Nascimento: 02 de abril de 1971. Faleceu em 19 de abril de 1994.
Posições: Atacante e Meia
Clubes: Portuguesa-BRA (1989-1993), Grêmio-BRA (1993-empréstimo) e Vasco-BRA (1994-empréstimo).
Principais títulos por clubes: 1 Copa SP de Futebol Júnior (1991) e 1 Campeonato Paulista Sub-20 (1990) pela Portuguesa.
1 Campeonato Gaúcho (1993) pelo Grêmio.
1 Campeonato Carioca (1994-póstumo) pelo Vasco.
Principais títulos individuais:
Melhor Jogador da Copa SP de Futebol Júnior de 1991
“O Efêmero Poeta do Futebol ”
Por Leandro Stein e Guilherme Diniz
O futebol (e a vida) são feitos de um emaranhado de possibilidades. Uma escolha muda a direção e reescreve toda uma história. Um momento e o caminho se condiciona. A mente humana, errante, ainda permite olhar para trás. Permite indagar a quantidade de “e se…” que transformariam a realidade. Uma bola que não entrou, um erro de arbitragem, a falta de centímetros ou segundos a mais. Fato é: se dentro de campo algumas alternativas martelam para sempre, elas acabam sendo mais cruéis fora dele. Mais cruéis quando constatamos esta estranha mania do mundo de, repentinamente, tirar a vida de jovens com um futuro brilhante pela frente. Você deve se lembrar de alguém assim no seu bairro, na sua família, na sua escola. No futebol, cru e exposto à multidão, são várias cabeças perguntando ao mesmo tempo “e se…”. Não são poucos que lamentam por Dener Augusto de Sousa, ou simplesmente Dener. São infinitas sinapses que trabalham arquitetando o que poderia ter sido e, por um instante fatal, não foi.
Porque Dener não é apenas uma juventude que se esvaiu em uma noite, em um acidente de carro ocorrido em 19 de abril de 1994. Dener não é só o seu brilhantismo e o seu futuro, expressos naqueles poucos (e já tão resplandescentes) anos que o futebol o deixou em evidência. Dener é também o sentimento que provocava, o encantamento, a fantasia. Dener era o emaranhado de possibilidades que seu futebol gerava no pensamento de quem o assistia. E, jovem ou não, quem se fascinou invariavelmente questiona muitos “e se…” que poderiam ter acontecido com o menino revelado pela Portuguesa. Talvez sejam superestimados pelo nosso querer. Talvez sejam endurecidos por aquilo que faltou se confirmar mesmo em vida.
Com o tempo, sempre vimos por aí vários textos com “e se…” a respeito de Dener. Acontece que ele não permite, e não porque ele não garantiria uma boa história. Dener poderia render livros e mais livros. Do talento descomunal, pronto ao melhor que o futebol já viu, ao astro errático que logo cedo conviveu com os altos e baixos, que poderia ter feito mais naquele parco tempo. Estaria na Copa de 1994, algo tão improvável àquela altura? Vingaria no Stuttgart, para onde acertava sua transferência? Progrediria até o Bayern München ou faria seu caminho em outra liga? Emplacaria como um fenômeno na Espanha? Seria protagonista em 1998? Ou se tornaria uma referência em 2002? Quais outras camisas brasileiras vestiria? Até onde as escolhas frágeis o barrariam? Até onde a habilidade o levaria? O mundo, enfim, descobriria aquilo que se expressou tão precocemente? Perguntas, muitas. Todas no futuro do pretérito, dolorosamente.
No entanto, se a história deixa um vácuo ao que Dener seria, permite também relembrar o que Dener foi. Sobretudo no pretérito perfeito de seu futebol, nos lances em que não permitia quebras no tempo, no verbo puro de seus dribles. E, desta forma, as sinapses também trabalham incansavelmente. Não porque há muitos vídeos a ver, muitos fatos consumados, muitos títulos, muitas jogadas magníficas. São poucas amostras, na realidade. Mas é que o talento de Dener não se permite ser apreciado em apenas um instante. Paradoxalmente às suas arrancadas fulminantes, ele precisa ser degustado. Mesmo depois de ser interrompido, há uma chance contínua de se saborear o aperitivo que não se desgasta na hora de alimentar a imaginação. É hora de relembrar.
Sumário
O futebol é o caminho

Antes do esporte entrar na vida de Dener, ele teve que se desviar do mau caminho, más influências e superar a ausência do pai, que se separou de sua mãe quando ele tinha apenas oito anos e faleceu quando Dener tinha nove. Nascido na Zona Norte de SP, na Vila Ede, o garoto desenvolveu uma faceta que misturava alegria e um jeito brincalhão com um ar triste, um tanto acanhado, talvez por conta dessa falta da figura paterna em sua infância. Porém, seu avô, José Lourenço, assumiu a posição de “pai” do garoto e o ajudou bastante nos primeiros desafios de sua vida, quando estudava de manhã, trabalhava de tarde e jogava futebol de salão na Vila Mariana pelo Colégio Bilac – onde estudava após ganhar uma bolsa de estudos -, vencendo vários campeonatos intercolegiais.
Nas quadras, Dener desenvolveu a habilidade que seria transferida para os gramados anos depois: dribles desconcertantes, velocidade, condução de bola perfeita e passes precisos. Ele não era goleador-nato, mas sim um especialista em abrir espaços. Sinval, ex-jogador e que jogou com Dener na Portuguesa, comentou sobre o estilo do craque.
“Dener driblava para frente, com velocidade. Houve uma época em que cismaram em comparar Robinho a ele. De jeito nenhum. Era mais parecido com Neymar. Mas acho que ele fazia menos firula, era mais objetivo, mais participativo”. Sinval, em entrevista ao globoesporte.com, 15 de abril de 2014.

Quando tinha 11 anos, Dener defendeu o time mirim da Portuguesa, mas teve que abandonar a equipe para poder trabalhar e ajudar a mãe. Tempo depois, Dener viveu um momento delicado em sua vida quando acabou detido junto com outros cinco jovens, em 1987, e levado à 9ª Delegacia de Polícia no Carandiru, em SP. Ele tinha 16 anos e foi liberado dois dias depois, após intervenção do diretor do Colégio Bilac. O jovem foi encaminhado para o programa de liberdade assistida da Febem (atual Fundação Casa) e levado durante seis meses, uma vez a cada 30 dias, para consulta com assistentes sociais e psicólogos da instituição de recuperação de menores de São Paulo. Aquilo foi um ponto de virada na vida do jovem, que abandonou as más companhias responsáveis por encontrar em seu comportamento mais permissivo a brecha para aprontar e fazer coisas erradas.
Enquanto jogava pelo time do Colégio Bilac, Dener chamou atenção da Portuguesa novamente, mas batia o pé para jogar pela Lusa pelo fato de ele ganhar mais no salão do que no campo. Enquanto na Portuguesa Dener ganhava um valor “X” por mês, no salão ele recebia por jogo e o dobro. Só depois de muita conversa com a diretoria que ele decidiu abandonar de vez as quadras e se dedicar aos gramados.
Genioso e genial

Quando passou a treinar regularmente pela Lusa, em 1988, Dener já era visto como o futuro do time em busca de títulos. Ele alternava partidas pelo time profissional (pelo qual estreou em 1989) e pela equipe de base. Arisco, rápido, malandro e extremamente técnico, Dener era um pandemônio com a bola nos pés e também fora dos gramados. Vez ou outra arrumava uma história para passear ou sair de noite, além de gostar muito de samba. Seu temperamento era um problema constante, como recordou o ex-técnico Emerson Leão, que treinou a Portuguesa em 1990. “Num treino, um cara deu uma porrada nele. No outro dia, ele apareceu com uma tesoura na meia. Queria enfiar no pescoço do cara. Eu o tirei do treino”, disse Leão, em entrevista ao GE em 2014.
O extracampo de Dener sempre seria um problema que dirigentes e técnicos precisavam ficar de olho para ele não se perder como quase se perdeu na adolescência. Por isso, a família e os companheiros de Portuguesa foram essenciais nesse processo, principalmente Tico e Sinval, seus melhores amigos. Mas seria no ano de 1991 que a carreira de Dener iria explodir em definitivo.
O craque da Copa SP de Futebol Júnior de 1991

Campeã do Campeonato Paulista Sub-20 com vários jovens talentosos, incluindo Dener, a Portuguesa mandou praticamente o mesmo time para a disputa da Copinha de 1991. E a Lusa simplesmente não tomou conhecimento dos rivais: na fase de grupos, foram quatro vitórias em quatro jogos – incluindo um 2 a 0 sobre o São Paulo, time do coração de Dener -, 17 gols marcados e quatro sofridos. Na segunda fase, a Lusa venceu mais três jogos e foi para a semifinal, na qual derrotou o Goiás por 3 a 1. Na decisão, contra o Grêmio de Danrlei e Emerson, goleada de 4 a 0, com gols de Dener, Sinval, Tico e Pereira. Campeã invicta e com 100% de aproveitamento, aquela Portuguesa foi um dos maiores esquadrões da história da Copinha. Sinval, com 10 gols, e Dener, com 9 gols, foram os artilheiros da competição.
Dener foi eleito o melhor jogador da competição e ganhou as manchetes dos principais jornais do país na época. “Fenômeno”, “fora de série” e “genial” eram alguns dos adjetivos utilizados para descrever o craque. Ainda em 1991, o jovem marcou o gol mais bonito da história do Canindé, quando arrancou antes do meio de campo, driblou três rivais e os clássicos buracos no gramado e tocou na saída do goleiro. A Lusa venceu por 1 a 0.


No mesmo ano, Dener foi convocado pela primeira vez para a seleção brasileira e entrou no segundo tempo de um amistoso contra a Argentina, em Buenos Aires. Pois ele começou a jogada do terceiro gol brasileiro sobre os hermanos e garantiu o empate em 3 a 3. Falcão, técnico do Brasil na época, comentou ao GE sobre a presença do craque na equipe. “Era uma época de descobrir novos talentos, porque a safra não era boa. Via muita qualidade nele. Tinha potencial para jogar, talvez não em 1994, mas em 1998 e com potencial para 2002”. Dener foi uma das esperanças da seleção olímpica do Brasil, mas o time canarinho não conseguiu a vaga para os Jogos de Barcelona de 1992.
Campeão pelo Grêmio e retorno à Lusa

Em 1993, Dener acabou emprestado por três meses ao Grêmio, que jamais se esqueceu do show do craque na final da Copa SP de 1991. Muitos pensaram que o jovem não iria se adaptar ao frio e aos gramados enlameados do frio sulista, mas Dener deu show e ajudou o tricolor a vencer o Campeonato Gaúcho, marcando 4 gols e abrindo espaços nas zagas rivais com seus dribles e arrancadas.
“Levei muitos socos e pontapés, mas acho que aprendi a jogar no Rio Grande do Sul”, disse o jogador de 22 anos à revista Placar, em agosto de 1993. “Estou plenamente adaptado ao frio, ao vento e aos barros dos campos do Sul”.
Quem também ajudou Dener a se enturmar com tudo e todos foi o técnico do tricolor na época, Cassiá, que “enquadrou” o atacante após constantes atrasos e só o escalou em um Gre-Nal (vencido pelo Grêmio por 1 a 0) após o jovem pedir desculpas ao treinador. Luis Carlos Silveira Martins, o Cacalo, vice de futebol do clube gaúcho na época, lembrou com bom humor da rebeldia de Dener, em entrevista ao globoesporte.com, em abril de 2014.
“Foi um fenômeno no Rio Grande do Sul. Todo mundo desconfiava, mas se adaptou muito bem. Nos meus quatro anos como vice de futebol, se não foi o melhor, foi um dos três melhores que vi. […] Era uma flor de sem vergonha. Matou a avó dele umas três vezes (risos)”.

O tricolor tentou a todo custo manter Dener para a disputa do Campeonato Brasileiro, mas as negociações com a Portuguesa não fluíram e ele retornou logo depois. A Lusa conseguiu convencer o craque a voltar após atender a um inusitado pedido do atacante: ele só renovaria se a diretoria desse para ele um carro. Mas não era qualquer carro. Dener queria um Mitsubishi Eclipse, veículo raro no Brasil na época. A Lusa conseguiu e o possante virou xodó do craque, que o apelidou de “pássaro”, por conta da beleza e potência do carro.
De volta à Lusa, Dener ajudou a equipe paulista a realizar uma boa campanha no Brasileirão, chegando até os playoffs e terminando na 9ª colocação. Entre os grandes jogos, destaque para um golaço anotado contra o Santos, quando recebeu, passou a bola entre as pernas de Silva, ganhou na velocidade de outro adversário, driblou o goleiro Edinho e mandou pro fundo do gol – a Portuguesa venceu por 4 a 2.
Ida ao Vasco e surpreendendo Maradona

Em 1994, Dener foi emprestado ao Vasco da Gama e rapidamente conquistou o torcedor, que criou o bordão: “É, cafuné, é cafuné, o Dener é a mistura do Garrincha com o Pelé!”. Seu primeiro gol foi em solo internacional, em amistoso disputado contra o Newell’s Old Boys-ARG, em Rosário, clube que tinha ninguém mais ninguém menos que Diego Maradona. Em campo, Dener fez suas habituais jogadas de efeito, dribles e ajudou o Vasco a empatar em 2 a 2 com os leprosos. Maradona não escondeu sua admiração pelo brasileiro e fez questão de cumprimentá-lo após a partida. Vestindo a camisa 10, Dener foi um dos artífices do Vasco na conquista da Taça Guanabara, que ajudou o clube a consolidar o tricampeonato consecutivo do Campeonato Carioca.

Dener marcou quatro gols em 13 jogos disputados na competição e fez uma grande dupla de ataque ao lado de Valdir Bigode, além de jogar com o goleador Jardel. O técnico do Vasco na época, Jair Pereira, ressaltou as qualidades de Dener. “Ele era agudo, chegava e chegava bem, com técnica, equilibrado, chutando bem, com as duas pernas. Se ele realmente tivesse se preparado, iria para a Seleção. Talvez fosse titular em 1994 (na Copa)”. Dener disputou outros quatro jogos pelo Vasco além dos duelos no Carioca e jamais saiu derrotado: foram 17 partidas, com 10 vitórias e sete empates.
Muito cobiçado pelo futebol europeu, Dener começou a conversar no final de março, começo de abril de 1994, com o Stuttgart-ALE, clube onde jogava o volante brasileiro Dunga. A transferência do jovem estava praticamente certa, faltando apenas a assinatura do contrato. Mas o destino do craque teria um desfecho fatal.
A tragédia

No dia 17 de abril, Dener disputou seu último jogo: o empate em 1 a 1 com o Fluminense, pelo Campeonato Carioca. Ele acabou expulso e, com folga, decidiu ir para SP visitar a família. Por volta de 5h15 da madrugada do dia 19 de abril de 1994, a Mitsubishi Eclipse de Dener, dirigida pelo amigo Otto Gomes Miranda, chocou-se com uma árvore na Lagoa Rodrigo de Freitas, quase em frente ao Clube Naval Piraquê, na altura do número 2225 na Avenida Borges de Medeiros. O carro ficou assustadoramente destruído. Dener, que estava no banco do passageiro, morreu na hora após ser estrangulado pelo cinto de segurança e apresentar asfixia e fratura cervical. Ele deixou a esposa e três filhos. O amigo de Dener sofreu ferimentos graves e perdeu as duas pernas, mas não morreu. Meses após o acidente, um laudo policial confirmou que Otto havia dormido ao volante, causando o acidente. Ele morreria em 1995, assassinado na porta de sua casa por integrantes do Comando Vermelho, facção com a qual mantinha ligações.
A morte de Dener chocou o Brasil e o mundo do futebol por ser tão precoce e de forma trágica. Com apenas 23 anos e um futuro brilhante pela frente, Dener era um talento único, que poderia fazer um trio de ataque devastador ao lado de Ronaldo e Rivaldo na Copa de 1998, por exemplo. Uma série de homenagens foram feitas ao jogador, incluindo a confecção de uma placa no local do acidente e a realização da Copa Dener, durante a pausa para a Copa do Mundo de 1994, com a participação de seis clubes – Santos, Atlético-MG, Botafogo, Vasco, Cruzeiro e Portuguesa -, que jogaram com jogadores juniores e reservas. O Santos foi campeão após derrotar o Atlético na final por 4 a 2.
Após a morte de Dener, a família do jogador tinha direito a parte do dinheiro do seguro de vida do atleta, não feito pelo Vasco na época. Após um longo processo judicial, a Portuguesa recebeu a sua parte (já que havia emprestado o atleta ao cruzmaltino), porém, a família de Dener precisou legitimar a viúva do jogador, já que ambos não eram casados no papel. Após treze anos, o clube e a viúva chegaram a um acordo para o pagamento da dívida.
Um craque imortal

Quem viu Dener pela primeira vez décadas atrás continua se impressionando com o que ele causou em seus melhores momentos. Quem viu Dener pela primeira vez décadas atrás continua querendo revê-lo, seja para reinterpretar seus dribles ou para voltar a experimentar o impacto de outrora. Quem não o viu, que se surpreenda. A tal magia do futebol não se esgota. Se o tempo foi insuficiente para o jovem construir tudo o que podia, ele já o permitiu deixar uma lembrança inoxidável. É esta a chave da eternidade, ainda que o fio rompido deixe uma grande névoa sobre aquilo que seria o futuro. Dener marcou seu nome, e esta é uma verdade absoluta. Refletiu em uma geração de outros garotos como ele, imparáveis ou não, mas igualmente sonhadores e que também provocaram seus sonhos através da bola. Depois de tantos anos, podemos continuar dando asas aos nossos “e se…”. Ou então ocupar a mente revendo aquilo que deslumbra: o futebol tão repleto quanto fugaz de Dener.
Números de destaque:
Disputou 101 jogos e marcou 38 gols pela Portuguesa.
Disputou 27 jogos e marcou 4 gols pelo Grêmio.
Disputou 17 jogos e marcou 5 gols pelo Vasco.
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