Nascimento: 1º de abril de 1946, em Fusignano, Itália.
Times que treinou: Rimini-ITA (1982-1983 e 1984-1985), Fiorentina-ITA (1983-1984), Parma-ITA (1985-1987 e 2001), Milan-ITA (1987-1991 e 1996-1997), Seleção Italiana (1991-1996) e Atlético de Madrid-ESP (1998-1999).
Principais títulos por clubes: 1 Campeonato Italiano – Série C (1985-1986) pelo Parma.
2 Mundiais Interclubes (1989 e 1990), 2 Ligas dos Campeões da UEFA (1988-1989 e 1989-1990), 2 Supercopas da UEFA (1989 e 1990), 1 Campeonato Italiano (1987-1988) e 1 Supercopa da Itália (1988) pelo Milan.
Principais títulos individuais:
Eleito o Melhor Técnico Italiano de Todos os Tempos e o 11º no Mundo pelo jornal The Times: 2007
Eleito para o Hall da Fama do Futebol Italiano: 2011
Treinador do Ano na Itália: 1988 e 1989
UEFA President’s Award: 2022
Eleito para a Seleção dos Sonhos da Itália do Imortais: 2020
Eleito para o Time dos Sonhos do Milan do Imortais: 2021
“Revolucionário do Calcio Totale”
Por Guilherme Diniz
Dos grandes treinadores que já tivemos (e ainda temos) no futebol mundial, muitos foram jogadores profissionais ao menos uma vez. Não necessariamente craques, mas foram. Só que houve um desses grandes técnicos que fez o caminho inverso e, mesmo sem nunca ter chutado uma bola, conduziu com maestria um grupo rossonero a marcar época como um dos esquadrões mais fantásticos e imbatíveis da história do futebol mundial: Arrigo Sacchi, o risonho e excêntrico carequinha italiano que fez do Milan o melhor time do planeta entre 1988 e 1990. Inteligente, criativo, polêmico e à frente de seus rivais, Sacchi revolucionou o futebol italiano numa época em que todos só falavam de líberos, 3-5-2, defesa, defesa e defesa. O treinador inovou ao criar um 4-4-2 extremamente ofensivo, com seus jogadores marcando por zona e reduzindo os espaços do campo. Com isso, os adversários caíam constantemente na linha de impedimento milanista e quando recuperavam a bola não tinha espaço para trocar sequer três, quatro passes. Jogar contra aquele time era terrível. Ainda mais com jogadores como Baresi, Maldini, Ancelotti, Rijkaard, Gullit e van Basten. Sacchi provou em apenas três anos que era possível, sim, ser um técnico genial, vitorioso e eterno sem nunca ter sido jogador. Para os críticos, ele sempre tinha uma frase na ponta da língua:
“Não sabia que para ser jóquei era preciso ser cavalo antes”.
Não tinha um jornalista ou comentarista que ousava retrucar… Curiosamente, depois de sua saga no Milan, Sacchi não conseguiu repetir a sina vitoriosa e fracassou quando tentou fazer na seleção da Itália o que fizera no Milan. Mas não tinha problema. O papel do italiano já havia sido cumprido com maestria, sendo referência até hoje como um dos maiores treinadores do futebol e que emociona os amantes do esporte quando relembram as façanhas do Milan. É hora de relembrar.
Sumário
Chuteira no canto e prancheta na mão
Depois de estudar contabilidade, ser vendedor de sapatos e viajar com o pai (dono de uma fábrica de calçados) por feiras do setor, Sacchi decidiu migrar para a carreira futebolística aos 26 anos. Espere um pouco. Que jogador começa a jogar bola aos 26 anos de idade? E quem disse que ele queria ser jogador? Ele queria era mandar nos jogadores, com a prancheta na mão! Sacchi começou, claro, bem debaixo, em times amadores. Suas inspirações eram as melhores possíveis, afinal, o jovem cresceu assistindo a exibições de gala de equipes como o Real Madrid de Di Stéfano, a Hungria de Puskás, o Brasil de Pelé e Garrincha e a maior inspiração de todas: a Holanda de Cruyff e o “Futebol Total”, aquele do rodízio, do carrossel, dos imparáveis laranjinhas. Com base na mais pura essência do futebol vistoso e competitivo, Sacchi foi subindo degraus até chegar ao Rimini, pequenino clube onde fez um grande trabalho nas divisões inferiores do Calcio e despertou o interesse da Fiorentina, que o levou para comandar as equipes de base.
Tempo depois, foi a vez de o Parma contratar o técnico para tentar subir da Série C para a Série B. E Sacchi conseguiu. Com apenas três derrotas em 34 jogos, o Parma subiu de divisão, mas não foi o desempenho na Série C o grande trabalho de Sacchi, mas sim na Copa da Itália de 1986-1987, quando o pequeno clube surpreendeu um ascendente Milan e o derrotou em pleno San Siro por 1 a 0. Na fase eliminatória, as duas equipes voltaram a se enfrentar e de novo o Parma de Sacchi bateu o Milan no San Siro por 1 a 0 e segurou o empate sem gols na volta para se classificar heroicamente para as quartas de final, quando caiu diante da Atalanta. Mas o trabalho de Sacchi já havia sido notado por ninguém mais ninguém menos que Silvio Berlusconi, o chefão do Milan, que ficou encantado com aquele jovem que fazia seu time, mesmo limitado, a jogar pra frente sem descuidar da defesa, priorizando a posse de bola e a marcação em zona, dificultando as ações dos adversários. Por isso o Milan sequer marcou gols no Parma de Sacchi. Berlusconi não pensou duas vezes e assinou com o carequinha já em 1987. Mal sabia o dirigente rossonero que ele havia contratado o melhor técnico da história do Milan.
A transformação
Arrigo Sacchi chegou ao Milan e foi logo tendo que conviver com a desconfiança da imprensa de Milão, que questionava o novato treinador pelo fato de ele nunca ter sido jogador profissional. Foi exatamente nessa época que Sacchi criou o termo do “jóquei” citado no começo deste texto. Sempre sorrindo, o treinador preferiu dar um cala a boca aos críticos com trabalho. Ao chegar ao clube rossonero, Sacchi gostou do que viu. Muito, na verdade. A equipe tinha craques em todas as posições do campo e ainda um banco de reservas muito útil para a disputa de competições simultâneas. Era o cenário ideal para que ele aprimorasse sua ideia do “Calcio Total”. Com o Milan, Sacchi fez dos treinamentos táticos algo mágico e fundamental para aquela equipe dar liga. Ele exigia o máximo de atenção ao posicionamento dentro das quatro linhas, sempre organizado e coeso.
O meio de campo deveria atacar e defender com a mesma eficiência, a defesa se adiantar e ficar sempre atenta aos comandos de Baresi para que as linhas de impedimento funcionassem e os atacantes tinham a missão de transformar em gols todo o esforço do conjunto. Com isso, os treinos do Milan viraram verdadeiros shows, com megafones, anotações de posicionamentos táticos e muita ênfase no coletivo e na precisão. Isso tudo resultou num esquema 4-4-2 (ou 4-4-1-1) ofensivo, impecável e letal. O Milan estava pronto para não deixar adversário algum jogar em espaços abertos. O campo era encurtado. Jogadores marcavam em zona. Trocar mais que três passes era tarefa quase impossível, a não ser para o Napoli de Maradona ou a Sampdoria de Mancini, os únicos que conseguiram, ainda esporadicamente, burlar aquele esquema com genialidade, esta também presente no Milan graças a grandeza técnica do trio holandês Rijkaard-Gullit-van Basten, sem dúvida alguma o maior símbolo de uma era vitoriosa que começaria já na primeira temporada de Sacchi no clube rossonero. Estava feita a revolução.
Scudetto como aperitivo
Na temporada 1987-1988, o Milan mostrou seu cartão de visitas ao conquistar o Campeonato Italiano. O time venceu 17, empatou 11 e perdeu apenas dois dos 30 jogos disputados. A equipe marcou 43 gols e sofreu apenas 14, tendo a melhor zaga da competição. Vale destacar as vitórias sobre o Napoli, que brigou com o time de Milão pelo título, tanto em casa (4 a 1) quanto fora (3 a 2 – esta o jogo do título praticamente, há três rodadas do fim), além de um 2 a 1 na Sampdoria em Milão e um 1 a 0 na Juventus em Turim. O título logo de cara serviu para que Sacchi mostrasse a todos que não estava de brincadeiras. A conquista levou sua equipe à disputa da Liga dos Campeões da UEFA de 1988-1989.
Obsessão europeia
Na temporada 1988-1989, Sacchi colocou como objetivo principal a disputa europeia. Fazia muito tempo que o Milan não levantava um caneco da Liga – mais precisamente 20 anos, desde o baile pra cima de um novato Ajax de Rinus Michels. Por conta disso, o Campeonato Italiano ficou em segundo plano (com o rossoneros em terceiro, atrás de Inter e Napoli), mas o time ainda conquistou a Supercopa da Itália ao vencer a Sampdoria por 3 a 1 (gols de Rijkaard, Mannari e van Basten). Na estreia da Liga, o Milan despachou facilmente o Vitosha-BUL por 7 a 2 no placar agregado. Na fase seguinte, o adversário foi o Estrela Vermelha-IUG, que vendeu caro a eliminação, que só saiu nos pênaltis após empate em 1 a 1 nos dois jogos. Nas quartas de final, a equipe eliminou os alemães do Werder Bremen ao vencer por 1 a 0 no placar agregado.
Era hora da semifinal. O time teria um grande desafio pela frente ao encarar o poderoso Real Madrid de Hugo Sanchéz e Butragueño. Na primeira partida, em Madrid, o empate em 1 a 1 deixou o confronto aberto para a decisão no San Siro. Foi então que Arrigo Sacchi mostrou ao mundo como se jogava futebol. O Milan protagonizou naquela noite de 19 de abril de 1989 uma das partidas mais sensacionais de sua rica história, senão a maior de todas. O time de Milão encurralou o Real em seu campo de defesa, não deu espaços e criou inúmeras chances de gol. Ancelotti abriu o placar aos 17´. Aos 24´, Rijkaard, de cabeça, fez o segundo. Aos 45´, Gullit marcou o terceiro. Logo no começo do segundo tempo, uma jogada totalmente holandesa: passe em profundidade de Rijkaard, ajeitada de cabeça de Gullit, domínio e chute de van Basten: 4 a 0.
Pouco tempo depois, jogada pela direita e chute de Donadoni para fechar o baile: 5 a 0. Estava sacramentado o lugar do Milan na final e um dos maiores espetáculos da Liga dos Campeões da UEFA em todos os tempos, bem como uma das maiores derrotas do Real Madrid na competição. Aquele jogo foi marcante por mostrar que o Milan era o maior time do mundo e que Arrigo Sacchi era genial. Seu “Calcio Totale” funcionava magnificamente e precisava apenas de mais um passo para a glória internacional.
Novo baile e o título europeu
Não havia palco mais apropriado para o Milan coroar uma temporada marcante e levantar seu terceiro título europeu naquele dia 24 de maio de 1989: o Camp Nou, em Barcelona. De um lado, os rossoneros de Sacchi. Do outro, o melhor time romeno da história, o Steaua Bucareste de Hagi, Piturca, Lacatus, Bumbescu e Stoica. Todos esperavam uma final disputada, ainda mais pelo histórico do Steaua de se armar muito bem na defesa. Porém, o Milan de Arrigo Sacchi massacrou a equipe romena logo no primeiro tempo ao fazer 3 a 0 com dois gols de Gullit e um de van Basten. Na segunda etapa, os italianos marcaram o quarto gol logo com um minuto (van Basten de novo) e decretaram a goleada por 4 a 0. Marco van Basten foi o artilheiro do torneio com nove gols e mostrou que, quando estava bem fisicamente, era mesmo sensacional. O Milan se tornava o time italiano com o maior número de Ligas europeias (3) e se consagrava como o melhor do continente e do mundo.
Papa títulos
Entre novembro e dezembro de 1989, o Milan de Sacchi faturou mais dois títulos. O primeiro foi a Supercopa da UEFA, após empate em 1 a 1 com o Barcelona-ESP na Espanha e vitória por 1 a 0 em Milão (gol de Evani). Em dezembro, foi a vez da conquista do título mundial com nova vitória por 1 a 0 sobre a retranca do Atlético Nacional-COL de Higuita, que levou um gol de falta de Evani no penúltimo minuto da prorrogação. Vale lembrar que o Milan não atuou com força máxima nesse jogo para poupar suas estrelas. Que luxo!
O histórico bicampeonato
Na temporada 1989-1990 Sacchi voltou a priorizar a Europa, mas por pouco não levou o Scudetto. Seu Milan foi vice-campeão com apenas dois pontos atrás do Napoli, principal rival da equipe no torneio. Os confrontos entre Maradona/Careca e van Basten/Gullit sempre levava milhares de torcedores aos estádios San Siro e San Paolo, casas dos dois clubes. Na Serie A daquele ano, foram duas categóricas vitórias para cada lado: 3 a 0 para o Napoli no primeiro turno, em Nápoles, e 3 a 0 para o Milan no segundo turno, em Milão (gols de Massaro, Maldini e van Basten). O Milan ainda venceu a rival Inter por 3 a 0 no primeiro turno com gols de Fuser, Massaro e van Basten, este último o artilheiro da competição com 19 gols. Mesmo com o vice, Sacchi não se abalou e conduziu seu time com maestria na Liga dos Campeões.
A equipe eliminou na estreia do torneio continental o Helsinki-FIN com fáceis 5 a 0 no placar agregado. Na fase seguinte, uma das vítimas do ano anterior: o Real Madrid-ESP. A equipe espanhola perdeu o primeiro jogo por 2 a 0 e não conseguiu reverter a vantagem em casa, ao vencer por apenas 1 a 0. Nas quartas de final, o adversário foi o duríssimo Mechelen-BEL que tinha como destaque o excelente goleiro Preud´Homme, que simplesmente parou o ataque do Milan. Após empate sem gols na Bélgica, o Milan sufocou de maneira absurda o adversário no San Siro e só venceu na prorrogação por 2 a 0. A valentia do Mechelen naquele jogo foi coisa de cinema. Na semifinal, o Milan encarou o Bayern München-ALE. Em Milão, vitória rossonera por 1 a 0, gol de van Basten. Na volta, em Munique, o jogo foi muito disputado e decidido apenas na prorrogação. O Bayern venceu por 2 a 1, mas o gol fora marcado por Borgonovo colocou o time italiano pela segunda vez seguida na final.
O Milan decidiu contra o Benfica (POR), em Viena-AUT, o título europeu de 1990. A final teve predominância novamente do time de Sacchi, que era bloqueado pelo paredão brasileiro Ricardo Gomes/Aldair na zaga portuguesa. Mas, no segundo tempo, o volante Frank Rijkaard avançou pelo meio de campo como elemento surpresa e tocou na saída do goleiro Silvino para fazer, aos 68´, o gol do título e do bicampeonato europeu. Era a consagração de uma equipe técnica, rápida e mortal.
Bi mundial
Depois do bicampeonato europeu, o Milan despachou a Sampdoria na final da Supercopa da UEFA com um empate em 1 a 1 no primeiro jogo e uma vitória por 2 a 0 em casa (gols de Gullit e Rijkaard) e ficou com o título. No final do ano, foi a vez de buscar mais um título mundial e tentar a façanha de ser o primeiro clube europeu tricampeão do mundo, façanha que era até então restrita aos uruguaios Peñarol e Nacional. E foi fácil. A equipe enfrentou o Olimpia-PAR, campeão da Libertadores de 1990, e a final apitada pelo brasileiro José Roberto Wright teve vitória incontestável do Milan por 3 a 0, com 2 gols de Rijkaard e um de Stroppa. Era o Milan tricampeão do mundo, bi consecutivo. Com tantas glórias em tão pouco tempo, o clube de Milão começaria a ficar pequeno demais para Sacchi.
Salvador da pátria
Em 1991, depois de o Milan cair na Liga dos Campeões da UEFA e ficar novamente com o vice-campeonato nacional, Arrigo Sacchi deixou o clube e aceitou uma proposta da Federação Italiana para assumir o comando da Squadra Azzurra. Era a primeira vez que a FIGC (Federazione Italiana Giuoco Calcio) pagava um salário acima da média para um treinador, tamanha a badalação de Sacchi na época. A missão do risonho carequinha era remontar a seleção e classificá-la para a Copa do Mundo de 1994, já que a equipe estava fora da Eurocopa de 1992. Sacchi tentou rapidamente implantar seu estilo e suas táticas no selecionado azul e torná-lo uma cópia do Milan, mas a tarefa seria bem difícil. Para começar, não ter Rijkaard, Gullit e van Basten vestindo azul era uma enorme perda.
Sem o trio, seria preciso buscar jogadores que tivessem um pouco da genialidade dos holandeses. Sacchi testou Signori, Casiraghi, Vialli, Eranio, Dino Baggio, Roberto Mancini, Roberto Baggio… Mas a Itália não conseguia repetir o Milan e sua pressão, beleza e “Calcio Totale”. Mesmo assim, o treinador conseguiu bons resultados no início de seu trabalho (vitória por 1 a 0 sobre a então campeã mundial Alemanha, 2 a 0 na Irlanda, 3 a 2 na Holanda e 2 a 0 no México) e classificou a Itália para a Copa. Outro fator positivo foi fazer o torcedor italiano voltar a vibrar pela seleção depois do fiasco da equipe pós-Copa de 1990. Enfim, no ano de 1994, o treinador tinha o maior desafio de sua carreira: disputar e vencer uma Copa do Mundo da FIFA.
Quando o coletivo não ajuda… Baggio resolve!
Na Copa, Sacchi começou da pior maneira possível: derrota na estreia para a Irlanda por 1 a 0, contusão série de seu capitão, Franco Baresi, e Roberto Baggio longe da melhor forma, além de rusgas que resultaram na não convocação de Gianluca Vialli, célebre atacante que vivia grande fase na época, mas que não integrou a seleção por brigas com Sacchi. Na partida seguinte, novo drama: logo no começo do jogo, o goleiro Pagliuca pegou a bola com a mão fora da área e foi expulso. Obrigado a tirar um jogador de linha para colocar o goleiro reserva Marchegiani, Sacchi sacou… Roberto Baggio! Ninguém entendeu nada e o atacante, estrela da Azzurra, tornou pública sua insatisfação. Para a sorte de Sacchi, a Itália venceu por 1 a 0, gol de Dino Baggio. Na partida decisiva, empate em 1 a 1 com o México que garantiu a Itália nas oitavas de final. No sufoco, como manda o manual italiano de Copas do Mundo.
Na segunda fase, Sacchi teve de abrir mão de sua filosofia do coletivo e do 4-4-2 ofensivo para apostar no talento individual de um homem: Roberto Baggio. Era visível que a Itália era uma com Baggio fazendo o que sabia e outra com Baggio preso às táticas de Sacchi. Dito e feito. No confronto contra a Nigéria, Baggio marcou os dois gols que deram a vitória por 2 a 1 e a classificação. Nas quartas de final, duelo difícil contra a Espanha, mas vitória por 2 a 1, com mais um gol de Baggio. E na semifinal, claro, Baggio mais uma vez liquidou a fatura em apenas quatro minutos, quando marcou um gol aos 21´e outro aos 25´do primeiro tempo, selando a vitória por 2 a 1 contra a Bulgária de Stoichkov. A Itália estava na final. Mesmo jogando um futebol avesso ao do grande Milan, Sacchi havia cumprido parte de seu trabalho, que era levar a seleção à decisão. Só que haveria um último e decisivo teste: o Brasil de Romário e Bebeto.
Faltou talento. E sorte.
Na decisão, no estádio Rose Bowl, em Los Angeles (EUA), Itália e Brasil fizeram uma das finais mais dramáticas dos mundiais, disputada sob um calor descomunal que passava dos 35 graus. Sacchi viu sua equipe pouco agredir o Brasil, que tinha vantagem justamente onde a Itália era carente: no ataque. Romário e Bebeto eram perigosos, amparados por Zinho e Cafu. Mas o setor defensivo italiano era instransponível. Maldini tirava todas com técnica, classe e segurança. Baresi, que retornava da operação no joelho exatamente naquela final, não desgrudava de Romário por um segundo, rendendo elogios do próprio baixinho como “a maior marcação que recebera em toda carreira”. Para coroar, o goleiro Pagliuca tinha a sorte (e as traves) ao seu lado. Resultado: 0 a 0 em 120 minutos de jogo.
A final da Copa do Mundo de 1994 teria que ser decidida nos pênaltis. Nas cobranças, Baresi perdeu, Massaro parou em Taffarel e Roberto Baggio, o herói que conduziu a Itália até aquela final, isolou: Brasil 3×2 Itália. A seleção verde e amarela conquistava seu tetracampeonato mundial, assim como conquistara o tri: em cima da Itália, vice-campeã. Arrigo Sacchi sofria seu primeiro grande baque na carreira e via sua filosofia e sua aclamada tática não darem certo. Ficava a lição: se você não tem as peças certas, de nada adianta possuir a melhor e mais eficiente tática. Aquela Itália tinha tática de sobra, transbordavam ideias da cabeça de Sacchi, mas faltava algo essencial: um conjunto de talento.
Anos para esquecer
Depois do indigesto revés na Copa, Sacchi permaneceu no comando da Itália até 1996, quando caiu ainda na primeira fase da Eurocopa e deixou a equipe. Depois da Itália, Sacchi voltou ao Milan, mas não repetiu o desempenho de outrora e perambulou por Atlético de Madrid e Parma, onde encerrou a carreira de treinador em 2001.
Um trabalho único e imortal
Arrigo Sacchi deixou de ser treinador para virar um dirigente esportivo de sucesso a partir de 2001, no Parma, e depois no Real Madrid, além de ser comentarista e viver no mundo do futebol até hoje. Mesmo sem sucesso depois da Copa de 1994, Sacchi fez um único trabalho se tornar eterno. O que o italiano fez no AC Milan entre 1988 e 1990 ficou marcado para sempre pelo modo como aquele time jogava, pelos títulos conquistados e pela beleza e força do futebol aplicado.
A importância e peso daquele Milan foram tão grandes que a revista World Soccer elegeu o clube o mais poderoso de todos os tempos, além de nomear o esquadrão de Sacchi o quarto melhor time da história, atrás apenas da Holanda de 1974, da Hungria de 1953-1954 e do Brasil de 1970. Por ter conquistado tantos títulos, ter transformado para sempre o futebol italiano naquele final de anos 80, ter comprovado em campo que ainda era possível inovar no futebol com ofensividade e disciplina e por construir uma obra prima vestida em vermelho e preto, fica fácil entender a importância de Sacchi para o mundo do futebol. É como ele mesmo disse uma vez:
“A vitória poderá ficar nos livros, mas a maneira como ela foi conquistada ficará para sempre na mente das pessoas”.
Falou tudo, Arrigo. Um Técnico Imortal.
Curiosidades:
- Nas duas passagens que teve no Milan, Sacchi comandou o time em 220 jogos, venceu 113, empatou 69 e perdeu apenas 38.
- Sacchi é o terceiro treinador que mais títulos venceu com o Milan: 8 taças, ficando atrás apenas de Fabio Capello (9) e Nereo Rocco (10) – vale lembrar que ambos tiveram mais longevidade no comando rossonero que Sacchi.
- O treinador comandou a Seleção da Itália em 53 jogos. Venceu 34, empatou 11 e perdeu 8, com 90 gols marcados e 36 sofridos. Desde Enzo Bearzot, nas décadas de 1970 e 1980, Sacchi é o treinador com melhor aproveitamento de gols marcados no comando da Azzurra.
Leia mais sobre o Milan de Sacchi clicando aqui!
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Não ganhou Copa de 1994 por causa das brigas, aquele ataque seria Vialli e Baggio nem Taffarel conseguiria parar
Sacchi foi brilhante mesmo, o erro dele em 1994 foi além de não ter levado o Vialli, foi não ter apostado mais em Zola, que poderia ser o melhor companheiro para Baggio, muito melhor que o Massaro. Donadoni estava muito longe dos melhores momentos dele, Albertini poderia ter sido melhor explorado, pela técnica incrivel e excelente leitura de jogo. Mas chegou tão perto da glória. Gostei demais do texto, mesmo comentando tanto tempo depois. Parabéns pelo fantástico trabalho!
Muito obrigado pelo comentário e pelos elogios, Douglas! 🙂
Meus parabéns a todos os responsáveis. Mais outro trabalho incrível ! E aproveitando a oportunidade, poderiam fazer o “craque imortal” com Giancinto Facchetti, Alessandro Costacurta, Giuseppe Bergomi enter outros grandes craques. Um abraço a todos.
Valeu, Gabriel! Pode deixar que logo mais faremos a semana dos italianos no blog. Fique ligado!