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Esquadrão Imortal – Sporting 1961-1964

Sporting 1964
Em pé: Carvalho, Mendes, Baptista, Gomes, Pérides e José Carlos. Agachados: Osvaldo, Mascarenhas, Figueiredo, Géo e Morais.
 

Grandes feitos: Campeão da Recopa da UEFA (1963-1964), Campeão do Campeonato Português (1961-1962), Campeão da Taça de Portugal (1962-1963) e Bicampeão da Taça de Honra de Lisboa (1961-1962 e 1963-1964). Conquistou o primeiro título continental da história do clube e foi o responsável pela maior goleada entre todas as competições europeias na história – 16 a 1 no APOEL-CHI, na Recopa 1963-1964.

Time-base: Joaquim Carvalho (Libânio); Pedro Gomes (Mário Lino), José Carlos (António Morato), Alexandre Baptista (Lúcio) e João Morais (Hilário); Fernando Mendes (David Júlio / Pérides), Géo Carvalho, Osvaldo Silva (Hugo) e Mascarenhas (Diego Arizaga); Bé e Ernesto Figueiredo. Técnicos: Otto Glória e Juca (1961-1962), Juca (1962-1963), Gentil Cardoso e Anselmo Fernandez (1963-1964).

 

“Os Heróis de 1964”

Por Guilherme Diniz

“O sonho aconteceu / um golo só bastou / um golo do Morais / que não esquece mais”

A trecho acima, da música “Cantinho do Morais”, escrita por Mário João Pereira Simões e interpretada pela cantora Margarida Amaral, ecoa até hoje por Lisboa. Todo torcedor do Sporting sabe muito bem do que se trata. É a mais bela homenagem ao gol mais famoso da história do clube, o tento olímpico (!) de João Morais na decisão da Recopa da UEFA de 1963-1964, contra o MTK Budapeste-HUN, que garantiu o primeiro – e até hoje único – troféu continental ao clube lisboeta e serviu como apogeu de uma era inesquecível para a equipe alviverde mesmo diante da hegemonia do rival Benfica na época – campeão de oito títulos portugueses e duas Copas dos Campeões da Europa entre 1960 e 1969.

O Sporting conseguiu não só um título europeu, mas também títulos nacionais com vitórias marcantes sobre o próprio Benfica no período, além de aplicar a maior goleada já vista em um torneio da UEFA – assombrosos 16 a 1 no APOEL, do Chipre -, prova máxima da talentosa e devastadora linha de frente dos leoninos. É hora de relembrar a trajetória dos “Heróis de 1964”.

Na cola do rival

O Sporting viveu anos de glórias nas décadas de 1930, 1940 e 1950 no cenário nacional. Com destaque para o time dos Cinco Violinos, a equipe foi protagonista e se revezou com o rival Benfica nas conquistas dos principais títulos do país. Mas, na segunda metade dos anos 1950 e início dos anos 1960, os alviverdes tiveram que conviver com a massiva ascenção dos encarnados, que formaram o maior esquadrão de sua história e levantaram nos anos de 1961 e 1962 as Copas dos Campeões da Europa em finais históricas diante do Barcelona e do Real Madrid, respectivamente. Enfrentar aquele timaço de Eusébio, Coluna, Águas e companhia era tarefa para poucos. Mas o Sporting era um dos que conseguiam dificultar as coisas para os águias nos duelos pelo Campeonato Português. E, com novas mudanças no plantel, a diretoria queria voltar a brigar por títulos na temporada 1961-1962. 

Para isso, trouxe o técnico Otto Glória já em 1960-1961, brasileiro que vinha de boas passagens pelo Benfica e pel’Os Belenenses no final da década de 1950. Além dele, chegou também o zagueiro Morato e vários atletas deixaram o clube a fim de aliviar as finanças. No comando do Sporting, Glória manteve a base da equipe que fora comandada por Alfredo González, mas passou a escalar o lateral João Morais para a posição de atacante, aproveitando a força ofensiva do jogador e seus chutes de efeito.

Hilário, grande nome da história do Sporting.
 

Mário Lino e o experiente Hilário seriam os laterais titulares, com Morato e Lúcio no miolo da zaga. No meio, Fernando Mendes e David Júlio seriam os mais regulares, enquanto Géo, Juan Seminário e Figueiredo as referências ofensivas. Além disso, o goleiro Joaquim Carvalho passaria a ser escalado com mais frequência no time titular.

No Campeonato Português, o Sporting brigou pelo título até o fim, mas uma derrota fora de casa para o Benfica por 1 a 0 custou a taça. Os leões terminaram com o vice, a quatro pontos dos encarnados. A equipe do Alvalade venceu 19 jogos, empatou quatro e perdeu apenas três, com 61 gols marcados (2º melhor ataque) e 19 gols sofridos (melhor defesa). Naquela temporada, como o Benfica também foi campeão europeu, o Sporting garantiu uma vaga na Copa dos Campeões de 1961-1962, na qual os alviverdes acabaram eliminados pelo forte Partizan-IUG da época.

Otto Glória, técnico do Sporting na época.
 

Na temporada 1961-1962, o Sporting seguiu com cortes no elenco e perdeu dois dos seus melhores jogadores: o peruano Juan Seminário, que foi para Espanha, e o brasileiro Fernando, que seguiu para Itália, além da dispensa dos brasileiros Aníbal, Faustino Pinto e Vadinho. O técnico Otto Glória queria mais reforços de peso e foi ao Brasil tentar trazer nomes relevantes, entre eles Amarildo, do Botafogo, que seria um dos destaques do Brasil campeão do mundo na Copa de 1962 porém, as negociações não avançaram. Insatisfeito com a falta de reforços e com críticas recebidas pela imprensa após a eliminação na Copa dos Campeões, o brasileiro deixou o comando da equipe principal proferindo a famosa frase “sem ovos não se faz omeletes” e Juca foi nomeado técnico dos leões para o restante da temporada 1961-1962.

Nas duas temporadas anteriores, Juca tinha sido o treinador adjunto e também o técnico dos Juniores. Ele conhecia como ninguém o quadro de jogadores do Sporting, e, assim, optou por construir imediatamente um onze-base onde nunca mexeu muito. Carvalho virou o goleiro titular, a zaga manteve-se a mesma e Pérides ganhou a vaga no meio de campo no lugar do lesionado David Júlio. No ataque, após tantas baixas, Juca testou uma linha de frente com Figueiredo, Pacotti, Diego Arizaga, Géo e João Morais, mas Figueiredo acabou deslocado para o meio do ataque e Hugo retornou no lugar de Pacotti. E, com um time bem entrosado, o Sporting retomaria a coroa nacional.

Campeões portugueses!

Aproveitando o foco do Benfica na Copa dos Campeões, o Sporting dominou o Campeonato Português desde o início e não deixou os rivais atrapalharem seu caminho, embora o Porto tenha assustado quando venceu o Sporting na 15ª rodada por 1 a 0 em pleno Estádio José Alvalade – o tropeço diante dos dragões foi o único dos alviverdes em casa. A equipe lisboeta perdeu pontos longe de seus domínios, mas o Porto também tropeçou bastante e a diferença entre a dupla nunca foi longa. E, na última rodada, o Sporting teve pela frente justamente o rival Benfica, que não tinha mais chances de título, mas já ostentava o bicampeonato europeu conquistado diante do Real Madrid em um épico 5 a 3

Claro que os encarnados, embora “de ressaca”, queriam impedir a festa dos rivais, ainda que o outro rival, o Porto, também pudesse ser campeão em caso de vitória do Benfica e triunfo dos dragões. Jogando em casa, o Sporting foi a campo disposto a acabar com a seca de troféus e fazer a festa dos mais de 60 mil torcedores, que ocuparam até a pista de atletismo diante da falta de espaços nas arquibancadas! No primeiro tempo, os leões se impuseram em campo e abriram 2 a 0, com gols de João Morais e Hugo. Eusébio ainda reduziu, mas um gol-contra do goleiro Costa Pereira, aos 40’, aumentou a vantagem para 3 a 1.

Na segunda etapa, a torcida começou a celebrar o título porque, de Guimarães, chegava a notícia de que o Porto estava perdendo. Sem grandes ações, o jogo terminou mesmo 3 a 1 e a festa eclodiu no José Alvalade. Até os craques do Benfica foram erguidos aos ombros pelos alviverdes, em uma grande festa pelo título nacional do Sporting e o bicampeonato europeu do Benfica, triunfos que geraram um orgulho enorme para o futebol português na época e para a cidade de Lisboa. Eusébio, Cavém e José Augusto, todos do Benfica, foram ao vestiário leonino felicitar os novos campeões. 

Quem também foi muito festejado foi o técnico Juca, que, aos 33 anos, se tornou o mais jovem treinador a sagrar-se campeão nacional. Em 26 jogos, o Sporting venceu 19, empatou cinco, perdeu dois, marcou 66 gols e sofreu 17. Arizaga, com 16 gols, João Morais, com 14 e Figueiredo, com 12 gols, foram os principais artilheiros do time na temporada. Outro destaque foi a conquista da Taça de Honra de 1961, levantada sobre o Benfica após triunfo por 3 a 0 no José Alvalade, com dois gols de Géo e um de Serranito.

Tropeços e nova conquista nacional

Na temporada seguinte após o título, a diretoria do Sporting tentou buscar um novo treinador de renome para o plantel profissional, mas todas as tentativas fracassaram. Béla Guttmann, ex-técnico do Benfica, e Luis Antonio Carniglia, campeão europeu com o Real Madrid na década de 1950, foram sondados, mas não vieram. Com isso, o técnico Juca manteve-se no cargo. No campo das contratações, destaque para as chegadas dos avançados Mascarenhas (ex-Barreirense) e Osvaldo Silva (ex-Leixões). 

No Campeonato Português, o Sporting até começou bem, mas tropeços diante do rival Benfica e Porto, em casa, e diante do Benfica, na Luz, além do Académica e d’Os Belenenses, custaram a ponta aos alviverdes, que viram o Benfica levantar mais um título. O Sporting terminou apenas na 3ª colocação, 10 pontos atrás dos encarnados. João Morais, com 18 gols, Osvaldo Silva, com 16, e Figueiredo, com 11, foram os artilheiros dos alviverdes. Na Copa dos Campeões, a equipe lisboeta despachou o Shelbourne-IRL com um 7 a 1 no agregado, na etapa inicial, mas acabou eliminada pelo Dundee United-ESC já nas oitavas após vitória por 1 a 0, em Lisboa, e derrota por 4 a 1, em Dundee, resultado que classificou os escoceses para as quartas de final – eles iriam até as semis, onde perderam para o campeão Milan-ITA.

Com as decepções no campeonato e na copa europeia, restou ao Sporting brigar pelo título da Taça de Portugal. Os leões despacharam sem qualquer dificuldade o Oliveirense (8 a 1) no agregado, o Cova da Piedade (11 a 1 no agregado), o Atlético CP (12 a 0 no agregado) e o Sporting de Lourenço Marques (7 a 3 no agregado) até encontrar o Benfica, nas semifinais. No primeiro jogo, em casa, o Sporting foi derrotado por 1 a 0 e parecia que a vaga estava perdida. Mas, na volta, mesmo jogando na Luz, Figueiredo anotou os dois gols da vitória por 2 a 0 que garantiu a classificação para a final!

Embalados, os leões enfrentaram o Vitória de Guimarães, em Oeiras, e golearam por 4 a 0, com gols de Figueiredo (2), Lúcio e Mascarenhas, resultado que garantiu a 6ª Taça de Portugal da história do Sporting e uma vaga na Recopa da UEFA da temporada seguinte. O angolano Mascarenhas foi o grande artilheiro da equipe na campanha do título com incríveis 17 gols em 11 jogos, seguido de Figueiredo, com 9 gols em sete partidas.

Mudança no comando e foco na Europa

Gentil Cardoso.
 

Para a época 1963-1964, a diretoria do Sporting contratou o experiente técnico brasileiro Gentil Cardoso para o lugar de Juca. Com passagens por todos os grandes clubes do Rio de Janeiro e também por equipes do Nordeste, Cardoso era adepto do futebol ofensivo e dizia ser o técnico “mais experiente do mundo”, pelo fato de ter iniciado a carreira em 1930. Ele armou o Sporting em um 4-2-4 e seu cartão de visitas foi uma vitória por 3 a 0 sobre o Benfica na Taça de Honra, resultado que deu o título aos alviverdes.

O clube não fez grandes contratações naquela época, mas trouxe o atacante brasileiro Bé para ter mais opções no elenco diante da aposentaria de Hugo. Gentil Cardoso ainda fez mudanças na zaga ao colocar David Júlio, e, na sequência, Fernando Mendes como quarto zagueiro, além de escalar José Carlos mais à esquerda e ainda Pedro Gomes na lateral-esquerda (ele atuava na direita) para tentar resolver o problema no setor após a grave lesão de Hilário. Além disso, recuou Géo para ser armador. Na frente, João Morais seguiu para o lado direito e jogaria algumas partidas, também, mais recuado.

Essas modificações acabaram tornando o Sporting uma equipe ofensiva, porém, irregular. O time nunca conseguiu deslanchar no Campeonato Português, mas desempenhou bons jogos na Recopa da UEFA, na qual a equipe estreou diante da Atalanta-ITA e, após perder por 2 a 0 a ida, em Bérgamo, venceu por 3 a 1 a volta, em casa (gols de Figueiredo, Mascarenhas e Bé), o que forçou uma partida desempate em campo neutro, no estádio do Sarriá, em Barcelona. Enrico Nova abriu o placar para os italianos no primeiro tempo, mas Mascarenhas empatou três minutos depois. O empate persistiu e o jogo foi para a prorrogação. Nela, os portugueses marcaram com o zagueiro-artilheiro Lúcio, aos 96’, e Mascarenhas, aos 116’, e o placar de 3 a 1 classificou os leões para a etapa seguinte.

A maior goleada da história

O adversário do Sporting nas oitavas de final foi o APOEL, do Chipre, país que nunca teve grande tradição no futebol europeu. E a equipe portuguesa simplesmente levou isso à sério na partida de ida, em Lisboa, no dia 13 de novembro de 1963 – ainda mais pelo fato de os lisboetas virem de uma derrota vexatória de 4 a 0 para o CUF Barreiro pelo Campeonato Português, resultado que praticamente encerrou qualquer chance de título. Mascarenhas abriu o placar, aos 5′. Ferreira Pinto anotou o segundo, aos 7′. Mascarenhas anotou o terceiro, aos 20′. Andreou descontou para o APOEL, aos 24′, e Mascarenhas fez o quinto, aos 27′. Mário Lino deixou o seu aos 35′, e Louro marcou aos 36′. Na segunda etapa, teve mais. Pérides fez um. Mascarenhas marcou mais três e completou seis gols no jogo. Figueiredo balançou as redes três vezes. Ferreira Pinto marcou mais um. E Augusto Martins fez dois.

Perdeu a conta? Nós também. Vamos somar aqui: 6 do Mascarenhas + 3 do Figueiredo + 2 do Ferreira Pinto + 2 do Augusto Martins + 1 do Lino + 1 do Louro + 1 do Pérides. E o de honra do Andreou: Sporting 16×1 APOEL. Isso mesmo! Foi simplesmente a maior goleada já registrada em um torneio da UEFA em todos os tempos! Nunca mais um clube marcou tantos gols em um só jogo como a equipe lisboeta naquele dia. 

Parecia uma volta no tempo dos Cinco Violinos, esquadrão do Sporting lá dos anos 1940 que foi uma devastação de gols. Mas era uma nova geração, um time que não se importou com a fragilidade do rival e jogou futebol. Pra que tirar o pé? Tinha que fazer gols mesmo! Na volta, o Sporting venceu por 2 a 0 e selou o 18 a 1 (!) no agregado que classificou a equipe para as quartas de final. Uma curiosidade é que este jogo também foi disputado no estádio José Alvalade, após acordo entre os dois clubes. O APOEL vivia com dificuldades financeiras e cedeu ao Sporting o direito de organizar o encontro por 80 contos, ficando a estadia dos cipriotas em Lisboa também a cargo do clube português. 

Crise e mudança no comando

Nem a goleada pirotécnica diante do APOEL salvou Gentil Cardoso no cargo do Sporting. A equipe seguiu tropeçando no Campeonato Português e, entre o final de novembro e começo de dezembro de 1963, empatou uma e perdeu em casa para o Vitória de Setúbal, resultados que fizeram os leões despencarem para a 7ª posição, o que enfureceu a direção do clube, que queria a demissão do treinador. Gentil Cardoso ganhou sobrevida com quatro vitórias seguidas, incluindo um 3 a 1 sobre o rival Benfica, mas, em fevereiro de 1964, o Sporting voltou a decepcionar, empatou três seguidas e Anselmo Fernandez, treinador e arquiteto de formação, passou a ser o orientador técnico do time lisboeta, enquanto Gentil Cardoso foi reduzido a treinador de campo, somente.

A ideia da direção era que o brasileiro ficasse descontente e pedisse a conta para evitar que o Sporting tivesse que pagar a multa de 160 contos. No entanto, ele aceitou o “rebaixamento” e seguiu mais um tempo no clube. Com Fernandez, o Sporting teve pela frente o fortíssimo Manchester United-ING de Matt Busby e das lendas Bobby Charlton, George Best e Denis Law nas quartas de final da Recopa da UEFA. E, no primeiro jogo, diante de mais de 60 mil pessoas em Old Trafford, os Red Devils venceram por 4 a 1, com tripleta de Law, um gol de Charlton e o tento de honra do Sporting marcado por Osvaldo da Silva.

A torcida do Sporting ficou furiosa com a derrota e queria o retorno do técnico Juca, mas Anselmo Fernandez ganhou mais autonomia da diretoria, que contratou Francisco Reboredo como treinador de campo, este que havia passado pelo Porto, como treinador adjunto – na época, era comum os times portugueses terem dois técnicos. A dupla percebeu que o campeonato nacional já estava distante e que o caminho mais curto para um troféu era mesmo a Recopa da UEFA. Mesmo que o Sporting tivesse que fazer uma partida dos sonhos na volta, contra os ingleses.

O épico diante do Manchester United

No dia 18 de março de 1964, quase 30 mil pessoas foram ao José Alvalade crentes no milagre. O Sporting precisava reverter uma diferença de três gols do rival e foi alinhado com Carvalho; Pedro Gomes, Alexandre Baptista, José Carlos e Hilário; Fernando Mendes e Géo; Osvaldo Silva, Figueiredo, Mascarenhas e João Morais. Um 4-2-4 ofensivo, para sufocar os ingleses, que demonstraram muita confiança na classificação. Pois logo aos 3’, Osvaldo abriu o placar, de pênalti. Aos 12’, o mesmo Osvaldo marcou o segundo gol e manteve o sonho vivo. Logo no começo do segundo tempo, aos 2’, Géo fez o terceiro gol e empatou o agregado em 4 a 4. O Estádio José Alvalade entrou em ebulição e o Sporting partiu pra cima a fim de evitar a partida desempate.

Quatro minutos depois, Morais marcou o quarto gol e, aos 54’, Osvaldo, o grande goleador da noite, fechou a goleada espetacular: 5 a 0. Foi um dos maiores jogos da história do clube e uma proeza que chocou a Europa. O Manchester United ainda não era campeão europeu – seria em 1968 -, mas já tinha fama e era conhecido por seus talentos e por seu excepcional técnico. Até a imprensa inglesa repercutiu a partidaça dos leões, enaltecendo o “jogo sem precedentes” dos portugueses. O técnico dos leões, Fernandez, que recentemente tinha sugerido à diretoria uma multa de 2 mil escudos aos jogadores por falta de aplicação, exigiu após a partida um prêmio de 20 contos para cada um!

Na final!

Embalados, os leões enfrentaram o Lyon-FRA, do perigoso atacante Néstor Combin, que brilharia anos depois no Milan, nas semifinais da Recopa. O duelo foi muito equilibrado e, na ida, no Stade de Gerland, o placar ficou 0 a 0. Na volta, em um José Alvalade tomado por mais de 40 mil pessoas, Combin abriu o placar para o Lyon, aos 13’ do primeiro tempo – foi o 10º gol do jogador na competição -, mas Géo, no começo da etapa final, empatou e o 1 a 1 obrigou a partida desempate em campo neutro. O duelo foi marcado para o dia 05 de maio, no antigo Estádio Metropolitano, em Madri.

E, assim como na partida contra o Manchester United, o atacante Osvaldo da Silva foi o herói ao marcar o gol da vitória por 1 a 0, no segundo tempo, e carimbar a vaga do Sporting na decisão, na qual a equipe teria pela frente o MTK Budapeste, que tinha uma equipe muito forte ofensivamente e apostava nos gols de Karoly Sándor, principal vedete do time húngaro. A equipe ainda apostava bastante nos passes rápidos e curtos, nas tabelas e na velocidade. Mas o Sporting tinha suas virtudes, um ataque poderoso e havia despachado adversários bem mais fortes do que o MTK, que eliminou pelo caminho o Slavia Sofia-BUL, Motor Zwickau-ALE, Fenerbahçe-TUR e Celtic-ESC (este o mais difícil, mas que foi derrotado na Hungria por 4 a 0).

O Cantinho do Morais e a glória continental

A decisão da Recopa de 1964 foi disputada no estádio de Heysel, em Bruxelas, na Bélgica. Assim como nas outras fases, ainda valia a regra de um jogo extra em caso de empate. O Sporting foi com força máxima no ataque, mas outra vez teve o desfalque de Hilário na defesa – o lateral sofreu uma grave lesão em maio de 1964. E, quando a bola rolou, os dois times mostraram suas vocações ofensivas e brindaram os torcedores com um jogo intenso. Sándor abriu o placar, aos 19’, e Mascarenhas, aos 40’, empatou – o angolano passou Combin com este tento e se isolou na artilharia daquela Recopa com 11 gols. Figueiredo fez 2 a 1, mas o MTK virou com dois gols em dois minutos, anotados por Sándor e Kuti. 

O Sporting de 1964.
 

Cinco minutos depois da virada húngara, Figueiredo marcou mais um e deu números finais ao jogo: 3 a 3. O empate mais uma vez levou o Sporting a um jogo extra, marcado para dois dias depois em Bosuil, na Antuérpia. Um dia antes do jogo, o técnico do Sporting avisou João Morais que ele iria jogar no ataque e não na defesa, já que Bé se lesionou no primeiro jogo. Em consequência, Fernando Mendes seria recuado para a defesa e Pérides entrou no time, fazendo dupla com Géo no meio de campo. Embora Géo e José Carlos estivessem com entorses, foram recuperados pelo massagista Manuel Marques.

Segundo o ótimo site WikiSporting, enciclopédia do clube na internet, João Morais fez um pedido ao treinador Anselmo Fernandez: se houvesse um escanteio, ele seria o cobrador, pois queria tentar marcar um gol olímpico. A princípio, o treinador não queria aceitar, mas acabou por dar a sua autorização. E seria em boa hora.

No jogo, aos 19’, o Sporting teve um escanteio a seu favor no lado esquerdo do ataque. E lá se foi Morais. Na área, Figueiredo ficou próximo ao goleiro para servir como referência ao companheiro. Morais bateu com efeito e a bola entrou direto no gol de Kovalik. Golaço! Histórico! E que entrou diretamente para o rol de grandes momentos do esporte português com o nome de Cantinho do Morais (em Portugal, “escanteio” é chamado de “Canto”, por isso o nome). O jogador leonino comentou o lance mágico.

“Virei-me para o banco e confirmei se era eu. O técnico acenou-me que sim. Lá fui. Peguei na bola com jeitinho, disse-lhe umas palavrinhas amigas, dei-lhe um beijinho… Depois, mal senti o pé a bater nela fiquei logo com a sensação de que seria golo. Parece que o tempo parou ali. Observei a trajectória do esférico, vi o Figueiredo a correr para o primeiro poste e o guarda-redes atrás dele para interceptar a eventual cabeçada do desvio, mas o destino estava traçado. A bola passou por cima dos dois e acabou por entrar junto ao segundo poste. Foi a euforia total, ainda para mais porque foi o golo que ditou a vitória e permitiu-nos trazer a taça. Não foi um golo de sorte. Ao longo da minha carreira marquei mais uns quantos da mesma maneira…”.

A partir dali, o Sporting administrou a vantagem, enquanto o MTK pressionou bastante em busca do empate. Só que os portugueses foram muito organizados, conseguiram domar a pressão e o 1 a 0 garantiu o título inédito e histórico. A festa no estádio foi enorme, com jogadores emocionados pelo feito único. Na volta para casa, milhares de torcedores recepcionaram os atletas no aeroporto de Lisboa e a comitiva leonina fez questão de ir até a casa de Hilário, acamado, para que o capitão pudesse ver e beijar a taça da Recopa. Foi, sem dúvida, o maior título da história do Sporting. Em 12 jogos, foram sete vitórias, três empates, duas derrotas, 32 gols marcados e 12 gols sofridos.

À espera de uma nova glória europeia

Na temporada seguinte, o Sporting não conseguiu defender o título da Recopa da UEFA e foi eliminado pelo Cardiff, do País de Gales, nas oitavas de final. No campeonato nacional, os alviverdes terminaram apenas na 5ª colocação e só voltariam a brilhar em 1966, quando levantaram o título português. Nos anos seguintes, a equipe alternou bons e maus momentos e viveu tempos tenebrosos nos anos 1990 até ressurgir nos anos 2000. No entanto, o time nunca mais conseguiu levantar outro título continental, chegando perto apenas em 2005, quando foi vice-campeão da Copa da UEFA (atual Liga Europa) de maneira traumática, ao perder a final em casa para o CSKA Moscou-RUS. Com isso, as memórias dos Heróis de 1964 seguem vivas e insuperáveis no José Alvalade. Tempos de um esquadrão imortal.

Os personagens:

Joaquim Carvalho: o goleirão chegou em 1958 ao Sporting e, a partir da temporada 1960-1961, começou a figurar mais no elenco titular até assumir de vez a meta leonina na época 1961-1962. Com um físico imponente, notáveis saídas do gol e ótimo nas bolas aéreas, Carvalho foi essencial nas conquistas nacionais do período e na trajetória europeia, com destaque para os jogos contra o Lyon, nas semis, e na finalíssima contra o MTK. Jogou no Sporting até 1970 e acumulou 268 jogos pelo clube. Esteve no grupo da seleção portuguesa que disputou a Copa do Mundo de 1966 e terminou na 3ª colocação.

Libânio: foi titular em algumas partidas naquele começo de anos 1960, mas perdeu a posição para o ótimo Joaquim Carvalho, que reinou absoluto naquele período. Mesmo assim, foi bem quando exigido. Deixou o clube na temporada 1964-1965 para jogar no Atlético CP.

Pedro Gomes: vestiu apenas a camisa do Sporting em toda carreira e acumulou 249 jogos entre 1960 e 1973. Podia jogar em ambas as laterais, mas foi na lateral-direita onde se consagrou na equipe multicampeã naquele período. Era um jogador muito forte fisicamente, bom na marcação e com grande disciplina tática. Disputou 9 jogos pela seleção portuguesa entre 1964 e 1970. Após pendurar as chuteiras, virou treinador e passou por dezenas de clubes até se aposentar de vez do esporte em 2009.

Mário Lino: habilidoso e com grande visão de jogo, Lino começou como meia até ser deslocado para a lateral-direita. Tinha uma grande capacidade de desarme, característica que, graças à sua excelente técnica, o tornava um jogador que também podia participar das jogadas de ataque. Disputou 195 jogos pelo Sporting entre 1958 e 1967 e marcou seis gols.

José Carlos: zagueiro que vestiu a camisa dos leões por 12 anos, José Carlos também podia jogar mais avançado, no meio, como volante. Com 368 jogos pelos alviverdes, foi um jogador autoritário dentro de campo, mas ao mesmo tempo com grande carisma e liderança que o tornaram um dos históricos capitães do Sporting. Fez uma dupla memorável com Alexandre Baptista e foi um símbolo nas conquistas daqueles anos 1960. Disputou 36 jogos pela seleção de Portugal, incluindo duas partidas na Copa do Mundo de 1966.

Alexandre Baptista: outra cria das prestigiadas categorias de base do Sporting, Baptista só jogou no clube na carreira, de 1957 e 1971, e se transformou 

António Morato: o zagueiro começou nas categorias de base do Sporting e, a partir da temporada 1958-1959, passou a figurar no elenco principal dos leões. Fez uma grande temporada em 1961-1962, quando ajudou a equipe alviverde a vencer o título nacional. Na época seguinte, com a chegada do brasileiro Lúcio, perdeu a titularidade e jogou menos, até deixar o clube em 1965.

Lúcio: o brasileiro foi um dos principais nomes defensivos do Sporting entre 1960 e 1964, e se destacava não só pela regularidade na marcação, mas também na saída de bola e nas aparições no ataque, onde disparava poderosos chutes que resultaram em gols importantíssimos para o Sporting. Sua melhor temporada foi em 1962-1963, quando marcou 10 gols em 37 partidas. Em 110 jogos pelos leões, Lúcio anotou 35 gols, um feito e tanto para um defensor na época. Após se naturalizar português, ele foi, ao lado de David Julio, o primeiro estrangeiro a vestir a camisa da seleção portuguesa. Após pendurar as chuteiras, se formou em ciências econômicas no Rio de Janeiro e, em 15 de outubro de 1974, faleceu com apenas 40 anos, ao se afogar em um rio.

João Morais: com rara capacidade de jogar nas duas laterais e também no ataque, Morais foi um dos maiores ídolos do Sporting nos anos 1960 e se firmou como uma das peças mais importantes do time naquele período. Entre 1961 e 1963, foi um dos artífices do setor ofensivo ao marcar 19 gols em 38 jogos em 1961-1962 e 24 gols em 43 jogos em 1962-1963. Com fôlego privilegiado e especialista em chutes com efeito, marcou o gol mais importante do clube naquela finalíssima da Recopa da UEFA. Disputou 271 jogos e marcou 69 gols pelo Sporting entre 1958 e 1969.

Hilário: jogador com maior número de jogos disputados na história do Sporting – 475 partidas – é uma lenda dos leões e do futebol português. Era um ótimo defensor e tomou conta do setor esquerdo do Sporting por quase 15 anos. Tinha muita força de vontade e se entregava como poucos em campo, mostrando amor à camisa e ao esporte. Raramente perdia uma dividida e se notabilizou como um dos mais regulares laterais-esquerdos do futebol europeu nos anos 1960. 

Pela seleção, Hilário disputou 40 jogos e esteve no grupo que disputou a Copa do Mundo de 1966. Venceu sete troféus pelo Sporting, mas curiosamente não pôde disputar a final da Recopa da UEFA vencida pelos Leões, em 1963-1964, por ter fraturado a tíbia três dias antes das finais contra o MTK Budapeste-HUN. Após pendurar as chuteiras, Hilário virou treinador e comandou uma série de clubes de Portugal até 2004, mas sem levantar títulos.

Fernando Mendes: líder e capitão, foi outro emblema do Sporting no final dos anos 1950 e boa parte dos anos 1960. Era um jogador de boa técnica, inesgotável capacidade física e grande combatividade. Embora tenha ficado de fora do time na época 1962-1963 por ter contestado uma multa aplicada pela direção, retornou em alta na época seguinte e ergueu a taça da Recopa. Disputou 234 jogos e marcou dois gols pelos leões.

David Júlio: sul-africano, foi descoberto em 1957, em uma excursão do Sporting pela África, e acabou contratado no mesmo ano. Jogava no meio-campo e na defesa, e, como tinha técnica e qualidade nos chutes, também foi utilizado como atacante. Disputou 148 jogos e marcou 9 gols.

Pérides: com duas passagens pelo Sporting, o meio-campista fez bons jogos no começo dos anos 1960 e alternou sequências de jogos como titular e outros como suplente. Ajudava na construção de jogadas e não era muito de fazer gols. 

Géo Carvalho: o brasileiro chegou em 1960-1961 ao Sporting, após passagens pelo Sport, Botafogo de Ribeirão Preto e Palmeiras. Podia jogar como atacante e ponta-esquerda e foi um dos destaques nas campanhas do título nacional de 1961-1962 – marcou 11 gols em 37 jogos na temporada – e 10 gols em 37 jogos na época seguinte, quando venceu a Taça de Portugal. Fez boas parcerias no setor ofensivo com Figueiredo e Morais. Chegou a jogar até mesmo como médio-armador, sob o comando de Gentil Cardoso, e ainda sim foi muito importante na construção de jogadas dos leões. Fez gols importantíssimos na campanha do título da Recopa diante do Manchester United e do Lyon. Foram 127 jogos e 26 gols pelos alviverdes.

Osvaldo Silva: excelente driblador, muito rápido e com grande visão de jogo, o brasileiro brilhou com a camisa do Sporting por quatro temporadas, com destaque para seus 21 gols em 42 jogos em 1962-1963 e 10 gols em 26 jogos em 1963-1964, três gols na épica goleada de 5 a 0 sobre o Manchester United, na campanha do título da Recopa da UEFA. Deixou a equipe em 1966, após conquistar o título nacional. Foram 116 jogos e 41 gols pelos leões.

Hugo: viveu a melhor fase da carreira nos anos 1950, quando brilhou como um dos principais nomes do ataque leonino em tempos de transição. No começo dos anos 1960, ainda deixou sua marca na campanha do título nacional de 1961-1962 ao registrar 10 gols em 29 jogos na temporada. Acabou deixando o Sporting em 1963. 

Mascarenhas: uma máquina de gols nas temporadas 1962-1963 e 1963-1964, registrou números impressionantes, apesar de alternar bons jogos com outros um tanto apagados. Oportunista e muito rápido, marcou 21 gols em 19 jogos na época 1962-1963 e 26 gols em 34 jogos na seguinte, com destaque para seus gols na campanha da Recopa da UEFA, na qual ele foi artilheiro. Deixou o clube em 1965 para jogar no Barreirense. Em 59 jogos pelo Sporting, anotou 48 gols.

Diego Arizaga: o atacante argentino chegou em 1958, após boas temporadas pelo Estudiantes, e foi um notável goleador com a camisa leonina. Foram 61 gols em 92 jogos pelo clube e, na temporada 1961-1962, marcou 18 gols em 24 jogos, ajudando o Sporting na conquista do título nacional.

: o brasileiro deixou o Santos para vestir a camisa dos leões em 1963-1964. Muito habilidoso, tinha facilidade para escapar da marcação pelo lado direito do campo com dribles e velocidade. Jogou duas temporadas no clube lisboeta e foi decisivo nos duelos contra a Atalanta na campanha vencedora da Recopa.

Ernesto Figueiredo: muito combativo, forte, prático e eficaz, ficou na história do Sporting como um de seus maiores goleadores da história. Chegou em 1960 na equipe lisboeta e, logo de cara, marcou 26 gols em 31 jogos, mostrando que seria titular absoluto do clube. Foi um notável carrasco do Benfica, anotando 9 gols nos clássicos contra o rival. Em 239 jogos pelo Sporting, Figueiredo anotou 151 gols.

Otto Glória, Juca, Gentil Cardoso e Anselmo Fernandez (Técnicos): Glória e Juca foram provavelmente os mais queridos pelos torcedores naquele período de ouro por criarem um time competitivo, vencedor e que conquistou o título nacional de 1962 e a Taça de Portugal de 1963. Uma curiosidade é que, anos depois, Otto Glória comandou a seleção portuguesa que brilhou na Copa do Mundo da FIFA de 1966. Gentil Cardoso fez profundas mudanças táticas que custaram uma boa campanha no Campeonato Português, mas Fernandez conseguiu recuperar o time, focou na Recopa da UEFA e levantou o histórico e inédito título continental. Arquiteto, Fernandez se notabilizou também fora dos gramados por projetos que desenvolveu em parceria com António Pardal Monteiro, entre eles a Reitoria da Universidade de Lisboa e a Faculdade de Direito da mesma faculdade.

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