Grandes feitos: Tricampeão do Campeonato Português (1986-1987, 1988-1989 e 1990-1991), Campeão da Taça de Portugal (1986-1987), Campeão da Supertaça Cândido de Oliveira (1989) e Vice-campeão da Liga dos Campeões da UEFA (1987-1988 e 1989-1990).
Time-base: Silvino (Manuel Bento); António Veloso (José Carlos), Ricardo Gomes (Dito), Aldair (Mozer) e Samuel (Álvaro); Hernâni (Elzo), Valdo (Rui Águas), Jonas Thern (Shéu), Vítor Paneira (Chiquinho / Lima) e António Pacheco (Diamantino / Abel Campos); Mats Magnusson (Chalana / Vata / César Brito). Técnicos: John Mortimore (1987), Ebbe Skovdahl (1987), Toni (1987-1989) e Sven-Göran Eriksson (1989-1991).
“Só faltou a Europa (de novo…)”
Por Guilherme Diniz
Os anos se passavam e a maldição de Béla Guttmann ficava cada vez mais forte. Desde que o Benfica conquistou o bicampeonato europeu e encerrou o vínculo com o lendário técnico lá no começo dos anos 1960, o clube encarnado jamais venceu novamente a maior competição de clubes da Europa. Vieram três oportunidades: em 1963, derrota para o Milan; em 1965, derrota para a Internazionale; e em 1968, derrota para o Manchester United. Para piorar, em 1987, o rival Porto conquistou sua primeira Copa dos Campeões (nome da UCL na época) e aumentou a amargura dos benfiquistas. Mas o time de Lisboa formou um novo grande esquadrão para tentar reconquistar a Europa. Para isso, levantou o título português de 1986-1987 e garantiu a vaga na copa europeia de 1987-1988.
Tudo ocorreu bem até a final. Porém, o gol teimou em não sair na decisão contra o PSV e o título escapou nos pênaltis. Mais uma amargura. O Benfica não se abateu, voltou a vencer o título nacional em 1988-1989 e voltou à copa em 1989-1990. De novo, alcançou a final. E, diante de um dos maiores esquadrões de todos os tempos – o Milan de Arrigo Sacchi – jogou bem, anulou Van Basten e Gullit e parecia que um detalhe poderia conduzir o time encarnado à glória. Mas quem encontrou um detalhe foi o Milan, que marcou com Rijkaard o gol do bicampeonato europeu daquele ano. De fato, a maldição de Guttmann era real e verdadeira. E outro esquadrão benfiquista foi privado de chegar ao topo do continente. É hora de relembrar.
Na cola do rival
Após a saída do técnico Sven-Göran Eriksson para o futebol italiano na época 1984-1985, o Benfica passou por momentos complicados em casa e teve o desprazer de ver o rival Porto conquistar não só títulos nacionais, mas também a Copa dos Campeões de 1986-1987. Embora tenha vencido duas Taças de Portugal, o clube percebeu que tinha que contratar novos atletas se quisesse ficar na cola dos portistas. E, mais do que isso, precisava retomar a coroa no Campeonato Português. Mesmo focado em melhorias no Estádio da Luz – que ganhou naquela época o terceiro anel de arquibancadas que aumentou sua capacidade para mais de 130 mil pessoas – o clube conseguiu montar um time competitivo e conquistou o título nacional na época 1986-1987, justamente na temporada em que o Porto foi campeão europeu.
O caneco impediu um tri consecutivo dos alviazuis e deu ao Benfica a vaga na Copa dos Campeões de 1987-1988. Em 30 jogos, o Benfica venceu 20, empatou nove e perdeu apenas um. Bem, essa derrota já valeu por várias, afinal, foi uma goleada de 7 a 1 para o Sporting, a maior da história do clássico lisboeta. Rui Águas, com 13 gols, foi o principal goleador da equipe. O clube conquistou também a Taça de Portugal, vencida sobre o Sporting após triunfo por 2 a 1 na final (dois gols de Diamantino).
Depois do título, o Benfica trocou de treinador – saiu John Mortimore e chegou Ebbe Skovdahl – e foi às compras para tentar uma boa campanha em sua trajetória europeia. Com o novo presidente João Maria dos Santos Júnior no lugar de Fernando Martins, os encarnados trouxeram o zagueiro brasileiro Mozer (ex-Flamengo), o atacante sueco Magnusson (ex-Malmö) e o ídolo Chalana, já veterano. Embora a expectativa fosse boa, o time começou muito mal a temporada no Campeonato Português, quando deixou o rival Porto abrir cinco pontos rapidamente, algo que fez a diretoria demitir o técnico dinamarquês Skovdahl e substituí-lo por Toni, ex-jogador do próprio Benfica e que começaria naquele ano de 1987 sua trajetória como treinador.
O elenco do Benfica naquela temporada era muito bom e Toni começou a fazer o time jogar. Com Diamantino sendo o principal articulador de jogadas de ataque e capitão da equipe, o Benfica tratou a Copa dos Campeões como objetivo principal da temporada após o distanciamento do Porto na Primeira Liga. A trajetória encarnada na Europa começou com goleada de 4 a 0 sobre o Partizani Tirana-ALB, resultado que classificou o Benfica para a etapa seguinte. Nela, os portugueses eliminaram o AGF-DIN após empate sem gols na ida e vitória por 1 a 0 em Portugal.
Nas quartas de final, Magnusson e Chiquinho fizeram os gols da vitória por 2 a 0 sobre o Anderlecht-BEL na ida, em Lisboa. Na volta, o revés por 1 a 0 não impediu a classificação portuguesa para a semifinal, na qual o time benfiquista teve pela frente o perigoso Steaua Bucareste-ROM, campeão europeu de 1986 e ainda com vários nomes do time campeão como Gheorghe Popescu, Lacatus, Piturca, Belodedici e ainda o reforço da lenda romena Gheorghe Hagi.
Sabendo da força do rival em casa, o Benfica viajou até Bucareste com o intuito de trazer pelo menos um empate para a volta. E conseguiu: 0 a 0. Na volta, mais de 120 mil pessoas (alguns dizem que haviam 140 mil!) lotaram o Estádio da Luz para ver o artilheiro Rui Águas marcar dois gols e decretar o 2 a 0 que colocou o Benfica em uma nova final europeia depois de 10 anos. Será que os encarnados iriam conseguir acabar com a maldição de Guttmann?
Drama nos pênaltis
No dia 21 de maio de 1988, quatro dias antes da final europeia, o Benfica venceu o Vitória de Guimarães por 3 a 0 pela 35ª rodada do Campeonato Português, mas sofreu um duro golpe: Diamantino, seu principal jogador ofensivo, sofreu uma grave lesão nos ligamentos do joelho direito e se tornou ausência confirmada para a decisão continental. Foi uma ducha de água fria para o técnico Toni, que teve que mudar totalmente sua tática para encarar o forte time do PSV-HOL, que tinha vários nomes da seleção holandesa que seria naquele ano campeã da Eurocopa como Van Breukelen, Ronald Koeman, Van Aerle, Vanenburg e Wim Kieft. Outros nomes de peso eram o craque belga Eric Gerets e os dinamarqueses Jan Heintze e Soren Lerby.
A decisão aconteceu em Stuttgart (ALE) e o Benfica enfrentou sérios problemas. Além de não contar com Diamantino, a equipe viu Rui Águas sair logo aos 11’ do segundo tempo por lesão e os jogadores sofrendo constantes escorregões por causa dos novos meiões utilizados naquele jogo e que deslizavam os pés dos atletas dentro das chuteiras (!). Tudo dava errado e ambas as equipes jogavam com muito medo de errar. O resultado não poderia ser outro: 0 a 0, tanto nos 90 minutos quanto na prorrogação. Nos pênaltis, todos foram acertando seus chutes até Veloso desperdiçar o primeiro tiro alternado do Benfica, defendido por Van Breukelen. O PSV venceu por 6 a 5 e o título europeu ficou com os holandeses, que sacramentaram naquela temporada um histórico Treble.
Foi mais uma decepção enorme para os encarnados, pela 4ª vez vice-campeões da principal competição de clubes da Europa. O técnico Toni revelou após o jogo que ficou orgulhoso de seus jogadores diante das circunstâncias e lamentou bastante a ausência de Diamantino. Com ele, certamente o jogo seria outro e o Benfica poderia ter vencido. Dias depois, os encarnados perderam para o Porto a semifinal da Taça de Portugal e deram adeus à última chance de título na temporada.
Hora de dar a volta por cima
A diretoria encarnada manteve Toni no comando técnico e trouxe novos reforços para suplantar as saídas de Rui Águas, Dito, Chiquinho e Carlos Pereira. Aliás, as saídas de Rui Águas e Dito foram para o rival Porto, algo que gerou muita tensão na pré-temporada e acabou com o cavalheirismo que durou 20 anos entre a dupla, que consistia em não permitir que seus atletas saíssem de um e fosse jogar no outro – do Porto para o Benfica e do Benfica para o Porto. Tudo começou quando o Benfica assinou contrato com Ademir Alcântara, jogador do Vitória de Guimarães que era cobiçado pelo Porto. Os alviazuis acusaram o rival de “roubar” Ademir e, como troco, foram atrás de Rui Águas e Dito, conseguindo levá-los para as bandas do Dragão.
Esse imbróglio todo ficou conhecido como “Ademir Affair” e marcou a história do Clássico. Em suas compras “sem polêmicas”, o Benfica trouxe o meio-campista brasileiro Valdo (ex-Grêmio-BRA) e o zagueiro brasileiro Ricardo Gomes (ex-Fluminense-BRA), além do atacante angolano Vata (ex-Varzim-POR), o meia português Vítor Paneira (ex-Vizela-POR) e o angolano Abel Campos (ex-Petro Atlético-ANG).
Fora da Copa dos Campeões, o Benfica tinha como objetivo principal o Campeonato Português e, por isso, tratou de fincar o pé na liderança o quanto antes. O reforço de Ricardo Gomes à zaga fez o clube encarnado ter praticamente um paredão à disposição do goleiro Silvino, afinal, com Gomes e Mozer, era muito, mas muito difícil fazer um gol na baliza vermelha. Ambos os defensores eram técnicos, altos, sabiam sair jogando e ainda apareciam lá na frente para marcar gols. Uma dupla afinada e dos sonhos naqueles anos 1980. Com isso, o Benfica permaneceu 18 jogos seguidos sem perder na Primeira Liga e levou apenas 7 gols. A equipe assumiu a liderança na 7ª rodada e não largou mais.
Depois de perder dois jogos seguidos nas rodadas 19 e 20, os encarnados não perderam mais até o final do campeonato – mais 18 jogos sem derrotas – e foram campeões com 63 pontos (sete a mais do que o vice-campeão Porto), acumulando 27 vitórias, nove empates, duas derrotas, 60 gols marcados (melhor ataque) e apenas 15 gols sofridos (melhor defesa) em 38 jogos – vale lembrar que na época as vitórias valiam dois pontos. O angolano Vata foi o artilheiro do campeonato com 16 gols, e Ricardo Gomes, com 8 gols, foi o vice-artilheiro da equipe – o brasileiro marcou mais gols do que Magnusson (6 gols) e António Pacheco (5 gols)! O troféu garantiu o Benfica na Copa dos Campeões de 1989-1990. Nas outras competições, o time lisboeta acabou eliminado na segunda fase da Copa da UEFA e perdeu a final da Taça de Portugal para Os Belenenses por 2 a 1.
A volta do “professor sueco”
Já surgiam rumores de que o técnico Toni não iria permanecer no cargo para a temporada 1989-1990. E isso foi confirmado quando a diretoria anunciou o retorno do sueco Sven-Göran Eriksson. Na janela de transferências, Mozer e Shéu deixaram o clube, que foi rápido e trouxe o brasileiro Aldair e o sueco Jonas Thern. Eriksson já era conhecido dos lisboetas pela sua primeira passagem e as grandes melhorias que fez no futebol benfiquista. O meia Diamantino comentou sobre o sueco.
“Eriksson trouxe uma nova metodologia e passamos de um treino convencional para um treino mais específico. Deixamos de correr nas matas, de fazer treinos de conjunto durante duas horas, de andar a correr à volta do campo, subir bancadas. Começamos a fazer um treino que era específico para o futebol e deixamos de fazer o trabalho de força do atletismo. Em seguida, ele revolucionou em termos mentais. Por exemplo, nós jogávamos em Roma, como se jogássemos em casa contra uma equipe mais acessível do nosso campeonato. Em termos técnicos nós éramos muito bons, só faltava encarar todos os adversários da mesma maneira, sabendo que ganharíamos a maioria dos jogos. E foi o que aconteceu, tanto em Portugal como na Europa”. – Diamantino, ex-jogador do Benfica, em entrevista ao site Bola na Rede (POR), 20 de maio de 2020.
Eriksson de fato mexeu bastante com o Benfica na época e trouxe de volta naquela temporada a mentalidade copeira e competitiva do time. Adepto de vídeos sobre os rivais, muitas conversas e treinos específicos de jogadas, o sueco queria repetir no Benfica o sucesso que já havia tido naquele começo de década e também em clubes como o IFK Göteborg, pelo qual ele colecionou títulos. Eriksson montou um time muito equilibrado defensivamente e também no meio de campo e viu naquela temporada Magnusson virar o principal homem-gol do time.
A época começou próspera com o título da Supertaça diante d’Os Belenenses após duas vitórias por 2 a 0 tanto em casa quanto fora. No Campeonato Português, o Benfica travou uma intensa disputa com o rival Porto, mas a derrota para os alviazuis no primeiro turno (1 a 0), o empate no segundo (0 a 0) e a derrota para o Boavista na 31ª rodada minaram o sonho do bicampeonato. A equipe terminou como vice-campeã, quatro pontos atrás do rival, mas teve o melhor ataque – 76 gols em 34 jogos – e a segunda melhor defesa – 18 gols sofridos. Magnusson, com 33 gols e em fase esplendorosa, foi o artilheiro máximo da competição. Vata, com 10 gols, foi o vice-artilheiro benfiquista. De fato, era preciso focar no sonho europeu: a Copa dos Campeões.
Copeiros na final!
Eriksson sabia que o alvo do presidente João Santos era o título europeu. Por isso, por mais que o Benfica tenha brigado até o fim pelo caneco nacional, o objetivo era mesmo o título europeu, mesmo com grandes concorrentes pelo caminho. A estreia lisboeta foi contra o Derry City-IRL e a equipe portuguesa venceu a ida, na Irlanda, por 2 a 1 (gols de Ricardo Gomes e Thern). Na volta, no Estádio da Luz, Magnusson, Vata, Ricardo Gomes e Aldair fizeram os gols da goleada de 4 a 0 que classificou os encarnados. Na etapa seguinte, o rival foi o tradicional Budapest Honvéd-HUN. E, de novo, o Benfica deu show: venceu por 2 a 0 a ida, na Hungria (gols de Pacheco e Valdo) e massacrou os húngaros por 7 a 0 na volta (dois gols de César Brito, dois gols de Vata, dois gols de Magnusson e um gol de Abel Campos).
Nas quartas de final, o Dnipro Dnipropetrovsk, da União Soviética, complicou as coisas na partida de ida, em Lisboa, e o Benfica venceu por apenas 1 a 0, gol de pênalti de Magnusson. Mas, na volta, o time português se impôs e venceu por categóricos 3 a 0 (dois gols de Lima e um de Ricardo Gomes), resultado que colocou os encarnados na semifinal. O último desafio antes da decisão era o forte Olympique de Marselha-FRA, que já tinha na época craques como Amoros, Di Meco, Deschamps, Mozer, Tigana, Papin e Francescoli. Uma verdadeira seleção que dominava o futebol francês na época e iria faturar anos depois a Liga dos Campeões da UEFA de 1992-1993. Passar por aquele esquadrão seria um feito e tanto para os benfiquistas. E o time percebeu que seria difícil quando foi derrotado por 2 a 1 na partida de ida, em Marselha, resultado que acabou com o 100% do time na competição.
O técnico Eriksson tratou de entusiasmar seus jogadores e fez valer da força do Estádio da Luz, que no dia do jogo da volta recebeu mais de 120 mil torcedores. A partida foi muito tensa, mas o Benfica precisava de apenas um gol, afinal, na época valia o critério do gol qualificado. E, aos 41’ da segunda etapa, o angolano Vata marcou após bola cruzada na área e o 1 a 0 colocou o Benfica na final. O gol foi polêmico, pois Vata tocou a bola com a mão. Mesmo diante dos protestos dos jogadores franceses, o árbitro Marcel Van Langenhove validou o gol. Após a partida, o auxiliar benfiquista Toni foi irônico:
“Vata foi empurrado e ele não poderia brigar pela bola. Ele ficou incapaz de usar o peito ou a cabeça, então ele usou sua mão. O que o árbitro deveria ter feito era assinalado um pênalti, o que ele não fez”.
O mandatário do OM, Bernard Tapie, ficou furioso e exclamou à imprensa: “eles deram alguma coisa para o árbitro, só pode ser. O Benfica ainda tem muito poder e assusta muitas pessoas. É uma desgraça!”. Mais de três décadas depois, o autor do gol, Vata, deu sua versão ao jornal Diário de Notícias, de Portugal.
“Lembro-me perfeitamente do lance, como é que podia esquecer? Aquele jogo valeu ao Benfica uma presença numa final europeia e marcou as nossas carreiras para sempre. Já não faltava muito tempo para o fim, creio que menos de dez minutos. O Valdo cobrou um canto, o Magnusson saltou à minha frente e desviou de cabeça na área e a bola veio na minha direção. Meti o ombro e foi golo. Foi uma loucura no estádio. Era ainda na velha Luz, estava cheio, 120 mil pessoas. Foi uma festa tremenda, um ambiente fantástico.
[…] Os anos passam e perguntam-me sempre o mesmo. Volta e meia ligam-me, até jornalistas franceses, se calhar na esperança de que a minha versão mude. Amigo, repare uma coisa. Já passou tanto tempo, faz 30 anos agora, não é? Se tivesse sido com a mão, tanto tempo depois, qual seria o problema de eu admitir? Ia mudar alguma coisa? Ia ser preso ou castigado? Não. Então, qual a necessidade que tenho em mentir? Acreditem no que eu digo. Eu digo sempre aquilo que eu faço. Marquei o golo com o ombro. Agora cada um é livre de pensar naquilo que quiser. Nestes 30 anos, dormi sempre de consciência tranquila. Vou dizer o mesmo até morrer: marquei com o ombro. Podem dizer o que quiserem. Só eu é que sei. Foi com o ombro”. – Vata, em entrevista ao Diário de Notícias (POR), 15 de abril de 2020.
Polêmicas à parte, o fato era que o Benfica estava em mais uma final europeia. Pela quinta vez, o clube tinha a chance de ser campeão continental. Era tudo ou nada. E até um ídolo do passado iria tentar contribuir pelo fim da maldição.
De novo, não deu…
A final de 1990 seria entre o Benfica de Eriksson e o Milan de Sacchi, então campeão europeu e mundial e maior clube do planeta. Com Maldini, Baresi, Rijkaard, Gullit e Van Basten, o esquadrão rossonero era um time sublime, encantador, estupendo, ou qualquer outro adjetivo que queira usar. Os italianos eram os favoritos não só pela bola que jogava, mas também pela maldição que assolava o Benfica. A fim de quebrá-la, o lendário Eusébio, ex-jogador benfiquista e que estava no time campeão europeu de 1962, fez questão de visitar o túmulo de Béla Guttmann, que estava exatamente em Viena, cidade na qual a decisão iria acontecer. O Pantera Negra rezou diante da lápide de Guttmann e pediu para que a maldição fosse quebrada.
Enquanto o craque fazia sua parte no campo espiritual, Eriksson armou o Benfica no campo real de um modo que Gullit e Van Basten não tocassem na bola como estavam acostumados. O foco era deixá-los impedidos e bloquear os passes vindos do meio de campo rossonero para a dupla fantástica milanista. Quando a bola rolou, a tática deu certo no primeiro tempo. Mas, na segunda etapa, o meio-campista Frank Rijkaard apareceu como elemento surpresa no ataque e marcou o único gol do jogo: 1 a 0. Milan bicampeão consecutivo da Europa. Benfica, pela 5ª vez, vice-campeão. De fato, a maldição era verdadeira. Nem com reza, nem com marcação, nada podia quebrar aquele carma.
Nova taça nacional e o fim
Eriksson foi mantido no cargo de técnico do Benfica e o clube recuperou a coroa no Campeonato Português em 1990-1991 mesmo com as saídas de Aldair, Diamantino, Abel Campos e o ídolo Chalana. Rui Águas retornou, voltou a ser artilheiro (anotou 25 gols na Primeira Liga) e os encarnados foram campeões com dois pontos à frente do Porto, registrando 32 vitórias, cinco empates, apenas uma derrota, 89 gols marcados (melhor ataque) e 18 gols sofridos (melhor defesa). O destaque do título foi sem dúvida o triunfo por 2 a 0 sobre os rivais em pleno estádio das Antas, com dois gols de César Brito. Na temporada seguinte, a equipe foi para mais uma aventura europeia, mas acabou eliminada na fase de grupos na última edição antes da mudança de nome para Liga dos Campeões da UEFA. Mesmo sem os troféus de 1988 e 1990, o esquadrão daquele final de anos 1980 é até hoje muito querido pelos torcedores pelo grande futebol jogado, pelo virtuosismo defensivo e por colocar o clube de volta aos holofotes continentais.
Nos anos seguintes, o clube acabou perdendo a força que tinha em solo europeu e viu o Porto reconquistar a Europa no começo dos anos 2000. Nos anos 2010, duas novas tentativas vieram na Liga Europa da UEFA, em 2013 e 2014 (neste ano, o clube até inaugurou uma estátua de Béla Guttmann no Estádio da Luz), mas de novo os encarnados foram derrotados nas finais. Só em 2021-2022 que, dizem, a maldição foi quebrada quando a equipe sub-19 do Benfica foi campeã da Liga dos Campeões da UEFA da categoria ao golear o RB Salzburg por 6 a 0 na final. Desde então, a torcida encarnada espera que a “patranha” tenha mesmo chegado ao fim. Resta ao clube disputar novamente mais uma final europeia como disputou o grande esquadrão lá do final dos anos 1980.
Os personagens:
Silvino: revelado pelo Vitória Setúbal, o goleiro chegou ao Benfica em 1984 como suplente do ídolo Manuel Bento, mas conseguiu cravar seu espaço no time titular aos poucos, em especial após a lesão do titular em 1986. Com grandes jogos e muita regularidade, Silvino virou o principal goleiro do Benfica entre 1986 e 1990, sendo capitão dos encarnados na temporada do vice-campeonato europeu de 1990. Jogou no clube até 1994 e faturou seis títulos. Disputou 262 jogos com a camisa vermelha.
Manuel Bento: eleito oito vezes o melhor goleiro de Portugal, o veterano foi uma lenda do Benfica e vestiu a camisa encarnada 478 vezes. Jogou 20 anos no Benfica – de 1972 até 1992 – e brilhou também na seleção portuguesa, pela qual disputou 63 partidas, além de disputar a Euro de 1984 e a Copa do Mundo de 1986. Por conta de uma grave lesão em 1986, deixou o time titular e abriu espaço para Silvino, que virou titular absoluto naquele final de década de 1980.
José Carlos: cria do clube, o lateral-direito foi preterido pelo técnico John Mortimore e passou duas temporadas no Portimonense até retornar aos Águias em 1989, quando alternou jogos na equipe titular e como opção no banco. Disputou 139 jogos e marcou três gols pelo clube.
António Veloso: com 541 jogos disputados entre 1980 e 1995 e sete anos como capitão, o defensor foi uma lenda do Benfica e podia atuar em qualquer lateral, mais centralizado e também como volante. Com bons passes, espírito de liderança e fôlego, foi uma referência dos encarnados e conquistou 16 títulos. Embora tenha perdido o fatídico pênalti na decisão europeia de 1988, é tido como um dos melhores defensores da história dos Águias.
Ricardo Gomes: um dos grandes zagueiros brasileiros dos anos 1980, Ricardo Gomes chegou ao Benfica em 1988 já consagrado após ser multicampeão pelo Fluminense e convocado regularmente pela seleção. Técnico, ótimo nas roubadas de bola e no posicionamento, Gomes se destacava também pela presença no ataque, onde marcava muitos gols. Em 142 jogos pelos encarnados, marcou 26 gols. Foi o primeiro jogador não-português a vestir a braçadeira de capitão do Benfica. Jogou no clube de 1988 até 1991 e de 1995 até 1996.
Dito: após seis temporadas no Braga, o defensor chegou ao Benfica em 1986 e permaneceu até 1988, quando compôs a boa retaguarda encarnada no período. Fez uma grande dupla de zaga com Mozer na caminhada europeia de 1987-1988. Na final contra o PSV, marcou seu gol na disputa de pênaltis.
Aldair: o time podia estar tenso, os atacantes com dores abdominais e o técnico perto de um ataque de nervos, mas aquele zagueiro imponente parecia ser feito de pedra. Ele não se abalava. Com classe e o futebol cravado na alma, Aldair era um conjunto de qualidades raras de se ver em zagueiros brasileiros. Ele tinha calma, técnica e velocidade nas medidas exatas e aptas para trazer a segurança máxima ao goleiro. Com carrinhos, tirava bolas impressionantes e era exemplo de lealdade. Quando tinha a bola nos pés, passava para os companheiros ou fazia lançamentos com precisão exemplar, sem grosseria ou chutes tortos. E, no ataque, marcava gols de cabeça, em petardos de fora da área ou como elemento surpresa em um contra-ataque. No Benfica, Aldair jogou apenas uma temporada, pois se transferiu para a Roma já em 1990-1991, mas o suficiente para receber inúmeros elogios e ainda quase marcar um belo gol na final europeia contra o Milan, quando roubou a bola de Van Basten, deixou Gullit para trás, mas acabou neutralizado pela zaga rossonera. Aldair disputou 33 jogos e marcou seis gols pelo clube. Leia mais sobre ele clicando aqui!
Mozer: outro grande zagueiro do futebol brasileiro, Mozer ficou conhecido primordialmente por sua capacidade técnica e de fazer gols, não se limitando a ser apenas um zagueiro tradicional daqueles que davam chutões para se livrar da bola. Ídolo do Flamengo campeão do mundo em 1981, chegou com bagagem ao Benfica em 1987 e permaneceu até 1989, quando se transferiu ao Olympique de Marselha. Após três temporadas, retornou ao Benfica, onde ficou até 1995. Disputou 160 jogos e marcou 14 gols pelos encarnados. Leia mais sobre ele clicando aqui!
Samuel: lateral-esquerdo muito eficiente e cria das bases do Benfica, Samuel tinha velocidade e qualidade nos passes. Viveu boas épocas entre 1984 e 1986 e depois na época 1989-1990, quando foi titular em boa parte da temporada do vice-campeonato europeu.
Álvaro: revelado pelo Académica, o lateral chegou ao Benfica em 1981 e permaneceu até 1990. Foi titular absoluto do setor entre 1983 e 1988 e tinha muita qualidade na marcação, na antecipação e nos passes. Chegava de vez em quando ao ataque e marcou oito gols em 265 jogos pelos encarnados na carreira. Encerrou sua trajetória em 1993 e virou treinador.
Hernâni: atuava como meio-campista mais defensivo, quase como líbero no sistema do técnico Eriksson, e fez bons jogos na época 1989-1990. Só não teve uma carreira mais longeva por causa das lesões. Disputou apenas 51 jogos e marcou três gols entre 1988 e 1994.
Elzo: meio-campista com boas passagens pelo Internacional e Atlético-MG, o brasileiro chegou ao Benfica em 1987 e integrou o time que quase faturou a Copa dos Campeões de 1987-1988. Fez uma grande dupla no meio de campo ao lado de Shéu e ajudava na marcação e recuperação. Jogou até 1989 na equipe portuguesa até retornar ao Brasil para jogar no Palmeiras.
Valdo: meia de muita habilidade e visão de jogo, Valdo foi um dos principais jogadores do Brasil nos anos 1980 e esbanjou classe com a camisa do Benfica. Em suas duas passagens pelos encarnados, Valdo disputou 186 jogos e marcou 28 gols, além de ter contribuído para diversos gols com seus lançamentos, passes e cobranças de faltas. Foi campeão de dois campeonatos nacionais, uma Taça de Portugal e uma Supertaça. Fez carreira, também, pelo PSG e em vários clubes do Brasil.
Rui Águas: filho do lendário José Águas, capitão do primeiro título europeu do Benfica em 1961, Rui manteve a sina da família no clube e brilhou como um dos principais artilheiros benfiquistas nos anos 1980. Ponta-de-lança, tinha muita inteligência para se posicionar corretamente e, por isso, marcava muitos gols. Anotou 104 gols em 237 jogos pelo clube e viveu suas melhores épocas em 1986-1987, quando marcou 20 gols em 38 jogos, e em 1990-1991, quando anotou 26 gols em 42 jogos.
Jonas Thern: com grande visão de jogo e muita classe na hora de efetuar um passe ou lançamento, Thern foi titular absoluto do Benfica entre 1989 e 1992 e provou porque era um dos maiores jogadores suecos da época. Foram 103 jogos e 10 gols no período. Pela Suécia, Thern disputou a Copa de 1990, a Euro de 1992 e foi capitão da lendária seleção que alcançou o 3º lugar na Copa de 1994.
Shéu: chegou ao Benfica em 1972, vindo de Moçambique, e só saiu em 1989. Acumulou 498 jogos pelo clube (6º que mais atuou na história benfiquista) e marcou 47 gols, muitos deles decisivos. Era o clássico motor do meio de campo, aquele que marcava, roubava a bola e iniciava contra-ataques, além de aparecer como elemento surpresa na frente. Muito querido pela torcida, venceu 9 Campeonatos, 6 Taças e uma Supertaça.
Vítor Paneira: meia muito importante para o elo entre meio de campo e ataque no time de Eriksson, Paneira disputou 289 jogos e marcou 44 gols entre 1988 e 1995. Foi um jogador constante, também, na seleção portuguesa, pela qual disputou 44 partidas e marcou quatro gols.
Chiquinho: atacante revelado pelo Botafogo de Ribeirão Preto (SP), Chiquinho jogou duas temporadas no Benfica e conseguiu ser titular na equipe do técnico Toni atuando mais aberto pela direita, quase como um ponta. Habilidoso e rápido, marcou 14 gols em 38 jogos na época 1986-1987 e sete gols em 42 jogos na temporada 1987-1988. Foi campeão do campeonato e da taça de 1986-1987.
Lima: o brasileiro marcou três golaços nos três jogos que disputou na Copa dos Campeões de 1989-1990 graças ao seu oportunismo e força nos chutes de fora da área. Não era titular, mas entrou bem quando exigido.
António Pacheco: ponta-esquerda que criava boas jogadas de ataque no time, Pacheco jogou de 1987 até 1993 no Benfica e acumulou 51 gols em 224 jogos. Viveu a melhor fase da carreira nos encarnados e, após deixar o clube, conviveu com muitas lesões que prejudicaram sua trajetória e também mais convocações para a seleção portuguesa – foram apenas seis jogos entre 1989 e 1991.
Diamantino: outro símbolo de uma era do Benfica, Diamantino foi o grande articulador de jogadas do clube tanto no começo da década quanto no final. Brilhou em diversos momentos com sua visão de jogo, passes perfeitos e gols decisivos. Sua ausência na final europeia de 1988 é sentida até hoje, afinal, com ele em campo, o Benfica teria muito mais alternativas para tentar a vitória diante do PSV. Diamantino disputou 312 jogos e marcou 86 gols pelo clube.
Abel Campos: o angolano foi uma boa alternativa ofensiva entre 1988 e 1990 e dava mais velocidade ao ataque quando necessário. Disputou 65 jogos e marcou 13 gols pelos Águias.
Mats Magnusson: o sueco foi a referência ofensiva na temporada 1989-1990 e viveu a melhor fase da carreira sob o comando do técnico Eriksson. Com 33 gols em 32 jogos na Primeira Liga daquele ano, foi o artilheiro do torneio e um dos principais goleadores da Europa. Magnusson acumulou 40 gols em 44 jogos naquela época, mas seus gols não apareceram na grande final da Copa dos Campeões, quando o Benfica acabou derrotado pelo Milan. Em 166 partidas pelo Benfica, Magnusson anotou 87 gols.
Chalana: grande ídolo benfiquista e um dos mais técnicos atacantes da história do futebol português, Chalanix (conhecido assim por sua semelhança com o personagem dos quadrinhos Asterix) já não estava mais no auge naquele final de anos 1980, mas ainda sim foi importante para o dia a dia do elenco e por atrair a marcação dos rivais quando entrava em campo. Conhecido pelos dribles em profusão e pelos belos gols, construiu sua idolatria entre 1976 e 1984, quando era uma das principais armas ofensivas do time que venceu cinco títulos nacionais e duas taças nacionais no período. Naquele retorno, Chalana marcou oito gols em 36 jogos disputados entre 1987 e 1989. Deixou o Benfica em 1989-1990 para jogar n’Os Belenenses. Leia mais sobre ele clicando aqui!
Vata: outro jogador angolano que se destacou no Benfica, Vata era oportunista, ágil e muito perigoso dentro da área. Foi o homem-gol do time na época 1988-1989, quando marcou 18 gols em 34 jogos. Na época seguinte, anotou 17 gols em 32 jogos. Deixou o clube em 1991, após o título nacional. Autor do gol agônico diante do Olympique que colocou o Benfica na final europeia de 1990, o atacante sempre disse que o tento não foi com a mão, mas sim com o ombro.
César Brito: o português não teve muitas oportunidades no ataque benfiquista entre 1985 e 1989, mas jogou mais a partir da época 1989-1990 e foi o talismã que deu a vitória sobre o Porto na campanha do título nacional de 1990-1991, quando anotou os dois gols da vitória por 2 a 0 em um estádio das Antas lotado. Em 19 jogos naquele campeonato, Brito marcou sete gols.
John Mortimore, Ebbe Skovdahl, Toni e Sven-Göran Eriksson (Técnicos): com exceção de Ebbe Skovdahl, o trio de técnicos que o Benfica teve naquele final de anos 1980 conseguiu recolocar o time entre os grandes do continente. Mortimore iniciou aquela era com a dobradinha de 1986-1987, com a taça da Primeira Liga e da Taça de Portugal. Depois dele, o ex-jogador Toni montou uma equipe muito forte defensivamente e infalível nos contra-ataques para vencer mais um título português e ficar com o vice-campeonato europeu de 1987-1988. Sven-Göran Eriksson retornou ao comando em 1989 para elevar o nível técnico e por pouco não vencer o título europeu de 1990. O sueco levantou outra taça nacional em 1990-1991 e se consagrou na história benfiquista, afinal, ele já havia vencido outros três títulos entre 1982 e 1984. Leia mais sobre ele clicando aqui!
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