Por Guilherme Diniz
Este é o 5º maior clássico do mundo de uma lista especial do Imortais. Confira a relação completa no link ao final deste texto!
A rixa: ambos os clubes foram criados no mesmo ano (1945), com uma diferença de sete meses para cada um e uma distância de pouco mais de 1km entre si na capital Belgrado, após a dissolução da maior parte dos clubes da Iugoslávia. O Estrela Vermelha foi fundado pela Aliança Unida da Juventude Antifascista, com apoio da polícia, e herdou o legado do antigo SK Jugoslavija. Já o Partizan nasceu do clube do exército comunista da Iugoslávia. Com isso, os militares e seus adeptos simpatizaram com o Partizan, sempre raivosos, tensos. Os adeptos da Sérvia e de outras nações foram para o Estrela, mais politizados. Ambos estavam unidos para expulsar os nazistas durante a II Guerra Mundial. Mas se separaram na formação da Iugoslávia e durante as conturbadas décadas que se seguiram, com o fim do comunismo e a fragmentação do país.
Quando começou: no dia 05 de janeiro de 1947, na vitória do Estrela Vermelha por 4 a 3 sobre o Partizan, na casa do rival.
Maior Artilheiro: Marko Valok-SER (Partizan): 13 gols
Quem mais venceu: Estrela Vermelha – 113 vitórias (até fevereiro / 2024). O Partizan venceu 82. Foram 70 empates.
Maiores goleadas: Partizan 7×1 Estrela Vermelha, 06 de dezembro de 1953
Estrela Vermelha 6×1 Partizan, 17 de novembro de 1968
Caro leitor (a), veja o vídeo abaixo:
Imagine você, um jogador do Partizan, caminhando dentro desses túneis do Marakana para enfrentar o dono da casa, o Estrela Vermelha, justamente seu maior rival. Sinistro e aterrorizante, para dizer o mínimo. É preciso muito sangue frio e bom psicológico. Porque do lado de fora o sangue ferve, quer dizer, borbulha! O clássico sérvio é simplesmente um dos maiores barris de pólvora do mundo e de todo leste europeu. Um clássico que sempre esteve ligado às conturbadas conjunturas políticas da antiga Iugoslávia e que ficou ainda mais acirrado após a independência e consolidação da Sérvia como nação.
Após a criação de ambos no final da II Guerra, o povo iugoslavo viu militares de um lado (Partizan) e civis do outro (Estrela) quando os clubes começaram a se enfrentar em duelos tensos, com ativa participação de suas torcidas, que criaram grupos de Ultras chamados Delije (do Estrela Vermelha) e Grobari (do Partizan). Esses grupos se preparam de maneira ativa antes de cada duelo, criam bandeiras, preparam canções e, claro, focam na musculação para possíveis encontros com os rivais. Sim: não é surpresa eles saírem na porrada. Além disso, os estádios ficam cobertos por chamas, fumaça e muito barulho pirotécnico que sempre atrasa os jogos e demanda dezenas de policiais para supervisionar e tentar conter o ímpeto dos fanáticos. Nos tempos de Iugoslávia, os jogos entre ambos eram menos agressivos por conta da rivalidade que existia na época com outros dois clubes: Dinamo Zagreb e Hadjuk Split, que acabaram indo para o lado croata após a independência nos anos 90.
Nos campeonatos nacionais, Estrela e Partizan construiram um verdadeiro duopólio. Eles disputavam ano a ano o título e não davam trégua aos rivais. No período iugoslavo – de 1945 até 1992 -, foram 19 títulos do Estrela Vermelha e 11 do Partizan. O Hadjuk Split foi o que mais se aproximou da dupla, com sete taças. A partir dos anos 60, ambos começaram a expandir suas forças para o continente em busca da soberania. Primeiro, o Estrela Vermelha chegou até a semifinal da antiga Copa das Cidades com Feiras – precursora da Liga Europa – de 1961-1962, mas acabou caindo diante do forte Barcelona de Kocsis e Kubala.
Em seguida, o Partizan deu o troco e alcançou a final da Liga dos Campeões da UEFA de 1965-1966, com base no talento de jogadores como Vasovic, Milan Galic, Hasanagic e “Vladica” Kovacevic. Pelo caminho, os coveiros (como eram conhecidos por causa do uniforme listrado e calções pretos, além da origem militar) despacharam times como Sparta Praga, Werder Bremen e o Manchester United. Mas, na decisão, eles não foram páreos para o Real Madrid de Amancio, Gento e Zoco. Foi naquela década de 60 que o Estrela Vermelha ostentou a primeira grande invencibilidade diante do rival: nove jogos, com sete vitórias e dois empates, entre abril de 1963 e março de 1967.
Foi nos anos 1960 que aconteceu um caso curioso envolvendo os rivais. O defensor Vasovic, do Partizan, estava com contrato à expirar em 1963, ano de mais um título nacional do super esquadrão do clube alvinegro da época. Porém, o craque não recebeu uma boa proposta da diretoria e foi para o Estrela Vermelha! Ele mesmo contou essa história à revista Duga, em 1986.
“Meu contrato expirou no verão de 1963. E, além de ser membro-chave da equipe do Partizan, também era da seleção nacional. Meu tio David Laušević era um membro do conselho do Partizan, então os gênios do clube falaram: “Vasović vai ficar de qualquer jeito, porque seu tio vai cuidar disso”. Claro, eu não teria nada disso, então eu imediatamente atravessei a cidade para falar com o diretor técnico do Estrela Vermelha, Aca Obradović, e eu literalmente lhe disse “Sr. Obradović, se o Estrela Vermelha tiver dinheiro suficiente, eu gostaria de me juntar ao seu clube”. Então eles pagaram.
Uma vez que o Partizan descobriu, eles ficaram maravilhados. O presidente do clube, o general da JNA, Ilija Radaković, aprovou imediatamente o pagamento do montante duplo que o Estrela Vermelha me deu. Meu telefone estava saindo do gancho, eles estavam enviando cartas, eles organizaram protestos de fãs. Eu também estava tendo ameaças de morte. Até hoje mantenho uma carta na qual um agente da JNA ameaça me matar durante uma partida com um rifle de atirador. É como uma carta apropriada, inclusive incluiu seu nome completo, endereço residencial e número de telefone“.
O defensor acabou ficando apenas seis meses no Estrela e foi recontratado pelo Partizan, a contragosto do Estrela. Sua chegada ao Partizan, inclusive, teve alguns dissabores com atletas do elenco alvinegro, que acusaram Vasovic de chantagem só para ganhar mais dinheiro. O clima só foi amenizado tempo depois.
Nos anos 70, o Estrela Vermelha viveu um grande momento e flertou com os títulos da Recopa da UEFA (foi semifinalista em 1974-1975) e da Copa da UEFA (foi vice-campeão em 1978-1979, perdendo para o grande Borussia Mönchengladbach-ALE). Foi naquela época que os dérbis entre Partizan e Estrela Vermelha atraíam públicos impressionantes, principalmente no estádio do Estrela, inaugurado em 1963 e um dos maiores da Europa, a ponto de ganhar o apelido que ostenta até hoje: Marakana, em homenagem ao lendário estádio brasileiro Maracanã. Em Novembro de 1976, aconteceu o recorde de público para o dérbi na história: 102 mil pessoas no Marakana, sendo mais de 90 mil pagantes, que viram a vitória do Estrela por 1 a 0.
Nos anos 80, os times não conseguiram brigar com os grandes clubes do continente, mas coube ao Estrela Vermelha a glória máxima para o futebol do país em 1991, quando faturou a Liga dos Campeões da UEFA sobre o Olympique de Marselha com a melhor geração de futebolistas de sua história. Jugovic, Mihajlovic, Prosinecki, Pancev e Savicevic eram apenas alguns dos craques que compuseram aquele timaço, que ainda faturou o Mundial Interclubes no mesmo ano (leia mais clicando aqui). Aquela glória colocou o Estrela num patamar acima que o rival justamente em um período tenso na Iugoslávia, com conflitos armados separatistas na região dos Balcãs que tiveram a participação de membros do Partizan e do Estrela Vermelha nos confrontos como grupos paramilitares. Com o fim da guerra e a criação de novos países, entre eles a Croácia, Hadjuk e Dinamo deixaram obviamente de disputar o mesmo campeonato nacional que Estrela e Partizan e a rivalidade passou a ser exclusiva entre alvinegros e alvirrubros. Foi exatamente a partir desse período pós-1995 que os jogos ficaram cada vez mais energéticos e sangrentos.
Os torcedores passaram a figurar que os clássicos entre Partizan e Estrela eram uma verdadeira extensão da guerra que muitos deles participaram. Por isso, a balbúrdia criada em cada jogo sempre se sobressaiu ao futebol. Prova disso foi o que passou o brasileiro Cléo, que jogou no Estrela Vermelha e, em 2009, trocou o clube pelo Partizan – ele foi o primeiro jogador a trocar um rival pelo outro desde 1990. Adivinhe: ele recebeu ameaças de morte dos ultras do Estrela, cartazes de seu obituário foram espalhados pela internet e nem sair de casa ele conseguiu durante um tempo. Os alvirrubros fizeram questão até de aprender xingamentos em português só para atazanar a vida do jogador. Felizmente, tudo ficou apenas na ameaça. E, no dérbi 137, naquele mesmo ano de 2009, ele marcou o gol da vitória de seu time sobre o Estrela Vermelha por 2 a 1. E na casa do Estrela! Foi de abril de 2009 até novembro de 2011, também, que o Partizan alcançou a maior sequência de vitórias seguidas no clássico: seis.
Desde então, os rivais continuam a duelar pelos títulos nacionais quase sem interferências, mas não conseguem estender tal hegemonia para além de suas terras. Suas torcidas frequentemente causam estragos tremendos nos estádios, queimam cadeiras, lançam sinalizadores e brigam com a polícia como se bebessem água. E, claro, tanta selvageria já causou várias mortes, algumas noticiadas – em 2006, um adolescente de 17 anos foi morto a facadas em uma briga no subúrbio de Belgrado -, mas a maioria ocultada. Em 2011, o Estrela Vermelha cansou de ver as cadeiras de seu estádio serem queimadas pelos ultras do Partizan e removeu todas as do setor de visitantes justamente para evitar fogueiras e munições para os coveiros.
Mesmo assim, a pirotecnia feita pelas torcidas arrepia, com cores, fumaças e os cantos em som de trovão, seja no Marakana, seja no Estádio Partizan. E são essas torcidas que constroem, jogo a jogo, o mito que cerca desde os anos 40 esse clássico que foi moldado na Iugoslávia, sobreviveu às guerras, passou pela Sérvia e Montenegro e agora vive em um terceiro país, a Sérvia. Não é à toa que tal dérbi ganhou a alcunha de “Eterno”…
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Claro que, dentre os grandes clássicos do futebol, não poderia faltar um texto sobre o Dérbi eterno de Belgrado.