Por Guilherme Diniz
Nome: Estádio do Sport Lisboa e Benfica
Localização: Lisboa, Portugal
Inauguração: 1º de dezembro de 1954
Reinauguração: 25 de outubro de 2003
Partida Inaugural: Benfica 1×3 Porto, 1º de dezembro de 1954
Primeiro gol: Jacinto (gol contra), do Benfica, no jogo Benfica 1×3 Porto, 1º de dezembro de 1954. O primeiro gol da reinauguração foi de Nuno Gomes, no jogo Benfica 2×1 Nacional-URU, em 25 de outubro de 2003.
Proprietário: Sport Lisboa e Benfica
Capacidade: 64.642 pessoas
Recorde de público pagante: 135.000 pessoas no jogo Benfica 3×1 Porto, 04 de janeiro de 1987.
Recorde de público pagante após a reinauguração: 65.400 pessoas no jogo Benfica 2×1 Nacional-URU, 25 de outubro de 2003. Em partidas oficiais, o recorde é Benfica 5×0 Vitória de Guimarães, em 13 de maio de 2017, com 64.591 pessoas.
Corria o início da década de 1950 e a história era a mesma desde 1904. Uma águia imponente, encarnada e adorada por milhões planava sobre os céus de Lisboa à procura de um lugar para chamar de seu. Nunca encontrava. Primeiro, tentou nas Terras do Desembargador, mas de lá voou até o Campo da Feiteira. Ainda sem sossegar, passou ao Campo do Sete Rios. Depois, ao Campo de Benfica. Foi ainda para o Campo Grande, terras de um rival hostil, e obviamente que ela não gostou. Por que tanta dificuldade para encontrar uma casa? Um lugar para descansar, observar tudo e ser contemplada pelos aficionados? Mas a busca cessou em 1954. Naquele ano, a águia ganhou uma casa de onde nunca mais iria desprender suas garras. Fruto do trabalho e devoção de apaixonados pelo Sport Lisboa e Benfica. Abençoado pela Nossa Senhora da Luz. Patrimônio do esporte português. Palco de apresentações históricas do mais lendário esquadrão do futebol lusitano – o Benfica de Eusébio, Coluna e companhia. Estádio que, nos anos 1980, se transformou na maior de toda a Europa em capacidade. E que, no final do milênio, mudou para se transformar no mais bonito do continente.
O Estádio da Luz, também conhecido como “A Catedral”, é um ícone do esporte e um dos estádios mais famosos do planeta. Casa do Benfica e de diversas partidas da seleção de Portugal, é um titã que acompanhou a evolução do futebol e virou sinônimo da paixão portuguesa e lisboeta pelo esporte. Mas como tudo começou? Como foi a transformação desse gigante? É hora de descobrir.
Do povo, pelo povo e para o povo
Com sete títulos nacionais, sete Taças de Portugal e diversos títulos regionais conquistados até aquele começo de anos 1950, o Benfica já era um dos maiores clubes de Portugal, mas ainda não tinha um estádio definitivo para poder abrigar seus fanáticos torcedores. Desde a sua fundação, em 1904, ele havia passado por seis estádios diferentes, a maioria deles longe da vizinhança de Benfica. O sonho de construir uma casa surgiu em 1946 e virou obsessão naquela segunda metade de século quando o presidente do clube, Joaquim Bogalho, ao lado de vários conselheiros e sócios, iniciou uma intensa negociação com a Câmara de Lisboa para que um terreno localizado perto da Igreja de Nossa Senhora da Luz, próximo a Carnide e Benfica, fosse liberado para as obras do futuro estádio. Por fim, em 1953, o clube conseguiu o chamado “direito de superfície” para a construção (o clube teria a posse definitiva do espaço em 1969).
Após o sinal verde para as obras, Bogalho convocou os sócios e torcedores ilustres para que doassem o que pudessem para ajudar. Foi criado, também, o “Fundo de Construção do Novo Parque de Jogos do Clube”, que recebia, além das doações, verbas angariadas de leilões, eventos culturais, festivais e tudo o que o clube podia oferecer e produzir para transformar em recursos para o estádio. E, dia após dia, os montantes de dinheiro foram crescendo. As doações de centenas e centenas de sócios e torcedores fez com que o estádio tivesse a alcunha de um “sonho realizado pelo povo”. O projeto arquitetônico foi feito por João Simões, notável arquiteto português e vencedor de diversos prêmios nacionais, que priorizou um estádio simples, mas com aproveitamento pleno dos 120 mil metros quadrados do terreno para futuras ampliações. As obras começaram em 14 de junho de 1953 a um custo de 12.037.638 escudos na época, repartidos entre a direção do clube, adeptos e o Estado.
Foram consumidos cerca de 90 mil sacos de cimento, 5300 metros cúbicos de areia, 95 mil metros cúbicos de pedra britada e 670 toneladas de ferro. Menos de um ano depois, no dia 1º de dezembro de 1954, o Estádio do Sport Lisboa e Benfica, seu nome oficial, era inaugurado. A data não foi escolhida por acaso: o dia 1º de dezembro marca a Restauração de Portugal ocorrida em 1640, após seis décadas de União Ibérica entre as monarquias de Portugal e Espanha.
Por estar localizado próximo à paróquia da Nossa Senhora da Luz, o estádio ficaria conhecido popularmente (e mundialmente) como Estádio da Luz. A partida de estreia, diante de 40 mil pessoas – capacidade máxima na época – foi contra o tradicional rival Porto. E não foi nada boa: vitória dos azuis por 3 a 1, com direito a gol inaugural marcado contra pelo defensor Jacinto. Foi uma espécie de desforra dos portistas pelo revés que levaram na inauguração do Estádio das Antas, dois anos antes, quando foram goleados pelo Benfica por incríveis 8 a 2. No segundo jogo do Benfica em sua nova casa, outra derrota: 2 a 0, dessa vez para o Real Madrid, já com Di Stéfano. Mas aquilo era apenas “pressão de iniciante”. O Benfica iria nutrir um retrospecto impressionante jogando sob seus domínios. Ao longo de quase 50 anos no estádio, o clube contabilizou 1075 jogos, com 846 vitórias, 167 empates e apenas 62 derrotas, além de 3121 gols marcados e 692 sofridos.
O crescimento
Ainda com apenas dois anéis de arquibancadas, sem iluminação e isolado do restante da cidade, o Estádio da Luz só faria jus ao nome a partir de 1958, quando recebeu suas primeiras torres de iluminação. Em 1960, a diretoria iniciou obras de ampliação com o levantamento de mais um anel para poder comportar a imensa torcida benfiquista, que aumentava cada vez mais muito por causa do timaço que os encarnados montaram naquela época. Com Coluna, Eusébio, José Águas, Torres e companhia, o time português colecionou títulos nacionais e ainda faturou duas Ligas dos Campeões da UEFA consecutivas, vencendo Barcelona e Real Madrid nas decisões de 1961 e 1962, respectivamente. Naquela década, ficaram notáveis os bailes do timaço encarnado no torneio europeu, com destaque para as goleadas de 6 a 0 sobre o Nuremberg (então campeão alemão), em 1962; 6 a 2 no Újpest-HUN, em 1960; e um inesquecível 5 a 1 no Real Madrid-ESP, em 1965.
Mas não era apenas o Benfica que dava show no Estádio da Luz. Em 1962, o estádio recebeu a final do Mundial de Clubes entre o time português e o Santos de Pelé, Coutinho e companhia. E o palco encarnado viu uma das maiores exibições da história do clube brasileiro, que venceu por 5 a 2 e faturou o título pela primeira vez. Muitos dizem, inclusive, que aquele foi o maior jogo do esquadrão santista em todos os tempos. Que privilégio para os portugueses!
Com a construção da primeira parte do terceiro anel, o Estádio da Luz passou a abrigar 70 mil pessoas e o famoso “inferno da Luz” provocado pela torcida se transformou no 12º jogador do Benfica, que se impunha diante dos rivais e dificilmente perdia. Para se ter uma ideia, a equipe ficou 91 jogos sem perder sob seus domínios entre 1969 e 1973 e registrou ainda 37 vitórias consecutivas entre dezembro de 1979 e abril de 1981.
Em 1985, o terceiro anel foi concluído em definitivo e fez do Estádio da Luz o maior da Europa, com capacidade para 120 mil pessoas! Como os assentos não eram numerados, tal capacidade foi superada em diversas ocasiões. A mais famosa delas aconteceu em um clássico entre Benfica e Porto de 1987, quando os encarnados venceram os rivais por 3 a 1 sob os olhares de 135 mil pessoas, recorde absoluto de público na história do futebol português. Alguns anos depois, 127 mil pessoas viram a final do Mundial Sub-20 de 1991 entre Portugal e Brasil. Os portugueses, comandados por Figo e Rui Costa, venceram nos pênaltis por 4 a 2 após empate sem gols no tempo normal.
Encolhimento e remodelação
Na década de 1990, o Estádio da Luz teve que se adequar às medidas de segurança da UEFA e da FIFA e passou a contar com lugares numerados. Tal fato reduziu a capacidade do estádio para pouco mais de 78 mil pessoas. Após passar por uma grave crise financeira e ver o rival Porto empilhar taças na época, o Benfica começou a se reerguer nos anos 2000 e batalhou para que sua casa fosse uma das presentes na Eurocopa de 2004, em Portugal. A princípio, foi discutida uma ampla reforma no estádio, com cobertura total das arquibancadas. No entanto, por conta da estrutura antiga, o projeto não foi aprovado, e, após algumas reuniões entre sócios e diretoria, foi aprovada em 28 de setembro de 2001 a construção de um novo Estádio da Luz, que começou naquele mesmo ano.
Embora a decisão tenha ido contra os mais tradicionais e saudosistas, a alternativa era a mais segura e sustentável para o clube e o esporte do país como um todo, ainda mais com a crescente leva de projetos inovadores no setor esportivo e os conceitos de arenas. O estádio começou a ser demolido aos poucos, para que o Benfica pudesse jogar por ali o máximo de tempo possível. O último jogo aconteceu em 22 de março de 2003, já sem as arquibancadas sul, com uma vitória por 1 a 0 do Benfica sobre o Santa Clara.
Além do jogo, aconteceram diversas festividades, com show da brasileira Daniela Mercury, presença de vários ex-jogadores, espetáculo de fogos de artifício e muita emoção dos torcedores, que deram adeus a uma lenda, mas aguardavam ansiosos para o surgimento de outra. O clube passou a mandar seus jogos no Estádio Nacional do Jamor até a conclusão da obra do novo Estádio da Luz.
Surge o mais belo do continente
Na reconstrução, o Estádio da Luz consumiu 80 mil metros cúbicos de concreto, além de 504 mil metros cúbicos de movimento de terras. O valor total da obra foi de aproximadamente 162 milhões de euros, mais econômico do que muitos estádios pelo mundo e finalizado em apenas dois anos. Integrado à chamada região de São Domingos de Benfica, entre Carnide e Benfica, e com duas estações de metrô próximas, o estádio foi feito para pouco mais de 60 mil pessoas, com a preservação do estilo curvado de suas arquibancadas superiores, além de icônicas estruturas de aço ao redor. A tradicional águia manteve seu lugar intacto na entrada do estádio e Eusébio e Béla Guttmann ganharam estátuas no local.
A reinauguração aconteceu em 25 de outubro de 2003, em partida amistosa entre o Benfica e o Nacional-URU. Diferente de 1954, os encarnados venceram: 2 a 1, com o primeiro gol marcado por Nuno Gomes. Em 2004, o estádio foi o palco principal da Eurocopa, mas o que era para ser uma festa se transformou em um grande drama para os portugueses. Mesmo com uma ótima seleção comandada por Luiz Felipe Scolari e com nomes como Figo, Deco, Ricardo Carvalho, Costinha, Maniche e um novato Cristiano Ronaldo, a equipe lusitana perdeu a final em pleno Estádio da Luz para a Grécia por 1 a 0 diante de quase 63 mil pessoas. Foi a mais dolorosa derrota da história da seleção portuguesa, ferida que só seria cicatrizada em 2016, com o título da Eurocopa sobre a França, em Saint-Denis.
Mesmo com uma primeira lembrança trágica para os portugueses, o Estádio da Luz consolidou sua imagem como um dos principais palcos do futebol europeu. Já em 2007, ele foi sede da cerimônia que revelou as Sete Maravilhas do Mundo Moderno, organizada pela New Open World Corporation (NOWC). O estádio ganhou também a categoria “quatro estrelas”, a máxima concedida pela UEFA aos estádios do continente.
Em 2014, foi palco da primeira final de Liga dos Campeões da UEFA envolvendo dois clubes de uma mesma cidade, Atlético de Madrid e Real Madrid, mesmo ano em que foi eleito em votação feita pelo jornal francês L’Équipe o estádio mais bonito do Velho Continente, à frente de vários outros famosos como Santiago Bernabéu, Camp Nou, Wembley, Parc des Princes, Stade de France, Allianz Arena e Emirates Stadium. Em 2017, a torcida do Benfica quebrou o recorde de público pagante (em uma partida oficial) do novo estádio com 64.591 espectadores na goleada de 5 a 0 sobre o Vitória de Guimarães, jogo que deu o tetracampeonato português ao clube na época.
Desde então, o estádio é uma verdadeira atração turística em Lisboa e vale demais a visita. Além de poder conhecer o gramado e interiores, é possível visitar o museu do Benfica, com toda a história, troféus e grandes ídolos que passaram pelo clube encarnado. Maior estádio português e cheio de história, o Estádio da Luz é um verdadeiro patrimônio do esporte e símbolo maior da alma benfiquista e da paixão do torcedor encarnado, que ajudou (e ajuda) há mais de um século o seu clube ser do povo e para o povo.
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SIMPLESMENTE MARAVILHOSO, GRANDE TEXTO.d
Muito obrigado, Daniel!