Por Guilherme Diniz
Nome: Estádio Rajko Mitic
Localização: Belgrado, Sérvia
Inauguração: 1º de setembro de 1963
Partida Inaugural: Estrela Vermelha 2×1 Rijeka, 1º de setembro de 1963
Proprietário: FC Estrela Vermelha
Capacidade: 53.000 pessoas
Recorde de público: 110.000 pessoas (estimado) / 96.070 (oficial) no jogo Estrela Vermelha 2×2 Ferencvaros-HUN, 23 de abril de 1973
Poucos estádios no mundo são tão intimidadores como ele. Com suas vastas arquibancadas e túneis amedrontadores, ele jamais recebeu seus visitantes bem. Ali, o visitante sofre. Tem que jogar em um ambiente hostil, barulhento, cheio de fumaça e luzes durante 90 minutos. Para os torcedores mais fervorosos, é uma “fortaleza inexpugnável” que muitas vezes “troveja por todos os lados”, mas também “seu destino e sua verdade”, como dizem as letras de algumas músicas e slogans em faixas, camisetas e grafites. É assim há décadas. E é assim que o FC Estrela Vermelha se consagrou como um dos mais vitoriosos clubes do leste europeu. O Estádio Rajko Mitic, também conhecido como Estádio Estrela Vermelha ou Marakana, em alusão ao Maracanã do Brasil, é um dos mais emblemáticos caldeirões do futebol e repleto de histórias que superaram guerras e períodos complicados de uma região que já foi de um país e virou outro. Categoria 4 estrelas da UEFA, o estádio sérvio já abrigou final de Liga dos Campeões da UEFA, de Copa da UEFA e de Eurocopa, além de embalar o Estrela Vermelha em sua épica campanha rumo ao título europeu de 1991. É hora de conhecer a história do orgulho dos Bálcãs: o Estádio Estrela Vermelha.
Sumário
Dos primórdios à modernização

O terreno em Dedinje onde está localizado o Estádio Estrela Vermelha sempre esteve ligado ao futebol. Tudo começou em 1927, quando foi inaugurado o antigo Estádio SK Jugoslavija (também conhecido como Avala), do clube homônimo que daria origem ao Estrela Vermelha – o estádio era também do Exército Popular Iugoslavo. O local tinha capacidade para 30.000 pessoas, pista de atletismo, centro de treinamento e sede social. Foi nele que o SK Jugoslavija celebrou duas Copas da Iugoslávia e um campeonato nacional em 1941-1942, já em meio a Segunda Guerra Mundial. Após o conflito bélico, o Estrela Vermelha foi fundado em 1945 e seguiu utilizando o estádio Avala até 1958, participando inclusive de jogos pela Copa dos Campeões da Europa (atual Liga dos Campeões da UEFA) de 1957-1958, onde enfrentou o Manchester United-ING dos Busby Babes – empate em 3 a 3 -, no último jogo do esquadrão inglês antes do Desastre Aéreo de Munique.
Até que, no mesmo ano de 1958, uma partida entre Estrela Vermelha e CDNA (atualmente CSKA Sofia), da Bulgária, foi cancelada por causa das condições precárias do estádio. “No verão de 1958, deveríamos jogar um amistoso com o CDNA búlgaro, como era então chamado de CSKA de hoje. Da cidade velha veio o inspetor, olhou para o estádio e disse que ele não poderia ser jogado nele. As vigas de madeira estavam podres e era realmente perigoso”, comentou Vlastimir-Vale Puri, segundo presidente eleito do Estrela Vermelha na época. Com capacidade limitada e estrutura ultrapassada, o estádio de fato era insuficiente para atender à crescente massa de torcedores do clube.


A partir dali, Puri entrou em contato com a empresa Sportprojekt a fim de iniciar o projeto e construção de um novo estádio. Kosta Popović, Karlo Jankov e Sasa Radovanovic seriam os encarregados de elaborar o desenho da nova arena entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960, com o objetivo de criar um dos maiores estádios da Europa. O projeto foi ambicioso tanto em escala quanto em engenharia estrutural, especialmente considerando o tipo de terreno, a necessidade de escavação profunda e o uso massivo de concreto armado.
Além de Popović e Jankov, outros engenheiros civis e técnicos da instituição estatal de construção da Iugoslávia participaram da execução da obra, que foi considerada uma das maiores obras esportivas da Europa Oriental no período. Em 1958, o governo iugoslavo aprovou a demolição do antigo estádio e deu sinal verde para a construção de uma nova arena moderna no mesmo local. A decisão foi motivada tanto pelo crescimento do futebol quanto pelo desejo do Estado de promover grandes eventos esportivos como vitrine internacional da Iugoslávia durante a Guerra Fria.
Nasce o Marakana

As obras do novo estádio do Estrela Vermelha começaram oficialmente em 1960. A missão de erguer uma das maiores arenas da Europa era ousada: um estádio oval, aberto, com estrutura de concreto armado e capacidade superior a 100 mil espectadores — algo inédito na região. No entanto, o terreno revelou-se um desafio. Composto por camadas profundas de cascalho e sedimentos do antigo leito de um rio, foi necessário escavar mais de 350 mil metros cúbicos de terra para criar a fundação sólida que a estrutura exigia! O solo foi sondado, a até 15m de profundidade, e a formação chamada “calcário sármata” foi descoberta, o que possibilitou a fundação profunda nos lados oeste e sul. O material removido foi reaproveitado para a elevação da arquibancada leste, dando ao estádio sua forma característica de “tigela”. Neste mesmo lado leste, o solo teve que ser aterrado.
Durante a construção, quase mil operários trabalharam em turnos extensivos, muitas vezes em condições climáticas difíceis, em especial nos rigorosos invernos da região -, enquanto equipamentos e materiais eram transportados em comboios desde outras partes da Iugoslávia. Os custos foram altos para os padrões da época, mas justificados pelo Estado como um investimento em “infraestrutura cultural e esportiva”. Após três anos de obras, o novo estádio foi oficialmente inaugurado em 1º de setembro de 1963. A partida de estreia foi entre Estrela Vermelha e NK Rijeka, com vitória dos donos da casa por 2 a 1.

Mais de 55 mil pessoas estiveram presentes, ainda que o estádio estivesse operando com capacidade parcial naquela ocasião. Uma curiosidade é que o primeiro visitante do estádio foi Laza Petrović, um camponês da região de Loznica. Torcedor fervoroso do Estrela Vermelha, ele chegou ao novo estádio bem cedo pela manhã e ocupou seu lugar na arquibancada leste. Tirou queijo e um pãozinho da sacola e tomou seu café da manhã enquanto esperava pacientemente até o final da tarde para o jogo começar.
O nome oficial seria “Estádio do Estrela Vermelha”, mas os torcedores logo o apelidaram de “Marakana”, em referência ao Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, que simbolizava a grandiosidade no mundo do futebol – o estádio brasileiro era o maior do planeta na época. Esse apelido se popularizou tanto que, por décadas, superou o nome oficial em uso comum. Por conta do idioma, a grafia virou Marakana e a pronúncia ficou “maraKAana”, com tônica na penúltima sílaba.
O Caldeirão dos Bálcãs

Nos meses seguintes, o Estádio Estrela Vermelha passou a receber sua capacidade máxima de 110 mil pessoas e atingiu seu primeiro recorde em 1963, quando aproximadamente 108 mil pessoas estiveram presentes para o clássico entre Estrela Vermelha e Partizan. No mesmo ano, o Estrela Vermelha celebrou os títulos do campeonato nacional e da copa nacional. Nos anos seguintes, o estádio continuou a receber melhorias: instalação de refletores para jogos noturnos, reforços estruturais, zonas de imprensa e, nos anos 1980, novos sistemas de evacuação e segurança.
Em 1968, o estádio viu o Estrela Vermelha levantar sua segunda Copa Mitropa, ao golear o Spartak Trnava-TCH por 4 a 1, um dos muitos títulos conquistados sob o comando do técnico Miljan Miljanić, que levantou ainda quatro títulos nacionais e três copas nacionais. O treinador conduziu também o Estrela Vermelha à semifinal da Copa dos Campeões (atual Liga dos Campeões da UEFA) de 1970-1971, quando o clube alvirrubro enfrentou o Panathinaikos-GRE do técnico Ferenc Puskás e venceu por 4 a 1 no Marakana tomado por quase 90 mil pessoas, mas acabou eliminado por causa do critério do gol fora ao perder por 3 a 0 a volta, na Grécia.


Em 1973, o estádio abrigou a final da Copa dos Campeões entre Ajax e Juventus, vencida pelos holandeses por 1 a 0 e que selou o tricampeonato europeu do clube de Amsterdã. A partida teve 89.484 pessoas e consagrou Ruud Krol, Johan Neeskens, Johnny Rep, Johan Cruyff e companhia como um dos maiores esquadrões de todos os tempos, base da seleção da Holanda que brilhou na Copa do Mundo de 1974. Em abril de 1975, foi a vez do estádio receber oficialmente seu maior público da história: 96.070 pessoas (110 mil presentes) apoiaram o Estrela Vermelha na partida semifinal da Recopa da UEFA contra o Ferencváros-HUN, que terminou empatada em 2 a 2 e acabou classificando os húngaros, que venceram a ida por 2 a 1.
Em 1976, confirmando a popularidade do Marakana no continente, o estádio abrigou dois jogos da fase final da Eurocopa: a semifinal, vencida pela Alemanha sobre a Iugoslávia por 4 a 2, e a grande final entre Tchecoslováquia e Alemanha, um jogo frenético que terminou empatado em 2 a 2, e, nos pênaltis, terminou com vitória tchecoslovaca por 5 a 3, com o histórico pênalti de cavadinha de Antonín Panenka, surpreendendo a favorita campeã mundial.
Amuleto Alvirrubro

Nos anos 1970, 1980 e começo dos anos 1990, o Marakana ajudou o Estrela Vermelha a se consolidar como uma das grandes equipes da Europa e até do mundo. Tudo começou na temporada 1978-1979, quando o Estrela Vermelha alcançou sua primeira final continental da UEFA na história: a Copa da UEFA. Durante a caminhada europeia, os iugoslavos despacharam seus rivais sempre com a força do Marakana. Na primeira fase, após perder por 5 a 2 para o Dynamo Berlin-ALE fora de casa, os alvirrubros venceram por 4 a 1 em casa e avançaram. Na etapa seguinte, venceram o Sporting Gijón-ESP por 1 a 0 fora e empataram em casa em 1 a 1. Depois, venceram o Arsenal-ING por 1 a 0 em casa e empataram fora em 1 a 1. Nas quartas de final, derrotaram o West Bromwich Albion-ING por 1 a 0 em casa e empataram fora (1 a 1) e derrotaram o Hertha Berlim-ALE por 1 a 0 em casa e perderam por 2 a 1 fora.
Na final, o Estrela Vermelha teve pela frente o Borussia Mönchengladbach, uma das maiores potências da Alemanha naquela década. Na ida, com 90 mil pessoas no Marakana, o Estrela Vermelha abriu o placar no primeiro tempo, com Sestic, e seguiu imbatível sob seus domínios. Porém, no segundo tempo, o Borussia empatou e deixou o confronto aberto para a volta, em Düsseldorf, onde o Borussia venceu por 1 a 0 e ficou com o título.



A equipe seguiu competitiva nos anos 1980, alcançando duas quartas de finais de Copa dos Campeões, mas o apogeu veio mesmo no começo dos anos 1990, quando o Estrela Vermelha reuniu seu maior esquadrão da história com Stojanovic, Belodedici, Prosinecki, Mihajlovic, Pancev, Savicevic e Binic, e conquistou de maneira invicta a Liga dos Campeões da UEFA de 1990-1991. Durante a campanha, os iugoslavos despacharam Grasshoppers-SUI, Rangers-ESC, Dynamo Dresden-ALE e Bayern München-ALE com publicos superiores a 50 mil pessoas, chegando a 80 mil pessoas no duelo contra o Bayern, que terminou empatado em 2 a 2 – o Estrela venceu na Alemanha por 2 a 1. Naquela época, o estádio já era conhecido internacionalmente por sua atmosfera intimidadora, impulsionada pela torcida fervorosa dos “Delije”, o grupo de ultras do clube.
Na final, disputada em Bari-ITA, a equipe derrotou o Olympique de Marselha-FRA nos pênaltis e ficou com a taça, a primeira e até hoje única de um clube sérvio. No final de 1991, o Estrela Vermelha venceu o Mundial Interclubes e coroou um ano único do clube, que só não foi melhor por causa da Guerra da Iugoslávia, que impediu a equipe de disputar em sua casa a partida da volta da Supercopa da UEFA, por exemplo, contra o Manchester United, que acabou campeão após vencer o único jogo, em Old Trafford, por 1 a 0, além de importantes jogadores do time campeão europeu – Prosinečki, Binić, Stojanović, Šabanadžović e Marović – deixarem Belgrado.
Mudanças, encolhimento e novo nome

Após a Guerra Civil e a consolidação da Sérvia, o Estádio Estrela Vermelha também passou por mudanças. Com as novas normas da UEFA exigindo assentos individuais e critérios rígidos de segurança, a capacidade do estádio foi gradualmente reduzida pela metade. Com reformas e melhorias, o estádio passou a acomodar cerca de 52 mil torcedores, ainda sim mantendo-se como o maior do país.
Em 2014, o estádio foi oficialmente rebatizado como Estádio Rajko Mitić, em homenagem ao maior jogador da história do Estrela Vermelha. Mitić foi capitão do clube e da seleção iugoslava nas décadas de 1940 e 1950, conhecido não apenas por sua qualidade técnica, mas também por sua conduta exemplar e espírito esportivo. Após encerrar a carreira, ele seguiu ligado ao clube como treinador e dirigente.



Embora o Estrela Vermelha tenha desaparecido do cenário europeu, consolidando sua força apenas em casa, seu estádio segue intacto não é apenas como uma arena esportiva, mas um símbolo cultural da Sérvia e um espaço carregado de significados históricos. Durante os anos de guerra e transição nos Bálcãs, o estádio seguiu como um ponto de encontro de identidade nacional e paixão esportiva. Recebeu, além de jogos do Estrela Vermelha, partidas da seleção, clássicos com o Partizan — seu maior rival — e eventos não esportivos. Até uma partida de tênis entre Slobodan Živojinović (principal tenista do país antes de Novak Djokovic) e Boris Becker foi realizada no estádio, em 1987.

Hoje, o estádio se moderniza aos poucos, com planos para novas reformas visando torná-lo ainda mais compatível com os padrões UEFA Elite. Mesmo assim, sua alma permanece intacta. Quando o Estrela Vermelha entra em campo e a torcida entoa seus cantos, o Rajko Mitić ganha vida — como sempre foi, como sempre será. Um reflexo de um país em transformação, de um clube em ascensão e de um povo apaixonado por futebol. Mais de seis décadas depois, o concreto envelheceu, mas a alma do Marakana segue intacta.
Curiosidades:
- Em clássicos contra o Partizan disputados no Marakana, o Estrela Vermelha venceu quase 50% dos duelos. O Partizan venceu apenas 17% dos jogos, sendo 33% de empates. Bem, andar pelo túnel do estádio já derrubava pela metade a chance de vitória do Partizan – hoje, ele está mais aceitável, mas já foi assim:
- Ainda jogando como Sérvia e Montenegro, a seleção da casa fez uma partida decisiva em 2005, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. A equipe derrotou a Bósnia e Herzegovina por 1 a 0 (gol de Kezman) no Marakana com quase 50 mil pessoas e conseguiu a vaga no Mundial, o primeiro e único do país antes da dissolução que criou as seleções da Sérvia e de Montenegro;
- Em 2018, o Estrela Vermelha derrotou o Liverpool por 2 a 0 pela fase de grupos da Liga dos Campeões da UEFA, um dos resultados mais comemorados pelo torcedor nos últimos anos, principalmente pelo fato de ter sido na temporada em que os Reds foram campeões europeus!
- Em 1976, o estádio recebeu uma luta de boxe entre Mate Parlov-IUG e Domenico Adinolfi-ITA, que teve vitória do iugoslavo, campeão europeu de boxe na categoria meio-pesado diante de 20 mil pessoas. Ele é considerado o maior boxeador do país na história e foi campeão olímpico em 1972;
- O estádio abriga também o museu do Estrela Vermelha, onde os torcedores e visitantes podem ver mais sobre o clube e as grandes conquistas.
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