Ronaldo durante 97-03.E vcs estão colocando muitas derrotas dos merengues,hein ? kkkk,acho que existem alguns jogos eternos em que o Real deu show,inclusive contra o Barcelona….