Data: 21 de junho de 2002
O que estava em jogo: uma vaga para as semifinais da Copa do Mundo da FIFA de 2002.
Local: Shizuoka Stadium Ecopa, Shizuoka, Japão.
Árbitro: Felipe Ramos (México)
Público: 47.436 pessoas
Os Times:
Inglaterra: Seaman; Mills, Ferdinand, Campbell e Ashley Cole (Sheringham, aos 35’ do 2º T); Nicky Butt, Paul Scholes, David Beckham e Trevor Sinclair (Dyer, aos 11’ do 2º T); Michael Owen (Vassell, aos 34’ do 2º T) e Emile Heskey. Técnico: Sven-Göran Eriksson.
Brasil: Marcos; Lúcio, Edmílson e Roque Júnior; Cafu, Gilberto Silva, Kléberson e Roberto Carlos; Ronaldinho; Rivaldo e Ronaldo (Edílson, aos 25’ do 2º T). Técnico: Luiz Felipe Scolari.
Placar: Inglaterra 1×2 Brasil. Gols: (Owen-ING, aos 23’, e Rivaldo-BRA, aos 45’ + 2’ do 1º T; Ronaldinho-BRA, aos 5’ do 2º T).
Cartão Vermelho: Ronaldinho-BRA, aos 12’ do 2º T.
“Virada (e bruxaria!) rumo ao penta”
Por Guilherme Diniz
Depois de enfrentar dois adversários frágeis (China e Costa Rica) e um mais complicado (Turquia) na fase de grupos, o Brasil começou a fase eliminatória da Copa do Mundo de 2002 com um teste daqueles: a Bélgica. Mas, com a estrela de Rivaldo e as defesas de Marcos, o time canarinho superou o obstáculo e avançou às quartas de final para enfrentar um velho conhecido em Copas: a Inglaterra, oponente do Brasil em outros três Mundiais. Seria o mais difícil rival do time de Felipão na caminhada rumo ao penta. O English Team contava com grandes estrelas do futebol como Seaman, Campbell, Ferdinand, Ashley Cole, Scholes, Beckham, Owen e o consagrado técnico Sven-Göran Eriksson. Além disso, a equipe vinha de grandes resultados desde antes do Mundial, incluindo um acachapante 5 a 1 pra cima da Alemanha em plena casa da Nationalelf. Seria um jogaço. E, de fato, foi. Mesmo melhor no jogo e arriscando mais, o Brasil não estava com a pontaria calibrada. E, para piorar, foi a Inglaterra quem abriu o placar, em bobeada da zaga canarinha que facilitou o caminho para Michael Owen deixar o seu. Só que aquela tarde ensolarada no Japão tinha dono e personagem: Ronaldinho. Com seus dribles, passes e alegria, o Bruxo – que ainda não tinha tal apelido nem a fama que o consagrou anos depois – provou que seria uma estrela muito em breve.
Nos acréscimos da primeira etapa, o camisa 11 passou por dois marcadores em velocidade e encontrou Rivaldo, que marcou seu 5º gol naquela Copa. O empate deixou o Brasil vivo e pronto para a virada no segundo tempo. E, logo aos 5’, falta para o Brasil. De longe, muito longe. Ronaldinho fez que ia cruzar. Mas percebeu o goleiro Seaman adiantado. Ele chutou direto, a bola percorreu o céu japonês e foi parar no ângulo: gol antológico! O sorriso de Ronaldinho foi o mesmo dos milhões de brasileiros que acordaram de madrugada para ver aquele épico. Mas, minutos depois de ser bestial, o craque foi uma besta ao levar cartão vermelho em um lance bobo, deixando a seleção sul-americana com 10 homens por mais de meia hora de jogo. Só que Felipão sabia da competência de seus jogadores e tinha muita experiência. Aumentou a marcação, fechou as pontas e a Inglaterra não fez absolutamente nada. Foi tenso, mas o Brasil segurou o 2 a 1 e garantiu a vaga na semifinal. O Penta era uma realidade possível, embalada por aquela virada movida “à bruxaria”. É hora de relembrar.
Pré-jogo
Brasil e Inglaterra tiveram caminhos bem distintos na primeira fase da Copa. Enquanto a seleção canarinho enfrentou adversários relativamente fáceis – Turquia, China e Costa Rica – e venceu todos, os ingleses caíram no chamado “Grupo da Morte”, ao lado de Argentina – favoritíssima ao título na época – Suécia e Nigéria. Na estreia, o English Team empatou em 1 a 1 com a Suécia, e, no segundo jogo, venceu a rival Argentina por 1 a 0 e empatou sem gols com a Nigéria, resultados que classificaram Suécia (1º lugar) e Inglaterra (2º lugar), ambos com 5 pontos, e eliminaram os argentinos, com 4 pontos.
Nas oitavas, o Brasil despachou a Bélgica com uma vitória por 2 a 0 e a Inglaterra eliminou a Dinamarca com um categórico 3 a 0. A confirmação do duelo entre brasileiros e ingleses seria mais uma chance do time europeu vencer o Brasil – algo que jamais havia acontecido aconteceu em Copas, afinal, nos últimos três encontros, foram duas vitórias brasileiras e um empate:
- Brasil 0x0 Inglaterra, fase de grupos de 1958;
- Brasil 3×1 Inglaterra, quartas de final de 1962;
- Brasil 1×0 Inglaterra, fase de grupos de 1970;
Com a escalação ideal em seu 3-5-2 e os Erres lá na frente – Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho – o Brasil esperava liquidar o jogo logo no primeiro tempo e se blindar do sempre manjado jogo aéreo inglês, que tinha a esperança nas bolas paradas de Beckham e na força de seus zagueiros pelo alto, além da velocidade e precisão do atacante Owen. As atenções dos ingleses estariam voltadas ao meia Rivaldo, vivendo grande fase na Copa, e no sempre perigoso Ronaldo. Porém, naquela tarde, seria outro erre o responsável por roubar a cena…
Primeiro tempo – Da desatenção ao alívio
Quando a bola rolou, a Inglaterra teve logo aos 4’ sua primeira chance, quando Beckham cruzou e Heskey cabeceou para a defesa do goleiro Marcos. Aquela seria, por incrível que pareça, a única grande intervenção do arqueiro brasileiro! Dois minutos depois, Rivaldo arriscou de longe, mas a bola passou ao lado do gol de Seaman. Quem começava a aparecer era Ronaldinho, que aplicava dribles e dava passes precisos. Solto, o meia abusava de seu repertório e até deu uma caneta em Paul Scholes, aos 12’, para se livrar da marcação. Com faltas, os ingleses tentavam frear o Brasil, que não conseguia finalizar corretamente e desperdiçava boas chances, como aos 19’, quando Ronaldo partiu pela esquerda, tabelou com Rivaldo e chutou da entrada da área, mas Seaman defendeu com facilidade.
Até que, aos 24’, Heskey lançou Owen, mas a bola caiu em Lúcio. Porém, o zagueiro brasileiro não conseguiu dominar, Owen aproveitou a falha e não perdoou: 1 a 0. Foi um duro golpe ao Brasil, que atacava mais, só que não conseguia impor precisão, além de Ronaldo e Rivaldo terem dificuldades para romper com as duas linhas de quatro inglesas, que não deixavam Cafu e Roberto Carlos avançarem como de costume. O Brasil tentou responder dois minutos depois, com Ronaldo, em chute defendido por Seaman, e com Roberto Carlos, aos 32’, que chutou na rede pelo lado de fora. Àquela altura, só dava Brasil, enquanto a Inglaterra se protegia bem, mas não criava nada.
O jogo corria para os acréscimos do primeiro tempo e não alcançar o empate era extremamente preocupante. Será que, enfim, o English Team iria vencer o Brasil em um Mundial? Foi então que apareceu a primeira bruxaria de Ronaldinho. Aos 48’, o craque recebeu no meio de campo, saiu em disparada, passou por Paul Scholes, entortou a espinha de Ashley Cole e deixou com Rivaldo, que marcou o gol de empate. Que jogada! E gol providencial para o time de Felipão ir com tudo em busca da virada.
Segundo tempo – A bruxaria
Depois de mais uma cobrança de falta de Beckham para a área e cabeçada de Owen para fora, o Brasil nem se esquentou em campo e, aos 5’, Kléberson, o mais acionado do time canarinho com 42 bolas recebidas, sofreu falta na intermediária. Era de muito, mas muito longe. Muitos pensavam que Ronaldinho iria cruzar. Mas o craque viu o goleiro Seaman adiantado – como Cafu já havia alertado o companheiro antes do jogo – e chutou direto. A bola foi parar no ângulo direito do gol. E o estádio foi ao delírio. Virada brasileira! E que golaço! Enfim, o craque mostrava seu talento e aparecia quando o Brasil mais precisava dele. Na comemoração, o clássico sorriso no rosto, a sambadinha, a alegria de quem tinha acabado de fazer um golaço histórico, daqueles para ver e rever incontáveis vezes. Bruxaria pura!
Mas, apenas sete minutos depois, Ronaldinho fez uma falta ríspida em Mills e levou o cartão vermelho do árbitro. Era um balde de água fria justo na melhor partida do craque no Mundial. Ele comentou sobre o lance na época em entrevista à Folha de S.Paulo:
“Foi um lance rápido. Infelizmente, não tem como voltar atrás, mas não foi para cartão vermelho. O próprio Mills, que sofreu a falta, me disse isso (na sala de exame antidoping, após o jogo). Acho que foi injusta”.
Resistir durante meia hora de jogo com dez homens seria uma tarefa ingrata para o Brasil. Mas Felipão e seus comandados foram perfeitos. Cafu e Roberto Carlos permaneceram no campo defensivo ajudando a marcação e o meio de campo – com os enormes Kléberson e Gilberto Silva – conseguiu neutralizar os meias ingleses mantendo a posse de bola e aplicando precisos desarmes. O time sul-americano acertou a maioria dos passes e ganhou todas nas jogadas aéreas dos ingleses. Envolvendo o English Team, o Brasil ganhou tempo, controlou o jogo e Marcos não teve trabalho algum. Parecia até que as bruxarias de Ronaldinho tiveram reflexo na parte defensiva do Brasil! Além disso, era nítido o medo dos ingleses diante do time de Felipão. Não era para menos, pois se tinha uma coisa que aquela seleção esbanjava era confiança e imponência, sabendo de suas virtudes e quebrando o ceticismo pré-Copa em cada jogo.
Nem mesmo as mudanças do técnico Sven-Göran Eriksson surtiram efeito. Se sobrava eficiência na defesa, faltava talento no ataque inglês, que não tinha um parceiro ideal para Owen (substituído no segundo tempo por Vassell) nem um meia habilidoso o suficiente para costurar a zaga brasileira como fez Ronaldinho. Até Sheringham entrou faltando dez minutos para o fim em busca de um gol salvador como o anotado na final da Liga dos Campeões da UEFA de 1999, mas o atacante foi mero figurante. Ao apito do árbitro, a classificação brasileira para a semifinal foi assegurada, como um déjà vu de 1962. Mas, se na campanha do bicampeonato teve Mané Garrincha, seus dois gols no 3 a 1 e suas travessuras, em 2002 foi a vez de Ronaldinho e suas bruxarias que mantiveram a freguesia inglesa em Copas. E vivo o sonho do penta.
Pós-jogo: O que aconteceu depois?
Inglaterra: quatro anos depois, o English Team, ainda comandado por Sven-Göran Eriksson, mais uma vez alcançou uma fase de quartas de final de Copa do Mundo e cheio de esperança, afinal, o elenco era ainda melhor do que o de 2002, com Lampard, Gerrard, Rooney, Joe Cole, Beckham e companhia. Só que o time inglês teve pela frente a seleção de Portugal, que na época era comandada, adivinhe, por Luiz Felipe Scolari, o mesmo algoz de 2002. Depois de 0 a 0 tanto no tempo regulamentar quanto na prorrogação, o jogo foi para os pênaltis e Portugal venceu por 3 a 1, seguindo à semifinal e enterrando outra geração de jogadores que não conseguiu levar a Inglaterra ao título mundial. Nem vencer o Brasil (e Felipão) em Mundiais.
Desde então, a Inglaterra enfrentou o Brasil em cinco oportunidades, todas em partidas amistosas, com uma vitória para cada lado e três empates. Curiosamente, a vitória inglesa aconteceu em 2013, em jogo disputado em Wembley e com Felipão no banco e Ronaldinho em campo. A Inglaterra venceu por 2 a 1, gols de Rooney e Lampard. Naquele dia, não teve bruxaria…
Brasil: sem Ronaldinho, a equipe canarinha enfrentou a Turquia na semifinal e, com um gol de bico de Ronaldo, carimbou sua vaga para a decisão, contra a Alemanha. Mais uma vez, o time brasileiro dominou as principais ações da partida e, com dois gols de Ronaldo, venceu por 2 a 0 e faturou o penta, consagrando uma geração inteira de craques e um time que deu a volta por cima diante das adversidades.
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Texto muito bom de um jogo que infelizmente eu não vi, afinal eu não era nascido, parabéns pelo trabalho, se puder, teria como fazer um sobre o El Clásico do gol 500 do Messi ? um forte abraço.
Obrigado pelo prestígio, David! E sugestão anotada! Esse El Clásico foi histórico! Abraço! 🙂