Grandes feitos: Campeão da Copa Libertadores da América (1985), Campeão da Copa Interamericana (1986) e Bicampeão Argentino (1984-Metropolitano e 1985-Nacional).
Time base: Enrique Vidallé; Carmelo Villalba, José Luis Pavoni, Jorge Olguín (Jorge Pellegrini) e Adrían Domenech; Mario Videla, Sergio Batista e Emilio Commisso (Miguel Ángel Lemme); José Antonio Castro (Renato Corsi), Claudio Borghi (Pedro Pablo Pasculli) e Carlos Adolfo Ereros. Técnicos: Roberto Marcos Saporiti (1984 e 1986) e José Yudica (1985-1986).
“Bicho letal. E continental.”
Por Guilherme Diniz
No bairro de La Paternal, em Buenos Aires, houve um tempo em que um bicho feroz conseguiu aterrorizar os grandes clubes do futebol argentino de uma maneira jamais vista no país. De uma hora para outra, um pequenino time vestido de vermelho começou a vencer jogos e mais jogos, golear gigantes em suas próprias casas e conquistar títulos impressionantes. Primeiro, vieram dois campeonatos nacionais. Depois, uma Copa Libertadores, taça mais cobiçada da América e que era restrita, na Argentina, apenas a Boca Juniors, Independiente, Racing e Estudiantes (o River Plate ainda não tinha vencido o torneio). Muitos pensaram que aquilo tudo era sorte de principiante e que os colorados seriam massacrados pela Juventus-ITA de Cabrini, Scirea, Serena, Platini e Michael Laudrup na final do Mundial Interclubes de 1985.
No entanto, o Bicho encostou os italianos na parede e empatou a decisão em 2 a 2. Só nos pênaltis que a equipe de Turim pôs fim ao legado histórico e vencedor do melhor Argentinos Juniors de todos os tempos. O esquadrão comandado por Roberto Marcos Saporiti e José Yudica esbanjou inteligência, ofensividade e talento que acabaram com a hegemonia dos grandes na Argentina. Batista, Corsi, Domenech e Borghi foram só algumas das crias do “semillero de La Paternal”, nome pelo qual é conhecido o trabalho de base do Argentinos, que passou a ser referência no descobrimento de jovens talentos. E pensar que, por muito pouco, um tal de Diego Armando Maradona não participou de toda aquela festa… É hora de relembrar.
Sumário
Bons fluídos dos gênios
Quase nunca cotado entre os favoritos no futebol argentino, o Argentinos Juniors começou a mudar sua história graças a duas lendas do esporte. A primeira delas ainda era bem jovem quando vestiu a camisa colorada pela primeira vez, em 1976: Diego Armando Maradona. O maior jogador argentino de todos os tempos foi cria das categorias de base do clube e virou um fenômeno em todo país graças ao vasto repertório que tinha na perna esquerda. Suas atuações por pouco não levaram o Argentinos ao título nacional de 1980, que acabou ficando com o River Plate do técnico Ángel Labruna, grande craque dos anos 40 e um dos protagonistas do timaço do Monumental conhecido como “La Máquina”.
Em 1981, Maradona deixou o Argentinos para jogar no Boca Juniors, mas logo depois o Bicho da Paternal ganhou o reforço de Labruna, que assumiu no início de 1983 a função de técnico do time. O ex-atacante foi logo dando sua cara à equipe colorada e promoveu a entrada de diversos jovens no time principal, além de valorizar ao máximo as categorias de base da equipe, que passaram a ganhar a atenção dos rivais e de todo país principalmente após a revelação de Maradona. Villalba, Pavoni, Domenech, Batista (estes dois crias das bases), Castro, Videla, Ereros e Pasculi eram alguns dos bons jogadores titulares do “onze ideal” de Labruna.
Tal equipe fez uma ótima campanha no Campeonato Nacional, chegou até as semifinais após eliminar o Boca Juniors (empate em 1 a 1 e vitória por 3 a 2) e o River Plate (empate em 0 a 0 e vitória por 1 a 0) nas oitavas e quartas de final, respectivamente, e só caiu diante do Independiente. No Metropolitano, o time estava na sexta posição da tabela em meados de setembro de 1983 quando Ángel Labruna não resistiu a uma parada cardíaca e faleceu no dia 19 daquele mês, aos 64 anos. O Argentinos sentiu a partida de seu mestre e terminou a competição apenas na oitava posição. No entanto, era preciso recomeçar. E Roberto Marcos Saporiti tratou de cuidar da essência do bom futebol praticado pelo time de Labruna para colocar aquele esquadrão na rota dos títulos.
As garras do Bicho
Fazendo valer ao máximo o velho dito “em time que se está ganhando não se mexe”, Saporiti manteve a base de 1983, fez um bom Campeonato Nacional no começo de 1984 e colocou a disputa do Metropolitano daquele mesmo ano como grande objetivo do Argentinos na temporada. Com os reforços de Olguín, Vidallé, Juan López, Commisso e Pellegrini, a equipe superou um começo apenas razoável (uma vitória nos quatro primeiros jogos) para mostrar que podia, sim, brigar pelo título. Em maio, o time venceu o Huracán, em casa, por 4 a 1, bateu o Instituto, fora, por 3 a 2, o Rosário Central, em casa, por 2 a 1, e o Independiente, fora, por 2 a 0. Em junho, a sequência invencível foi ampliada com vitória sobre o Estudiantes, em casa, por 2 a 1, empate em 0 a 0, fora, contra o Ferro Carril Oeste, novo empate, fora, agora contra o Platense, em 2 a 2, e uma acachapante vitória por 3 a 0 sobre o Boca Juniors, em casa.
Depois de dez partidas sem perder, a equipe foi derrotada pelo San Lorenzo, em casa, por 4 a 2, mas voltou a engatar três vitórias seguidas (3 a 1, fora, contra o Talleres, 2 a 0, em casa, contra o Racing de Córdoba, e 1 a 0, fora, contra o Newell´s Old Boys). Na última rodada do turno, a vitória por 1 a 0 sobre o Temperley, fora de casa, deixou a equipe de La Paternal a apenas um ponto do líder Estudiantes. Com um futebol vistoso, totalmente ofensivo e um amplo leque de jogadas de ataque, principalmente com toques rápidos e tabelinhas, o Argentinos Juniors despontava como um dos fortes candidatos ao título. Restava saber se a equipe teria fôlego no returno.
Novos shows e o título histórico
Assim como no primeiro turno, o Bicho começou mal a segunda parte do Metropolitano. Foram duas derrotas e um empate até o triunfo por 3 a 0 sobre o Atlanta, em casa, recolocar a equipe nos trilhos. Na sequência, mais quatro vitórias (com destaque para o 4 a 1 sobre o Independiente, em casa) e liderança alcançada com um triunfo por 2 a 0 sobre o Instituto, em 07 de outubro. Quando todos pensavam que a equipe vermelha iria caminhar a passos largos rumo ao título inédito, uma inesperada derrota por 2 a 0 para o Ferro Carril Oeste, em casa, tirou o Bicho da liderança. Mas o melhor estava por vir. Na reta final, o time de La Paternal enfiou 5 a 1 no Boca Juniors em jogo disputado no estádio do Gimnasia La Plata com um verdadeiro show de Ereros, Castro, Pasculli, Videla e Olguín. O triunfo embalou o time vermelho, que não perdeu nas seis últimas rodadas e chegou ao dia 23 de dezembro de 1984, data do último jogo do campeonato, com chances de ser campeão diante de sua torcida.
Para isso, a equipe colorada tinha que vencer o Temperley e torcer por pelo menos um empate do Ferro Carril. E foi isso que aconteceu. O Ferro empatou e o Argentinos derrotou o Temperley por 1 a 0, gol de pênalti marcado por Olguín. Pela primeira vez em sua história, o Argentinos Juniors era campeão nacional e coroava uma campanha incontestável: 36 jogos, 20 vitórias, 11 empates, cinco derrotas, 69 gols marcados (melhor ataque) e 36 gols sofridos. Pedro Pasculli foi o grande artilheiro do Bicho na temporada com 21 gols marcados, três a menos que o artilheiro da competição, o craque Enzo Francescoli, do River Plate. A taça histórica deu ao Argentinos uma vaga na sonhada Copa Libertadores de 1985. Era hora de mostrar ao continente a força del semillero.
O último campeão
Após o título de 1984, o técnico Saporiti deixou o comando do Argentinos e deu lugar à José Yudica, que havia feito bons trabalhos de reestruturação no Quilmes e no San Lorenzo. No primeiro semestre de 1985, Yudica já teve como desafio levar o Bicho ao título do Campeonato Nacional, que seria o último antes da AFA (Associação de Futebol Argentino) organizar pela primeira vez um torneio nos moldes do calendário europeu, com início em julho de 1985 e término em abril de 1986. A disputa daquele ano teve 32 times e um complexo sistema de classificação, com várias chaves e fases eliminatórias (bem ao estilo dos bagunçados Campeonatos Brasileiros dos anos 70 e 80). O Argentinos iniciou sua jornada no grupo F, ao lado dos modestos Chacarita Juniors, Central Norte e Belgrano. Esses rivais não atrapalharam em nada a caminhada do Bicho, que venceu três partidas (8 a 0 no Central, em casa, 1 a 0 no Chacarita, em casa, e 4 a 2 no Belgrano, fora) e empatou as outras três (2 a 2 com o Chacarita, em casa, 1 a 1 com o Belgrano, em casa, e 0 a 0 com o Central, fora).
Na etapa seguinte, a equipe de Yudica empatou com o San Lorenzo, fora, em 2 a 2, e venceu a partida de volta, em casa, por 1 a 0. Logo depois, as vitórias sobre San Martín (2 a 0) e Ferro Carril Oeste (3 a 0) colocaram a equipe no caminho do Vélez Sarsfield por uma vaga na final. No primeiro duelo, vitória colorada por 2 a 0. Na volta, o Vélez devolveu o placar, mas o Argentinos se classificou com um 4 a 2 nos pênaltis. Bizarramente, o adversário do Bicho na decisão do título seria o mesmo Vélez. Como isso foi possível? Graças ao regulamento, que classificou o time azul e branco para a “final da rodada de perdedores”, que reuniu times que haviam sido eliminados em outras etapas, mas que ganharam “chances extras” de disputar a final, nas chamadas “duplas eliminações”. Na decisão, acredite se quiser, o Argentinos Juniors, legítimo “campeão dos vencedores”, encarou o Vélez, “campeão dos perdedores”…
Para fazer justiça a sua campanha, o Bicho quis vencer a qualquer custo o Vélez, mas um empate em 1 a 1 no estádio Monumental forçou a disputa de pênaltis. Nela, o time azul e branco venceu por 4 a 3 e… Não foi campeão! Como o Vélez era “campeão dos perdedores”, foi necessária uma nova partida para decidir o campeão (!). No dia 04 de setembro, o Monumental foi outra vez palco do confronto entre Argentinos e Vélez. Castro abriu o placar para os colorados, mas Comas empatou. Olguín desperdiçou um pênalti para o Bicho e o sofrimento perdurou até a etapa final do jogo, quando Batista, aos 35´, marcou o gol do título e da vitória por 2 a 1. Mesmo com mudança de técnico, o Argentinos era bicampeão nacional e mostrava que vivia, de fato, uma fase magnífica. Mas ainda tinha outro torneio na pauta: a Libertadores.
Quebrando escritas
Bicampeão nacional e com um time muito talentoso, o Argentinos Juniors podia ser considerado um dos favoritos ao título da Copa Libertadores de 1985 mesmo sendo estreante na competição. Pesava a favor dos colorados a prática do bom futebol, da bola passada de pé em pé e a ausência da fama argentina de catimba, pontapés e artimanhas nada amistosas para vencer duelos – ainda mais se tratando de Libertadores. De maneira surpreendente, os comandados de José Yudica mostraram um novo estilo de jogo já na primeira fase do torneio.
Selecionados no Grupo 1, ao lado do compatriota Ferro Carril Oeste e do campeão e vice do Campeonato Brasileiro de 1984, Fluminense e Vasco, respectivamente, o Argentinos mostrou maturidade e confiança mesmo após a estreia com derrota (1 a 0) para o Ferro. Nas duas partidas seguintes, ambas no Rio de Janeiro, o time argentino se impôs e venceu o Vasco (2 a 1, gols de Ereros e Castro) e o Fluminense (1 a 0, gol de Lemme), com bonitos gols e jogadas de muito efeito.
Com 100% de aproveitamento em jogos difíceis e fora de casa, a equipe ganhou tranquilidade e empatou a partida de volta com o Vasco, em 2 a 2 (gols de Borghi e Domenech), venceu o Ferro por 3 a 1 (gols de Pavoni, Borghi e Fantaguzzi, contra), e bateu o Fluminense por 1 a 0 (gol de Videla). Como só se classificava o líder do grupo, foi necessário um jogo extra entre Argentinos e Ferro, com vitória colorada por 3 a 1 (dois gols de Borghi e um de Ereros). Com uma boa impressão na primeira fase, o time se classificou para a etapa seguinte e tinha dois indigestos adversários: o Blooming-BOL (e sua altitude) e o Independiente-ARG, detentor do título e em busca do octacampeonato continental.
Aplausos aos finalistas!
Na segunda fase, os seis times foram divididos em dois grupos de três, sendo que os campeões de cada grupo fariam a final. O Argentinos estreou contra o rival local, Independiente, e empatou em 2 a 2, gols de Borghi e Commisso. Na partida seguinte, a equipe viajou até a Bolívia e segurou um empate em 1 a 1 (gol de Borghi) contra o Blooming. Na volta, os colorados bateram o time boliviano por 1 a 0 (gol de Videla) e tinham o Independiente como último adversário antes da final. Era preciso vencer. E em plena Avellaneda, casa do Rojo. Com intensidade e ótimo futebol, o Argentinos abriu o placar (gol de Castro) e ampliou para 2 a 0 com Videla, de pênalti. Perto do final do primeiro tempo, Percudani descontou para o Independiente e o jogo ganhou ainda mais emoção.
Na segunda etapa, o time da casa buscou a todo o momento o empate, enquanto o Argentinos cadenciava o jogo e fechava os espaços no meio de campo. No finalzinho do jogo, o Independiente teve um pênalti a seu favor e esteve nos pés de Marangoni o empate que provocaria um novo jogo extra. Mas, no chute, o goleiro Vidallé defendeu e colocou o Argentinos, de maneira emocionante, na final. Que estreia de Libertadores fazia o Bicho! No final do jogo, toda a torcida presente no estádio aplaudiu de pé a classificação dos colorados, inclusive a hinchada do Independiente, em total respeito ao belo futebol dos comandados do técnico José Yudica e a grande campanha do time até então.
Bicho das Américas!
Na decisão, o Argentinos Juniors teve pela frente o perigoso América de Cali-COL, colecionador de títulos em seu país, cheio da grana e com nomes como Julio César Falcioni, Hugo Valencia, Ricardo Gareca e o técnico Gabriel Ochoa Uribe. No primeiro jogo, no Monumental, em Buenos Aires, o Argentinos venceu por 1 a 0, gol de Commisso. Na volta, em Cali, os donos da casa venceram por 1 a 0 e forçaram a realização de uma terceira partida, em campo neutro. O local escolhido foi o Defensores del Chaco, em Assunção, Paraguai. A partida foi tensa e cheia de alternativas. Commisso, talismã da decisão, abriu o placar para o Bicho ainda no primeiro tempo, mas Gareca empatou logo em seguida. O placar permaneceu em 1 a 1 e a decisão da taça foi para a marca da cal. Nela, os argentinos deram show e foram convertendo suas cobranças, um a um. Já do lado colombiano, De Ávila foi vencido pelo goleiro Vidallé e o placar em 5 a 4 deu o título continental ao Argentinos Juniors.
Em sua primeira Copa Libertadores, o time de La Paternal levantava a taça mais cobiçada do continente. Era a glória máxima do pequenino clube que se transformava num gigante imortal. Além disso, vencia o time de melhor futebol e com mais força competitiva entre todos os participantes. Em 14 jogos, foram oito vitórias, quatro empates e apenas duas derrotas, com 20 gols marcados e 12 sofridos. Borghi, em grande fase, foi o grande expoente do ataque do time na competição com seis gols marcados. Vidallé, herói no gol, Olguín, Domenech e Batista, senhores do sistema defensivo, e Commisso e Videla, no meio de campo, foram outros craques de destaque no esquadrão campeão.
Jogo épico com sabor amargo
Pouco menos de dois meses depois da conquista da América, o Argentinos Juniors viajou até Tóquio, no Japão, para a disputa do Mundial Interclubes de 1985. Com a mesma base e o time que todo torcedor argentino conhecia, o Bicho chegava à disputa em condições iguais diante de um esquadrão fortíssimo e multicampeão: a Juventus-ITA de Scirea, Cabrini, Bonini, Platini e Michael Laudrup, campeã da Liga dos Campeões da UEFA e copeira ao extremo com o técnico Giovanni Trapattoni. E, para o bem do futebol, o estádio Nacional viu, naquele dia 08 de dezembro de 1985, uma das melhores e mais vistosas partidas interclubes da história – e considerada por muitos como a melhor final do Mundial entre 1980 e 2004, período em que ele foi disputado em solo japonês.
A bola foi tratada com extrema elegância e jogadas plásticas foram vistas de baciada pelos mais de 60 mil torcedores no estádio e por milhões ao redor do planeta. A temida e favorita Juventus suava para recuperar a bola diante de um adversário argentino que não batia e não fazia corpo mole. Longe disso: que jogava o puro futebol. Prova disso foi o primeiro gol do jogo, marcado por Ereros, aos 10´do segundo tempo, com um toque por cobertura após ótima triangulação do ataque do Bicho. O golaço obrigou a Juventus a atacar e a Velha Senhora empatou com Platini, de pênalti, oito minutos depois. Sem se abater, o Argentinos seguiu ofensivo e marcou mais um lindo gol, com Castro, aos 30´, num chutaço praticamente sem ângulo. Mas a Juventus era boa demais, e Michael Laudrup empatou sete minutos depois, driblando o goleiro Vidallé e chutando também sem ângulo.
Com o fim do tempo regulamentar, a partida foi para a prorrogação, mas o placar permaneceu mesmo em 2 a 2. Era o equilíbrio puro e a prova de que aquele jogo não poderia ter um só vencedor. Seria uma judiação ver Juventus ou Argentinos com o vice-campeonato. Mas, como no futebol não existe compaixão, a equipe italiana venceu, nos pênaltis, por 4 a 2, e ficou com seu primeiro título mundial. Ao final da decisão, o mundo inteiro aplaudiu a atuação do Argentinos Juniors, que mostrou um futebol primoroso, artístico e totalmente oposto ao de seus compatriotas. Naquele ano, a revista argentina “El Gráfico” foi precisa nas palavras ao explicar o que foi aquele jogo para a história do Bicho de La Paternal:
“A Juventus ficou com o título, mas o Argentinos assombrou o mundo. O Bicho superou a Juve em dois pontos: o primeiro, por sempre ter buscado a partida e ter sido o principal protagonista. O segundo, por ter aberto o placar e obrigado a Juventus sempre “remontar”. É uma alegria, pois o Mundial tem dois campeões: a Juventus, que levou a taça legitimamente, e o Argentinos Juniors, que a perdeu desempenhando seu jogo belo. Existem derrotas que humilham. E outras que honram. Não tenha dúvidas, Argentinos, esta é a que honra”. Aldo Proietto, enviado especial à Tóquio, em dezembro de 1985, ao El Gráfico.
Últimos lampejos e a fábrica de craques
Depois de quase conquistar o mundo, o Argentinos levantou a última taça daquela geração de ouro: a Copa Interamericana, após vitória por 1 a 0 sobre o Defence Force, de Trinidad e Tobago, campeão da Concacaf. Na Libertadores de 1986, a equipe entrou direto na semifinal, mas acabou na segunda posição de seu grupo, atrás do futuro campeão, River Plate-ARG. Com as saídas de Borghi, do técnico Yudica e de Batista, o esquadrão que encantou a Argentina e encheu de orgulho La Paternal foi perdendo a força e parou de figurar entre os titãs do futebol nacional.
Mesmo sem taças, o clube se dedicou ao longo dos anos a outra atividade: revelar jovens talentos. Nomes como Redondo, Cambiasso, Cagna, Coloccini, Insúa, Riquelme e Sorín, isso só para citar alguns, começaram suas vitoriosas carreiras em La Paternal e reforçaram como nunca a fama do Argentinos de ser a maior fábrica de craques de toda Argentina. Uma pena que essa turma toda não tenha ajudado o clube a faturar títulos tão importantes como os dos anos 80. Com isso, o time campeão continental e nacional de 1984-1986 segue intacto como o mais fantástico e vitorioso de toda a história do Argentinos Juniors. Um esquadrão imortal.
Os personagens:
Enrique Vidallé: chegou em 1984 ao Argentinos e tomou conta do gol da equipe com frieza, segurança e muita experiência. Bem amparado por Olguín e Batista, o goleirão fez milagres nas conquistas de 1984 e 1985 e foi decisivo no título da Libertadores, quando defendeu um pênalti na final contra o América de Cali. Em 1987, encerrou a carreira em La Paternal como ídolo da torcida.
Carmelo Villalba: jogou seis anos no Argentinos e disputou mais de 200 partidas com a camisa do clube. Ótimo no apoio ao ataque e na marcação, foi peça chave nos esquemas táticos dos técnicos Saporiti e Yudica.
José Luis Pavoni: defensor que se destacava pela força e raça, Pavoni formou uma retaguarda memorável ao lado de Olguín no Argentinos. Jogou de 1983 até 1988 no clube e encerrou a carreira vestindo o manto vermelho.
Jorge Olguín: zagueiro experiente, seguro e forte, Olguín tinha rodagem e estrela quando chegou ao Argentinos, em 1984, afinal, o defensor havia atuado na lateral-direita da Argentina campeã da Copa do Mundo de 1978. Com sabedoria e ótimo senso de colocação, foi o xerife da zaga do Bicho e fez partidas impecáveis nas conquistas históricas do clube. Em 1988, se aposentou em La Paternal.
Jorge Pellegrini: não foi titular absoluto, mas fez um bom trabalho nas vezes em que atuou na zaga do time de La Paternal.
Adrían Domenech: foi o grande capitão do Argentinos Juniors na fase mais dourada da história do clube. Lateral-esquerdo muito eficiente na marcação, Domenech foi revelado nas categorias de base do Bicho e disputou 265 jogos com o manto vermelho, marcando oito gols. Foi um dos símbolos daquele esquadrão.
Mario Videla: veio do Gimnasia e Esgrima, em 1982, e virou titular absoluto do meio de campo do Argentinos até 1987. Com boa visão de jogo e eficiente tanto na marcação quanto no ataque, Videla fez uma ótima Libertadores e foi decisivo nos títulos nacionais de 1984 e 1985.
Sergio Batista: volante que se impunha pela presença física, Batista era a raça pura no meio de campo do Argentinos. Esteve presente em todos os momentos de glórias do clube entre 1981 e 1988 e disputou 299 jogos pelo Bicho, marcando 26 gols. Cria das bases, Batista teve amplo reconhecimento ao ser convocado para a Copa do Mundo de 1986 e ser titular na Seleção Argentina campeã mundial. Depois de pendurar as chuteiras, foi técnico da Argentina que venceu a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, além de comandar a seleção principal de 2010 até 2011.
Emilio Commisso: depois de se destacar no River Plate, o meia foi jogar no Argentinos e virou um verdadeiro talismã na reta final da Libertadores de 1985. Com velocidade e gols decisivos, foi um dos grandes destaques do time campeão da América naquele ano.
Miguel Ángel Lemme: meio-campista com força na marcação, entrou em várias partidas do Argentinos entre 1983 e 1986, mas não chegou a ser titular absoluto.
José Antonio Castro: atuava pelo lado direito do ataque do Argentinos e costumava voltar para ajudar na marcação do meio de campo. Quando atacava, demonstrava velocidade e precisão nos chutes, como na final do Mundial Interclubes, quando Castro marcou o segundo gol do Bicho.
Renato Corsi: nascido nos EUA, Corsi se naturalizou argentino e começou nas categorias de base do colorado de La Paternal. Não foi titular absoluto (disputou 58 jogos entre 1984 e 1988 e marcou apenas dois gols), mas foi importante nos jogos em que atuou pela velocidade e toques rápidos.
Claudio Borghi: após a saída de Maradona, o meia/atacante Borghi virou a grande estrela do Argentinos Juniors. Cria de La Paternal, o camisa 9 jogou de 1981 até 1987 na equipe vermelha e marcou época com gols, assistências e muita inteligência na grande área. Além de ser decisivo na campanha da Libertadores, com seis gols marcados, o atacante jogou muito na final do Mundial Interclubes de 1985, fato que despertou o interesse do Milan-ITA. Em 1987, Borghi foi para Milão, mas não teve chances de jogar por ter de concorrer com Gullit e Van Basten. O argentino foi campeão do mundo com sua seleção na Copa do Mundo de 1986.
Pedro Pablo Pasculli: goleador e oportunista, Pasculli foi o homem da grande área do Argentinos no bicampeonato nacional de 1984/1985. Artilheiro do time, o atacante seria fundamental na Libertadores, mas uma proposta do Lecce-ITA impediu sua permanência no time. Na Itália, Pasculli seguiu artilheiro e, em 1986, integrou a Seleção Argentina campeã da Copa do Mundo. Como não poderia deixar de ser, Pasculli deixou sua marca no Mundial, nas oitavas de final, quando fez o gol da vitória por 1 a 0 sobre o Uruguai.
Carlos Adolfo Ereros: com grande presença física e muita técnica, foi outro a se destacar no ataque do Argentinos entre 1982 e 1989. Fez ótimas partidas e marcou vários gols, incluindo um maravilhoso na final do Mundial Interclubes de 1985.
Roberto Marcos Saporiti e José Yudica (Técnicos): a dupla soube lapidar a base deixada por Ángel Labruna e montou o melhor Argentinos Juniors de todos os tempos. Com força no ataque, futebol vistoso e sem apelar para as faltas, o time de La Paternal deu show durante três anos e encantou a todos. Com Saporiti, o Argentinos teve mais força ofensiva e volume de jogo, já com Yudica, a zaga ganhou mais proteção e o toque de bola foi requisito essencial para o controle das partidas.
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Acredito que a partida épica do Argentinos contra a Juve influenciou o Velez… que conseguiu bater o Milan em 1994…
Parabéns pela matéria!!!
Muito obrigado!
Gostei demais do post sobre o BICHO, os textos sobre os clubes sulamericanos estão demais, muito bons mesmo. Falta um do Nacional do quinquenio de Oro, penta-campeão uruguaio 1939-1943 da linha genial: Luis Ernesto Castro, Aníbal Ciocca, Roberto Porta, Aníbal Paz, Atilio García. Um grande abraço e parabéns pelo ótimo trabalho, brilhante!