Nascimento: 24 de fevereiro de 1940, em Aberdeen, Escócia.
Posições: Centroavante e Atacante
Clubes: Huddersfield Town-ING (1956-1960), Manchester City-ING (1960-1961 e 1973-1974), Torino-ITA (1961-1962) e Manchester United-ING (1962-1973).
Principais títulos por clube: 1 Liga dos Campeões da UEFA (1967-1968), 2 Campeonatos Ingleses (1964-1965 e 1966-1967), 1 Copa da Inglaterra (1962-1963) e 2 Supercopas da Inglaterra (1965 e 1967) pelo Manchester United.
Principais títulos individuais e artilharias:
Ballon d’Or: 1964
Eleito para o time do ano da World Soccer: 1964
Artilheiro da Liga dos Campeões da UEFA: 1968-1969 (9 gols)
Maior Artilheiro da história da Seleção da Escócia: 30 gols em 55 jogos
Maior Artilheiro em uma só temporada da história do Manchester United: 46 gols em 42 jogos, em 1963-1964
3º Maior Artilheiro da história do Manchester United: 237 gols em 404 jogos
Jogador com maior número de hat-tricks da história do Manchester United: 18 vezes
PFA Prêmio ao Mérito: 1975
TWA Prêmio de Tributo: 1994
Eleito para o Football League 100 Legends: 1998
Inserido ao Hall da Fama do Futebol Inglês: 2002
Golden Player de melhor jogador da Escócia no Jubileu da UEFA: 2003
Inserido ao Hall da Fama do Futebol Escocês: 2004
Eleito o 50º Melhor Jogador do Século XX pela IFFHS
Eleito o 37º Melhor Jogador do Século XX pela IFFHS
Eleito um dos 1000 Maiores Esportistas do Século XX pelo jornal The Sunday Times
Ordem do Império Britânico: 2016
“O Goleador da Santíssima Trindade”
Por Guilherme Diniz
Quando chegamos ao imponente Teatro dos Sonhos, o Old Trafford, casa do Manchester United, podemos visualizar uma estátua marcante. Existem três jogadores representados nela. Um, do lado esquerdo e pronto para driblar, é George Best, ícone do United, lenda eterna dos Devils. O outro, do lado direito e com a bola debaixo do braço, é Bobby Charlton, imortal que sobreviveu a um desastre aéreo para ser campeão do mundo com a Inglaterra e um dos mais completos jogadores de seu tempo. E, no centro, há um escocês com o braço levantado apontando o número 1 para os céus, com sorriso no rosto, o mesmo que todo torcedor faz quando passa por ali. É Denis Law, centroavante que ajudou a mudar para sempre a história do Manchester United e que completou a United Trinity, também conhecida como Santíssima Trindade do time inglês, que faturou a primeira Liga dos Campeões do clube em todos os tempos, em 1968.
Jogando ao lado de Best e Charlton, Law transformou a linha de frente do United em uma máquina de fazer gols. De garoto magricela ele virou um forte e intempestivo goleador, artilheiro e melhor da Europa em 1964, quando marcou 30 gols em 30 jogos do Campeonato Inglês. Oportunista, talentoso e inteligente, superou a fragilidade física e o estrabismo no olho direito no início de carreira para se transformar em um centroavante completo, perigoso tanto em jogadas pelo alto quanto por baixo. Seus gols e comemorações o transformaram simplesmente em “The King”, o Rei de Stretford End, arquibancada que ganharia anos depois uma estátua do atacante. Law também brilhou com a camisa da Escócia, pela qual marcou 30 gols em 55 jogos e teve tempo de disputar a Copa do Mundo de 1974 antes de se aposentar. É hora de relembrar.
Sumário
Será que tem futuro?
Nascido em Aberdeen, Escócia, oriundo de uma família humilde e o mais novo de sete irmãos, Denis Law teve uma infância bastante difícil e andou descalço até os 12 anos, quando ganhou os primeiros pares de sapatos velhos. Ele chegava a dormir junto com dois irmãos em uma só cama, sem pijamas, tamanha dificuldade financeira pela qual sua família, que ganhava o pouco para sobreviver da pesca, passava. Muito frágil fisicamente e estrábico, Law encontrava no futebol a diversão para superar as adversidades e seguir em frente. O jovem sentia muito a ausência do pai, sempre trabalhando em alto mar para garantir o mínimo de sustento para sua enorme família. Na adolescência, Law ganhou o primeiro par de chuteiras (usadas) de um vizinho e começou a demonstrar interesse pelo futebol, principalmente com os jogos do Aberdeen, time local, que era prestigiado pelo jovem quando ele conseguia alguns trocados para ir ao estádio. Ele gostava tanto de futebol que recusou a tradicional Aberdeen Grammar School por ter que jogar rúgbi ao invés de football. Com isso, o garoto foi para a Powis Academy, onde conseguia praticar o esporte que tanto adorava e estudar para se tornar um arquiteto, profissão que desejava seguir.
No entanto, a fragilidade física e o estrabismo em seu olho direito inspiravam pouca confiança no futuro do jovem com a bola nos pés. Quando entrava em campo, ele tirava os óculos e jogava com um olho fechado para não atrapalhá-lo durante o jogo. Mesmo assim, passou a integrar o time do Scotland Schoolboys quando deixou de jogar na lateral e foi para o ataque, onde começou a mostrar um notável faro artilheiro. Na temporada 1954-1955, Law foi descoberto por Archie Beattie, olheiro do Huddersfield Town, equipe que viveu um grande momento nos anos 1920 com um tricampeonato inglês e tentava reconquistar um lugar de destaque no futebol nacional. Beattie convidou o garoto de apenas 15 anos para um teste no time e Denis Law topou. Chegando lá, Law falava um dialeto muito comum em sua cidade, o Doric, e foi pouco compreendido, assim como as falas dos dirigentes do Huddersfield soaram como meros grunhidos ao jovem escocês.
O garoto chocou a comissão técnica e principalmente o técnico Andy Beattie (irmão de Archie) por causa de sua aparência – ele teria dito que “nunca tinha visto uma figura tão menos provável para o futebol: fraco, insignificante e de óculos”. Law tinha 15 anos, era extremamente magro, chegou usando óculos grossos para tentar esconder o estrabismo, era tímido e não fazia ideia de onde estava. Ele passara a vida inteira em Aberdeen e o mais longe que havia ido era Stonehaven, 24 quilômetros de distância de sua cidade natal, para poder usufruir de uma piscina a céu aberto e sorvetes. Ele estava naquele momento em Huddersfield, há 11 horas de trem de Aberdeen. Mesmo contra todas as expectativas, ele foi contratado em abril de 1955 e, logo em seguida, mudaria sua imagem para sempre.
“O estrabismo era uma característica da minha família. Ele ficou evidente dos meus cinco aos 15 anos e meio. Quando eu ia jogar futebol, tirava os óculos e fechava um olho. Porém, quando eu estava em Huddersfield, recebi uma ligação para voltar até Aberdeen para fazer uma operação e endireitar meu olho. Isso mudou a minha vida. Eu poderia encarar as pessoas e falar. Aumentou a minha confiança”. – Denis Law, em entrevista ao The Times (ING), 20 de agosto de 2017.
Feliz pela nova condição, Law estava pronto para iniciar sua carreira de futebolista. Mas ela não seria nada fácil.
Lapidado por um gênio
Quando começou no Huddersfield, Law ganhava cerca de 4 libras por semana. Ele deixava três com sua família e ficava com apenas uma libra para si. “O jantar de peixe mais barato da cidade custava um shilling (cerca de 1/20 de uma libra), então, eu sobrevivi”, brincou o jogador décadas depois em entrevista ao The Scotsman (ESC). Além do dinheiro escasso, o garoto sofria com a saudade da família e as 11 horas de viagem até Aberdeen quando voltava para casa. Encarar tudo aquilo com apenas 15, 16 anos era muito difícil, mas nada impossível para uma pessoa que já havia superado tantas dificuldades na infância. Após ser rebaixado na temporada 1955-1956, o Huddersfield Town teve que utilizar as qualidades de Denis Law em sua jornada na segundona. E, com apenas 16 anos, ele começou a atuar no time titular, quebrando o recorde do clube de jogador mais jovem a atuar no profissional do Huddersfield em novembro de 1956, contra o Notts County.
Foi naquela época que Bill Shankly, lendário técnico que faria história no Liverpool, iniciou seus trabalhos no time inglês. E, sob o comando do treinador, Law não só desabrochou seu talento como ganhou mais massa muscular. Shankly não se conformava com a magreza de Law e implementou uma dieta baseada em leite e carne pelo menos três vezes ao dia para o garoto. Além disso, ele fez um trato com uma mulher de um café perto do clube para dar a Law um chá de ervas chinês. Deu certo e Law conseguiu, jogo a jogo, “sobreviver” às duras divididas com os zagueiros ingleses. Ele via em Shankly a figura paterna que tanto lhe fez (e fazia) falta. Com olhar humano, o treinador aconselhava o escocês e o inspirava a atacar sempre e a promover o entretenimento que os ingleses buscavam no futebol após tantos anos ruins com as guerras. As pessoas gastavam muito dinheiro para ver bom futebol, dizia Shankly, e era isso que ele cobrava de seus atletas.
A fama de Law cresceu tão rápido que Matt Busby, do Manchester United, ofereceu 10 mil libras pelo futebol do jovem em 1957, proposta recusada por Shankly, que não queria de jeito nenhum que a diretoria vendesse os poucos talentos que o clube tinha, pois iria dificultar ainda mais o retorno à primeira divisão. Em sua primeira temporada, Law disputou 18 jogos e marcou três gols. Na seguinte, ele atuou em 20 jogos e anotou seis tentos. Em 1959, Shankly acabou se transferindo para o Liverpool e pretendia levar Denis Law consigo. No entanto, os Reds não tinham dinheiro e Shankly ficou sem o seu pupilo, que acabou vendido em 1960 para o Manchester City por 55 mil libras, um valor recorde na época no futebol britânico. Matt Busby, do United, outra vez tentou contratar Law, mas acabou perdendo a disputa para o rival local.
Se Busby não podia contar com Law em seu clube, o treinador fez questão de convocar o atacante para a seleção da Escócia pela primeira vez, em 1958, em duelo contra País de Gales, pelo Campeonato Britânico. E, com apenas 18 anos, Law marcou um gol na vitória por 3 a 0 dos escoceses. Infelizmente, Matt Busby não estava no cargo da seleção no primeiro semestre daquele ano por causa do desastre aéreo de Munique e, ainda se recuperando do acidente, a equipe foi comandada por Dawson Walker, que acabou deixando Law de fora da convocação para a Copa do Mundo de 1958. Ele seria convocado mais cinco vezes naquele final de anos 50, mas só nos anos 60 que sua história de ouro começaria a ser escrita com a camisa escocesa.
Primeira estadia em Manchester e problemas em Turim
Querendo mostrar seu talento a um público maior, Law viu no City a oportunidade que tanto buscava na elite do futebol inglês. Pena que o time dos Citizens era bem fraco e não almejava algo maior do que a permanência na first division. Com isso, na temporada 1960-1961, o craque foi fundamental para manter o time na 13ª posição do campeonato ao anotar 19 gols em 37 jogos, além de 23 gols nas 43 partidas que disputou. Sem perspectiva com a camisa azul, Law queria alçar vôos ainda maiores e conseguiu uma transferência para o futebol italiano ao assinar com o Torino, em 1961, por 110 mil libras, outro valor recorde. Vale lembrar que por pouco a Internazionale – que estava prestes a dominar o cenário futebolístico do país – não levou o escocês para Milão.
Embora muitos futebolistas britânicos estivessem indo para o Calcio desde a segunda metade dos anos 50 – com enorme destaque para o galês John Charles, da Juventus -, a grande maioria não conseguia se adequar ao estilo de jogo italiano. E Denis Law foi um deles. O atacante não se adaptou ao futebol na bota por causa das sólidas defesas e a forte marcação. Além disso, o escocês sofreu com a falta de confiança do técnico Beniamino Santos e o pouco caso que os italianos faziam dos britânicos na época. Para piorar, em fevereiro de 1962, Denis Law sofreu um acidente de carro quando seu colega Joe Baker, também no Torino, foi pelo caminho errado em uma rotatória em Turim.
Baker quase morreu e Law sofreu algumas lesões, mas nada grave. Em abril de 1962, Law queria ser transferido, mas seu pedido foi negado pela diretoria. A gota d’água veio em uma partida contra o Napoli tempo depois, quando ele irritou o treinador por arremessar um lateral que era para outro jogador fazê-lo e ainda acabou expulso. Após alguns rumores de que a Juventus estaria disposta a levar o atacante, veio da Inglaterra uma proposta de 115 mil libras pelo futebol do escocês, mais precisamente do Manchester United de Matt Busby, que conseguiu, enfim, contratar seu querido xodó. Pelo Torino, Denis Law marcou 10 gols em 27 jogos na Série A. O Toro ficou na 7ª colocação no campeonato daquela temporada.
Os anos de ouro
Em julho de 1962, enfim, Law estava contratado pelo United. Embora tenha passado por maus bocados na Itália, uma coisa o atacante trouxe de bom: experiência para enfrentar e romper com as zagas dos times ingleses. Levando em consideração que elas eram muito mais brandas do que as italianas, logo em sua primeira temporada o escocês mostrou serviço. Após estrear marcando um gol com apenas sete minutos no empate do United sobre o West Bromwich Albion em 2 a 2, no dia 18 de agosto de 1962, ele marcou 23 gols em 38 jogos no Campeonato Inglês fundamentais para manter os Devils na elite – o time ainda estava em reconstrução desde o desastre aéreo de Munique. Mas a história foi diferente na Copa da Inglaterra de 1962-1963.
O craque marcou seis gols em seis jogos, incluindo três na goleada de 5 a 0 sobre seu antigo clube, o Huddersfield Town, na terceira fase. Ele fez ainda o tento da vitória por 1 a 0 sobre o Southampton, na semifinal, e abriu o placar na grande final vencida pelos Devils sobre o Leicester City por 3 a 1, em Wembley, que simbolizou o primeiro título da carreira do jogador. O troféu foi histórico não só por isso, mas também pelo fato de ele ter marcado contra o lendário goleiro Gordon Banks e sobre um adversário francamente favorito naquela final. O escocês ainda mandou uma bola na trave pouco antes de David Herd fechar o placar, aos 40’ do segundo tempo.
Mas o grande momento de Law em 1963 foi um singelo amistoso. É que não foi apenas um amistoso. Ele integrou a seleção do Resto do Mundo da FIFA (o FIFA XI) que enfrentou a Inglaterra no centenário da Football Association, em Wembley, no dia 23 de outubro. Law integrou um time composto por jogadores como Yashin, Djalma Santos, Schnellinger, Pluskal, Masopust, Kopa, Uwe Seeler, Di Stéfano, Eusébio, Puskás, Gento entre outros. O FIFA XI perdeu por 2 a 1, mas o gol de honra da equipe foi anotado, adivinhe, por Denis Law. Anos depois, o craque considerou essa partida amistosa como o momento mais especial de toda sua carreira.
Pela seleção escocesa, Law confirmou a ótima fase e marcou quatro gols na goleada de 5 a 1 sobre a Irlanda do Norte, em novembro de 1962; dois gols na goleada de 4 a 1 sobre a Áustria, em maio de 1963; três gols na derrota de 4 a 3 para a Noruega, em junho de 1963; um gol na goleada de 6 a 2 sobre a Espanha em plena cidade de Madrid, em junho de 1963; quatro gols na revanche de 6 a 1 sobre a Noruega, em novembro de 1963, e outro gol na vitória sobre País de Gales por 2 a 1, em dezembro de 1963. Para coroar um ano mágico, Law ainda se casou com Diana, sua eterna companheira, em dezembro daquele ano.
A temporada 1963-1964 foi ainda melhor para o atacante. Ele anotou 30 gols em 30 jogos disputados no campeonato nacional e outros 10 gols em seis jogos pela Copa da Inglaterra. O United não foi campeão – foi vice no Inglês e caiu na semifinal da Copa da Inglaterra -, mas o desempenho notável de 46 gols em 42 jogos na temporada – média superior a um gol por jogo – conduziu o escocês ao título do Ballon d’Or da revista France Football de melhor jogador da Europa. Para se ter uma ideia, ele marcou três gols ou mais em sete jogos, incluindo três gols na goleada de 4 a 1 sobre o Tottenham, quatro gols no triunfo de 5 a 2 sobre o Stoke City e três gols na vitória por 4 a 1 sobre o Sporting-POR, pela Recopa da UEFA. De fato, ele estava no topo. Mesmo em uma época com grandes lendas do esporte, o craque conseguia mostrar que era mesmo especial. Mas ele ainda tinha muitas alegrias para dar ao torcedor do United.
As taças da Trinity
Após uma temporada sem títulos, o United enfim celebrou o título nacional na temporada 1964-1965. Com 28 gols em 36 jogos – apenas um gol a menos do que o artilheiro Jimmy Greaves, do Tottenham -, Denis Law foi um dos grandes artífices do timaço que Matt Busby tinha em mãos. Com grandes nomes como Bill Foulkes, Nobby Stiles e a linha de frente composta por George Best, Bobby Charlton, David Herd e o escocês, o United foi impecável em sua campanha com o melhor ataque (89 gols em 42 jogos) e a melhor defesa (39 gols sofridos). Mesmo com seu estilo de jogo fervoroso, que às vezes gerava cartões e advertências dos árbitros, Law era uma unanimidade no time e fundamental nas táticas do técnico Busby. Ele marcou 39 gols em 52 jogos no total.
Na temporada seguinte, o jogador lesionou o joelho direito em um jogo pela Escócia, em outubro de 1965, algo que o tirou de combate por um bom tempo. O lamento dele após a lesão foi a não classificação da Escócia para a Copa do Mundo de 1966, competição que a equipe não participava desde 1958. Mesmo assim, Law ainda marcou 24 gols em 49 disputados e faturou a Supercopa da Inglaterra de 1965, no reencontro de Law com seu antigo técnico, Bill Shankly. O jogo terminou empatado em 2 a 2, Law não marcou e a taça foi dividida entre ambos, resultado que acabou fazendo bem para ambas as partes e que não “abalou” a amizade.
Na temporada 1966-1967, um fato curioso: Law pediu ao técnico Busby que lhe desse um aumento na próxima renovação de contrato e disse que deixaria o clube caso não conseguisse. Busby ficou supostamente furioso e disse que “nenhum jogador iria segurar o clube, nenhum!”. Busby obrigou Denis Law a assinar uma carta se desculpando pelo ocorrido e a publicou à imprensa. Mas, secretamente, Busby deu o aumento que tanto o jogador queria… A artimanha serviu para que outros jogadores não quisessem repetir a ação, inibindo possíveis intrigas e saídas que prejudicassem o projeto do clube de conquistar um título europeu. Feliz da vida, Law marcou 23 gols em 36 jogos e mais uma vez foi o destaque do título inglês do United, que teve o melhor ataque do torneio com 84 gols em 42 jogos.
O caneco deu ao clube uma vaga na Liga dos Campeões da UEFA de 1967-1968, competição que seria a grande vitrine para o craque, mas acabou virando um pesadelo. Ele disputou apenas três jogos, marcou dois gols e acabou de fora das semifinais e da final por causa de novos problemas no joelho. Ele recebeu injeções de cortisona para amenizar a dor, mas isso acabou aumentando o problema. A primeira cirurgia que ele havia feito quando se machucou não havia sido bem feita. Após uma nova operação, o jogador foi recebido no hospital por Matt Busby e uma ilustre companhia: a taça da Liga dos Campeões da UEFA de 1968, vencida após o triunfo por 4 a 1 do United sobre o Benfica-POR.
A saída e o gol da dor
Denis Law voltou com tudo na temporada 1968-1969 e foi o bom e velho artilheiro de outrora. No Campeonato Inglês, fez 14 gols em 30 jogos e outros sete gols em seis jogos na Copa da Inglaterra – competição que teria Law como o maior artilheiro de sua história com 41 gols, até ser ultrapassado por Ian Rush, nos anos 90. Além disso, o craque foi o artilheiro da Liga dos Campeões com nove gols em sete jogos e foi essencial na caminhada do United até a semifinal. No entanto, o sonho do bicampeonato foi por água abaixo com a eliminação diante do forte (e futuro campeão) Milan-ITA de Rivera, Prati, Lodetti, Hamrin, Trapattoni, Schnellinger e companhia. Ele marcou 30 gols em 45 jogos naquela temporada.
Ao término da temporada, Matt Busby se aposentou do comando do United, as estrelas do time minguaram e Denis Law também começou a cair de produção. Após novas contusões e poucos gols, o escocês foi colocado à venda e acabou acertando seu retorno ao Manchester City, em 1973. Ele deixou o United após 11 anos, 237 gols e uma enorme idolatria. Sem ele, o United foi presa fácil para os rivais na temporada 1973-1974 e quis o destino que o último duelo dos Devils no campeonato fosse contra o City, em Old Trafford. E, para piorar, se o United perdesse, ele corria sério risco de ser rebaixado. Dito e feito. Faltando nove minutos para o fim do jogo, Denis Law recebeu na grande área e, de calcanhar, marcou esse gol:
Ele simplesmente ficou atônito. Sabia que tinha decretado o rebaixamento de seu querido ex-clube. Law não comemorou. Foi andando até o meio de campo de cabeça baixa, envergonhado. Mas era o trabalho dele. Ele admitiu: “Eu raramente me senti tão deprimido como naquele fim de semana. Após passar 19 anos da minha vida dando tudo para marcar gols, eu finalmente marcava um que gostaria de não ter marcado”. Também pudera. Imagine ele, tão querido pela torcida a ponto de ser chamado de Rei, ter que enfrentar seu ex-clube justamente com a camisa de um rival local e ainda marcar um gol que doeu na alma e dilacerou o coração de todo torcedor do United? Foi talvez umas das poucas vezes na história do futebol (seria a primeira?) que um jogador foi consolado pelos colegas após marcar um gol.
O City venceu por 1 a 0, mas foram os resultados já confirmados da rodada que rebaixaram o time de Old Trafford após 37 anos. Os torcedores começaram a invadir o gramado indignados com a queda consumada e o juiz decidiu encerrar o duelo quatro minutos após o gol de Law e seis antes do fim do tempo regulamentar. O escocês foi substituído logo após o gol. Foi o último jogo de campeonato da carreira do craque. Justamente no palco onde ele mais vibrou e mais fez a alegria de torcedores. Ele anotou 12 gols em 29 jogos pelo City naquela temporada.
Copa e aposentadoria
Em 1974, Law viveu uma experiência marcante com a camisa da Escócia. Depois de tantas decepções em Eliminatórias, o jogador e sua nação enfim conseguiram uma vaga na Copa do Mundo. A classificação escocesa veio diante da forte Tchecoslováquia da época, na vitória por 2 a 1 em Glasgow consolidada num gol de Joe Jordan, que mergulhou para cabecear uma bola dentro da área sem chances para o goleiro, como mandava o manual de Denis Law. Nos vestiários, Denis Law olhou para os jogadores em êxtase puro e pensou no tanto que ele e outros jogadores haviam batalhado para conseguir aquela vaga. Uma pena que ela tenha chegado tão tarde.
Veterano, o jogador foi preterido na Alemanha pelo técnico Willie Ormond e só atuou na estreia, contra o Zaire (vitória da Escócia por 2 a 0, mas sem gols do craque). Law não atuou nos empates contra Brasil (0 a 0) e Iugoslávia (1 a 1) e viu sua seleção ser eliminada sem derrotas. O jogo contra o Zaire foi o último de Law com a camisa azul. Ele é até hoje o máximo artilheiro da história da seleção com 30 gols em apenas 55 jogos. Kenny Dalglish também compartilha os 30 gols de Law, mas precisou de 102 jogos para tal. A síntese do que foi jogar pela seleção Law descreveu muitas décadas depois:
“Eu adorava colocar aquela pura, linda camisa da Escócia toda vez, principalmente contra a Inglaterra. Era o melhor jogo de todos, aquele que nós, quando crianças, só ouvíamos nos rádios. Caminhar pelo gramado contra eles em Hampden Park diante daquela multidão uivante… Bem, não existem palavras para descrever isso”. – Denis Law, em entrevista ao The Scotsman (ESC), 02 de setembro de 2011.
A propósito: Law marcou três gols em nove jogos contra os ingleses, dois deles em Londres e um em Glasgow. Após o Mundial, Denis Law estava com 34 anos e o joelho muito combalido. Ele foi alertado pela diretoria do Manchester City que só teria espaço no time reserva na temporada 1974-1975. Sem concordar com aquele fim melancólico, Law optou por se aposentar de vez em 26 de agosto de 1974.
Um ídolo eterno
Após pendurar as chuteiras, Denis Law participou de vários programas esportivos, virou ativista em obras de caridade e ações sociais e recebeu inúmeras homenagens tanto em seu país quanto pelo mundo. Ganhou duas estátuas em Old Trafford – ele é o único jogador a possuir dois monumentos em sua lembrança por lá -, foi condecorado com a Ordem do Império Britânico, ganhou uma estátua em sua cidade natal, Aberdeen, foi relembrado em listas de melhores jogadores de todos os tempos e ainda inspirou o nome de um atacante ídolo de gerações: Dennis Bergkamp, que se chamaria Denis por causa de Denis Law, mas teve seu nome adaptado com um ‘n’ a mais para não soar como Denise em holandês. A inspiração goleadora fez muito bem a Bergkamp. Assim como o escocês fez (muito) bem para a história do Manchester United e do futebol. Um craque imortal.
Números de destaque:
Disputou 404 jogos e marcou 237 gols pelo Manchester United.
Disputou 55 jogos e marcou 30 gols pela Seleção da Escócia.
Marcou 333 gols em 657 jogos na carreira.
Leia mais sobre o Manchester United dos anos 1960 clicando aqui.
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