Grandes feitos: Campeão da Recopa da UEFA (1974-1975), Campeão da Supercopa da UEFA (1975), Tricampeão do Campeonato Soviético (1974, 1975 e 1977) e Campeão da Copa da URSS (1974). Foi o primeiro clube soviético a conquistar um título europeu de futebol.
Time-base: Rudakov; Troshkin, Fomenko, Reshko e Matviyenko (Zuyev); Muntyan, Konjkov (Veremeyev), Kolotov (Slobodyan) e Buryak; Onyshchenko e Oleg Blokhin. Técnico: Valeriy Lobanovskyi.
“Ciência aplicada – parte 1”
Por Guilherme Diniz
“Temos que priorizar o coletivo. Assim, o esquema tático torna-se mais importante do que o próprio jogador. Não há lugar para firula desnecessária. Improvisação? Somente em última circunstância, caso o artifício seja essencial para atingirmos o inimigo, ou seja, colocar a bola dentro da rede do adversário”.
Os dizeres que você acabou de ler parecem surreais se pensarmos no futebol atual, não é mesmo? Será que eles saíram de um manual de algum técnico chato e sisudo? De um discurso pré-jogo nada motivador? Não. Eles são apenas alguns dos “mantras” que caracterizaram um dos esquadrões mais emblemáticos da história do futebol mundial e que inspirou, acredite, times ainda mais famosos décadas depois. Sabe o Milan de Sacchi, seu pressing e a redução dos espaços do campo? Sabe o Barcelona de Guardiola? Pois bem. O que eles fizeram no final dos anos 80 e no final dos anos 2000, respectivamente, não foi nenhuma novidade.
Foi bonito de se ver, claro, mas eles buscaram lá atrás, nos manuais científicos de um homem chamado Valeriy Lobanovskyi o modus operandi para conquistar títulos. E eles se deram bem, como se deu bem o Dynamo de Kiev, primeiro clube soviético a levantar uma taça europeia, capaz de derrotar um PSV cheio de jogadores da Seleção Holandesa dos anos 70 e vencer o Bayern de Beckenbauer sem piedade em uma final de Supercopa da UEFA (e ainda eliminá-lo em um mata-mata de Liga dos Campeões). Com jogadores disciplinados, inteligentes e um craque fora de série, Oleg Blokhin, o Dynamo escreveu seu nome com tinta dourada em todo e qualquer livro de futebol por vencer títulos, apresentar uma filosofia de jogo baseada em muito treino, dedicação total ao coletivo e a construção de algo único, um time em sua essência. Quando alguém se referia ao Dynamo, não pensava em um só jogador. Pensava no Dynamo. Era o Dynamo. Onze homens em campo e um estrategista incrível no banco. E pensar que, naqueles anos 70, era apenas o primeiro capítulo de uma dinastia Lobanovskyi que renderia louros em mais duas décadas. É hora de relembrar as curiosidades do laboratório de Kiev.
O cientista
Antes dos gloriosos anos 70, o Dynamo passou por muitos percalços nas décadas anteriores, mais precisamente nos tempos que antecederam a II Guerra Mundial. Sempre orgulhoso se sua nacionalidade ucraniana mesmo sob domínio da URSS, o clube ganhou muitos simpatizantes nos anos 30 e viu sua popularidade aumentar por erguer as cores de Kiev em tempos cujas cores mais fortes vinham de Moscou, a grande capital daquele regime soviético. Nos anos 40, a lenda do Dynamo aumentou com o fatídico “Jogo da Morte”, quando a equipe, junto com o Lokomotiv, bateu os nazistas por 5 a 3 e pagou caro por isso (leia mais clicando aqui).
Passada a guerra, a equipe seguiu no bloco, mas começou a crescer profissionalmente e a ganhar títulos em seu território. A primeira grande taça veio em 1954, com a conquista da Copa Soviética. Em 1961, o sonhado título no Campeonato Soviético, este graças à ajuda de um jogador habilidoso, técnico e que tinha a incrível capacidade de marcar gols em tiros de escanteios e aplicar curvas impressionantes na bola em tiros de longa distância e lançamentos: Valeriy Lobanovskyi, filho de Kiev que jogou no clube como ponta-esquerda e atacante de 1957 até 1964, período no qual ele venceu, além do campeonato nacional, a Copa Soviética de 1964. Lobanovskyi deixou a equipe para vestir a camisa do Chornomorets Odessa até 1966, partindo para o Shakhtar Donetsk, onde encerrou a carreira, em 1968.
Em 1969, ele decidiu virar técnico de futebol e aplicar tudo o que havia aprendido na prática em teorias científicas, afinal, ele era um entusiasta do progresso científico e assíduo estudioso do esporte. Do outro lado do balcão, Lobanovskyi se viu obrigado a mudar alguns conceitos dos tempos de atleta. Quando jogador, ele era rebelde e não media as palavras quando não gostava de alguma coisa. Certa vez, diante do técnico Viktor Maslov, do Dynamo, acusou-o de oprimir os jogadores por negar-lhes espaço para a criatividade. No entanto, o agora técnico Lobanovskyi priorizaria o coletivo e dispensaria a firula desnecessária. Estudante do Instituto Politécnico de Kiev, o treinador se interessou muito pelas disciplinas exatas e pela tecnologia, em especial os progressos soviéticos na computação.
Tal conhecimento influenciou, segundo o próprio, a abordagem sistemática e o raciocínio lógico dele como técnico. Para ele, segundo informações do site Valve, em ótima reportagem de Rafael Mateus, publicada em 2014, o futebol seria “um sistema com 22 elementos, dividido em dois subsistemas de 11 elementos, que se deslocam dentro do campo de jogo. Esse sistema é sujeito a uma série de restrições impostas pelas regras do futebol”.
Se os dois sistemas se tornassem equivalentes, haveria empate. Se um deles se mostrasse mais eficiente na proposta do jogo, ele sairia vencedor. Essa ciência aplicada dava a Lobanovskyi a certeza de que o futebol não era baseado nos indivíduos, mas nas conexões existentes entre os jogadores. Além disso, o conjunto das capacidades técnicas de todos os jogadores era inferior à eficiência de um sistema de jogo bem elaborado. Em linhas gerais, ciência pura.
Lobanovskyi aplicou suas teorias no Dnipro Dnipropetrovsk, seu primeiro clube como técnico, onde já venceu o Campeonato Soviético da segunda divisão, em 1971, e manteve o clube na elite das temporadas seguintes fazendo um trabalho impressionante de preparação física, estudo dos adversários por meio de gravações e uma série de estatísticas que ajudavam na hora de treinar e do que fazer em campo contra determinado adversário. Com bons resultados em campo, mas sem conseguir chegar ao topo, Lobanovskyi viu seu futuro mudar no final de 1973, quando foi contratado pelo Dynamo de Kiev. Em um clube considerado grande, Lobanovskyi poderia, enfim, mostrar seu talento para todo país. E, quem sabe, para o continente.
A concepção de um grande time
Em Kiev, Lobanovskyi tinha em mãos um time já entrosado, mas que precisava de alguns toques e “equações” para dar resultado. No gol, Rudakov era inquestionável com sua seriedade e frieza. No meio, Kolotov sabia como defender e atacar com a mesma precisão. Perto dele, o pequenino Muntyan, versátil, habilidoso e apto a criar várias chances de gol para os companheiros e para si mesmo. Buryak era outro talento pelo lado esquerdo do campo, oponente difícil para os adversários por conta da visão de jogo e técnica. E, no ataque, um jovem artilheiro extremamente rápido e no clube desde 1969, Oleg Blokhin, uma máquina quase imparável que fazia estragos tremendos nas zagas rivais e que havia sido artilheiro dos dois últimos campeonatos nacionais.
Com bons nomes, o técnico implantou um método de trabalho muito organizado que mais parecia um laboratório onde a perfeição deveria ser alcançada. Os jogadores treinavam à exaustão, todos deveriam ser capazes de jogar em qualquer posição caso fosse necessário (notou uma semelhança com um certo Carrossel Holandês?) e cada jogo e cada jogador tinham uma tática específica. Além de tudo isso, os treinos do Dynamo eram, para dizer o mínimo, pitorescos. Jogadores chutavam bolas em paredes com números específicos, corriam em duplas com outro jogador em cima, isso só para dizer o básico.
Embora fosse um treinador linha dura, Lobanovskyi tolerava derrotas em final de temporada (desde que o título estivesse ganho!) e considerava bons os empates fora de casa contra adversários que impusessem grande desgaste físico e mental à equipe. Era a plenitude do Futebol Científico, como ficou conhecido o esporte aplicado pelos soviéticos naqueles tempos de Guerra Fria (o Imortais já contou um pouco sobre isso com a URSS do final dos anos 50. Leia mais clicando aqui). No entanto, era preciso colocar tudo aquilo em prática. E mostrar a força do Dynamo.
Depois do quase, os primeiros títulos
Na temporada de 1973, o Dynamo ficou com o vice no Campeonato Soviético, mas teve a melhor defesa da competição –23 gols sofridos em 30 jogos – e venceu os quatro jogos que empatou nos pênaltis – os empates eram decididos nos pênaltis no Campeonato Soviético daquele ano. O vencedor ganhava um ponto. Vale lembrar que as vitórias valiam apenas dois pontos. No total, foram 30 jogos, 16 vitórias, quatro empates e seis derrotas – o campeão, Ararat Yerevan, teve duas vitórias a mais. Oleg Blokhin manteve a ótima fase e foi artilheiro mais uma vez, com 18 gols. Na copa nacional, outra vez o Ararat atrapalhou os planos do Dynamo e venceu a finalíssima, por 2 a 1, em um jogo muito disputado.
No entanto, na temporada seguinte, a equipe mostrou que os tropeços eram coisa do passado e faturou os dois principais torneios soviéticos. No campeonato, foram 14 vitórias, 12 empates e apenas quatro derrotas em 30 jogos, com 49 gols marcados (melhor ataque) e 24 gols sofridos (segunda melhor defesa). Oleg Blokhin, pra variar, foi mais uma vez artilheiro, com 20 gols. Na Copa Soviética, a equipe despachou os adversários com autoridade e muito controle de jogo e entrou na decisão contra o Zorya Voroshilovgrad certo de que sairia campeão. E saiu: 3 a 0, fora o baile.
Por causa do chamado calendário solar, os times da URSS participavam de maneira diferente das competições europeias. Vice-campeão do campeonato e da copa nacionais em 1973, a equipe ficou com a vaga do Ararat, campeão de ambas, para participar da Recopa da UEFA de 1974-1975, enquanto o rival disputou a Liga dos Campeões de 1974-1975 por ter sido campeão nacional. A Recopa, na época, reunia os campeões das copas nacionais dos principais países da UEFA, por isso a vaga foi herdada pelo Dynamo. O torneio tinha muito peso na época. E os comandados de Lobanovskyi iriam levar a competição muito a sério.
Ciência para a Europa ver
Jogando em alto nível e já temido dentro de casa, o Dynamo começou a caminhada na Recopa da UEFA confiante de que poderia ir longe. Blokhin era fantástico no ataque e conseguia aparecer individualmente mesmo em um sistema totalmente integrado e coletivo, a zaga era uma fortaleza e o meio de campo inteligente e preciso. Quem começou a sentir isso foi o CSKA Sofia, da Bulgária, que perdeu os dois jogos da primeira fase por 1 a 0 (ambos os gols foram de Blokhin). Na segunda fase, a equipe teve pela frente os alemães do Eintracht Frankfurt, que tinha como destaque o ponta Grabowski, campeão da Eurocopa e da Copa do Mundo pela seleção alemã. Mesmo contra uma equipe tradicional, os soviéticos não se intimidaram e venceram por 3 a 2 (fora) e 2 a 1 (em casa).
Nas quartas de final, o adversário foi mais fácil: o Bursaspor-TUR. Na Turquia, vitória do Dynamo por 1 a 0. Na volta, vitória por 2 a 0 e vaga na semifinal. Nela, o adversário seria o perigoso PSV-HOL, repleto de bons jogadores e com os irmãos René e Willy van de Kerkhof, membros da seleção holandesa na Copa de 1974. Era, sem dúvida, o grande teste para aquele time. Era, também, uma “final antecipada”, pois do outro lado ninguém apostava em Ferencvaros-HUN e Estrela Vermelha-IUG como possíveis campeões.
No primeiro duelo, em Kiev, o Dynamo mostrou a força de sua casa e fez a alegria dos quase 100 mil torcedores no Estádio Central e venceu por categóricos 3 a 0, gols de Kolotov, Onyshchenko e Blokhin. Na volta, em Eindhoven, o PSV fez jogo duro, abriu o placar após uma falha do goleiro do Dynamo e acendeu o alerta na equipe soviética. No entanto, Leonid Buryak, já na segunda etapa, apareceu de surpresa na área holandesa após cruzamento pela direita e fez o gol de empate. Mais tarde, o PSV ainda fez 2 a 1, mas de nada adiantou: o Dynamo estava na final! Aquela foi a única derrota da equipe na competição. Buryak, herói do jogo, falou sobre aquela partida:
“Eles tiveram vários contra-ataques perigosos, estávamos perdendo por 1 a 0, enfim, o jogo estava muito hostil para nós até eu fazer aquele gol. Eu não sei o que teria acontecido se eu não tivesse feito aquele tento de empate. Mas, depois dele, sabíamos que já estávamos na final”. – Leonid Buryak, meio-campista do Dynamo, em entrevista ao site do clube, em maio de 2015.
Os pioneiros
No dia 14 de maio de 1975, no estádio St. Jakob, em Basel, na Suíça, o Dynamo entrou em campo para mostrar ao continente que o futebol poderia ser uma ciência aplicada em prol de um resultado. A equipe enfrentou o Ferencvaros-HUN convicta de que seria campeã. Kolotov, o grande capitão daquele time, poderia ser a figura que exemplificava aquele esquadrão: concentrado, com espírito vencedor, inteligente, dinâmico. Blokhin, o atacante estupendo, era o toque de magia naquela fórmula secreta que transformava os jogos em vitórias estudadas do início ao fim.
O primeiro gol do jogo, aos 18’, demonstrou claramente o poder daquele Dynamo. Do campo de defesa, a equipe foi trocando passes de pé em pé, sem chutão, até a bola chegar em Blokhin. Ele abriu espaço, tocou para Onyshchenko, que entortou um zagueiro, limpou outro e estufou as redes do goleiro Géczi: 1 a 0. Golaço! Quem disse que aquela ciência toda era chata e sem brilho? O jogo seguiu e o time húngaro não conseguia passar por aquele “pressing”, aquela marcação complicada, aqueles cientistas. O Dynamo tinha total controle do jogo e parecia ter tudo já mentalizado, quando marcar o segundo gol, como fazê-lo. Aos 39´, nova roubada de bola no campo de defesa, contra-ataque engatilhado, bola de pé em pé até chegar em Onyshchenko, dessa vez no lado direito, que chutou por cobertura e enganou o goleiro para fazer 2 a 0. Estava fácil demais!
Na segunda etapa, o Dynamo continuou com o controle e se mostrava cada vez mais sério. O Ferencvaros acusou o golpe e não tinha mais ações. Aos 22´, adivinhe? Nova roubada de bola, dessa vez no meio de campo, e contra-ataque. A bola chega até Blokhin, pela direita, que tem o prazer de encerrar aquele passeio com uma pintura digna do craque que ele era: drible da vaca em um zagueiro, outro drible no goleiro e um toque sutil para o fundo da rede: que golaço!!! Quanta precisão. E que time. Os 3 a 0 poderiam ser 4, 5, 6, tamanha autoridade do Dynamo em campo.
Ao apito do árbitro escocês Robert Davidson, estava escrita a história: o Dynamo de Kiev, para o orgulho de uma reprimida Ucrânia sob domínio soviético, era campeão da Recopa da UEFA, o primeiro time daquela enorme URSS a conquistar um título continental. Oleg Blokhin, com apenas 22 anos, se consagrava de vez como um craque fora de série, além de ter sido fundamental na campanha do Dynamo ao marcar cinco gols. O escrete de Kiev foi campeão com oito vitórias e apenas uma derrota em nove jogos, com 17 gols marcados e apenas cinco sofridos.
Garoto de ouro e mais um título nacional para a coleção
Para coroar um ano espetacular, o Dynamo viu seu menino de ouro, Oleg Blokhin, faturar o Ballon d’Or da revista France Football de melhor jogador da Europa em 1975. O craque ficou à frente de ninguém mais ninguém menos que Franz Beckenbauer e Johan Cruyff, segundo e terceiro colocados, respectivamente. O ucraniano somou 122 pontos contra 42 de Beckenbauer e 27 de Cruyff. Ainda em 1975, o Dynamo manteve a hegemonia em casa e venceu mais um campeonato nacional, com 17 vitórias, nove empates e quatro derrotas em 30 jogos, marcando 53 gols – melhor ataque – e sofrendo 30. Na artilharia, outra vez Blokhin, com 20 gols, além de Viktor Kolotov, autor de 12 gols.
Dois jogos. E um título soberbo!
Campeão da Recopa, o Dynamo ganhou o direito de disputar a Supercopa da UEFA contra o vencedor da Liga dos Campeões. Acontece que o campeão do principal torneio do continente era ninguém mais ninguém menos que o Bayern München, base da Alemanha campeã da Copa de 1974 e recheado de craques como Sepp Maier, Schwarzenbeck, Beckenbauer, Rummenigge, Gerd Müller e Kapellmann. Enfim, era uma constelação bicampeã da Europa, pois também havia vencido na temporada 1973-1974 – e venceria o tri, em 1975-1976 (leia mais clicando aqui). Muita expectativa foi criada para aqueles duelos. Era a tal da “ciência soviética” contra a frieza e técnica alemãs.
No primeiro duelo, em Munique, o Dynamo mostrou extremo sangue frio e venceu por 1 a 0, gol de Blokhin. Mas o melhor estava reservado para a volta, em Kiev. Mais de 100 mil pessoas lotaram o estádio ucraniano e criaram uma energia impressionante para os jogadores. O Bayern, por mais que fosse o melhor Bayern da história, sentiu. E o “flecha” Blokhin fez estragos tremendos na zaga alemã. Com uma atuação de gala, o craque fez dois gols – um clássico, entortando a zaga, e outro num petardo de falta sem chances para Sepp Maier – e deu a vitória por 2 a 0 ao Dynamo.
Era a cereja no bolo de um ano inesquecível: título nacional, título da Recopa, Ballon d’Or de Blokhin e título da Supercopa. A festa em Kiev foi simplesmente enorme e fez com que os jogadores ficassem por muito tempo impossibilitados de saírem do estádio tamanha era a quantidade de torcedores querendo ver e abraçar seus ídolos. Para se ter uma ideia, antes daquele jogo, houve mais de 1.200.000 pedidos de ingresso! Isso mesmo: mais de um milhão e duzentos mil pedidos de ingresso em um estádio que cabia pouco mais de 100 mil pessoas! O fanatismo da torcida atingia o ápice em toda a história do clube, que tinha naquela época uma média de 80 mil pessoas nos jogos em casa.
Ressaca de campeão
Em 1976, o Dynamo foi prejudicado pela divisão em dois turnos do campeonato nacional (primavera e outono) e não conseguiu manter o nível dos anos anteriores. A equipe terminou apenas na oitava colocação no torneio da primavera e em terceiro lugar no outono. Na Liga dos Campeões de 1975-1976, a equipe eliminou o Olympiacos-GRE (3 a 2 no agregado), na primeira fase, e o fraco ÍA-ISL com um 5 a 0 no placar agregado na fase seguinte. Nas quartas de final, porém, tudo deu errado. Na ida, contra os franceses do Saint-Étienne, o Dynamo venceu por 2 a 0 (gols de Konkov e Blokhin) e levou uma ótima vantagem para a volta, na França. Mas um erro crucial do melhor jogador do time naquela partida decretou a derrocada do Dynamo. Quando o jogo ainda estava 0 a 0, Blokhin fez uma jogada maravilhosa, driblou dois, saiu em disparada, entrou na área com tudo para fazer o gol e… Foi desarmado! O Saint-Étienne iniciou um contra-ataque fulminante que resultou em gol. Isso já no segundo tempo. Foi o bastante para enervar o time verde, que fez mais um e outro já na prorrogação, vencendo por 3 a 0 e se classificando para a semifinal.
Talvez a única notícia boa para Lobanovskyi e companhia naquele ano de 1976 tenha sido a medalha de bronze nas Olimpíadas de Montreal-CAN. A seleção da URSS foi comandada pelo próprio técnico Lobanovskyi e, dos 17 jogadores convocados, 11 eram do Dynamo – Konkov, Matviyenko, Fomenko, Reshko, Troshkin, Onyshchenko, Kolotov, Veremeyev, Blokhin, Buryak e Zvyagintsev. Na fase de grupos, a equipe não teve dificuldades para vencer os anfitriões por 2 a 0 (dois gols de Onyshchenko) e a Coreia do Norte (3 a 0, com gols de Kolotov, Veremeyev e Blokhin). Nas quartas de final, vitória por 2 a 1 sobre o Irã (gols de Minayev e Zvyagintsev), mas, na semifinal, a derrota para a Alemanha por 2 a 1 fez ruir o sonho do ouro. Na disputa do bronze, Onyshchenko e Nazarenko fizeram os gols da vitória por 2 a 0 sobre o Brasil de Cláudio Coutinho. Era o tímido brilho num ano de ressaca.
Novo “quase” europeu e o último caneco
No segundo semestre de 1976, o Dynamo começou a dar a volta por cima nos maus resultados anteriores na disputa da Liga dos Campeões da UEFA. Na primeira fase, a equipe eliminou o Partizan-IUG com duas boas vitórias – 3 a 0, em casa, e 2 a 0, fora. Nas oitavas de final, disputada entre outubro e novembro, a equipe despachou os gregos do PAOK também com facilidade: 4 a 0, em casa, e 2 a 0, fora. Em março de 1977, era hora das quartas de final e de enfrentar um velho conhecido: o Bayern München. A equipe alemã brigava pelo tetracampeonato consecutivo e ainda tinha um elenco de peso, com Sepp Maier, Schwarzenbeck, Beckenbauer, Franz Roth, Rummenigge e Uli Hoeness. Aquele duelo, ao lado de Saint-Étienne-FRA e Liverpool-ING, era um dos mais aclamados pela mídia esportiva da época por reunir times fortíssimos e entrosados, além de soviéticos e alemães já terem uma leve rivalidade por conta da final da Supercopa da UEFA de 1975.
No primeiro duelo, em Munique, o Bayern conseguiu um gol com Künkel, aos 43´do primeiro tempo, e manteve o placar até o final. Porém, um só gol era pouco para a volta, no lotado estádio de Kiev. O Dynamo construiu várias chances, perdeu um pênalti no primeiro tempo, mas manteve o controle do jogo e a calma. Na segunda etapa, faltando sete minutos para o fim, mais um pênalti, dessa vez convertido por Buryak, que encheu o pé sem chances para Sepp Maier. Cinco minutos depois, jogada ensaiada pela esquerda em cobrança de falta e cabeçada certeira de Slobodyan, que decretou a vitória por 2 a 0 e a classificação do Dynamo para a semifinal da Liga pela primeira vez em sua história. O Bayern, definitivamente, era freguês!
Faltando apenas um degrau para a sonhada final, a equipe de Lobanovskyi tinha pela frente um adversário tão complicado quanto o Bayern: o Borussia Mönchengladbach, que contava com sua melhor geração da história e nomes como Berti Vögts, Wittkamp, Jupp Heynches, Stielike, Allan Simonsen e Bonhof (leia mais sobre eles clicando aqui). Os alemães atuavam no 3-4-3 e alternavam para um 4-3-3 bem complicado para os adversários, sempre explorando as qualidades de Simonsen e Heynches no ataque, além da soberba eficiência de Vögts no setor defensivo e na marcação. No primeiro duelo, em Kiev, mais de 102 mil pessoas transformaram o Central Stadium num verdadeiro caldeirão e empurraram o Dynamo à vitória por 1 a 0, gol de Onyshchenko. No entanto, por mais que a zaga soviética fosse forte e o técnico Lobanovskyi tivesse seus planos para sair de Düsseldorf com pelo menos um empate, aquele 1 a 0 seria complicado para segurar diante de 72 mil torcedores. E foi. Bonhof, de pênalti, aos 31´, e Wittkamp, aos 37´do segundo tempo, decretaram a vitória do Borussia por 2 a 0 e carimbaram a vaga alemã na final. Era o fim do sonho do Dynamo na Liga.
Em território nacional, o esquadrão de Kiev venceu o Campeonato Soviético com uma campanha irrepreensível: 14 vitórias, 15 empates, apenas uma derrota, 51 gols marcados (melhor ataque) e 12 sofridos (melhor defesa) em 30 jogos. Blokhin foi artilheiro com 17 gols (foi a última vez que o craque ficou no topo da artilharia do torneio nacional) e a torcida, enfim, celebrou uma taça após um ano de hiato. Porém, aquele troféu marcou o fim da primeira grande geração comandada por Lobanovskyi. Troshkin, Muntyan e Matviyenko se despediram e uma natural renovação era necessária. Mas será que ela viria tão cedo?
Os anos 1980 estão aí!
Depois da entressafra, o Dynamo voltaria ao topo após 1982, com um novo esquadrão também comandado por Lobanovskyi. No entanto, o melhor e mais mítico time que o Dynamo já teve em toda sua história foi mesmo o dos anos 70. Com solidez em todos os setores do campo e jogadores emblemáticos, a equipe construiu sua história avessa à situação política do país e pensando apenas em alegrar seus torcedores e honrar o nome de Kiev para além dos domínios da URSS. Até hoje, aquele time rende boas e longas conversas entre os ucranianos, que se lembram do que era o Central Stadium com mais de 100 mil pessoas. Do pavor que os adversários tinham em encarar o pressing. Do que era aquele time quando engatilhava um contra-ataque. E do que jogava Oleg Blokhin. E, claro, do que era capaz o cientista sisudo Lobanovskyi, o mentor cerebral e tático de um esquadrão imortal.
Os personagens:
Rudakov: por mais de uma década, o goleiro foi sinônimo de segurança embaixo do travessão do Dynamo. Sério, ágil e com ótima colocação, ele foi um dos principais responsáveis pela eficiência do setor defensivo do time naqueles anos de ouro. Jogou no Dynamo de 1962 até 1977 e disputou mais de 290 jogos com a camisa do clube. Vestiu a camisa da URSS em 42 oportunidades.
Troshkin: titular absoluto no esquema do técnico Lobanovskyi, o defensor podia atuar na lateral direita, no centro da zaga e até como apoio na marcação do meio de campo. Jogou de 1969 até 1977 no clube de Kiev e venceu sete títulos.
Fomenko: zagueiro muito bom na marcação e com bom senso de colocação, Mykhaylo Fomenko jogou no clube de 1972 até 1979. Disputou, também, 24 jogos com a camisa da seleção soviética.
Reshko: outro grande defensor daquele esquadrão, Stefan Reshko era presença garantida no time titular e foi um dos ícones no setor defensivo. Jogou de 1971 até 1978 no Dynamo, clube no qual encerrou a carreira.
Matviyenko: o lateral-esquerdo completava a famosa linha de quatro defensores do imortal Dynamo. Veloz e muito bom nos passes, jogou de 1970 até 1977 na equipe de Kiev. Foi importante, também, na seleção soviética, pela qual venceu o Bronze olímpico nos Jogos de 1976.
Zuyev: jogou por uma década no clube, mas não era titular absoluto por causa da concorrência com Matviyenko, que também atuava no lado esquerdo da defesa.
Muntyan: foram 12 anos de serviços prestados ao Dynamo e muitos títulos para a memória. De 1965 até 1977, Volodymyr Muntyan disputou 371 jogos com a camisa do clube e é o sétimo na lista dos que mais vestiram o manto azul e branco da equipe de Kiev. Pequenino, compensava a falta de altura para as jogadas aéreas com muito vigor e velocidade no meio de campo, construindo jogadas, e dando o apoio aos companheiros no ataque, além de disciplinado e com ótima visão de jogo. Ídolo incontestável da torcida.
Konjkov: não era titular absoluto, mas fez boas partidas quando entrou em campo, principalmente como volante e primeiro zagueiro. Era muito bom no desarme e na marcação homem a homem. Jogou de 1975 até 1981 no clube.
Veremeyev: o meio campista virou lenda no clube por passar praticamente toda sua carreira com a camisa azul e branca. Jogou de 1968 até 1982 em Kiev e disputou 401 jogos pela equipe – ele é o sexto com mais jogos pelo Dynamo na história. Venceu sete títulos nacionais, além da Recopa de 1975 e da Supercopa da UEFA do mesmo ano.
Kolotov: o meio-campista foi o grande capitão e líder daquele esquadrão. Forte, rápido, sério, habilidoso e com ótima visão de jogo, ele era a grande voz do elenco e empurrava a equipe à frente nas mais diversas situações. Defendia bem, ajudava no ataque, marcava gols. Jogou de 1971 até 1981 na equipe e é o décimo maior artilheiro do Dynamo na história com 81 gols marcados em pouco mais de 290 jogos. Pela seleção, foram 54 jogos e 22 gols.
Slobodyan: o atacante despontou no Dynamo em 1975 e brigou bem com Onyshchenko por uma vaga no time titular. Nas vezes que entrou, foi muito bem e marcou gols importantes tanto nas competições nacionais quanto na Liga dos Campeões da UEFA. Venceu o Campeonato Soviético em 1975 e 1977.
Buryak: outra lenda do Dynamo, foi um dos mais talentosos jogadores do clube em todos os tempos. Com uma técnica rara, encontrava espaços impressionantes nas zagas rivais e era o principal elo entre o meio de campo e ataque. Tinha uma espécie de telepatia com Oleg Blokhin tamanha quantidade de jogadas e gols que originava para ele e com ele. Jogou de 1973 até 1984 no Dynamo, disputou 409 jogos – é o quinto jogador que mais vestiu a camisa do clube na história – e marcou 82 gols (é o nono maior artilheiro do clube).
Onyshchenko: foi o companheiro de Blokhin no ataque e fundamental para que os anos de 1974 e 1975 fossem tão especiais, pois foram também o seu auge. Oportunista e dono de ótima colocação, infernizava as defesas rivais. Marcou dois gols na final da Recopa da UEFA de 1975.
Oleg Blokhin: maior artilheiro da história do Campeonato Soviético (211 gols), jogador que mais vezes jogou o Campeonato Soviético (432 jogos) maior artilheiro da história do Dynamo (266 jogos), maior artilheiro da história da seleção soviética (42 gols), jogador que mais vezes vestiu a camisa da URSS (112 vezes), segundo que mais vezes vestiu a camisa do Dynamo (581 jogos) e segundo soviético a vencer o Ballon d’Or (em 1975). Só os números já sustentam a lenda de Blokhin, mas o craque foi muito mais do que isso. Rápido – com apenas 16 anos, corria 100 metros em apenas 11 segundos – habilidoso, mortal em contra-ataques, capaz de jogar como centroavante ou ponta em ambos os lados e extremamente preciso nos chutes, Blokhin foi o melhor jogador soviético de sua época e um dos melhores de todos os tempos. Mito no Dynamo, jogou incríveis 18 anos no clube e venceu quase tudo o que disputou. Foram oito campeonatos nacionais, cinco copas nacionais, três supercopas nacionais, duas Recopas da UEFA e uma Supercopa da UEFA, além de dezenas de títulos individuais, participação em duas Copas do Mundo e gols maravilhosos para todo o mundo ver. Seu legado segue intacto até hoje e nem mesmo outros craques que já passaram pelo clube (entre eles Shevchenko) conseguiram superá-lo. Um craque imortal.
Valeriy Lobanovskyi (Técnico): ao virar técnico de futebol, Lobanovskyi deixou a rebeldia de jogador de lado para se tornar um estudioso do esporte e da parte tática. Aprimorou todos os seus conhecimentos, criou métodos revolucionários para a época, estudava os adversários como quem se prepara para um vestibular e fez história como o mais notável técnico soviético de todos os tempos, com feitos incríveis não só no Dynamo, mas também com a seleção da URSS, que por pouco não faturou uma Eurocopa sob seu comando, lá em 1988, pois ele trombou com outra lenda das táticas – Rinus Michels e sua Holanda. Pelo Dynamo, comandou três gerações, nos anos 70, 80 e 90, e conseguiu façanhas e títulos (foram 23 troféus!) em todas. Após sua morte, em 2002, o Dynamo rebatizou seu estádio com o nome do treinador. É um ídolo incontestável para todos os torcedores e uma lenda do futebol mundial. Leia mais sobre ele clicando aqui.
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Excelente matéria, como de costume. Se Blokhin tivesse nascido em um país ocidental, teria tido maior reconhecimento. Um craque imortal.