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Seleções Imortais – Camarões 2000-2003

O time de 2000. Em pé: Kameni, Nguimbat, Lauren, Womé, Abanda e Geremi. Agachados: M’Boma, Mimpo, Branco, Eto’o e Alnoudji.
 

Grandes feitos: Bicampeã da Copa Africana de Nações (2000 e 2002), Medalha de Ouro nos Jogos Olímpicos de Sydney (2000) e Vice-campeã da Copa das Confederações da FIFA (2003).

Time-base: Alioum Boukar (Kameni); Rigobert Song (Nguimbat), Raymond Kalla (Abanda / Kome) e Njanka (Branco / Epalle / Bill Tchato); Geremi, Lauren, Marc-Vivien Foé (Alnoudji), Pierre Womé (Modeste M’Bami) e Olembé (Mimpo); Patrick M’Boma (N’Diefi) e Samuel Eto’o. Técnicos: Pierre Lechantre (2000-2001), Jean-Paul Akono (2000) e Winfried Schäfer (2001-2003). 

 

“O Retorno dos Leões Indomáveis”

Por Guilherme Diniz

No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, a seleção de Camarões surpreendeu o mundo do futebol ao alcançar as quartas de final da Copa do Mundo da Itália, o que fez dela a primeira nação africana a atingir tal estágio na história do torneio. Comandada por N’Kono, Tataw, Ebwellé, Omam-Biyik e Roger Milla, os camaroneses se tornaram os “Leões Indomáveis” e colocaram de vez Camarões no mapa do futebol. Algum tempo se passou e a equipe perdeu a intensidade de antes e apenas figurou nas Copas do Mundo de 1994 e 1998. Mas, na virada do milênio, os Leões retornaram de maneira triunfal e não apenas fizeram boas campanhas, como também levantaram títulos. 

Primeiro, a Copa Africana de Nações de 2000, sobre a anfitriã Nigéria, de Okocha, Oliseh e Kanu, que encerrou um jejum de 12 anos sem taças na competição. No mesmo ano, os Leões deram à África mais um Ouro Olímpico no futebol, quando derrotaram a poderosa Espanha de Xavi, Puyol, Marchena, José Mari e Capdevilla na final. E, em 2002, o bicampeonato da Copa Africana veio nos pênaltis, após duelo tenso contra Senegal, que seria um dos oito melhores da Copa do Mundo da Coreia do Sul e do Japão. Com uma nova geração de craques, Camarões foi uma das mais fortes seleções de sua época e brilhou graças ao imortal Samuel Eto’o, ao capitão Rigobert Song, ao talentoso Lauren, ao volante Marc-Vivien Foé, ao polivalente Geremi e ao atacante M’Boma. É hora de relembrar.

Talentos na área

Samuel Eto’o, craque camaronês.
 

Após a entressafra vivida entre 1990 e 1998, que começou exatamente após a campanha mágica na Copa do Mundo da Itália, Camarões buscava um novo rumo para voltar a brilhar no futebol. Com as campanhas pífias nos Mundiais dos EUA e da França e ainda na Copa Africana de 1996 – quando sofreu sua pior derrota na história do torneio, um 3 a 0 para a África do Sul, e foi eliminado na fase de grupos -, o time camaronês via a ascensão da Nigéria não só em território africano, mas também no cenário mundial, pois os Águias conseguiram em 1996 o Ouro Olímpico, desbancando pelo caminho os favoritos Brasil e Argentina.

O alento era que uma nova geração de bons atletas começava a despontar no futebol de clubes e poderia ajudar bastante a seleção. O zagueiro Rigobert Song, do Liverpool, era a primeira escolha na proteção defensiva do time. O versátil Geremi, que em 2000 jogava no Real Madrid, era um dos mais inteligentes do time no quesito tático. Lauren, lateral-direito do Mallorca e que viria a jogar no Arsenal, era outro que esbanjava qualidade na marcação e também nos passes. Marc-Vivien Foé, meio campista do West Ham United, se sobressaia nas jogadas aéreas, tinha grande visão de jogo e qualidade nos passes. Mas era no ataque que um jovem de apenas 18 anos prometia muito: Samuel Eto’o, rápido, driblador, destemido, oportunista e que na época tinha passe pertencente ao Real Madrid. 

Geremi…
 
… E Lauren.
 

Com um time competitivo e no comando da equipe desde 1999, o técnico Pierre Lechantre teve como desafio a Copa Africana de Nações de 2000, na Nigéria, para fazer aquele time desempenhar um bom papel já visando o Pré-Olímpico e as Eliminatórias para a Copa de 2002. A anfitriã Nigéria era a favorita por vir do título olímpico de 1996 e ter no plantel nomes como Taribo West, Babayaro, Finidi George, Okocha, Oliseh e Kanu. Mas Camarões, destemido, sabia do seu potencial. E queria ir longe.

Rumo à final

A Copa Africana de 2000 teve duas nações anfitriãs: Nigéria e Gana. E foi nesta última que Camarões começou sua caminhada no Grupo A, ao lado de Gana, Costa do Marfim e Togo. Na estreia, em Acra, os Leões empataram em 1 a 1 com os ganeses. Na sequência, Kalla, Eto’o e M’Boma fizeram os gols da vitória por 3 a 0 sobre Costa do Marfim. E, no último jogo do grupo, a derrota por 1 a 0 para Togo foi insuficiente para tirar a vaga dos camaroneses, que avançaram em 1º lugar graças ao saldo de gols – curiosamente todos do grupo terminaram com quatro pontos, mas Camarões e Gana avançaram. 

Nas quartas de final, ainda em Acra, Camarões encarou a Argélia e venceu por 2 a 1, gols de Eto’o e Foé. Nas semis, triunfo categórico contra a Tunísia: 3 a 0, dois gols de M’Boma e um de Eto’o, e vaga na final. Era hora de buscar um título que não vinha desde 1988. E de viajar pela primeira vez à Nigéria na competição para encarar justamente a outra anfitriã…

Reis da África!

A Nigéria estava invicta naquela Copa Africana de Nações. Após superar Tunísia, Marrocos e Congo na fase de grupos, os Águias eliminaram Senegal (2 a 1) e África do Sul (2 a 0) e chegaram à final com o favoritismo nas alturas. Com o time completo, os Águias eram mais experientes, entrosados e realmente tinham tudo para levar o troféu, ainda mais por ter quase toda a torcida do Estádio Nacional de Lagos – tomado por 60 mil pessoas – ao seu lado naquele dia 13 de fevereiro de 2000. Porém, quando a bola rolou, Camarões foi quem ditou o ritmo do jogo e não deixou as estrelas nigerianas aparecerem. 

Com uma marcação muito eficiente e Foé dominando o meio de campo, os Leões foram pra cima e, após M’Boma sofrer falta, Womé cobrou e Samuel Eto’o apareceu como um foguete para escorar e abrir o placar, aos 26’ do primeiro tempo. O gol desnorteou a Nigéria e Camarões aproveitou para alargar a vantagem cinco minutos depois: Eto’o entortou a zaga nigeriana, tocou na esquerda para M’Boma e o atacante chutou por entre as pernas de Shorunmu, que aceitou: 2 a 0.

Os times na final de 2000.
 

Rapidamente, o técnico da Nigéria, o holandês Jo Bonfrere, mudou o esquema tático do time e descentralizou as jogadas, apostando mais pelas laterais ao invés de Okocha, muito marcado na partida. E, aos 45’, Chukwu descontou para os donos da casa. Após o intervalo, a Nigéria foi pra cima e Okocha, logo aos 2’, acertou um chutaço de fora da área para marcar um golaço e empatar: 2 a 2. O estádio Nacional explodiu e a virada parecia iminente. 

Mas Camarões se organizou no campo defensivo, Geremi e Lauren fizeram uma partidaça pelo lado direito e o placar ficou mesmo em 2 a 2 até o final da prorrogação. Na disputa de pênaltis, M’Boma, Womé, Geremi e Song fizeram os gols da vitória de 4 a 3 de Camarões, resultado que selou o título dos Leões na Copa Africana de Nações. Eto’o e M’Boma, com quatro gols cada, foram os vice-artilheiros da competição e ficaram apenas um gol atrás do artilheiro sul-africano Bartlett, que anotou cinco. 

Caminhada olímpica

Foto: Acervo / Olympics
 

Vencer a Copa Africana em plena Nigéria e diante da anfitriã encheu de moral a equipe camaronesa, que ainda precisava carimbar sua vaga nos Jogos Olímpicos de Sydney. Os africanos já haviam superado as etapas iniciais das qualificações e, entre fevereiro e março de 2000, derrotaram África do Sul (2 a 0), Guiné (2 a 1) e Gana (3 a 0) para terminar na primeira posição do Grupo 2, com cinco vitórias e uma derrota em seis jogos, triunfos que carimbaram a vaga dos Leões no torneio olímpico. 

Comandados por Jean-Paul Akono, os camaroneses foram para a competição com alguns dos campeões africanos e dois reforços acima de 23 anos: Serge Mimpo (26 anos) e Patrick M’Boma (29 anos). Além deles, estavam no elenco o defensor Womé, os ótimos Geremi e Lauren, Samuel Eto’o e o goleiro Kameni, de apenas 16 anos. Não seria um time de correria como nos anos 1990, mas sim uma equipe mais pragmática, que jogaria nos erros dos adversários e apostando na força da marcação e no talento de seus homens de frente. 

No Grupo C, Camarões estreou diante de Kuwait e venceu por 3 a 2, com gols de Alnoudji, M’Boma e Lauren. Apesar da vitória, a equipe técnica dos Leões ficou reticente com o desempenho do goleiro titular Bekono, que saiu mal no lance que resultou o segundo gol de Kuwait. Kameni, de apenas 16 anos, viu aquilo na dele, esperando sua vez. No jogo seguinte, Camarões abriu o placar contra os EUA em gol de M’Boma, aos 16’, e tinha a vitória na mão quando o goleiro Bekono cometeu pênalti em Josh Wolff. Vagenas cobrou e empatou. 

M’Boma, artilheiro camaronês nos anos 2000.
 

No último jogo, Camarões precisava de um empate para se classificar. Lauren, aos 24’ do primeiro tempo, abriu o placar, mas a República Tcheca empatou no segundo tempo em chute de Dosek que o goleiro Bekono aceitou. O empate em 1 a 1 classificou os Leões, mas estava claro que Bekono não poderia continuar no time titular na fase eliminatória. Ainda mais pelo adversário que vinha pela frente: o Brasil, que tinha na época nomes como Helton, Fábio Aurélio, Athirson, Fabiano e os craques Alex e Ronaldinho Gaúcho.


Heroicos!

Foto: Getty Images.
 

Antes das Olimpíadas, o técnico da seleção brasileira, Vanderlei Luxemburgo, tinha convicção de que o então ouro inédito seria conquistado pela equipe naquele ano de 2000. Tanto é que o treinador não levou nenhum jogador acima de 23 anos para Sydney – na época, o clamor era por Romário, em fase espetacular pelo Vasco. Porém, o treinador vivia sob tempos turbulentos diante das CPIs que apontavam irregularidades na CBF e que acabaram investigando sua vida pessoal. Ele, na verdade, nem deveria ter ido às Olimpíadas, mas foi mesmo assim. E, com uma equipe relativamente boa, não conseguiu fazer o time render o esperado. Para piorar, mostrou desconhecer Camarões ao escalar dois laterais-esquerdos de origem – Athirson e Fábio Aurélio – para conter a “correria” camaronesa. Que, na verdade, não existia.

Os africanos foram com sua escalação habitual, mas uma novidade: Carlos Kameni, de 16 anos, no gol. E, em menos de 16 minutos, o camisa 18 fez duas boas defesas em chutes de Athirson e Fabiano, provando que deveria ter iniciado desde o início daquela caminhada como titular. Mais organizado, Camarões saiu na frente do placar ainda no primeiro tempo, exatamente como havia feito nos outros três jogos. M’Boma, em cobrança de falta perfeita, fez 1 a 0. Muito bem fechado na defesa e marcando as principais estrelas do Brasil, Camarões não deixou o goleiro Kameni ter qualquer trabalho após o gol e em parte do segundo tempo. 

Kameni mostrou personalidade e cravou sua vaga no time titular.
 

Porém, em um lance bobo, Geremi foi expulso, aos 35’, por fazer cera em uma cobrança de lateral e deixou os Leões em apuros nos minutos finais. Aos 45’, Nguimbat segurou Alex quase na linha da área e foi expulso. Dali, o Brasil tinha Ronaldinho. E o garoto já era fatal. Na cobrança, o bruxinho fez 1 a 1 e levou o jogo para a prorrogação. Com mais 30 minutos de jogo, todos acreditavam que o Brasil iria vencer os camaroneses, com apenas nove jogadores em campo e cansados. 

Antes do primeiro minuto, Geovani fez boa jogada, Kameni não segurou e teve que se desdobrar para evitar o contragolpe de Ronaldinho. Tempo depois, Fabiano até marcou, mas a arbitragem anulou o gol por impedimento. Falando em impedimento, Camarões avançava em linha sempre que um jogador brasileiro rebatia uma bola ou cobrava uma falta. Tática simples, mas eficiente diante da fragilidade tática da equipe canarinho, que teve impressionantes 19 impedimentos no jogo todo (!).

Vivos após o primeiro tempo, os camaroneses foram para a etapa final do tempo extra dispostos a tentar a sorte. E, como valia o famigerado Gol de Ouro, um chute dali, ou de acolá, poderia render a vaga aos Leões. E, aos 7’, M’Bami chutou de fora da área e fez o gol da classificação heroica dos africanos à semifinal. Em entrevista publicada no UOL em 21 de julho de 2021, Samuel Eto’o comentou sobre aquele dia.

“Eu sempre vou me lembrar daquele momento do gol do Modeste (M’Bami). Começamos a correr atrás dele para comemorar. Enquanto oito ou nove de nós o perseguíamos, os brasileiros puseram a bola de volta no círculo central, achando que o jogo continuaria. Mas a partida já havia terminado e nós tínhamos nos classificado pelo gol de ouro. […] Os brasileiros tinham uma grande equipe com jogadores como Ronaldinho e eram os favoritos ao título. Poucas pessoas acreditavam que venceríamos o Brasil, mas nós sempre tivemos fé, mesmo quando tivemos dois jogadores expulsos e uma prorrogação pela frente”. 

Na semifinal, mesmo desfalcado, Camarões não se intimidou com o Chile de Nelson Tapia, Maldonado, David Pizarro e Zamorano e venceu por 2 a 1, de virada, com gols M’Boma e Lauren. Os Leões estavam na final. E tinham pela frente outro desafio enorme: a Espanha, de Marchena, Puyol, Xavi, Angulo, José Mari e Capdevila.

Leões de Ouro

A final do Ouro Olímpico em Sydney teve mais de 104 mil pessoas no Stadium Australia, um dos 20 maiores estádio do mundo – foi o maior público em uma final de futebol masculino na história das Olimpíadas. E, com apenas dois minutos, a Espanha abriu o placar após golaço de Xavi em cobrança de falta. Camarões nem sequer havia tocado na bola naquele começo de jogo. Era um péssimo início, que poderia desestabilizar qualquer equipe. E principalmente após Gabri fazer o segundo gol, nos acréscimos da primeira etapa. Tudo perdido para Camarões? Que nada. Aquele time era calejado. Já havia sofrido um bocado diante da Nigéria, do Brasil e do Chile. Sabia sofrer também naquela final. E reverter.

Aos 7’ do segundo tempo, Daniel Kome lançou o iluminado M’Boma, que chutou de direita, mas bem de leve. A bola acabou desviando em Amaya e entrou no fundo do gol de Aranzubia. O gol reacendeu Camarões, que marcou o tento de empate cinco minutos depois com o jogador que estava sedento por balançar as redes: Samuel Eto’o, em contra-ataque mortal. Era o 2 a 2 tão buscado pelos africanos. E um dos muitos gols de Eto’o em finais de campeonato. A partida ficou dramática, com chances para ambos os lados, e muito nervosismo do lado espanhol, que teve dois jogadores expulsos – Gabri e José Mari. Camarões, por outro lado, não teve nenhum jogador advertido, mas não conseguiu aproveitar a superioridade numérica nos minutos finais e na prorrogação. 

Foto: Robert Cianflone / ALLSPORT
 

A final do ouro foi para os pênaltis e os camaroneses, um a um, foram convertendo suas cobranças: M’Boma, Eto’o, Geremi, Lauren, Womé, nessa exata ordem, sempre com os melhores primeiro. A Espanha fez com Xavi e Capdevila, mas viu Amaya chutar no travessão o terceiro chute. Albelda fez o seu, mas de nada adiantou. O placar de 5 a 3 deu a Camarões o inédito Ouro Olímpico, de quebra, a primeira medalha de ouro do país na história dos Jogos.

Foto: Acervo / FIFA

“Foi uma sensação incrível, principalmente porque tivemos algumas dificuldades durante o torneio. Quero aproveitar a oportunidade para agradecer de novo a todos meus companheiros, meus ‘colegas soldados’ naquela competição. Porque foi realmente duro, mas no fim nós conquistamos a medalha de ouro ao vencer a Espanha, apesar de eles terem aberto 2 a 0 no placar no primeiro tempo da final”, comentou Eto’o anos depois. Com 4 gols, M’Boma foi o vice-artilheiro dos Jogos, atrás apenas do chileno Zamorano, com 6 gols. Em seis jogos, Camarões venceu três, empatou três, marcou 11 gols e sofreu oito.


Em busca da Copa

O agitado ano de 2000 exigiu de Camarões começar a busca por uma vaga na Copa do Mundo da FIFA de 2002, cujas Eliminatórias iniciaram em junho de 2000. Os Leões estavam no Grupo A e tiveram adversários bem fáceis pelo caminho. Na estreia, M’Boma resolveu o jogo contra a Líbia e fez os três gols dos 3 a 0 da equipe em plena Tripoli. Em seguida, outro 3 a 0 diante de Angola, em casa, seguido de um 2 a 0 sobre Togo, fora, 1 a 0 em cima de Zâmbia, 1 a 0 sobre Líbia e a primeira derrota veio contra Angola (2 a 0, fora). Nos dois jogos seguintes, Camarões venceu Togo (2 a 0) e empatou em 2 a 2 com Zâmbia para selar a vaga no Mundial da Coreia do Sul e do Japão. Em oito jogos, foram seis vitórias, um empate, uma derrota, 14 gols marcados e apenas quatro gols sofridos. 


Mudança técnica e caminhada africana

Camarões e a polêmica camiseta regata.
 

Em 2001, Camarões viu a saída de Pierre Lechantre do comando da equipe principal depois da fraca trajetória na Copa das Confederações da FIFA, quando o time foi eliminado ainda na fase de grupos após perder para Brasil (2 a 0), Japão (2 a 0) e só vencer o Canadá (2 a 0) quando não adiantava mais. No lugar dele, Robert Corfu assumiu momentaneamente a equipe na reta final das Eliminatórias para a Copa e, depois, deu lugar ao alemão Winfried Schäfer, que tinha passagens bem modestas por clubes de seu país antes de assumir os Leões. 

Schäfer manteve a base vencedora, deixou o time mais protegido defensivamente e começou a traçar o planejamento para a Copa Africana de Nações de 2002 e a Copa do Mundo. Como detentor do título, Camarões não precisou passar pelas Eliminatórias da competição continental e entrou direto no Grupo C, ao lado de Togo, Costa do Marfim e República Democrática do Congo. Realizada em Mali, a Copa Africana de Nações de 2002 tinha como favoritos não só Camarões, mas também Senegal, comandado por Bruno Metsu e cheio de grandes estrelas que iriam surpreender na Copa daquele ano, e Nigéria. 

Uma curiosidade é que Camarões utilizaria ao longo daquela competição uma inédita camisa regata confeccionada pela Puma e que virou um ícone na época. A vestimenta, porém, acabaria vetada pela FIFA na disputa da Copa do Mundo. Os Leões não tiveram problemas na fase de grupos e venceram os três jogos: 1 a 0 na RD do Congo (gol de M’Boma), 1 a 0 na Costa do Marfim (gol de M’Boma) e 3 a 0 em Togo (gols de Mettomo, Eto’o e Olembé). Nas quartas de final, a equipe de Schäfer encarou o sempre perigoso Egito e venceu por 1 a 0, com outro gol de M’Boma. Mas foi nas semifinais que aconteceu o episódio mais marcante daquela caminhada camaronesa. 

Antes de a bola rolar no duelo contra o anfitrião Mali, o público viu algo no mínimo pitoresco. O preparador de goleiros de Camarões, Thomas N’Kono – lenda da seleção lá nos anos 1980 e 1990 – foi preso e algemado acusado de borrifar “poções de magia negra” no gramado (!). A polícia malinesa alegou que encontrou com N’Kono um amuleto utilizado em rituais de magia e, por isso, decidiu prendê-lo. Tempo depois, ele foi liberado e voltou aos vestiários do time, mas acabou suspenso do futebol por um ano. Além disso, houve muita discussão e tensão que quase suspendeu a partida. Bem, se N’Kono fez magia ou não, tal artimanha ajudou. Quando a bola rolou, Camarões venceu Mali por 3 a 0, com dois gols de Olembé e um de Foé, e se classificou para mais uma final!


Reis da África! E defesa “zerada”!

A final disputada no Stade du Mars, em Bamako, colocou frente a frente Camarões e Senegal. Ambas as equipes tinham defesas fortes e não deixavam espaços aos atacantes rivais. Senegal havia sofrido apenas um gol, enquanto Camarões não sabia o que era levar gols naquela competição. E, quando a bola rolou, o duelo foi muito equilibrado, com Senegal tendo algumas chances claras – como uma bola no travessão -, enquanto Camarões, mesmo sem M’Boma, contundido, tentou o gol na reta final e também na prorrogação, mas sem sucesso. 

Com o 0 a 0 no placar, a decisão foi para os pênaltis e o herói foi o goleiro Boukar, que defendeu duas cobranças e garantiu a vitória camaronesa por 3 a 2 e o bicampeonato consecutivo aos Leões. A equipe se tornou naquele dia a maior campeã da Copa Africana ao lado do Egito e de Gana, com 4 taças, e teve a melhor defesa da história de uma seleção campeã: ZERO gols sofridos em seis jogos. M’Boma, com três gols, foi o artilheiro de uma competição que ficou marcada pela baixíssima média de gols – 1,5 gol por jogo. Imparáveis, os camaroneses esperavam por uma campanha histórica na Copa do Mundo. Porém, a decepção seria tão grande quanto a expectativa…


Leões domados

Bicampeã africana e campeã olímpica, obviamente que Camarões entrou na Copa do Mundo como candidata a uma boa campanha no torneio da Coreia do Sul e do Japão. Claro que os Leões não tinham o favoritismo de França, Itália, Espanha, Argentina e Brasil na época, mas poderiam chegar pelo menos na segunda fase. No Grupo E, ao lado de Alemanha, Irlanda e Arábia Saudita, o caminho realmente era possível para abocanhar uma vaga nas oitavas da final. Só que tudo começou a complicar logo na estreia: M’Boma abriu o placar no duelo contra a Irlanda, mas os africanos sofreram o empate no segundo tempo e perderam dois pontos. No duelo seguinte, um alento com a vitória por 1 a 0 sobre a Arábia Saudita, gol de Eto’o. 

Só que aí a equipe camaronesa teve que decidir seu futuro justamente contra a Alemanha de Oliver Kahn, Michael Ballack e Miroslav Klose. Tarefa difícil. E, de fato, foi. Marco Bode, aos 50’ do segundo tempo, e Klose, aos 79’, fizeram os gols da vitória alemã por 2 a 0 que eliminou Camarões, já que a Irlanda havia empatado com a Alemanha e venceu a frágil Arábia por 3 a 0 na última rodada. Com 5 pontos, os irlandeses se classificaram em segundo lugar, com a Alemanha em primeiro, com 7. Camarões terminou com 4 pontos e deu adeus ao Mundial de maneira melancólica. A seleção que era tida como certa nas quartas de final foi embora bem antes do previsto. Quem fez bonito foi Senegal, que alcançou as quartas de final e igualou a mesma campanha camaronesa no Mundial de 1990. 


Tragédia, vice e o fim

Em 2003, Camarões disputou mais uma vez a Copa das Confederações da FIFA e conseguiu apagar a má campanha realizada no torneio de 2001. Qualificado no Grupo B, os africanos derrotaram o então campeão mundial Brasil logo na estreia por 1 a 0, gol de Eto’o, e venceram a Turquia, 3ª colocada na Copa de 2002, também por 1 a 0, gol de Geremi. Na última rodada, os Leões empataram sem gols contra os EUA e se classificaram em primeiro lugar, com 7 pontos. A Turquia avançou em segundo e o Brasil foi eliminado. Na semifinal, os Leões enfrentaram a Colômbia e abriram o placar logo aos 9’, com N’Diefi. Mas aquele jogo acabou marcado por uma tragédia. 

No segundo tempo, aos 72’, Marc-Vivien Foé caminhava no meio de campo quando desabou subitamente. Atônitos, os atletas perceberam que o jogador não estava bem e chamaram a equipe médica. Ele sofreu várias tentativas de reanimação em campo, mas foram todas em vão. O jogador foi encaminhado ao hospital, mas sua morte, aos 28 anos, acabou confirmada minutos após o camaronês chegar ao centro médico de Lyon. Só depois que veio a constatação de que Foé sofria de cardiomiopatia hipertrófica – uma rara condição hereditária, que afeta menos de 0,2% da população mundial. 

O caso chocou o mundo e, mesmo com a classificação camaronesa para a final diante da França, muitos pediram para a FIFA suspender a partida e também o torneio. Porém, o jogo acabou acontecendo, com os atletas camaroneses visivelmente emocionados e sem condições de jogo. A partida foi repleta de homenagens e muito melancólica. O jogo terminou 0 a 0 no tempo regulamentar e só foi decidido na prorrogação, no Gol de Ouro anotado por Thierry Henry para a França, que venceu por 1 a 0 e ficou com a taça. 

Na premiação, uma enorme foto de Marc-Vivien Foé foi exibida pelos camaroneses. O jogador recebeu inúmeras homenagens póstumas naquele ano, incluindo camisas aposentadas por clubes que passou (o número 23 do Manchester City-ING e o número 17 do Lens-FRA), tributos no estádio do Manchester City – seu clube na época – e uma placa entre o Museu Louvre-Lens e o Stade Bollaert, em Lens.

A perda de Foé acabou abalando a seleção camaronesa, que entrou em um grande ostracismo e só voltou a levantar um troféu em 2017, com o título da Copa Africana de Nações. Mesmo assim, os africanos não conseguem fazer uma boa campanha em uma Copa do Mundo há décadas e vivem na carência de uma nova safra que possa fazer bonito no cenário internacional como a geração de 2000-2003, que levantou títulos, deu ao país seu primeiro Ouro Olímpico e fez ressurgir a mística dos Leões Indomáveis. E imortais.

Os personagens:

Alioum Boukar: embora não fosse tão alto – tinha 1,83m de altura – Boukar se destacava pelo bom posicionamento e reflexos apurados. Jogou na seleção de 1992 até 2004 e integrou o elenco que disputou as Copas de 1998 e 2002, além de estar presente nos títulos continentais de 2000 e 2002, este último no qual ele passou sem sofrer um gol sequer e ainda defendeu dois pênaltis na final contra Senegal. Por jogar boa parte da carreira no futebol turco, Boukar acabou se naturalizando turco anos depois e até mudou de nome para Ali Uyanık.

Kameni: com apenas 16 anos em 2000, Kameni foi o mais jovem futebolista a ganhar um Ouro Olímpico na época e demonstrou enorme personalidade ao assumir a meta do time em um momento crucial naquela trajetória: bem nas quartas de final, contra o Brasil. Kameni fez grandes defesas, demonstrou arrojo e foi um dos destaques da equipe naquela reta final. Anos depois, foi titular na campanha do vice da Copa das Confederações de 2003 e acumulou 71 jogos pela seleção entre 2000 e 2019. Kameni fez carreira no futebol espanhol, em especial no Espanyol e no Málaga.

Rigobert Song: foi um dos mais marcantes zagueiros da história da seleção e jogou pelos Leões de 1993 até 2010, acumulando 137 jogos – ele é o recordista em participações por Camarões. Com 1,85m de altura, se impunha pela força física e era um marcador implacável. Além de atuar no miolo central da zaga, Song podia jogar na lateral-direita, com características mais defensivas. Foi o capitão camaronês por vários anos e levantou duas Copas Africanas, além de ter disputado as Copas do Mundo de 1994 (com apenas 17 anos), 1998, 2002 e 2010. É o atual treinador da seleção de Camarões e dirigiu o time na Copa do Mundo de 2022, quando venceu o Brasil na última rodada da fase de grupos por 1 a 0.

Nguimbat: foi um dos zagueiros titulares de Camarões na conquista do Ouro Olímpico de 2000 e jogou na equipe até 2005, embora não tenha sido titular absoluto.

Raymond Kalla: zagueiro muito bom nos desarmes e nas jogadas aéreas, jogou na seleção de 1994 até 2006, acumulando 83 jogos e dois gols. Foi titular absoluto nas conquistas das Copas Africanas de 2000 e 2002 e disputou as Copas de 1994, 1998 e 2002. Fez uma lendária parceria ao lado de Rigobert Song na zaga camaronesa e foi um dos símbolos daquela era de ouro.

Abanda: outro medalhista olímpico, o zagueiro não teve muitas chances no time principal, mas foi bem nos jogos de 2000 e demonstrou muita regularidade.

Kome: meio campista que despontou no título olímpico de 2000, Kome tinha características mais defensivas, ajudando bastante na marcação e no apoio à zaga. Integrou o elenco na conquista da Copa Africana de 2002.

Njanka: defensor que atuava também como lateral-esquerdo, Njanka integrou a equipe camaronesa campeã da Copa Africana de 2000 e acumulou 47 jogos pela seleção entre 1994 e 2004. Esteve presente também na equipe campeã olímpica de 2000.

Branco: foi campeão olímpico em 2000 atuando como zagueiro e também mais recuado no meio de campo, mas não teve grandes chances no time principal. Jogou apenas uma vez na seleção, em 2001.

Epalle: jogador polivalente e muito forte, Joël Epalle podia jogar como meia-direita e segundo atacante, explorando bastante os lados do campo. Esteve no elenco campeão olímpico e também no time campeão continental de 2002.

Bill Tchato: o zagueiro despontou em 2000 na seleção e foi campeão continental em 2002, compondo o trio de zaga ao lado de Song e Kalla. Foram 46 jogos pelos Leões e boas passagens em clubes da França.

Geremi: um dos principais nomes de Camarões nos anos 2000 e um dos mais talentosos jogadores africanos de sua época, Geremi se desdobrava em campo e podia atuar como meia-direita, volante e lateral-direito, sempre com muita vitalidade, visão de jogo, bons passes e chutes poderosos em cobranças de faltas. Jogou por Camarões de 1996 até 2010, disputou as Copas do Mundo de 2002 e 2010 e venceu as Copas Africanas de 2000, 2002 e o Ouro Olímpico de 2000. Com 118 jogos 13 gols, é o segundo jogador que mais vestiu a camisa dos Leões na história e e vestiu as camisas de clubes como Real Madrid, Middlesbrough, Chelsea e Newcastle.

Lauren: outro jogador de imenso talento atuando na lateral-direita e também mais centralizado, Lauren vestiu a camisa de Camarões em apenas 24 oportunidades – ele se aposentou da seleção com apenas 25 anos, para se dedicar à carreira de clubes – e integrou o Arsenal campeão invicto da Premier League de 2004. Pelos Leões, Lauren venceu as Copas Africanas de 2000 (neste ano foi o melhor jogador da competição) e 2002 e o Ouro Olímpico de 2000.

Marc-Vivien Foé: meio-campista talentoso, especialista na marcação, cobertura e desarmes, Foé marcou época na seleção, venceu títulos e trilhava uma trajetória de sucesso no futebol europeu quando sua morte encerrou de maneira precoce uma carreira que tinha tudo para ser brilhante. Foé jogou por Camarões de 1993 até 2003, disputou 62 jogos e marcou 8 gols. Esteve no elenco que disputou a Copa do Mundo de 2002.

Alnoudji: atuou no meio de campo da equipe campeã olímpica de 2000 e integrou o elenco camaronês na Copa de 2002. Rápido, tinha qualidade nos passes e boa visão de jogo.

Pierre Womé: atuava como lateral-esquerdo e também no meio de campo quando necessário. Criava boas chances de gols e aparecia constantemente no ataque, além de ser eficiente nas bolas paradas e cruzamentos. Integrou todos os times campeões daquela era de ouro e foi outra figura muito marcante no futebol camaronês. Foram 68 jogos entre 1995 e 2012 por Camarões e presença nas Copas do Mundo de 1998 e 2002, ambas como titular da lateral-esquerda.

Modeste M’Bami: carrasco do Brasil nas Olimpíadas de 2000, M’Bami marcou o gol de ouro que colocou os Leões nas semifinais dos Jogos de Sydney. Ele atuou em 37 jogos pela seleção principal e marcou três gols. Levantou duas Copas da França pelo PSG em 2004 e 2006.

Olembé: outro jogador de suma importância para Camarões na época, Olembé era especialista em abrir espaços nas defesas rivais e jogava bem pelos cantos, em especial no lado esquerdo. Foi titular em ambas as conquistas continentais de 2000 e 2002, além de ter disputado a Copa do Mundo de 2002. Foram 64 jogos e cinco gols por Camarões na carreira.

Mimpo: meio-campista com características mais defensivas, foi um dos guardiões do setor na conquista do ouro olímpico em 2000. No entanto, acabou preterido na seleção principal após o torneio e não foi lembrado pelo técnico Schäfer.

Patrick M’Boma: lenda camaronesa e 4º maior artilheiro da história da seleção com 33 gols em 55 jogos, M’Boma era o matador dos Leões antes de Samuel Eto’o se transformar no super astro que virou após 2004. Presente nas Copas do Mundo de 1998 e 2002, M’Boma levou sua experiência para os Jogos Olímpicos de 2000 e foi o líder do time campeão olímpico naquele ano histórico. Na final da Copa Africana de 2000, deixou sua marca na decisão, converteu um dos pênaltis diante da Nigéria e foi vice-artilheiro com 4 gols. E, em 2002, foi o artilheiro da competição na campanha do bicampeonato com 3 gols. 

N’Diefi: o pequenino atacante – tinha apenas 1,63m de altura – marcou época jogando pelo Sedan, da França, e foi reserva da dupla M’Boma e Eto’o no período. Rápido e muito oportunista, conseguiu jogar em 34 oportunidades entre 2000 e 2005 e marcou quatro gols. Integrou o elenco campeão africano de 2000 e 2002 e também disputou a Copa do Mundo de 2002.

Samuel Eto’o: após a lenda de Roger Milla nos anos 1980 e 1990, Samuel Eto’o se transformou no maior símbolo do país nos anos 2000 e 2010. Ano a ano, o craque foi crescendo de produção e alcançou a marca de maior artilheiro da história da seleção com 56 gols em 118 jogos, além de marcar presença nas conquistas continentais de 2000 e 2002 e do Ouro Olímpico de 2000. Em clubes, seu nome ficou marcado para sempre no Barcelona, onde foi um artilheiro implacável e fez uma parceria devastadora com Ronaldinho Gaúcho. Depois, foi lenda também na Internazionale campeã do mundo e da Europa em 2010 e se tornou um dos atacantes mais decisivos do século XXI. Leia muito mais sobre ele clicando aqui!

Pierre Lechantre, Jean-Paul Akono e Winfried Schäfer (Técnicos): Lechantre foi o técnico que recolocou Camarões de volta aos holofotes e faturou a Copa Africana de 2000 em plena Nigéria e contra a dona da casa em uma final eletrizante. Apostando bastante nos jovens e no equilíbrio defensivo, mudou o estilo de jogar de Camarões e deu mais confiança ao time e elenco. Nas Olimpíadas, foi Akono o responsável por manter a competitividade e dar o Ouro inédito ao país, desbancando adversários poderosos e jogos muito tensos. Com Schäfer, Camarões ficou mais burocrático e menos goleador, mas não perdeu a intensidade e faturou uma Copa Africana sem levar um gol sequer. Schäfer só falhou na disputa da Copa de 2002, quando Camarões desapontou bastante ao cair logo na fase de grupos.


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