Data: 02 de julho de 2008
O que estava em jogo: o título da Copa Libertadores da América de 2008
Local: Estádio do Maracanã, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Juiz: Héctor Baldassi (ARG)
Público: 78.918 pessoas (público pagante). Estimado: 86 mil pessoas
Os Times:
Fluminense Football Club-BRA: Fernando Henrique; Gabriel (Maurício), Thiago Silva, Luiz Alberto e Júnior César; Ygor (Dodô), Arouca (Roger), Conca e Thiago Neves; Cícero e Washington. Técnico: Renato Gaúcho.
Liga Deportiva Universitaria-EQU: Cevallos; Campos, Norberto Araujo e Calle; Vera e Urrutia; Guerrón, Manso (Willian Araujo), Bolaños (Salas) e Ambrosí; Bieler. Técnico: Edgardo Bauza.
Placar: Fluminense 3×1 LDU (Gols: Bolaños-LDU, aos 5´, e Thiago Neves-FLU, aos 12´e aos 27´do 1º T; Thiago Neves-FLU, aos 11´ do 2º T).
Nos pênaltis, Fluminense 1×3 LDU: Cícero fez para o Fluminense. Conca, Thiago Neves e Washington perderam. Urrutia, Salas e Guerrón fizeram para a LDU. Campos perdeu.
“Paixão, espetáculo, virada, hat-trick, o quase e o fim: a incrível noite de faces do Maracanã”
Por Guilherme Diniz
Certos estádios possuem alma, inspiram acontecimentos fascinantes e são palco de partidas que dormem para sempre na memória de quem as viu. O estádio jornalista Mário Filho, mais conhecido como Maracanã, é um deles. Praticamente tudo já aconteceu nele. De jogos eternos a shows épicos. E na noite do dia 02 de julho de 2008 não foi diferente. Mais de 78 mil pessoas protagonizaram naquela ocasião a maior e mais bela festa em verde, branco e grená que o Brasil já viu. Luzes, fumaças, camisas. Tudo era tricolor. O céu negro e cinza ficou temperado e diferente. Em campo, onze jogadores tinham a tarefa de reverter um placar em 2 a 4 para dar ao Fluminense Football Club a primeira Copa Libertadores de sua história. Porém, do outro lado, estavam onze jogadores que compunham o melhor e maior time de toda a história do Equador: a LDU. Nem a festa homérica do pré-jogo conseguiu esfriar ou apavorar os ânimos dos rivais de Quito, que abriram o placar da decisão continental com menos de 10 minutos de jogo. Era o fim? Não.
Vestindo uma folclórica camisa 10, Thiago Neves fez o que nenhum outro jogador jamais fizera na principal competição das Américas. Nem Spencer. Nem Pelé. Nem Jairzinho. Nem Morena. Nem Zico. Nem Raí. Thiago Neves marcou três gols. Jamais um jogador havia feito três gols em uma decisão de Libertadores. Pois Thiago fez. Ainda havia todo um segundo tempo pela frente. O improvável deixaria de ser inalcançável, pensavam os torcedores tricolores. Mas havia a tal alma do Maracanã. Assim como em 1976, quando a Máquina Tricolor sucumbiu diante do Corinthians e seus 70 mil “invasores”, o mais emblemático estádio brasileiro voltou a aprontar com o Fluminense. O gol não saía. E não saiu. Mais 30 minutos. E nada. Nos pênaltis, o drama, a consagração de Cevallos e o fim. A América era da LDU. E toda uma campanha sensacional feita pelo Flu ia por água abaixo. Morria nos salgados e tristes poços de lágrimas que caíram por entre as bordas do gramado do Maracanã. É hora de relembrar uma das mais incríveis finais continentais da história da América do Sul.
Pré-jogo
A final da Libertadores de 2008 colocou frente a frente dois rivais que já haviam se enfrentado na primeira fase, mas que traçaram caminhos bem diferentes ao longo da competição. A LDU ficou na segunda posição do grupo 8, atrás do Flu, e foi passando de fase graças a força de seu estádio, da altitude e do critério de gols marcados. Foi assim contra o Estudiantes-ARG, nas oitavas (vitória por 2 a 0, em casa, e derrota por 2 a 1, fora), San Lorenzo-ARG, nas quartas (dois empates em 1 a 1 e vitória nos pênaltis por 5 a 3) e América-MEX (empate em 1 a 1, fora, e empate sem gols, em casa).
Já o Fluminense conseguiu a melhor campanha da fase de grupos (quatro vitórias, um empate, uma derrota, 11 gols marcados e três gols sofridos) e teve um desempenho simplesmente marcante no mata-mata. Depois de eliminar o Atlético Nacional-COL com duas vitórias (2 a 1 e 1 a 0), o tricolor eliminou o São Paulo-BRA, nas quartas, após fazer 3 a 1 na partida de volta (havia perdido a ida, fora, por 1 a 0), e passou por cima do Boca Juniors-ARG, na semifinal, com uma nova vitória por 3 a 1 no Maracanã, dessa vez de virada. Embalado, com um ataque devastador e um time em perfeita sincronia tanto em campo quanto com sua torcida, os brasileiros eram os favoritos diante dos equatorianos. No entanto, a partida de ida da final, disputada em Quito, foi um verdadeiro pesadelo para os tricolores. Com apenas dois minutos, Bieler abriu o placar. Dez minutos depois, Conca empatou. Porém, Guerrón, Campos e Urrutia fizeram 4 a 1 para a LDU apenas no primeiro tempo.
Era inexplicável. Os equatorianos haviam dado um baile nos brasileiros e praticamente matado o jogo. No segundo tempo, Thiago Neves descontou e manteve viva a esperança do título. Mesmo assim, a tarefa seria ingrata: vencer por dois gols de diferença para levar o jogo para a prorrogação ou por três para faturar o título ainda no tempo normal. Embora a missão fosse bem difícil, o clima de “eu acredito!” tomou conta dos torcedores, que esgotaram todos os ingressos para a decisão quase que instantaneamente. O duelo do Maracanã prometia. E muito.
Primeiro tempo – Pânico e esperança
Na noite do jogo, o Brasil inteiro viu pela TV um espetáculo alucinante e inesquecível protagonizado pela torcida tricolor. As mais de 80 mil pessoas que lotavam o Maracanã deram ares épicos ao mítico estádio com um show de cores, luzes, fumaças e gritos ensurdecedores. Quando entraram no gramado, os jogadores do Fluminense viram que aquela partida era, de fato, a mais importante de toda a história do clube. Vencer aquela Libertadores seria a consagração para cada um deles. Nas arquibancadas, Chico Buarque, Ivan Lins, Jô Soares e vários ilustres tricolores esperavam por uma taça inédita. Nas nuvens acima do estádio, Nelson Rodrigues via tudo de camarote, com seu ar todo prosa e, claro, sua precaução com o sempre ingrato Sobrenatural de Almeida, personagem que o dramaturgo criou para explicar o inexplicável. E parecia que o Sr. Almeida estava a fim de aprontar naquela noite.
Com apenas cinco minutos, Guerrón bailou pra cima de Ygor pela direita, cruzou para a área e Bolaños chutou de primeira para abrir o placar: 1 a 0. Ou 5 a 2 no agregado. Se a tarefa brasileira já era difícil, ela ganhava ares impossíveis. Emudecida, a torcida tentava se recompor do golpe e encontrar forças para gritar novamente. Quatro minutos depois, o Fluminense tentou o empate com Washington, mas o atacante perdeu um gol feito, na cara de Cevallos. Para piorar, a LDU engatou um contra-ataque logo depois e por pouco não ampliou, com Manso. Tudo iria acabar tão cedo assim? Não. Aos 12´, o camisa 10, Thiago Neves, começou a construir sua saga naquela decisão. De fora da área, o meia deixou um marcador no chão, ajeitou para a perna esquerda e chutou de fora da área: golaço! Como nos tempos da Máquina. 1 a 1. Ou 5 a 3 no placar agregado. A torcida se animava de novo. O “não vai dar” mudava para “agora vai!”. Assim como nas partidas contra São Paulo e Boca Juniors, o Flu reagia logo após o gol do adversário.
O empate fez com que o Fluminense passasse a dominar mais a partida e tocar a bola com propriedade. Héctor Baldassi fazia pouco caso das faltas duras e da cera dos equatorianos, fato que começava a irritar os jogadores e torcedores do tricolor. Aos 27´, o Fluminense usou da malandragem para conseguir a virada. Em cobrança de lateral não há impedimento, algo que os tricolores sabiam e os equatorianos não. Cícero recebeu um lateral, avançou livremente pela esquerda e cruzou. Thiago Neves, no meio da área, empurrou para dentro. Gol. Era a virada do Flu. 2 a 1. Ou 5 a 4 no placar agregado. O Maracanã explodiu. Os ânimos aumentaram. Os jogadores se inflaram. A vitória por três gols de diferença era possível. Três minutos depois, Washington recebeu dentro da área, sofreu pênalti, mas o árbitro não marcou. Revolta no lado tricolor. E alívio para os equatorianos, afinal, um terceiro gol àquela altura poderia significar o início de uma goleada tricolor e a perda do título. Mesmo com o domínio da partida, o Flu não conseguiu marcar mais um e foi para os vestiários precisando de pelo menos um gol. A torcida acreditava. E Thiago Neves também.
Segundo tempo – A façanha e o aparecer do Sobrenatural
Na volta do intervalo, o técnico Renato Gaúcho colocou o atacante Dodô, talismã da equipe no mata-mata da Libertadores, no lugar de Ygor. Era a esperança de mais ofensividade em campo. Porém, não era lá muito confiável acreditar em um jogador apático, sem brio e que nem sequer vibrava com seus gols ou de seus companheiros. No comecinho da segunda etapa, ele até tentou duas vezes, pela direita, mas a falta de pontaria e a trave impediram o terceiro gol. Aos 11´, falta para o Fluminense. De fora da área. Na bola, Thiago Silva, Washington e Thiago Neves. O camisa 10, autor de dois gols na noite, se mostrava mais confiante para a cobrança. E ele bateu. Com classe, categoria e arte dignas de um camisa 10. Outro golaço. 3 a 1. Delírio. Emoção pura. A torcedora flagrada pelas câmeras chora. Como choravam outras dezenas no Maracanã. Estava tudo igual: 5 a 5.
Era o maior placar agregado em uma final de toda a história da Libertadores. E, dos cinco gols marcados pelo Fluminense, quatro eram de Thiago Neves. Três em um só jogo. Aquele, do Maracanã. Nenhum outro jogador havia feito aquilo. Thiago Neves era o primeiro. Mas ainda faltava um gol. Um só. E ainda restavam mais de 30 minutos de jogo. O que era um gol para quem já havia feito três? Nada! Era só deixar a massa levar, o estádio jogar junto e o Fluminense seria o campeão da América. Porém, a partir daquele instante e daquele hat trick, o santuário carioca iniciaria seu golpe juntamente com o tal Sobrenatural de Almeida e a LDU.
Vendo um título quase ganho começar a desaparecer de suas mãos, a equipe equatoriana passou a agredir mais o Fluminense e a se arriscar mais no ataque. Urrutia obrigou Fernando Henrique a mandar uma bola para escanteio. Bieler chutou outra na trave. Era pura tensão. Ao invés de agredir mais a LDU e aproveitar a insegurança do veterano Cevallos, o Flu aliviou o ritmo, inexplicavelmente. Conca e Washington até tentaram, mas não conseguiram marcar. Com medo de se arriscar, o time brasileiro preferiu a prorrogação. Um erro crasso. Que poderia render venenosos frutos. Ou despertar uma besta.
Prorrogação e pênaltis – Cevallos…
Com mais pernas que o rival, a LDU foi mais agressiva na prorrogação e só não marcou por causa de um gol mal anulado pela arbitragem e por causa de Luiz Alberto, que derrubou Guerrón fora da área para evitar um gol certo do avançado equatoriano, sendo expulso logo em seguida. Thiago Neves, sempre ele, quase marcou o seu quarto gol no segundo tempo da prorrogação, mas Cevallos fez grande defesa e evitou. Aliás, foi nessa defesa espetacular que o goleiro inseguro do tempo normal desapareceu. Ali, o veterano começou a se encher de brio para escrever a sua saga pessoal nos pênaltis, que se confirmaram após o apito do árbitro. Era o castigo para o Fluminense, que teve mais de meia hora no segundo tempo e outros 30 minutos para marcar um gol. Aquilo seria imperdoável. O impressionante desempenho da equipe carioca no Maracanã parecia restrito a três gols por jogo. Assim como contra o São Paulo, contra o Boca Juniors e contra a LDU. Por quê? Ninguém sabia. Apenas Sobrenatural de Almeida.
Na marca da cal, Cevallos se possuiu. Encarnou os fantasmas de 1976, da invasão que derrubou a Máquina de Rivellino no Maracanã. No fundo do gol, ele orava. Ou conversava com o Sr. Almeida. Quando voltava para a linha do gol, ele se movimentava de um lado para o outro, confundindo os tricolores. Conca foi o primeiro a bater. E viu Cevallos defender. Depois dele, Cícero bateu. E fez. Na sequência, era vez de Thiago Neves, o homem do hat trick e da apoteose dos 120 minutos. No entanto, foi o pé esquerdo de Cevallos que brilhou ao defender o chute do camisa 10. Enquanto isso, a LDU ia fazendo um, dois três gols, com apenas um erro. Na quarta cobrança tricolor, Washington bateu nas mãos de Cevallos e decretou o fim do sonho tricolor. LDU campeã da América, nos pênaltis, com o mesmo placar que tanto fez a alegria do Flu nos mata-matas da Libertadores: 3 a 1.
Cevallos conseguia seu “hat trick” pessoal. Atônitos e em profunda tristeza, os torcedores do Fluminense não acreditavam em tudo aquilo que viam. O time deles havia igualado um placar de 2 a 5 para 5 a 5 de maneira épica, tinha mais de 80 mil pessoas e um estádio cheio de mística ao seu lado… Mas a América era da LDU. Na festa, os equatorianos ergueram a taça sob uma chuva de papeis picados em verde, branco e grená, as mesmas cores que temperaram os céus do Rio de Janeiro naquela noite.
Muitos pensaram “maldito Maracanã, por que fizeste isso com um filho teu? Não bastasse o revés de 1976, tu tinhas que judiar do Fluminense mais uma vez e mais uma vez nos pênaltis?”. O Maracanã nem deu bola. A culpa não era dele. Era da LDU. Da arbitragem, talvez. Da falta de pontaria dos tricolores. E da falta de razão do futebol, avesso ao óbvio e a beleza protagonizada pelas multidões. Mas adorador do sobrenatural. Como o Sr. Almeida.
Pós-jogo: o que aconteceu depois?
Fluminense: a dolorosa derrota continental demorou a cicatrizar pelas bandas do Fluminense. O time apenas cumpriu tabela no restante de 2008 e passou por sérios apuros em 2009, flertando com o rebaixamento no Campeonato Brasileiro até as últimas rodadas. Paralelo a isso, o time, acredite se quiser, voltou a encontrar a LDU em uma final continental, dessa vez na Copa Sul-Americana daquele ano. E o filme voltou a se repetir. Na ida, em Quito, os equatorianos venceram por 5 a 1 (!) e praticamente selaram o título. Na volta, no Maracanã, o Fluminense fez um, dois, três… E parou por aí. No agregado, ficou 5 a 4 para a LDU. E o carma das três letrinhas continuou nas Laranjeiras. Porém, para a sorte do tricolor, em 2009 o time se salvou do rebaixamento no Nacional e contrariou todos os matemáticos, sendo a explicação viva do inexplicável.
LDU: depois de conquistar a primeira Libertadores da história do futebol equatoriano, a LDU viajou até o Japão, mas não conseguiu ser campeã do mundo (perdeu para o Manchester United). No ano seguinte, o time continuou no embalo dos títulos e faturou a Copa Sul-Americana ao bater o freguês Fluminense por 5 a 1 na partida de ida e perder por apenas 3 a 0 na volta. Depois disso, a equipe não conseguiu repetir a sina vencedora e perdeu o encanto de antes. Enquanto isso, os “blancos” esperam ansiosamente por um novo encontro decisivo contra o Fluminense. De preferência em Quito. Com volta no Maracanã.
Leia mais sobre a incrível LDU de 2008-2010 clicando aqui.
Leia mais sobre o Flu de 2007-2012 clicando aqui.
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Na época, sequei o Fluminense como nunca antes havia secado um time. Mas me arrependi já em 2009, na outra final, onde comemorava os gols do Flu como se fossem os do Flamengo.
Hoje vejo que esse jogo é um capítulo do livro das injustiças futebolísticas. Onde descansam os times do Brasil de 50, a Hungria de 54, a Holanda de 74, o Brasil de 82…
o cevallos conseguiu a proeza de desconcentrar os batedores do fluminense . Só um goleiro com muita experiência para fazer isso .
O público de 86.027 torcedores presentes não é estimado, e sim esse é o público presente oficial amplamente divulgado nos principais órgãos de comunicação, muitos deles ainda disponíveis na web.
Há quem diga que houve invasão no Maracanã e o público teria sido bem maior, mas isso sim não pode ser confirmado.
Lembro muito dessa final, quando o Flu passou pelo Boca eu já o considerava campeão. Uma pena, afinal eles fizeram uma campanha sensacional no campeonato, mas LDU fez por merecer o título, principalmente pela campanha em casa. Após essa final, o Fluminense se desmanchou, brigou dois anos contra o rebaixamento, com uma arrancada fantástica na reta final do Brasileirão em 2009 e ganhando dois títulos brasileiros. O Fluminense dos últimos anos merece ser lembrado aqui no site.
Ele já está aqui, Caio! https://www.imortaisdofutebol.com/2017/07/13/esquadrao-imortal-fluminense-2007-2012/