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Craque Imortal – Adílio

Nascimento: 15 de maio de 1956, no Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Faleceu em 05 de agosto de 2024, no Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Posição: Meio-campista

Clubes: Flamengo-BRA (1975-1987), Coritiba-BRA (1987-1988), Barcelona-EQU (1989-1990), Itumbiara-BRA (1991), Inter de Lages-BRA (1991), Alianza Lima-PER (1991-1992), América de Três Rio-BRA (1992), Avaí-BRA (1993), Friburguense-BRA (1994), Serrano-BRA (1995), Barreira-BRA (1995-1996) e Barra Mansa-BRA (1996).

Principais títulos por clubes: 1 Mundial Interclubes (1981), 1 Copa Libertadores da América (1981), 3 Campeonatos Brasileiros (1980, 1982 e 1983) e 5 Campeonatos Cariocas (1978, 1979, 1979-Especial, 1981 e 1986) pelo Flamengo.

1 Campeonato Equatoriano (1989) pelo Barcelona.

Principais títulos individuais:

Bola de Prata da revista Placar: 1977 e 1978

Eleito para o Time dos Sonhos do Flamengo do Imortais: 2020

3º Jogador com mais jogos na história do Flamengo: 615 jogos e 128 gols marcados

 

“O bom de bola”

Por Guilherme Diniz

Por sua extrema habilidade e facilidade para o drible, ele ficou conhecido como “Neguinho bom de bola”. Dono de um fôlego invejável, avançava ao ataque e voltava para ajudar na defesa como quem dá uma corridinha até a esquina. Ao lado de Zico e Andrade, compôs o mais fabuloso, mais vencedor e mais espetacular meio de campo da história do Flamengo. Tinha tanta categoria que, após deixar os gramados, foi jogar futsal pela seleção e faturou o título da Copa do Mundo da FIFA de 1989, algo raríssimo. Decisivo, fez um dos gols do 3 a 0 que deu o primeiro e único título mundial do Flamengo. Fez um dos gols da vitória por 3 a 0 sobre o Santos na decisão do Brasileiro de 1983. Marcou gols em decisões de Estaduais e nunca cansou de dar passes para os companheiros. Adílio de Oliveira Gonçalves, mais conhecido como Adílio, foi uma lenda e um dos mais categóricos meio-campistas do nosso futebol. É hora de relembrar a trajetória desse craque.

Da Cruzada à Gávea

Adílio cresceu na Cruzada São Sebastião, Zona Sul do Rio, o terceiro de seis irmãos. Adorava jogar bola na praia e, com 7 anos, já jogava pelada com os amigos e pelo time do Sete de Setembro. Aos 8 anos, passou a defender o time do Royal, de futebol de areia, e já driblava todos os adversários com uma categoria marcante e muita técnica. Foi na juventude que conheceu Júlio César Uri Geller, o Julinho, responsável por ajudar Adílio a pular o muro do Flamengo e conseguir burlar a segurança para fazer um teste no clube – Julinho já era jogador de futsal do Mengo naqueles anos 1960. Adílio conseguiu a vaga e rapidamente se destacou pela classe com a bola nos pés, a visão de jogo e, sobretudo, a capacidade de drible. 

Do futsal, o jovem foi para o gramado, onde atuou no pré-juvenil. Além do futebol, Adílio ainda se arriscou em competições de arco e flecha e ginástica, além de correr muito e fazer exercícios de barra e musculação para ganhar massa e fortalecer as pernas, pois o jovem ainda era mirrado. 

“Na escolinha de dentes de leite, o regime era muito puxado. O professor, José Nogueira, era um homem muito durão, que fazia questão de testar nossa força de vontade e disciplina. Eu me lembro que fiquei dois meses indo à escolinha sem participar de nada, até que um dia ele me explicou por que fazia isso: queria ver se eu tinha mesmo força de vontade”, comentou Adílio, em entrevista à revista Placar, nos anos 1970. 

Na equipe juvenil de 1972/1973, Adílio integrou um elenco que tinha, entre outros nomes, atletas como Zico e Rondinelli, que foram direto para o time profissional assim como ele, que estreou no clube em 1975. Começaria ali uma era de ouro do craque e do próprio Flamengo.

Auge no timaço

Após passar pelo natural período de adaptação no Flamengo, Adílio começou a cravar seu espaço como titular principalmente a partir de 1977, ano em que venceu a Bola de Prata da revista Placar como um dos melhores meio-campistas do Brasil e esbanjou classe e técnica com a bola nos pés. Com um notável senso de colocação e muito inteligente taticamente, ele sabia onde estar e o que fazer, ainda mais com a presença de Zico ao seu lado. Em 1978, Adílio venceu mais uma Bola de Prata e confirmou sua boa fase, além de cada vez mais ter o respeito dos adversários, como disse o ex-meio-campista Guina, em entrevista à Placar, em março de 1979. 

“É difícil marcá-lo porque (ele) é inteligente. Procura jogar pelas pontas quando sente dificuldade pelo meio. Tem um drible curto que chega a desconcertar o marcador. Além disso, toca a bola de primeira e com perfeição. Sabe atuar em todas as faixas do campo, o que é da máxima importância no futebol atual”. 

Na época, Adílio ainda precisava aperfeiçoar alguns quesitos, como ele mesmo disse à mesma Placar, em 1979. “Estou corrigindo dois defeitos: não chuto bem e não marco com a eficiência de outros jogadores. Acredito que isso acontece porque sempre preferi me dedicar à criação, e aí levo grande vantagem. A habilidade é meu forte. Também perdi o medo de cabecear. E, já que não marco bem, cerco o adversário”.

Por conta dessas características e por ter a concorrência na época de jogadores como Toninho Cerezo, Batista e Chicão, Adílio acabou não sendo convocado por Claudio Coutinho para a Copa do Mundo de 1978. Aliás, o craque nunca teve as oportunidades na seleção que merecia. Por mais técnico e sublime que fosse, ele sempre era preterido nas convocações e só vestiu a amarelinha duas vezes. Nem em 1982, quando estava em uma forma física e técnica estupenda, ele foi lembrado por Telê Santana, que levou para o Mundial da Espanha Toninho Cerezo, Batista, Sócrates, Falcão, Zico e Renato como atletas de meio de campo.

O Flamengo de 1981 – Em pé: Leandro, Raul, Mozer, Figueiredo, Andrade e Júnior.
Agachados: Lico, Adílio, Nunes, Zico e Tita.
 

Quem gostou muito dessa injustiça com Adílio foi, claro, o torcedor do Flamengo, que pôde ter o “neguinho bom de bola” em sua plenitude vestindo o rubro-negro. A partir de 1980, Adílio deslumbrou os torcedores com jogos marcantes, dribles curtos, títulos e gols, afinal, ele melhorou bastante seus chutes. Em 1981, o craque foi essencial na conquista da Copa Libertadores e do Carioca, este com gol de Adílio no jogo decisivo diante do Vasco, vencido por 2 a 1 e com mais de 169 mil pessoas no Maracanã (!).

Com o título continental, o Flamengo viajou ao Japão para a disputa do Mundial Interclubes contra o Liverpool-ING e, em um dos maiores shows da história do Mengão, a equipe venceu os ingleses por 3 a 0, com mais um gol de Adílio – os outros dois foram do artilheiro Nunes. No ano seguinte, o meio-campista fez o gol da vitória por 1 a 0 sobre o Vasco que garantiu mais uma Taça Guanabara ao Fla. E, em 1983, foi o melhor homem em campo na final do Brasileirão, contra o Santos, quando fez o gol que fechou o placar de 3 a 0 que sacramentou mais um caneco nacional do rubro-negro

Foto: Folhapress
 
Adílio deixou o dele na final do Mundial. Foto: Peter Robinson – PA Images via Getty
 

Aliás, aquele Brasileirão foi um torneio de redenção do craque, que passou por momentos instáveis no começo da competição, chegou a ser contestado por parte da torcida, mas superou tudo com atuações decisivas e o jogaço na final. Também em 1983, o camisa 8 apareceu entre os zagueiros e tocou para o fundo das redes na final da Taça Rio diante do Bangu, garantindo o caneco e a vaga na decisão do Carioca. 

Últimos anos e carreira no futsal

Após o auge 1980-1983 do Flamengo, Adílio continuou como uma referência técnica do meio de campo do clube, que sentiu bastante a saída de Zico após 1984. O camisa 8 marcou os gols dos títulos da Taça Guanabara de 1984, no 1 a 0 sobre o Fluminense, e também da Taça Rio de 1985, de novo contra o Bangu. Com a experiência adquirida em tantos jogos grandes, Adílio jogava fácil e exercia suas funções com primazia. Se deslocava pela esquerda, voltava, passava, lançava. Era um primor com a bola nos pés e a cada dia se identificava com o Flamengo, pelo qual superou a marca de 600 jogos disputados. 

O meio-campista deixou o clube em 1987 para jogar brevemente pelo Coritiba e, em 1989, aos 32 anos, foi jogar pelo Barcelona-EQU, onde ajudou o time a mudar sua mentalidade de jogo, fazer menos faltas e trabalhar mais a bola, características que ajudaram o clube de Guayaquil a vencer o Campeonato Equatoriano daquele ano. Adílio acabou deixando o time do Equador meses antes da conquista, mas sempre destacou seu período por lá. 

“Eu cheguei lá e vi que eles faziam muita falta, daí ajudei, conversei, falei que era para fazer o toque de bola, bobinho e aí o negócio cresceu. Eles jogavam diferente, não jogavam muito juntos, não. Então, enquanto eu estive lá eu ajudei nisso, fiz algumas jogadas ensaiadas. Tínhamos essa vontade de mudar um pouco porque eles davam muita pancada. Eu virava e falava para tocar a bola, chegar mais leve. Até na subida de alguns jogadores na base eu ajudei. Quando podia, ensinávamos um pouco”, comentou o craque, ao Globo Esporte, em 2021. Em 1990, já sem o brasileiro, o Barcelona disputou a final da Copa Libertadores, mas perdeu para o poderoso Olimpia da época.

Ainda em 1989, Adílio fez um curioso caminho inverso ao de muitos futebolistas para jogar futsal e vestir a camisa da seleção brasileira na Copa do Mundo da FIFA, disputada na Holanda, em 1989.

“Já havia começado minha carreira no futebol de salão no Flamengo desde garoto. Joguei no infanto, na seleção carioca. O Bradesco tinha um time sensacional na época. Meu treinador fazia parte da diretoria do Bradesco. Quando voltei para o Brasil ele me convidou para disputar essa Copa do Mundo por eu já ter uma experiência no salão”, comentou o craque, ao UOL Esporte, em 2008.

Jogando como ala-pivô, Adílio integrou a seleção no Mundial e ajudou a equipe a vencer o título contra os anfitriões holandeses. “Era muita torcida contra. Mas nós tivemos uma torcida especial nossa. O Romário estava na Holanda [jogava no PSV] e foi nos prestigiar, isso ficou marcado para nós. Apesar da maioria ser da Holanda, tinha muitos torcedores do Brasil também. Foi um jogo muito difícil. O Brasil teve o controle até o final. Acabei nem entrando na partida. Estava tranquilo esperando a oportunidade de entrar. Foi tudo muito rápido. A proposta era entrar no segundo tempo, mas nós marcamos os gols e o jogo acabou quando eu ia entrar. Tenho medalha até hoje”, comentou Adílio.

Adílio é um dos raros atletas a ter vestido a camisa da seleção de campo e de futsal na história, além de ter um título mundial por clube de campo e por seleção de futsal. Nos anos seguintes, Adílio vestiu a camisa de vários clubes, mas sem destaque. Após pendurar as chuteiras, foi técnico e teve destaque nas equipes de base do Flamengo, conquistando três títulos estaduais sub-20, além de sempre participar de partidas amistosas e do time de masters do clube. 

O adeus

Em 2019, ano mágico para a história do Flamengo, Adílio ganhou uma linda homenagem do clube com um busto esculpido pelo artista Eduardo Santos, na sede da Gávea. Em 2024, o craque teve que ser internado por conta de um grave câncer no pâncreas, mas não resistiu e faleceu aos 68 anos. Ele foi velado na sede do Flamengo e dezenas de amigos e familiares foram prestar as devidas homenagens que ele merecia. O Flamengo publicou em suas redes sociais um texto especial sobre seu eterno craque:

Um anjo rubro-negro que voa rumo à eternidade.

As asas de um moleque sonhador o fizeram superar qualquer muro. Os campos da Gávea construíram amizades angelicais. Seus pés pareciam flutuar com a bola nos pés e foi assim que Adílio conquistou o mundo vestindo o Manto Sagrado. Seu sorriso, sua generosidade e sua bondade encantaram a quem o conheceu. O símbolo máximo do rubro-negrismo expresso no abraço infinito: comemorar gol de título com os braços rumo aos céus, dando jeito para cabermos milhões de nós na catarse de euforia, amor e paixão. Seus gols, dribles e comemorações marcaram para sempre a história do Mais Querido. Todo rubro-negro tem o privilégio de poder reverenciar o “Brown” como integrante da prateleira mais alta do nosso panteão. Hoje, nos despedimos do nosso Camisa 8, mas para nossa sorte, assim como o traçado do número eternizado, Adílio é infinito”.

Adílio foi o primeiro do time campeão mundial em 1981 a falecer. Provocou o primeiro choque nos ídolos que estiveram com ele naquele dezembro mágico em Tóquio. E deixou a imensa saudades nos amantes do esporte que viram e aplaudiram o bom de bola que brincou de jogar futebol durante tantas tardes e noites no Maracanã. A camisa 8 do Flamengo será sempre sinônimo de Adílio. E, deitando o número 8 como ele deitou seus marcadores no meio de campo, temos a certeza de que ele será sempre infinito. Um craque imortal.

Foto: Ivo Gonzalez

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Comentários encerrados

Um Comentário

  1. Parabéns pelo texto Guilherme o falecido narrador Jorge Cury chamava o Adílio de cobra criada e vendo seus lances eu digo que ele arrumava qualquer meio campo tamanha qualidade e polivalência.descanse em paz neguinho bom de bola.

Esquadrão Imortal – Nantes 1994-1995

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