Grandes feitos: Campeão Mundial Interclubes (1971), Campeão da Copa Libertadores da América (1971), Campeão da Copa Interamericana (1972) e Tetracampeão Uruguaio (1969 – invicto, 1970, 1971 e 1972).
Time base: Manga; Ángel Brunell (Ancheta), Juan Masnik, Luis Ubiña e Julio Montero Castillo; Juan Carlos Blanco, Luis Cubilla (Juan Martin Mujica) e Víctor Espárrago; Ildo Enrique Maneiro, Luis Artime e Julio César Morales (Juan Carlos Mamelli / Ruben Bareño). Técnicos: Zezé Moreira (1969) e Washington Etchamendi (1970-1972).
“Quando a América e o Mundo se pintaram de vermelho, azul e branco”
Por Guilherme Diniz
No Uruguai, dois clubes duelam há décadas pelo trono de maior do país: Peñarol e Nacional. O primeiro, em tese, ganha a disputa por ter mais títulos internacionais, possuir façanhas memoráveis e por ter tido o maior esquadrão da história do país, o timaço do começo dos anos 60. Já o Nacional é mais soberano em casa, com menos, mas pontuais, títulos internacionais que o rival. Porém, o tricolor de Montevidéu só deixou sua faceta territorial, para virar continental e mundial, em 1971, quando parou de invejar os títulos da Libertadores e do Mundial Interclubes de seu rival para levantar as respectivas taças naquele ano de ouro. Para melhorar, o time emendou quatro conquistas nacionais e uma inédita Copa Interamericana para o Uruguai. Graças à experiência de um plantel que jogava junto há algum tempo e que era a base (oito jogadores!) da seleção uruguaia que disputou a Copa de 1970, o tricolor uruguaio fez a alegria de sua apaixonada torcida, deixou para trás as decepções da década passada e passou a figurar no seleto grupo dos maiores times do planeta. É hora de relembrar o primeiro grande Nacional da história.
Novo (e último) vice
Em 1969, o Nacional estava disposto a pensar grande e em títulos enormes para sua galeria de troféus, que era recheada de conquistas nacionais, mas sem nenhum grande título continental ou mundial. Com o maior rival, o Peñarol, já tricampeão da América (1960, 1961 e 1966) e bicampeão mundial (1961 e 1966), o time tricolor tinha a obrigação e o dever em fazer bonito fora de Montevidéu o mais rápido possível. A equipe começou a mostrar isso já em 1969, quando fez uma brilhante Libertadores, eliminando inclusive o Peñarol nas semifinais.
A equipe perdeu apenas uma partida (1 a 0, para o Peñarol) ao longo de sua campanha, e chegou à final muito esperançosa na base já entrosada e que jogava junto há alguns anos, muito forte na defesa e eficiente no ataque. Porém, os uruguaios não resistiram à força do Estudiantes de Verón, Flores e Conigliaro, que venceu as duas partidas finais (1 a 0 e 2 a 0) e ficou com o bicampeonato. O time argentino repetiria o feito no ano seguinte, se tornando o primeiro tricampeão legítimo da competição. Aquele foi o terceiro vice-campeonato continental do time apenas na década de 60, o que começava a causar calafrios nos torcedores. Será que o Nacional nunca iria deixar a pecha de time “territorial”?
Invencibilidade e futuro promissor
No mesmo ano de 1969, o Nacional fez um brilhante Campeonato Uruguaio e conquistou o torneio de maneira invicta, com 16 vitórias e quatro empates em 20 partidas, com 47 gols marcados (melhor ataque) e apenas oito sofridos (melhor defesa). O time contou com o brilho do treinador brasileiro Zezé Moreira e o talento incrível do artilheiro Luis Artime, goleador máximo com 24 gols. Ali, o atacante começaria a ser peça chave para o sucesso do Nacional. Em 1970, já comandado pelo técnico Washington Etchamendi, que mudou o ambiente com frases de efeito e muito entusiasmo, o time não brilhou na Libertadores, sendo eliminado na segunda fase pela Universidad de Chile, mas voltou a levantar um caneco nacional, deixando o rival Peñarol para trás. Artime foi novamente o artilheiro com 21 gols. A conquista deu uma chance extra para o time, cada vez melhor, brilhar na Libertadores de 1971.
Invicto no caminho das pedras
Na Libertadores de 1971, o Nacional dividiu o Grupo 2 com o rival, Peñarol, e os bolivianos do Chaco Petrolero e do The Strongest. O time estreou com vitória sobre o rival por 2 a 1, venceu o Petrolero fora de casa por 1 a 0, empatou fora com o The Strongest em 1 a 1, fez 5 a 0 no mesmo adversário, em casa, aplicou 3 a 0 no Petrolero em casa e voltou a vencer o Peñarol, dessa vez por 2 a 0. Com cinco vitórias e um empate sem seis jogos, a equipe estava embalada e tinindo para a fase seguinte.
Na segunda fase, o time encarou o Palmeiras (BRA) e o Universitario (PER). O tricolor estreou com um empate sem gols contra os peruanos, fora de casa, derrotou o Palmeiras em pleno Pacaembu por 3 a 0 (dois gols de Artime e um de Bareño), venceu o Universitario em casa por 3 a 0 (dois gols de Morales e um de Artime) e novamente o Palmeiras por 3 a 1 (gols de Artime, Morales e Prieto). Invicto e jogando um futebol extremamente eficiente e seguro, o Nacional estava em mais uma final de Libertadores. Mas, para desespero dos torcedores, o adversário seria o temido Estudiantes, algoz de 1969, então tricampeão continental e em busca de um histórico tetra.
A vingança e o título
No primeiro jogo da final, em La Plata, o Estudiantes conseguiu neutralizar o poder ofensivo do Nacional e venceu por 1 a 0, com gol de Romeo. Na volta, no caldeirão do estádio Centenário, Masnik fez o gol único do jogo, forçando uma partida extra (na época, não havia prorrogação ou pênaltis). Na grande final, disputada em campo neutro, no Estádio Nacional de Lima, no Peru, o time uruguaio jogou tudo e mais um pouco e venceu por 2 a 0, gols de Espárrago e Artime, em grande partida tática e coletiva do esquadrão tricolor. Pronto. A síndrome do vice estava enterrada de vez, e o Nacional conquistava sua primeira Libertadores da história. Luis Artime foi o artilheiro da competição com 10 gols. Nunca a torcida do time tricolor vibrou tanto, a ponto de receber o time em massa no retorno ao Uruguai, como você vê na segunda foto abaixo…
Novo torneio nacional e expectativa para o Mundial
Depois da Libertadores, o tricolor faturou o tricampeonato nacional, com liderança tanto na primeira fase do torneio quanto no playoff, deixando o Peñarol com um novo vice. Para variar, o artilheiro, pela terceira vez seguida, foi Luis Artime, com 16 gols. Com duas taças em tão pouco tempo, o time se concentrou para os duelos do Mundial Interclubes, à época disputado em duas partidas, uma em cada continente. Era a grande chance de o time uruguaio mostrar sua força para o mundo.
“Livres” do Futebol Total
A final do Mundial Interclubes de 1971, disputada em dezembro daquele ano, colocou a eficiência do Nacional, campeão da América, contra os gregos do Panathinaikos (comandados pelo técnico Ferenc Puskás), vice-campeões europeus e representantes da Europa no torneio, já que o Ajax, campeão da Liga dos Campeões daquele ano e célebre pelo Futebol Total de Rinus Michels e Johan Cruyff, se recusou a disputar o torneio. Para alívio dos tricolores (!)… No primeiro jogo, na Grécia, com o estádio Georgios Karaiskakis lotado, os donos da casa abriram o placar aos 3´do segundo tempo, com Filakouris. O Nacional não se abateu e apenas dois minutos depois, o artilheiro Artime empatou. O placar de 1 a 1 foi celebrado como uma vitória pelos uruguaios, que confiavam demais na força da torcida para o jogo decisivo, no Centenário.
Reis do mundo
Jogando em casa, o Nacional fez do estádio Centenário, em Montevidéu, o palco para a sua consagração. Com mais de 60 mil vozes lhe apoiando, o time tricolor foi todo ataque, energia, força e disposição desde o início, abrindo o placar aos 34 minutos da primeira etapa com ele, sempre ele, Artime. No segundo tempo, aos 29´, Artime fez o segundo. Era só alegria no caldeirão tricolor, que levou um susto com gol de honra dos gregos, marcado por Antoniadis, aos 44´. Mas era tarde. Ao apito final, o time uruguaio era, pela primeira vez na história, o melhor time do mundo. Era a consagração definitiva de um time que era exemplo de força, energia, entrega e respeito ao adversário, jogando um futebol competitivo e ao mesmo tempo muito técnico.
Tetra nacional, Interamericana e nove anos de jejum
Em 1972, o Nacional encerrou uma era fantástica com dois títulos. O primeiro foi a inédita Copa Interamericana, que reuniu os campeões da América do Sul (Nacional) e da América do Norte e Caribe (Cruz Azul, do México) de 1971. No primeiro jogo, no México, empate em 1 a 1, com o gol dos uruguaios marcado por Mamelli. Na volta, no Uruguai, vitória tricolor por 2 a 1, gols de Mamelli e Castro. O Nacional se tornou o primeiro e único clube do país a conquistar o torneio, feito que iria se repetir em 1989.
No Campeonato Uruguaio, o esquadrão de Etchamendi conquistou um inédito tetracampeonato para a história do clube, com 16 vitórias, quatro empates e duas derrotas em 22 partidas, com 55 gols marcados (mais que o dobro que o vice-campeão, Peñarol, que anotou 26) e 21 gols sofridos. O ótimo atacante argentino Mamelli foi o grande artilheiro da competição, com 20 gols marcados, mantendo o Nacional no topo também no quesito artilharia. Depois do título, o time perdeu força e não conseguiu alcançar uma nova final de Libertadores, o que só aconteceria em 1980, em outra história que o Imortais já relembrou aqui. A torcida tricolor, até hoje, contempla e enaltece os feitos daquele time mágico, que colocou o Nacional para sempre no grupo dos gigantes do futebol mundial. Um esquadrão imortal.
Os personagens:
Manga: foi um dos maiores goleiros da história do futebol brasileiro e mundial. Chegou ao Nacional em 1969, já consagrado por ter defendido a meta do fantástico Botafogo de Garrincha, Nilton Santos e companhia durante a década de 60. Seguro, com mãos enormes e muita regularidade, foi soberano no gol do Nacional por anos maravilhosos, sendo essencial para as conquistas do time de 1969 até 1972. Ídolo no clube. Leia mais sobre ele clicando aqui.
Ángel Brunell: se destacou no Danubio antes de se transferir para o Nacional, em 1968. Compôs o sistema defensivo do time e teve papel fundamental nos títulos internacionais da equipe, inclusive no Mundial.
Ancheta: foi um dos maiores defensores da história do futebol uruguaio, com muito estilo, força e disposição. Jogou muito no Nacional de 1965 até 1971, participando da conquista da Libertadores. Deixou o time após a conquista da América para defender (e ser ídolo, também) outro tricolor: o Grêmio (BRA), onde ficou até 1979. Foi um dos oito jogadores do Nacional a integrar o elenco da seleção uruguaia 4ª colocada na Copa do Mundo de 1970.
Juan Masnik: era a garra, coragem e uma legítima “fortaleza” na zaga do Nacional. Era muito forte no jogo aéreo e ajudou demais a equipe a não levar gols em muitas partidas naqueles anos de ouro. Foi herói na Libertadores de 1971, quando marcou o gol da vitória por 1 a 0 no segundo jogo da final, forçando o jogo desempate. Disputou a Copa de 1974 pelo Uruguai.
Luis Ubiña: outro craque da zaga e líder do time, Ubiña jogou de 1967 até 1974 no Nacional, encerrando a carreira no clube tricolor. Foi capitão da seleção uruguaia na Copa de 1970.
Julio Montero Castillo: jogava com muita garra no meio de campo e era exímio na marcação. Foram nove títulos nas duas passagens que teve pelo clube, sendo os principais a Libertadores e o Mundial de 1971. Outro que disputou a Copa de 1970. É pai de outro grande defensor uruguaio que brilhou nos anos 90, Paolo Montero.
Juan Carlos Blanco: ajudava na defesa e também no apoio ao meio de campo e ataque, pelo meio e pelas pontas. Começou no próprio Nacional, em 1967, ficando até 1973. Jogou ainda no Zaragoza (ESP) até encerrar a carreira no Nacional, em 1982. É um dos poucos a ter vencido duas Libertadores e dois Mundiais com a camisa tricolor, em 1971 e 1980.
Luis Cubilla: um dos maiores nomes do futebol uruguaio dos anos 60, já havia feito história no incrível Peñarol bicampeão da América (1960 e 1961) e campeão do mundo em 1961. Um dos maiores pontas do futebol uruguaio na história, extremamente provocador e veloz, Cubilla era o terror para os adversários, e ficou conhecido como “El Negro”. Disputou três Copas pelo Uruguai: 1962, 1970 e 1974.
Juan Martin Mujica: ótimo na defesa e no meio de campo, Mujica é um imortal do Nacional pelo simples fato de ter sido campeão da América e do Mundo pelo clube em 1971, dentro de campo, e repetindo o feito em 1980, só que como técnico.
Víctor Espárrago: meio campista de extremo talento, Espárrago é outro craque imortal do Nacional, presente nos títulos da América e do Mundo em 1971 e 1980. Foram mais de 400 partidas com a camisa do clube uruguaio, atuações de gala e gols memoráveis. Outro presente na Copa de 1970.
Ildo Enrique Maneiro: outro membro do meio de campo tricolor, Maneiro começou no Nacional em 1965 e ficou até 1973. Colecionou títulos pelo clube jogando sempre com muita regularidade. Esteve na Copa de 1970.
Luis Artime: simplesmente decisivo e genial, o argentino Artime foi sem dúvida uma das maiores estrelas do Nacional nas conquistas do tetracampeonato uruguaio, da Libertadores e do Mundial, este com peso ainda maior pelo fato de Artime ter marcado todos os gols do time nas duas partidas contra o Panathinaikos. Arisco, com faro de gol apuradíssimo e letal dentro da área, com seus chutes de primeira e cabeçadas, Artime foi por três vezes seguidas artilheiro do Campeonato Uruguaio (1969, 1970 e 1971), artilheiro da Libertadores de 1971 e artilheiro do Mundial de 1971. Foram 158 gols com a camisa tricolor, média de mais de um gol por jogo em torneios locais e uma paixão incondicional da torcida. Ídolo eterno.
Julio César Morales: atacante premiado tanto no Uruguai quanto na Europa (jogando pelo Austria Viena), Morales é outro célebre por ter conquistado a Libertadores e o Mundial Interclubes em duas oportunidades pelo Nacional, em 1971 e 1980.
Juan Carlos Mamelli: foi outro argentino a brilhar com a camisa do Nacional, com muito oportunismo, força física e gols. Quebrou a hegemonia de Artime na artilharia do Campeonato Uruguaio em 1972, ao ser o goleador da temporada com 20 gols. Na história, marcou 156 gols com a camisa do clube.
Ruben Bareño: atacante muito rápido, Bareño teve destaque no Cerro antes de chegar ao Nacional. Era reserva, mas entrava em muitas partidas, anotando gols importantes.
Zezé Moreira e Washington Etchamendi (Técnicos): o brasileiro Zezé Moreira foi o responsável por montar o time que daria liga em 1971, quando conquistou o título nacional em 1969. Com a chegada de Etchamendi, o time ganhou mais entusiasmo, mais vida e mais gana para fazer história e deixar de ser coadjuvante no cenário internacional. Etchamendi foi mítico no clube com o tricampeonato nacional e os canecos da Libertadores e do Mundo, além de ficar célebre com suas frases de efeito aos jogadores. Uma frase do técnico bem curiosa é a que ele supostamente dizia antes de clássicos contra o Peñarol:
“Ya saben. A estos hay que ganarles y, si pueden, con un gol de penal en los descuentos… ¡así se van bien calientes!” – algo como “Já sabem: vocês têm que ganhar desses caras! Se puderem, com um gol de pênalti nos acréscimos… Assim eles ficarão bem nervosos!”
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