Nascimento: 19 de Novembro de 1912, no Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Faleceu em 18 de maio de 2000, no Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Posição: zagueiro
Clubes: Bangu-BRA (1929-1932 e 1948-1949), Vasco-BRA (1932-1934), Nacional-URU (1933), Boca Juniors-ARG (1935-1936), Flamengo-BRA (1936-1943) e Corinthians-BRA (1944-1947).
Principais títulos por clubes:
1 Campeonato Uruguaio (1933) pelo Nacional.
1 Campeonato Carioca (1934) pelo Vasco.
1 Campeonato Argentino (1935) pelo Boca Juniors.
3 Campeonatos Cariocas (1939, 1942 e 1943) pelo Flamengo.
Principais títulos individuais:
Eleito para o All-Star Team da Copa do Mundo da FIFA: 1938
Eleito o 40º Melhor Jogador do Século XX pela revista Placar: 1999
Eleito o 80º Melhor Jogador da História das Copas pela revista Placar: 2006
Eleito um dos 1000 Maiores Esportistas do Século XX pelo jornal Sunday Times
Eleito o 43º Melhor Jogador Sul-Americano do Século XX pela IFFHS
Eleito para o Time dos Sonhos do Flamengo pela revista Placar: 2006
Eleito para a Seleção dos Sonhos do Brasil do Imortais: 2020
Eleito para o Time dos Sonhos do Flamengo do Imortais: 2021
Eleito para o Time dos Sonhos do Corinthians do Imortais: 2021
Eleito para o Time dos Sonhos do Vasco do Imortais: 2021
“Divino Mestre”
Por Guilherme Diniz
Nos anos 30 e 40, zagueiro bom era aquele que dava chutão, carrinho e que parava as jogadas adversárias de qualquer maneira, sem técnica alguma. Zagueiro ótimo era aquele que além de parar jogadas conseguia dominar a bola com certa categoria e efetuar passes para os companheiros do meio de campo, sem afobação. E havia uma categoria superior a todas as demais: a dos gênios, que paravam jogadas, sabiam dominar a bola e, acima de tudo, driblavam, iniciavam contra-ataques e olhavam para o gramado de cabeça erguida, com imponência e ar soberano. Mas existia apenas um integrante nessa categoria tão restrita: Domingos Antônio da Guia, o Domingos da Guia, maior zagueiro do futebol brasileiro em todos os tempos e um mito da grande área na América do Sul por duas décadas. Domingos tinha a essência do craque cravada em si a começar pelo nome, elegante, clássico e marcante. Já seu futebol era simplesmente mágico, exuberante e único. O craque tinha também uma cara de poucos amigos e impunha respeito e até medo nos atacantes adversários.
Em apenas um ano jogando no futebol uruguaio, pelo Nacional, Domingos ganhou o apelido que carregou por toda vida: Divino Mestre. Na Argentina, também foi mítico vestindo a camisa do Boca Juniors. Quando retornou ao Brasil se consagrou de vez com a camisa do Flamengo e levantou três troféus estaduais. Uma pena que o craque tenha disputado apenas uma Copa do Mundo, em 1938. Pois ele merecia mais, muito mais. No entanto, as poucas partidas realizadas com a camisa da seleção foram o bastante para a sua imortalidade, que foi passada de geração quando seu filho, Ademir da Guia, também cumpriu a divindade em campo. É hora de relembrar a carreira desse monstro sagrado do futebol.
Sumário
Quebrando paradigmas
A habilidade de Domingos no trato com a bola começou bem cedo, nas peladas disputadas no subúrbio de Bangu, no Rio. O jovem era um dos mais talentosos da região e sabia como ninguém dominar uma bola, driblar um adversário e sair jogando. Em 1929, Domingos começou sua carreira de futebolista no Bangu, claro, e depois de um tempo jogando como volante central foi recuado para a zaga pelo técnico Sá Pinto. Domingos não gostou, mas nem por isso deixou de ser abusado à frente do goleiro. Ele quebrava os paradigmas do “becão de cintura dura” e tratava de dar show com a bola no pé, postura reta, futebol artístico e muita categoria. Além de ser jogador, Domingos conciliava os compromissos em campo com a profissão de carpinteiro e matador de mosquitos (!). Depois de três temporadas jogando o fino no Bangu e ter estreado com apenas 18 anos pela seleção brasileira, Domingos da Guia despertou o interesse do Vasco, que o contratou em 1932. No clube da colina, o zagueiro ficou apenas um ano e voltou a despertar o interesse de vários clubes. No entanto, o craque decidiu ir para o já profissional futebol uruguaio e assinou com o Nacional. Em terras estrangeiras, nasceria o Divino.
El Maestro Divino
No Uruguai, Domingos da Guia rapidamente encantou a todos com sua classe e futebol únicos. Por não dar chutões e ser técnico ao extremo para sua posição, o zagueiro ganhou o apelido da imprensa de “El Maestro Divino”, tamanho respeito e admiração por seu futebol. Foi no clube tricolor que Domingos conquistou seu primeiro título como profissional, o Campeonato Uruguaio, com grandes atuações ao lado de José Nasazzi, capitão da Celeste campeã do mundo na Copa de 1930. Falando em Copa, Domingos perdeu a chance de disputar seu primeiro mundial em 1934 pelo fato de estar atuando no Nacional, que só liberaria o zagueiro para a seleção caso a CBD pagasse 45 contos de réis (uma fortuna para a época) ao clube, o que acabou não acontecendo. Em 1934, Domingos voltou ao Vasco e conquistou mais uma taça, a do Campeonato Carioca da LCF, com o time cruzmaltino perdendo apenas dois dos 12 jogos disputados.
Depois do título estadual, outra vez o zagueiro foi sondado por uma equipe estrangeira, dessa vez o Boca Juniors, da Argentina, que conseguiu contratar o craque para a temporada de 1935. Em terras portenhas, Domingos foi outra vez impecável e conquistou seu terceiro título em três anos: o Campeonato Argentino, fazendo uma ótima dupla de zaga com Victor Valussi e dando uma proteção “divina” ao goleiro Yustrich. O Boca foi campeão com 27 vitórias, quatro empates e apenas três derrotas em 34 jogos, com 98 gols marcados e 31 sofridos – claro, a melhor defesa da competição. No entanto, um desentendimento de Domingos com um árbitro argentino levou o zagueiro a uma suspensão de dois meses, o que motivou novas investidas de clubes brasileiros. Com propostas de Bangu, Flamengo, América-RJ e Fluminense, o Divino Mestre preferiu o rubro-negro, para onde foi em 1936.
Regularidade e a primeira Copa
No Flamengo, Domingos não conseguiu uma taça logo de cara como nas três temporadas anteriores, mas manteve o futebol de alto nível e foi beneficiado pela melhora significativa dos cartolas da seleção brasileira, que conseguiram fazer uma preparação mais adequada para a Copa do Mundo de 1938, na França. Domingos se tornou rapidamente um dos intocáveis do time ao lado do companheiro de Flamengo, Leônidas da Silva, e passou a ser convocado constantemente para o time. Depois de o Brasil se garantir no Mundial, Domingos embarcou com a delegação rumo à França para uma árdua e cansativa viagem de 15 dias a bordo de um navio.
Chegando à Europa, o Brasil teria pela frente a Polônia como primeiro adversário. E, jogando num esquema extremamente ofensivo, a equipe levou uma chuva de gols. Domingos da Guia e seu companheiro de zaga, Machado, sofreram com os buracos deixados pelo ataque e viram os poloneses marcarem cinco gols, sendo quatro de um jogador só: Wilimowski. Porém, o Brasil tinha Leônidas, que fez três dos seis gols que deram à seleção uma alucinante vitória por 6 a 5. Na partida seguinte, jogo violento e muito disputado contra a Tchecoslováquia, que terminou empatado em 1 a 1. No jogo desempate, Domingos não jogou, mas a seleção venceu por 2 a 1 e se classificou para a semifinal.
Dia para esquecer
No dia 16 de junho de 1938, em Marselha, o Brasil encarou a campeã mundial Itália em busca de uma vaga na grande final. Sem Leônidas, a seleção perdeu muita qualidade no ataque e não conseguiu criar as chances de gol que precisava. Diante de um adversário superior e muito bem armado por Vittorio Pozzo com Meazza, Piola, Ferrari e Colaussi, a equipe brasileira sucumbiu e perdeu por 2 a 1 por causa de uma falha de Domingos da Guia. Quando o jogo estava 1 a 0 para a Itália, o zagueiro brasileiro não segurou os nervos diante do provocador atacante Piola, que azucrinava o Divino desde o apito inicial, e acertou-lhe um pontapé dentro da área quando o jogo estava parado, crente que nada poderia acontecer. Porém, o árbitro suíço viu o lance e deu pênalti! Os brasileiros ficaram inconformados, mas de nada adiantou. Meazza bateu e fez o segundo gol. Na etapa complementar, Romeu diminuiu, mas era tarde. A Itália foi para a final e o Brasil teve de se contentar com o terceiro lugar após vencer por 4 a 2 a Suécia. O próprio Domingos da Guia comentou o lance tempo depois:
“O jogo estava paralisado. Piola me atingiu com um pontapé, que eu revidei. Admitiria que o juiz fosse rigoroso comigo, mas ele não podia prejudicar o time com a partida paralisada”. Domingos da Guia.
Porém, devido ao fatídico lance, uma expressão que antes era sinônimo de classe em campo, a “domingada”, ganhava uma conotação pejorativa, pois ela podia significar tanto um lance sublime como uma trapalhada…
Mesmo sem ir para a decisão, a equipe brasileira foi muito aplaudida em sua volta para casa e recebida com festa pelos torcedores naquele que fora o melhor desempenho do time em mundiais. Domingos da Guia, mesmo com o pontapé em Piola que culminou com a derrota para a Itália, foi eleito um dos melhores zagueiros da Copa. Uma pena que o craque não teria mais chances para brilhar pelo Brasil nos anos seguintes por causa da II Guerra Mundial.
Volta por cima
Passado o stress da Copa (que foi a única do zagueiro na carreira, já que nos anos 40 a guerra impediu a realização de dois mundiais), Domingos da Guia conseguiu a volta por cima conquistando títulos históricos com o Flamengo. Em 1939, venceu o Campeonato Carioca, o primeiro do clube depois de 12 anos de jejum. O rubro-negro perdeu apenas quatro dos 24 jogos disputados e brilhou com o ataque formado por Leônidas e Valido. Em 1942 e 1943, com o reforço de Zizinho, o Flamengo emendou um bicampeonato carioca inesquecível.
Em 1942, foram 20 vitórias, cinco empates e duas derrotas em 27 jogos, com 87 gols marcados (melhor ataque) e 29 sofridos (melhor defesa). No ano seguinte, uma trajetória ainda melhor com 11 vitórias, seis empates e apenas uma derrota em 18 jogos, com 51 gols marcados e 18 sofridos (outra vez a melhor defesa). O destaque foi uma impiedosa goleada de 6 a 2 pra cima do rival Vasco, com um verdadeiro show de Perácio, Pirilo e Zizinho. Foi a maior goleada que o rubro-negro aplicou no rival em toda a história do confronto.
Os últimos anos do Divino
Em 1944, o Flamengo manteve a base e foi em busca do tricampeonato, mas ele seria conquistado sem Domingos, que brigou com a diretoria do clube, se mandou para São Paulo e assinou com o Corinthians. Aos 32 anos e veterano, Domingos já não tinha a velocidade de antes, mas ainda ostentava a categoria que tanto marcou sua carreira. No Timão, o zagueiro não conquistou títulos, mas pôde encher os olhos dos torcedores com habilidade e grandes jogos. Depois de quatro anos no clube paulista e 116 partidas disputadas, Domingos da Guia acertou sua volta ao Bangu, clube que o revelou e onde encerrou a carreira em 1949.
Simplesmente uma lenda
Ao pendurar as chuteiras, Domingos da Guia arriscou uma carreira de técnico, mas sem sucesso. Aposentou-se como funcionário público e trabalhou na profissionalização de seu filho, Ademir da Guia, um dos mais talentosos meias do futebol brasileiro e um símbolo do Palmeiras (que você pode ler mais clicando aqui). Domingos da Guia passou a receber diversas homenagens em seu pós-carreira, sendo nomeado para várias seleções de todos os tempos do Brasil, da América e do Flamengo. Uma das maiores homenagens foi prestada pelo Bangu, que incluiu Domingos em seu hino no trecho:
“O Bangu tem também a sua história e glória,
Enchendo seus fãs de alegria.
De lá pra cá, surgia Domingos da Guia”.
O eterno zagueiro faleceu em 2000, aos 87 anos, no Rio de Janeiro, e deixou para o futebol um legado único de arte, exuberância com a bola nos pés e partidas inesquecíveis para um zagueiro, um ícone e exemplo para as diversas gerações que vieram depois dele. Porém, nenhum outro conseguiu igualar ou mesmo superar o futebol do Divino Mestre, comparado às obras de Machado de Assis por Gilberto Freyre e tido como um “intelectual de calção, meias e chuteiras” por José Lins do Rego. Zagueiro por acaso, nascido para ser atacante, Divino por natureza. Que seja eterno Domingos da Guia. Um craque imortal.
Números de destaque:
Disputou 223 jogos pelo Flamengo.
Disputou 30 jogos pela seleção brasileira.
O trabalho Imortais do Futebol – textos do blog de Imortais do Futebol foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição – NãoComercial – SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em imortaisdofutebol.com.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença.
Os jogadores não usavam nem número na camisa nessa época?
Nessa época não, Mateus. Só a partir dos anos 50.
Gênio,grande GÊnio