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Craque Imortal – Nasazzi

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Nascimento: 24 de maio de 1901, em Montevidéu, Uruguai. Faleceu em 17 de junho de 1968, em Montevidéu, Uruguai.

Posição: Zagueiro

Clubes: Bella Vista-URU (1922-1932) e Nacional-URU (1933-1937).

Principais títulos por clubes:

2 Campeonatos Uruguaios (1933 e 1934) pelo Nacional.

Principais títulos por seleção: 1 Copa do Mundo da FIFA (1930), 2 Medalhas de Ouro Olímpico (1924-Paris e 1928-Amsterdã) e 4 Copas Américas (1923, 1924, 1926 e 1935) pelo Uruguai.

Principais títulos individuais:

Melhor Jogador da Copa América: 1923 e 1935

Eleito para o All-Star Team da Copa do Mundo da FIFA: 1930

27º Melhor Jogador Sul-Americano do Século XX pela IFFHS

Eleito para a Seleção de Todos os Tempos da Copa América: 2011.

Eleito para a Seleção dos Sonhos do Uruguai do Imortais: 2020

 

“O maior capitão da história”

Por Guilherme Diniz

Centenas de capitães já escreveram suas façanhas no futebol mundial, ergueram taças imponentes e tiveram enorme influência perante seus companheiros de time. No entanto, jamais existiu um capitão igual ou mais ascendente do que um uruguaio forte como aço, bravo como um touro e valente como um gladiador. Com ele em campo, a Seleção Uruguaia de futebol se tornou a mais vencedora do planeta na década de 20 e início da de 30, com direito a dois títulos olímpicos e uma Copa do Mundo. Apelidado de El Mariscal (o marechal), El Capitán (o capitão) e El Terrible (o terrível), aquele zagueiro viril e imponente fazia da área seu território e impunha medo em qualquer atacante. Altas doses de companheirismo, simplicidade e humildade também eram vistas em um homem que nasceu para liderar. José Nasazzi Yarza, mais conhecido como José Nasazzi, marcou época num curto espaço de tempo e se eternizou como o primeiro caudilho do futebol sul-americano, bem como o primeiro a fazer valer como nunca a alcunha de capitão de uma equipe de futebol.

Por onde passou, Nasazzi liderou seus companheiros e não deixou de maneira alguma que o baixo astral ou o medo pudessem atrapalhar seus colegas de time. Com broncas, alertas e estímulos, o uruguaio virou lenda e levantou títulos que o transformaram no mais laureado jogador da história da seleção celeste. Além de tudo isso, foi impecável como defensor, desarmava rivais com extrema precisão, ganhava quase todas por cima e por baixo, tinha velocidade, explosão e ajudava muito bem o meio de campo com toques rápidos e sem firulas. Considerado o melhor zagueiro da história uruguaia, Nasazzi teve a honra de ser o primeiro capitão campeão mundial, em 1930, com seu semblante sereno, ávido e glorioso que serviram como bases para os outros que também conquistaram o planeta. É hora de relembrar a carreira desse ícone do esporte.

 

Filho pródigo de Bella Vista

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Nascido no bairro de Bella Vista, em Montevidéu, Nasazzi começou desde menino a ostentar a fama de “terrível” por causa dos seus olhos saltados e claros, por sua força e por sua notável impulsão. Filho de um imigrante italiano com uma vasca, o jovem começou a jogar futebol no pequenino Club Lito, entre 1918 e 1920, até ter uma chance em uma liga independente de Buenos Aires, na Argentina, onde foi capitão em várias partidas – num prenúncio do que seria sua carreira no futuro. Após disputar alguns jogos no país vizinho, Nasazzi voltou para casa e não pensou duas vezes antes de vestir a camisa amarela e branca do recém-criado Club Atlético Bella Vista, clube de seu bairro e que ele fez questão de mostrar lealdade e fidelidade por uma década.

No clube papal, Nasazzi aumentou sua fama de zagueiro eficiente, forte e líder, características que ajudaram o Bella Vista a alcançar um terceiro lugar no Campeonato Uruguaio de 1923, o primeiro da elite disputado pelo clube na história. Naquele mesmo ano, o zagueiro debutou na Seleção Uruguaia que disputaria o Campeonato Sul-Americano (atual Copa América) em casa, com todas as partidas a ser realizadas no estádio Parque Central. Embora fosse mais jovem que estrelas como Héctor Scarone e Angel Romano, Nasazzi assumiu a braçadeira de capitão por sua imensa vocação para liderar e seu incrível espírito esportivo. Com El Mariscal no comando, o Uruguai venceu os três jogos que disputou – Paraguai (2 a 0), Brasil (2 a 1) e Argentina (2 a 0) e ficou com o título, que tinha um peso enorme para os jogadores celestes. Motivo? Antes da competição, o presidente do Nacional e da Associação Uruguaia, Atilio Narancio, prometeu aos seus pupilos que se eles vencessem o campeonato sul-americano, eles iriam disputar os Jogos Olímpicos de Paris, em 1924. Não é preciso explicar a dose de entusiasmo que o time uruguaio teve depois…

 

O início do encantamento

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Como o futebol naquela década de 20 ainda era amador no Uruguai (e em dezenas de países do mundo), José Nasazzi tinha na função de cortador de mármore para o revestimento do Palácio Legislativo de Montevidéu, em construção na época, o seu ganha-pão. Apenas quando avisaram o capitão que ele estava com viagem marcada para Paris, em 1924, que ele empunhou a pesada marreta e disse: “nunca mais vou voltar a segurá-la!”. Tempo depois, o líder celeste desembarcou em território europeu para começar a escrever a maravilhosa e épica história da Celeste Olímpica. Nas Olimpíadas de Paris, então torneio mais importante do mundo, a Europa (e o mundo) passaram a admirar e a conhecer o futebol sul-americano. Na fase preliminar, o cartão de visitas foi uma goleada de 7 a 0 sobre a Iugoslávia. Na fase seguinte, outro triunfo fácil: 3 a 0, sobre os EUA. Nas quartas de final, show contra os donos da casa, os franceses: 5 a 1. Na semifinal, a vitória apertada sobre a Holanda por 2 a 1 colocou o time na decisão do ouro.

Em 09 de junho de 1924, em Colombes (comuna do subúrbio de Paris), quase 41 mil pessoas presenciaram mais uma goleada uruguaia, dessa vez por 3 a 0 sobre a Suíça, com gols de Petrone, Pedro Cea e Angel Romano. O time sul-americano conquistava pela primeira vez o ouro olímpico, e os europeus passavam a respeitar mais não só o futebol uruguaio, mas também o sul-americano, percebendo que o mundo ia além mar. Após a conquista, o time celeste fez questão de agradecer aos intensos aplausos da torcida e deram uma volta pelo gramado do estádio de Colombes, ato que fez surgir a expressão “volta olímpica” para toda equipe que celebra um título percorrendo o campo de jogo. José Nasazzi fez grandes partidas, cansou de desarmar atacantes e foi uma das estrelas do timaço que tinha, além dele, José Leandro Andrade (um dos maiores volantes de todos os tempos, que o Imortais já relembrou aqui), Héctor Scarone, Pedro Cea e Pedro Petrone.

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Quando voltou de Paris, José Nasazzi transformou sua profética frase pré-viagem em realidade. O jogador ganhou um emprego no Casinos Municipales de Montevidéu e distribuiu centenas de fichas para turistas, clientes e simpatizantes pelos anos seguintes, trabalho bem mais cômodo e elegante que as marretadas na marmoraria. Profissional ao extremo, Nasazzi jamais deixou a fama subir à cabeça e nunca negou suas origens, morando sempre no bairro de Bella Vista e subindo de cargos no trabalho como subia para roubar bolas dos atacantes. Entre 1924 e 1926, o zagueiro venceu mais dois torneios continentais com o Uruguai e integrou, por empréstimo, o time do Nacional em uma excursão pela Europa que ficou conhecida como “La Gira de 1925”, a maior excursão de um clube de futebol na história. Foram 190 dias de viagem entre fevereiro e agosto de 1925, com 38 jogos, 26 vitórias, sete empates e apenas cinco derrotas.

O time uruguaio marcou 130 gols (sendo 10 de Nasazzi, que chegou a atuar como legítimo centroavante em algumas partidas) e sofreu apenas 30, enfrentando adversários como Barcelona-ESP, seleção da Catalunha, Bélgica, Áustria, Holanda, França, Suíça, Sporting Lisboa-POR, La Coruña-ESP e muitos outros. A equipe deu show com jogadores que formavam a base da seleção do Uruguai campeã olímpica em 1924 como Andrade, Castro, Nasazzi, Scarone e Pedro Cea. O tour pelo velho continente foi emblemático para o time e ajudou ainda mais a popularizar o futebol uruguaio na época.

 

Bicampeões

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Sem rivais em território continental, os uruguaios viajaram para mais uma disputa olímpica, em 1928, dessa vez em Amsterdã, na Holanda. Com a mesma base de quatro anos antes, o time passou na primeira fase pela seleção anfitriã, por 2 a 0, e venceu a Alemanha, nas quartas de final, por acachapantes 4 a 1. Na semifinal, embate duríssimo contra a Itália de Combi, Schiavio, Rosetta, Ferraris e Bernardini, e vitória apertada da Celeste por 3 a 2. Na final, os adversários seriam os argentinos, que tinham um forte elenco com Luis Monti, Raimundo Orsi, Domingo Tarasconi e Manuel Ferreira. O jogo terminou empatado em 1 a 1 e uma nova partida foi marcada, já que na época não existia prorrogação ou disputa por pênaltis. Três dias depois, o Uruguai mostrou sua força e bateu os “hermanos” por 2 a 1, com gols de Figueroa e Scarone. Era a confirmação de que a celeste era mesmo olímpica, bicampeã, deslumbrando de vez a Europa e o mundo. Mas ainda faltava um título para transformar o Uruguai de Nasazzi em imortal: a Copa do Mundo.

 

A primeira Copa da história

Em 1914, a FIFA reconheceu as Olimpíadas como uma competição global de futebol, e decidiu organizar as disputas futebolísticas a partir de 1924, ano do primeiro ouro uruguaio. Com o bi em 1928, a entidade decidiu organizar a sua própria competição, que ocorreria no mês de julho de 1930. A FIFA escolheu o Uruguai como país sede em uma conferência na cidade de Barcelona (ESP) no ano de 1929, devido à celebração do centenário da Primeira Constituição do país acontecer exatamente em 1930, e por sua seleção ser a atual bicampeã olímpica.

Apenas 13 seleções disputaram o então desconhecido torneio, com as partidas realizadas na capital Montevidéu, a maioria no Estádio Centenário, construído especialmente para aquela competição. Não houve eliminatórias, e as inscrições eram abertas a todos os países membros da FIFA. Com isso, participaram sete equipes da América do Sul, quatro da Europa e duas da América do Norte. Por conta da longa e cansativa viagem da Europa até a América (que era feita de navio), muitas seleções não quiseram participar do torneio. As equipes foram divididas em quatro grupos, sendo que o Grupo 1 teria quatro equipes, e os outros, três cada. Os primeiros colocados garantiam vaga nas semifinais, e os vencedores iam para a final.

 

A glória do primeiro campeão mundial

Nasazzi e Fernando Paternoster, craque argentino, em 1929.
Nasazzi e Fernando Paternoster, craque argentino, em 1929.

 

Antes mesmo da estreia uruguaia na Copa, José Nasazzi mostrou sua autoridade e colaborou para a total harmonia e foco no grupo de jogadores celestes. O então goleiro titular, Andrés Mazzali, foi suspenso da competição por indisciplina ao escapar da concentração uma semana antes da Copa para supostamente visitar a família. No entanto, Nasazzi foi direto ao afirmar para a comissão técnica que, na verdade, Mazzali havia saído para “pasar la noche con una rubia”. Para seu lugar, foi convocado o goleiro Ballestrero, que fez um brilhante Mundial.

O capitão puxa a fila da Celeste: Uruguai campeão de 1930 encerrou uma geração fantástica de craques celestes.
O capitão puxa a fila da Celeste: Uruguai campeão de 1930 encerrou uma geração fantástica da equipe sul-americana.

 

Quando a bola rolou, a Celeste venceu o Peru, na estreia, por 1 a 0 (gol de Castro). No duelo seguinte, goleada por 4 a 0 sobre a Romênia (gols de Dorado, Scarone, Anselmo e Cea). Na semifinal, mais um massacre uruguaio: 6 a 1 sobre a Iugoslávia (três gols de Cea, dois de Anselmo e um de Iriarte), vitória que colocou os anfitriões na sonhada final.

Nasazzi (à esq.), recebe a placa do capitão argentino Manuel Ferreira, antes da final da Copa de 1930.
Nasazzi (à esq.), recebe a placa do capitão argentino Manuel Ferreira, antes da final da Copa de 1930.

 

Em 30 de julho de 1930, mais de 90 mil pessoas lotaram o estádio Centenário para ver a primeira final de Copa do Mundo da história. De um lado, os soberanos e donos da casa, Uruguai. Do outro, a sempre forte Argentina. O jogo começou pegado, mas o Uruguai abriu o placar com Dorado. Os Hermanos empataram com Peucelle e viraram ainda no primeiro tempo com Stábile, um dos maiores artilheiros da história da Argentina. O segundo gol argentino revoltou Nasazzi, que berrou ao juiz pelo fato de tanto Stábile quanto Ferreira estarem impedidos no lance. Sem sucesso em sua reclamação, o capitão inflamou seus companheiros para a reviravolta na segunda etapa. O Uruguai sufocou a Argentina, contou com o apoio de sua torcida, e virou o jogo para 4 a 2, com gols de Cea, Iriarte e Castro. Nasazzi foi soberano na defesa e manteve a zaga celeste intacta com suas clássicas investidas, desarmes, cabeçadas e muito espírito de luta.

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A Celeste conquistava a primeira Copa do Mundo da FIFA e chegava, definitivamente, no topo. Por ironia do destino, o maior capitão da história não levantou a primeira Copa do Mundo em campo. Como não estava previsto no regulamento, a taça foi entregue apenas nos vestiários por Jules Rimet (presidente da FIFA) ao presidente da Associação Uruguaia na época, Raúl Jude. Nasazzi só viu o cobiçado troféu bem depois da festa. Mesmo assim, foi ele o homem a ostentar a marca do primeiro capitão campeão do mundo. Ou, como os uruguaios preferem, tricampeão, contando os títulos olímpicos de 1924 e 1928.

 

Glórias no Nacional

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Depois do título e da consagração mundial, José Nasazzi mudou de ares em 1933 e foi jogar no Nacional de Montevidéu, mas não antes de doar 800 pesos para que seu querido Bella Vista construísse as primeiras tribunas de seu futuro estádio. O gesto ímpar fez com que a casa do clube passasse a se chamar, em 1934, Parque José Nasazzi, máxima homenagem que o clube papal poderia oferecer ao seu eterno capitão – que, infelizmente, não conquistou títulos enquanto vestiu a camisa amarela e branca.

No Nacional, Nasazzi jogou ao lado de grandes nomes – incluindo Domingos da Guia, clássico zagueiro brasileiro – e conquistou o Campeonato Uruguaio de 1933, que só foi decidido no ano seguinte e após quatro partidas eletrizantes entre o tricolor e o eterno rival Peñarol. Depois de três jogos empatados em 0 a 0, com várias expulsões e polêmicas, o time de Nasazzi bateu o aurinegro por 3 a 2, em 18 de novembro de 1934, com três gols de Héctor Castro. O Nacional foi campeão com a melhor defesa do torneio: 10 gols sofridos em 27 jogos, muito graças às atuações de Nasazzi e Domingos da Guia juntos. Na temporada seguinte, o capitão venceu o bicampeonato uruguaio e outra vez colaborou para que sua equipe tivesse a melhor defesa do torneio: 17 gols sofridos em 27 jogos (como efeito de comparação, a segunda melhor defesa, do Montevideo Wanderers, teve 28 gols sofridos!). Em 1937, depois de ter vencido mais uma Copa América com o Uruguai dois anos antes, Nasazzi decidiu encerrar sua carreira profissional e passou a se dedicar apenas ao trabalho no Casinos, aonde chegou à gerência máxima – como não poderia deixar de ser.

 

Marechal imortal

FIFA World Cup Final

Com pontuais aparições nos rádios e em jornais, rápida passagem como técnico do Uruguai, entre 1942 e 1945, e participações em homenagens e eventos que celebraram suas conquistas com a camisa uruguaia, José Nasazzi viveu próximo dos amigos e jamais abandonou sua Montevidéu querida. O craque se encheu de orgulho quando sua Celeste foi bicampeã mundial, em 1950, com um capitão (Obdulio Varela) tão imponente quanto ele. Sempre solícito e companheiro, fez amizades verdadeiras e deixou um país inteiro aos prantos quando não conseguiu vencer um grave problema no esôfago que tirou sua vida, em 17 de junho de 1968, aos 67 anos. O adeus do eterno Capitán deixou o Uruguai órfão de um homem heroico, vencedor e que nasceu com uma braçadeira de capitão cravada na pele de seu braço. Nascido para liderar e para vencer, José Nasazzi foi uma lenda do futebol. E um craque imortal.

 

Números de destaque:

Disputou 41 jogos pela Seleção Uruguaia.

Disputou 106 jogos e marcou 10 gols pelo Nacional.

Nas sete conquistas que teve com a camisa do Uruguai, Nasazzi jamais perdeu um jogo sequer. Foram 27 jogos, 25 vitórias e dois empates.

 

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