Nascimento: 18 de Julho de 1892, em São Paulo (SP), Brasil. Faleceu em 06 de Setembro de 1969, em São Paulo (SP), Brasil.
Posições: Atacante e Centroavante
Clubes: Germânia-BRA (1909 e 1911), Ypiranga-BRA (1910, 1913, 1914-1915 e 1917), Mackenzie-BRA (1912), Americano-BRA (1913), Paysandu de SP-BRA (1915-1916), Paulistano-BRA (1916 e 1917-1929), Flamengo-BRA (1917 e 1935), Internacional-BRA (1929), Atlético Santista-BRA (1929), Santos-BRA (1929 e 1935) e São Paulo (1930-1935).
Principais títulos por clubes: 6 Campeonatos Paulistas (1918, 1919, 1921, 1926, 1927 e 1929) e 1 Taça Ioduran (1920) pelo Paulistano.
1 Campeonato Paulista (1931) pelo São Paulo.
Principais títulos por seleção: 2 Campeonatos Sul-Americanos de Futebol (1919 e 1922) e 1 Copa Roca (1914) pelo Brasil.
Principais títulos individuais e artilharias:
5º Maior Jogador Brasileiro do Século XX pela IFFHS: 1999
13º Maior Jogador Sul-Americano do Século XX pela IFFHS: 1999
54º Maior Jogador do Século XX pela IFFHS: 1999
Artilheiro do Campeonato Paulista: 1912 (16 gols), 1914 (12 gols), 1917 (15 gols), 1918 (25 gols), 1919 (26 gols), 1921 (33 gols), 1927 (13 gols), 1928 (16 gols) e 1929 (16 gols).
Artilheiro do Campeonato Sul-Americano: 1919 (4 gols)
Eleito para o Time dos Sonhos do São Paulo do Imortais: 2021
“O lendário El Tigre”
Por Rafael Abduche
Antes de uma variação de esquemas táticos, preparação física e de jogadores profissionais, já surgia o primeiro craque do futebol brasileiro, em um jogo no qual a trave ainda era de madeira e os tempos tinham apenas quarenta minutos. Arthur Friedenreich, mais conhecido como “El Tigre”, foi o principal desbravador do futebol brasileiro, pioneiro na arte de jogar e na formação técnica, social e cultural do jogador brasileiro no século XX. Por esse motivo, sua importância extrapola as quatro linhas, indo de encontro com a identidade da bola no Brasil. “El Tigre” plantou uma semente, que depois deu muitos frutos ao povo brasileiro, como Leônidas, Zizinho e Pelé. Foi ele, também, o primeiro grande goleador nacional, consagrando-se artilheiro inúmeras vezes do Campeonato Paulista e dono de histórias de heroísmo envolvendo até guerra e lendas por conta de seus feitos, como a de ter marcado mais de 1200 gols, algo jamais comprovado até hoje. No entanto, o atacante conseguiu média de gols superior à de Pelé e foi o primeiro “Rei” do nosso futebol. É hora de relembrar.
Primeiros Anos
Filho de um homem de negócios alemão, Oscar Friedenreich, e de uma filha de ex-escravos brasileira, Mathilde de Moraes e Silva – de cuja profissão não se tem certeza, tendo relatos de que ela era uma lavadeira às margens do rio Pinheiros ou uma professora – Arthur nasceu e cresceu no bairro da Lapa, em São Paulo. Por causa da descendência afro-europeia, era um mulato alto de olhos verdes, fato que se mostrava uma barreira para ele, em tempos de futebol com sotaque inglês no Brasil: o juiz era o “referee”, o time, o “eleven” e o goleiro, “goalkeeper”. Devido a esse cenário aristocrático, era muito raro um negro pisar em um campo de futebol. Ele tinha que ser de boa família e mesmo assim apenas por um time.
Era o caso de Friedenreich, que estudava, por exemplo, na Universidade Mackenzie, uma das mais conceituadas faculdades de São Paulo. Dessa forma, ele podia jogar tanto em clubes da elite quanto nas peladas das classes mais pobres. Mas atuar com os jogadores brancos tinha um preço: Fried sempre esticava os cabelos crespos e jogava pó no rosto para se tornar mais branco – ou um pouco branco – e ser aceito naquele meio racista. Essa prática o acompanhou desde os tempos de garoto no Germânia – seu primeiro clube – até se aposentar, com 43 anos, no Flamengo.
A época no Germânia – clube de imigrantes alemães – apresentou Friedenreich aos dois mestres que o iniciaram no futebol. Primeiro, Charles Miller, tido como o “pai” do futebol para o Brasil e com quem Friedenreich tinha amizade desde garoto. Depois, Hermann Friese, um alemão radicado em São Paulo que fora jogador e técnico do Germânia. Friese tinha sido ídolo desde quando o ainda pequeno Arthur ia, nas manhãs de fim de semana, à sede do Germânia para vê-lo em ação. Por lá, o centroavante brasileiro se dedicou aos ensinamentos de Friese e lapidou suas qualidades técnicas, como o próprio Fried disse certa vez:
“Fui aperfeiçoando meus recursos olhando Charles Miller, chutando a redonda sob seu olhar, que foi assim como o meu professor primário no futebol. Mas coube a Hermann Friese, que fora campeão no futebol alemão, me ensinar o secundário e o superior. Com ele, comecei a subir a ladeira e cheguei à efetivação no nível mais alto do futebol’’. – Arthur Friedenreich.
Assim, Fried tornou-se um centroavante perigosíssimo, ágil, que sabia usar o corpo para aplicar dribles curtos, desvencilhar-se de zagueiros e esbanjar finalizações quase sempre fatais. Após sua passagem pelo Germânia, Friedenreich rodou por alguns clubes de São Paulo, jogando um ano em cada time. Passou pelo Ypiranga, Mackenzie e Americano. Foi nessa época, trocando de camisa a cada Campeonato Paulista – lembremos que no início do século XX o único torneio disputado ao longo do ano era o Estadual – que Friedenreich se tornou ídolo do esporte que começava a bater o remo em popularidade no Brasil. E ele começou a ser notado pelo seu pé certeiro: foi artilheiro do paulista em 1912, jogando pela Mackenzie. Seria apenas a primeira de uma série de artilharias que ele acumularia ao longo da carreira.
Conto de fadas com a Seleção
Devido ao sucesso em São Paulo, Friedenreich foi convocado para fazer parte da primeira Seleção Brasileira de todos os tempos. Em 21 de julho de 1914, ele era centroavante do time que venceu por 2 a 0 os ingleses do Exeter City, que faziam uma excursão pela América Latina, no estádio das Laranjeiras abarrotado – a casa do Fluminense teria recebido cerca de 10.000 torcedores. Os ingleses, com a pompa de serem os inventores do futebol, proclamavam-se os melhores do mundo e eram tidos como imbatíveis pelas outras nações.
No entanto, sucumbiram diante de um futebol brasileiro ainda embrionário, mas que já mostrava traços do que seria batizado, pelos próprios ingleses, de “jogo bonito”. Com a camisa da seleção – que nos primórdios era toda branca –, Fried pode ter até ganhado o jogo, mas perdeu dois dentes nas disputas com os ríspidos zagueiros ingleses. Ele também não marcou nesse jogo: os gols foram de Oswaldo Gomes, que jogava no Fluminense, e Osman, do América.
Naquele mesmo ano, o centroavante foi chamado para integrar o grupo que disputaria o primeiro torneio pela seleção: a Copa Roca – criada pelo ex-presidente argentino Julio Roca para uma disputa entre Brasil e Argentina – cuja primeira edição, em 1914, foi vencida pela equipe brasileira, com Fried entre os titulares. Mas o grande feito do craque estava por vir, mais precisamente no Campeonato Sul-Americano – a Copa América dos dias atuais – de 1919, disputado no Rio de Janeiro. Jogando em casa, a expectativa em cima dos brasileiros era grande por um primeiro título de expressão no futebol. O Brasil já havia disputado os sul-americanos de 1916 e 1917, ficando em terceiro lugar em ambas competições, que ficaram marcadas pelo racismo aos jogadores brasileiros, chamados de “macaquitos” pelos portenhos – o que motivou a CBD a não levar mulatos para partidas no exterior por algum tempo, ocasionando o corte de Fried em várias convocações.
Na decisão de 1919, o Brasil enfrentou o Uruguai, atual bicampeão, nas Laranjeiras. No jogo, persistia o zero a zero, e como não existiam pênaltis para decidir o campeão, era prorrogação atrás de prorrogação, até ver quem terminasse em vantagem. Resultado: a partida durou 150 minutos, algo impensável no futebol dinâmico de hoje. E o jogo só não demorou mais porque Friedenreich, no segundo tempo extra, marcou de pé esquerdo, após rebatida do goleiro Saporiti, o gol que fez explodir os 35 mil espectadores no estádio do Fluminense.
Foi nessa partida épica que o centroavante recebeu o apelido, vindo dos adversários, por seu estilo sempre aguerrido dentro de campo, de El Tigre. Seu gol ganhou as multidões não só em cantos na arquibancada, mas ficou eternizado nos acordes do choro de Pixinguinha, “Um a zero”, corroborando a febre nacional que o futebol se tornou após essa conquista. Por mais irônico que possa parecer, foi um negro que deu o troféu a um futebol que ainda era de brancos. Nos anos que sucederam 1919, os mulatos começaram, pouco a pouco, a fazer parte de grandes equipes nacionais.
Do Paulistano ao profissionalismo
Após o período nômade entre vários clubes da capital paulista, El Tigre chegou ao Paulistano em definitivo, no ano de 1917, para se estabelecer por um bom tempo: foram doze anos, de 1917 a 1929, como a maior figura do clube. Com a equipe da capital paulista, foi campeão estadual em 1918, 1919, 1921, 1926, 1927 e 1929, sendo artilheiro do torneio em quase todos os anos nos quais o clube levantou a taça, com exceção de 1927. Fried jogou com o meio-campista Rubens Salles, que era treinador e jogador ao mesmo tempo – a figura do técnico vem a aparecer posteriormente no futebol – e com o ponta direita Filó, com quem Fried formou uma dupla inesquecível no Paulistano.
Friedenreich também participou da primeira excursão de um clube brasileiro à Europa, quando o Paulistano atravessou o Atlântico, em 1925, para partidas amistosas na França, Suíça e Portugal. A estadia no Velho Continente foi incrível para os brasileiros: de 10 jogos, foram nove vitórias e uma derrota. O placar agregado dessas partidas somou 30 a 8 para o Paulistano, e El Tigre marcou 11 vezes. Sem dúvida, o auge dessa série de amistosos se deu com a acachapante vitória de 7 a 2 contra a Seleção Francesa, que jogava diante de sua gente. Nesse dia, Fried marcou três gols e virou o “Rei Arthur” para a imprensa local. Ao retornar, foi recebido como um herói nacional no Brasil, encontrando-se, inclusive, com o presidente Artur Bernardes.
Contudo, o início brilhante do Paulistano foi encurtado com a onda de profissionalismo que se alastrava pelo futebol brasileiro. O clube, recusando-se a pagar seus jogadores, decidiu fechar as portas, permanecendo apenas com esportes amadores. Ainda que não fosse profissional, os clubes de futebol começaram a dar um ordenado para seus jogadores, que geralmente tinham empregos em empresas de cartolas ou de amigos dos dirigentes. O maior exemplo disso era o Bangu, cujos atletas “trabalhavam” de manhã na fábrica de tecidos Companhia Progresso Industrial do Brasil, para poder treinar com o time na parte da tarde. O próprio Friedenreich teria um emprego na empresa de Antônio da Silva Prado Júnior, dono de uma fortuna advinda do boom do café no século XIX e fundador do Paulistano. Dessa forma, o Paulistano se fundiu, em 1929, com a Associação Atlética das Palmeiras – não confundir com a Sociedade Esportiva Palmeiras, cujo nome à época era Palestra Itália – para formar o São Paulo da Floresta, que futuramente viraria o São Paulo Futebol Clube.
Título e a frustração de 1930
Com essa mudança, Fried foi jogar no São Paulo e, logo em sua primeira temporada, El Tigre ajudou o time a chegar à segunda colocação no Paulista, atrás do Corinthians. Em 1931, conquistou o Campeonato Estadual pela sétima vez, agora com incríveis 39 anos. Dois anos depois, Friedenreich participou do primeiro jogo da era profissional do futebol paulista. A partida, entre São Paulo e Santos, na Vila Belmiro, acabou 5 a 1 para o tricolor paulista, com o artilheiro da equipe da capital marcando o gol inaugural do encontro. No São Paulo, teria como companheiro de ataque Valdemar de Brito, outro ídolo paulista dos anos 30 e que, posteriormente, levaria um garoto da pequena cidade de Três Corações ao Santos. O menino? Simplesmente Pelé. Fried jogaria mais alguns anos no São Paulo até se aposentar no Flamengo, em 1935, aos 43 anos, uma longevidade impressionante para um período em que o futebol era semiamador.
Naquele começo de anos 30, talvez a grande decepção de Friedenreich foi não ter disputado a Copa do Mundo de 1930, no Uruguai. Apesar de ter 38 anos durante o torneio, ele tinha sido artilheiro do Campeonato Paulista no ano anterior. Contudo, depois de um racha entre as federações paulista e carioca, só jogadores que atuavam nos clubes do Rio de Janeiro foram chamados para ir ao Uruguai. Mas o livro que Fried escreveu com a seleção não precisava de nem uma linha a mais. Estava completo, com início, meio e gol. Muitos gols.
Às armas!
Falando em anos 30, o Brasil viveu um período político turbulento no início daquela década. Getúlio Vargas tomou o poder após um golpe de Estado, chamado pelo próprio político gaúcho de Revolução de 30, e nomeou interventores de sua confiança para governar os Estados da União. Principal inimigo de Getúlio, o estado de São Paulo recusava ser governado por um aliado do novo presidente, desejando outra Constituição. Após uma série de protestos, como os confrontos de 23 de Maio e 09 de Julho de 1932, inicia-se uma verdadeira batalha entre civis paulistas e o exército, a Revolução Constitucionalista de 32. Mas aí você deve estar se perguntando: onde entra El Tigre nisso tudo?
É que o clima de guerra chegou aos clubes, e um batalhão de esportistas foi formado. Friedenreich doou troféus de sua coleção devido a uma campanha para arrecadar ouro para o estado de São Paulo. Mais que isso, pegou em armas de fato e foi aos campos, dessa vez não aqueles cobertos de grama com os quais se acostumou a ir aos fins de semana, mas os de batalha. O próprio jogador, em um discurso nas rádios, convocou os companheiros de profissão para o alistamento:
“Esportista há mais de 20 anos, como sabeis, sinto a energia física e moral que todos vós, também esportistas, certamente o sentis. (…) Sinto-me com o direito de vos dirigir um veemente apelo para que imiteis meu gesto, inscrevendo-vos na Mobilização Esportiva, a fim de que todos juntos defendamos a causa sagrada do Brasil. Tudo por São Paulo, num Brasil unido”. – Arthur Friedenreich.
E o apelo foi atendido: o batalhão dos esportistas somou 1400 atletas, que partiram para Eleutério, cidade na divisa com Minas Gerais. Mas, por incrível que pareça, a maior notícia sobre Fried durante a Revolução não foi sua ida para o front de batalha, mas sim o boato que se espalhou de sua morte. Quando a população já dava como certo o falecimento do ídolo paulistano, El Tigre foi avistado em um caminhão em Itapira, para alívio dos paulistas. Apesar da luta – literal – de Friedenreich, os revolucionários acabaram derrotados, e se renderam às forças do exército da União.
A polêmica dos gols
Durante muito tempo, acreditou-se que Friedenreich ostentava a marca de maior goleador da história do futebol, acima até de Pelé. A própria FIFA chancelava os 1329 gols do jogador paulistano. Contudo, o jornalista Alexandre da Costa, autor do livro “O Tigre do Futebol”, publicado em 1999, contesta essa versão. Depois de fazer um balanço conferindo as páginas de jornais da época, o escritor ratifica que Fried tenha balançado as redes 554 vezes nas 561 partidas que disputou. Isso já é incrível, pois El Tigre teria uma média de 0,99 gols por jogo, maior do que Pelé – que marcou 1281 gols em 1371 partidas, com média de 0,93 gols a cada jogo.
A polêmica surgiu quando foi publicado, em 1965, o livro “Gigantes do Futebol Brasileiro”, de João Máximo e Marcos de Castro. A obra se baseou em estudos do jornalista De Vaney, que escrevia na Tribuna, de Santos, sobre o jogador. O jornalista afirma ter visto, em 1957, uma lista com a relação dos gols da mão de Mario de Andrada, ex-companheiro de Friedenreich. O que ocorreu é que Mario faleceu um mês após essa conversa, e De Vaney não conseguiria encontrar a tal lista. Mas aí uma questão fica no ar. Por que De Vaney não apresentou tais números em sua obra “Os Imortais do Nosso Futebol”, publicada em 1963? Os estudos que viriam a seguir pouco adiantavam para desfazer a polêmica dos gols. O mito já estava instalado no imaginário popular, e, durante várias décadas, imaginava-se que Fried fora mais artilheiro que Pelé.
Uma lenda para a história
Fried faleceu em 6 de setembro em 1969 na cidade de São Paulo, mas a história dos gols perdurou por muito tempo. Mas isso não diminuiu nem um pouco a importância que El Tigre teve para a formação do futebol em terras tupiniquins. Foi o primeiro craque da seleção, a primeira estrela do esporte, o primeiro futebolista brasileiro conhecido e respeitado no exterior, cobiçado por dezenas de clubes e combinados e o pilar sobre o qual o futebol se apoiou para virar paixão nacional. Um craque imortal.
Números de destaque:
Marcou 554 gols em 561 jogos, média de 0,99 gols por jogo.
Marcou 284 gols em 258 jogos pelo Paulistano, média de 1,11 gols por jogo. Desses 258 jogos, Friedenreich marcou gols em 155 deles.
Marcou 106 gols em 127 jogos pelo São Paulo.
Marcou 12 gols em 23 jogos pela Seleção Brasileira.
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