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Jogos Eternos – Brasil 1×0 Inglaterra 1970

Data: 07 de junho de 1970

O que estava em jogo: a vitória, claro, e pontos preciosos por uma vaga na fase final da Copa do Mundo da FIFA de 1970.

Local: Estádio Jalisco, Guadalajara, México

Árbitro: Abraham Klein (Israel)

Público: 66.843 pessoas

Os Times:

Brasil: Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Rivellino; Jairzinho, Pelé, Tostão (Roberto) e Paulo Cézar Caju. Técnico: Mário Zagallo.

Inglaterra: Gordon Banks; Wright, Labone, Bobby Moore e Cooper; Mullery, Bobby Charlton (Bell), Alan Ball e Martin Peters; Hurst e Lee (Astle). Técnico: Alf Ramsey.

Placar: Brasil 1×0 Inglaterra. Gol: (Jairzinho-BRA, aos 14’, do 2º T).

 

“A Passagem da Coroa”

 

Por Leandro Stein e Guilherme Diniz

 

Quando a tabela da Copa de 1970 ficou definida, todos as atenções se voltaram ao jogo do dia 07 de junho, no Grupo 3, entre Brasil e Inglaterra. As expectativas não eram para menos, afinal, teríamos a então campeã do mundo – Inglaterra – contra um dos mais fortes candidatos ao título – Brasil. E, quando a bola rolou no estádio Jalisco, um dos maiores jogos da história das Copas se consumou. Mesmo com o calor e o sol que não deram trégua aos atletas durante os 90 minutos, vimos jogadas exuberantes, lances eternos e craques da mais alta estirpe do esporte. Os ingleses foram até mais ofensivos durante os 90 minutos e pressionaram bastante. Além disso, mantiveram certa segurança defensiva, com firme apresentação da zaga liderada por Bobby Moore. No entanto, os brasileiros desequilibraram com eficiência, técnica e preparo físico. A equipe de Zagallo até errou um bocado. Em compensação, quando acertou o pé, a Seleção foi mais contundente. O gol de Jairzinho, num belíssimo lance, fez a diferença no placar. 

Foi o jogo da “Defesa do Século”, na cabeçada de Pelé defendida por Gordon Banks. Foi o jogo do “tackle” impressionante de Bobby Moore pra cima do Furacão Jairzinho. E foi o jogo da entortada de Tostão pra cima do mesmo Moore, que culminou na jogada do gol da vitória do Brasil por 1 a 0 e que garantiu a vaga da equipe canarinho nas quartas de final. Foi a simbólica passagem da coroa da Inglaterra ao Brasil, que seguiu firme e imbatível rumo ao tricampeonato mundial. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

A Inglaterra de 1970. Em pé: Labone, Banks, Cooper, Bobby Charlton, Peters e Bobby Moore. Agachados: Ball, Lee, Mullery, Wright e Hurst. Foto: Action Images
 

O Estádio Jalisco estava abarrotado para o grande embate da fase de grupos, entre Brasil e Inglaterra. Um jogo de enormes expectativas que as cumpriu, com duas equipes de evidente qualidade e dispostas a buscar a vitória. Campeões do mundo quatro anos antes, os ingleses vinham com a mesma base de 1966 e venceram a Romênia na estreia por 1 a 0, gol do artilheiro Geoff Hurst, primeiro a marcar três gols em uma final de Copa nos 4 a 2 sobre a Alemanha em Wembley. A Inglaterra sabia que o duelo contra o Brasil seria o mais difícil daquela fase de grupos e acabou fazendo apenas uma mudança no 11 inicial da estreia, com Tommy Wright assumindo a vaga do lesionado Keith Newton na lateral-direita. Já na cabeça de área, apesar das especulações sobre a participação de Nobby Stiles, Alan Mullery seria mantido no posto. Era um volante mais técnico e não demorou a ficar claro o motivo da escolha de Alf Ramsey.

O Brasil daquela tarde. Em pé: Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza, Félix, Clodoaldo e Everaldo. Agachados: Jairzinho, Rivellino, Tostão, Pelé e Paulo Cézar Caju.

 

 
 

Do lado brasileiro, Gérson, se recuperando de um estiramento na coxa sofrido na vitória da estreia sobre a Tchecoslováquia por 4 a 1, acabou poupado. Zagallo recuou Rivellino para a função na armação e escalou Paulo Cézar Caju, que ocupou o lado esquerdo do ataque e ainda podia recuar para ajudar na marcação. Na zaga, o quarteto foi o mesmo, com o capita Carlos Alberto Torres na direita, Everaldo na esquerda e Brito e Piazza no miolo de zaga. No ataque, Jairzinho pela ponta-direita, Pelé mais solto e Tostão um pouco mais avançado eram as armas letais de um time fantástico. A promessa era, de fato, de um jogo em alto nível.

 

Primeiro tempo – Eis o jogaço

 

A Inglaterra iniciou a partida com uma confiança impressionante. Os Three Lions colocaram seu time no campo de ataque, pressionando com a bola e também sem ela. O Brasil encontrava muitas dificuldades para atravessar o meio-campo, com passes errados e pouca aproximação entre os jogadores. Os ingleses pareciam mais prontos a abrir o placar e tentaram isso, explorando especialmente a ponta direita. As finalizações, todavia, não seriam tão limpas assim. O lance que mais assustou foi um cruzamento fechado, que encobriu Félix, mas não entrou por pouco. De uma forma ou de outra, no limite, a zaga brasileira se safava.

O sinal de que o Brasil estava no jogo aconteceu aos dez minutos. Jairzinho disparou pela direita e chegou à linha de fundo, cruzando a Pelé no segundo pau. A bola foi ao encontro do Rei, que cabeceou forte, preciso, de olhos abertos e para o chão, como só ele sabia fazer e como nenhum outro jamais conseguiu. Era gol. Óbvio! Pelé gritava “gol!” quando, num lapso de segundo e de puro reflexo, Gordon Banks saltou da esquerda de seu gol para a direita e deu um tapa na bola para o alto, mandando a redonda para fora. Foi simplesmente incrível. O estádio inteiro não acreditou no que viu. Muito menos Pelé. Já Banks tinha consciência do feito que tinha acabado de realizar e não escondeu o sorriso tempo depois. O goleiro comentou sobre o fato em entrevista publicada no jornal Folha de S. Paulo, em novembro de 1997.

“Foi a defesa mais importante da minha vida. Eu estava na primeira trave e tive de pular o mais rápido possível. Ao mesmo tempo tive que pensar a que altura a bola subiria depois de tocar no chão. Quando estiquei a mão e toquei na bola, não sabia onde ela ia parar. Eu ouvi o Pelé gritar gol. Quando ele cabeceou a bola, acho que pensou que tinha sido gol, porque cabeceou muito bem”.

Foi tão inacreditável que o árbitro sequer marcou escanteio. Se a bola entrasse, seria um pouco injusta pela superioridade inglesa. Por outro lado, o lance seria importante para que os Three Lions se retraíssem um pouco mais e a Seleção avançasse.

A cabeçada de Pelé…

 

 
A defesa do século de Banks na cabeçada de Pelé.

 

 
Momento único na história das Copas.
 

As principais jogadas do Brasil vinham pelas pontas, com Paulo Cézar Caju também fazendo bom papel pelo lado esquerdo, tanto na marcação quanto nos dribles. O problema de avançar pelo meio era topar com Bobby Moore, impecável na cobertura como líbero. Rivellino tentava emular Gérson e até se soltava mais, mas torceu o pé com 20 minutos e jogou abaixo do que poderia. Enquanto isso, Pelé e Tostão se revezavam para recuar na construção, encontrando dificuldades para lidar com a zaga – tão dura quanto imediata nas divididas. Do lado inglês, Bobby Charlton e Alan Ball ditavam o ritmo. Francis Lee e Geoff Hurst davam movimentação ao ataque, buscando mais a direita. Já nas laterais, embora a preocupação maior fosse com Terry Cooper pela esquerda, Jairzinho o cobriu bem. Tommy Wright era mais ativo do outro lado.

A Inglaterra tinha volume de jogo, mas não necessariamente as brechas para arrematar com tranquilidade. Clodoaldo limpava os trilhos na frente da área, importante peça na proteção. A maior parte das tentativas inglesas vinha em cruzamentos e chutes de longe, sem tanto acerto. O único tiro no alvo realmente perigoso aconteceu aos 32 minutos. Francis Lee apareceu por trás da zaga e cabeceou totalmente livre dentro da área. Félix realizou um milagre que, se não tem a fama ou a dificuldade de Banks, se tornou até mais decisivo. Lee ainda tentou marcar no rebote, mas cometeu falta sobre o goleiro. A arbitragem do israelense Abraham Klein, aliás, apresentava um rigor maior contra os brasileiros do que contra os ingleses – como na reclamação de um pênalti sobre Pelé, ignorado pelo apitador.

 

Segundo tempo – Pintura de Tostão e o gol da redenção

O desarme espetacular de Moore pra cima de Jairzinho. Foto: Arquivo / The Telegraph.

 

 

Na volta à etapa complementar, a Inglaterra tentou manter sua postura, mas encontrou um Brasil elétrico. Foram os melhores 15 minutos da Seleção na tarde, suficientes para desequilibrar. Os brasileiros arriscavam sem dó. Banks desviou com a ponta dos dedos um chute venenoso de Paulo Cézar Caju e rebateu uma bomba de Rivellino, depois que o meia driblou dois adversários. Além disso, o goleiro saiu na risca da área para afastar um lançamento de Pelé a Jairzinho, que ia invadindo livre. O Rei, por sinal, entrou no jogo. Um tanto quanto impreciso no primeiro tempo e inibido pelas pancadas, incendiou a Seleção com uma linda arrancada.

Os times em campo: após uma supremacia inglesa no primeiro tempo, o Brasil liquidou o jogo com velocidade, força e mais resistência do que o rival.

 

 

O gol do Brasil se concretizou aos 14 minutos, em jogada que começou na defesa, com um desarme de Everaldo (um titã defensivo naquela Copa). O ataque avançou e Tostão, depois de carimbar a marcação, pegou a sobra. O mineiro protagonizou o lance mais importante de sua carreira. Com a opção de Paulo Cézar, encarou três adversários ao mesmo tempo. Ganhou de Mullery na força, antes de aplicar uma caneta na marra em Bobby Moore. O camisa 9 ainda deixou Wright no chão e fez o giro sobre Moore na recuperação, para efetuar o cruzamento. Pelé recuou para buscar a bola e foi brilhante, fazendo o simples. Dominou e, com a marcação dobrada, logo passou a Jairzinho ao seu lado. Totalmente livre, o Furacão entrou devastando e chutou firme, na saída de Banks.

Foto: Rolls Press/Popperphoto via Getty Images.
 

O Brasil não foi brilhante durante todo o tempo no Jalisco, mas, naquele lance, apresentou sua combinação fatal entre técnica, inteligência e força. A Inglaterra se viu compelida a sair mais para o jogo depois disso. Alf Ramsey logo promoveu duas alterações, com as entradas de Colin Bell e Jeff Astle, para as saídas de Bobby Charlton e Francis Lee. Sentindo um pouco mais o desgaste físico, os Three Lions pareciam interessados em insistir nos cruzamentos, mas Félix foi bem na maior parte das saídas pelo alto. E nas vezes em que surgiu o espaço, os ingleses não souberam aproveitar.

Outra chance enorme da Inglaterra caiu nos pés de Astle. Everaldo espirrou o taco num corte e a bola sobrou limpa ao atacante, livre na marca do pênalti. Fez o certo ao tirar de Félix, que o abafava, mas a bola caprichosamente saiu rente à trave. Ball chamou a responsabilidade e não foi feliz. Carimbou o travessão em chute colocado e, já no fim, depois de um soco ruim de Félix, chutou por cima com a meta aberta. Os Three Lions pareciam sempre dar um toque a mais na bola e, quando o caminho se abria, não tinham o capricho necessário. Mas seguiram em cima, com Moore solto para se somar ao ataque.

Não que o Brasil tenha sido mero expectador na meia hora final. Incomodou nos contragolpes, com a participação ativa de Jairzinho e Paulo Cézar, além de Clodoaldo, brilhante para iniciar a transição. Jairzinho chegou a ter outro grande lance pela direita e, quando invadia a área, viu Moore realizar um desarme soberbo na bola. Banks ainda trabalhava mais que Félix, pegando tiros de fora da área executados por Paulo Cézar e Roberto Miranda – este, dando novo fôlego à linha de frente no lugar de Tostão, aos 23 minutos. A Seleção cozinhava um pouco mais o jogo e fechava sua área, com o trabalho tático abnegado mesmo dos craques para evitar o sufoco. Ainda que a Inglaterra não tenha desistido até o apito final, o time de Zagallo administrou seu resultado. E, com a vitória por 1 a 0, o time brasileiro sacramentou sua vaga à fase final. Depois daquele jogo, o Brasil estava pronto para tudo. E para ser campeão do mundo.

 

Pós-jogo: o que aconteceu depois?

Brasil: Zagallo comentou sobre a vitória ao Jornal dos Sports: “Nosso preparo físico foi melhor do que o da Inglaterra no segundo tempo e isto nos deu melhores condições de chegar ao gol decisivo. Neste jogo, o Brasil demonstrou que não vive somente da arte e da habilidade de seus jogadores. Apresentou raça e luta do princípio ao fim do jogo, com a mesma intensidade. Agora, o Brasil sabe jogar de acordo com o desenrolar da partida. Com os tchecos foi num estilo de espetáculo e, contra os ingleses, na base da virilidade. 

O jogo foi equilibrado e conseguimos a vitória porque soubemos marcar o primeiro gol num momento perigoso. Quem fizesse primeiro sairia vencedor. Houve igualdade de oportunidades desperdiçadas pelos dois ataques. Notei também certo desespero dos ingleses nos minutos finais, tentando o chuveirinho. De fato, criaram situações de gol – sem efeito, para sorte nossa”. 

Pelé e Bobby Moore, após a partida: imortais de um jogo eterno.

 

 

O Brasil derrotou a Romênia por 3 a 2 no último jogo da fase de grupos e, na fase final, bateu Peru (4 a 2), Uruguai (3 a 1) e Itália na final (4 a 1) para ficar com a posse definitiva da Taça Jules Rimet e se tornar o primeiro tricampeão mundial de futebol. Até hoje, a seleção de 1970 é tida como a melhor e mais espetacular de todos os tempos. Leia mais clicando aqui!

Inglaterra: após a derrota, o técnico inglês Alf Ramsey comentou ao Jornal do Brasil: “Eu notei no começo do segundo tempo que nossa defesa estava começando a dar sinais de fraqueza. Já tinha dado instruções a Jack Charlton para se aquecer e entrar no lugar de Labone, quando Jairzinho fez o gol. A partir daí, o problema era reforçar o ataque para fazer gols, e não a defesa. Tirei Bobby Charlton porque ele estava cansado. Na realidade, antes do jogo, já tinha dito a ele que podia se empregar a fundo, porque pretendia revezá-lo com Colin Bell no final. Ele fez o que pedi e teve um excelente primeiro tempo”.

O English Team precisava vencer a Tchecoslováquia na última partida se quisesse avançar de fase e, com um gol de pênalti anotado por Clarke, venceu por 1 a 0 e se garantiu nas quartas de final com o 2º lugar no grupo, o que fez os ingleses enfrentarem a Alemanha já nas quartas de final. Só que, nas vésperas da partida decisiva contra os germânicos, o goleiro Gordon Banks degustou de vários quitutes, pimentas e bebidas mexicanas. No entanto, o goleirão de 1,83m exagerou na dose e sofreu uma severa e impiedosa crise intestinal, que deixou o camisa 1 com diarreia e desidratação (além de horas cativas no banheiro da concentração…). 

Foto: Mirrorpix
 

A indisposição de Banks era bem comum na época – e é até hoje – para os estrangeiros que visitam o México. Dizem que os que sofrem desse problema são vítimas do “Mal de Montezuma”, uma suposta “vingança” do líder asteca Montezuma II, morto pelos espanhóis em 1520. Desde então, quase todos os gringos que visitam o país provam do veneno do asteca. Sem condição alguma de jogo, Banks teve de ser sacado do time inglês para a entrada de Peter Bonetti, do Chelsea. 

Sem a experiência e talento do titular, o reserva até viu seu time abrir 2 a 0, mas não conseguiu segurar o ímpeto dos alemães e sofreu três gols que decretaram o 3 a 2 da Alemanha e a vingança pela derrota em 1966. Para muitos, se Banks tivesse jogado, a Inglaterra não teria perdido. E possivelmente reencontraria o Brasil na decisão.

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