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Craque Imortal – Rajko Mitic

Rajko Mitic

Nascimento: 19 de Novembro de 1922, em Bela Palanka, Iugoslávia (atual Sérvia). Faleceu em 29 de março de 2008, em Belgrado, Sérvia.

Posição: Atacante

Clubes: BSK Belgrado-IUG (1940-1944) e Estrela Vermelha-IUG (1945-1958).

Principais títulos por clubes: 5 Campeonatos Iugoslavos (1950–1951, 1952–1953, 1955–1956, 1956–1957 e 1958–1959), 5 Copas da Iugoslávia (1947–1948, 1948–1949, 1949–1950, 1957–1958 e 1958–1959) e 1 Copa Mitropa (1957-1958) pelo Estrela Vermelha.

Principais títulos por seleção: Medalha de Prata nos Jogos Olímpicos de 1948 e 1952 pela Iugoslávia

 

“Estrela do Estrela”

Por Leandro Stein

O futebol brasileiro exerce um fascínio especial nos antigos iugoslavos. Afinal, não é apenas uma questão de bola e campo, mas também do que acontece nas arquibancadas. A participação da Iugoslávia na Copa de 1950 mexeu tanto com o país que o Hajduk Split ganhou sua Torcida, o primeiro movimento de ultras da Europa, inspirado na festa das torcidas do Brasil. Já na década de 1960, quando o Estrela Vermelha inaugurou seu estádio, o apelidou de Marakana. Era uma referência aos públicos acima dos 100 mil permitidos na época e também à estrutura circular. Em 2014, a casa dos alvirrubros ganhou um novo nome oficial. Passou a se chamar “Estádio Rajko Mitic”, em homenagem ao primeiro grande ídolo do clube, falecido em 2008. E o nome parecia fazer jus a esse contexto. Meia cerebral da seleção iugoslava nas décadas de 1940 e 1950, Mitic brilhou tanto que ganhou inclusive a admiração dos brasileiros em suas diferentes passagens pelo país, como jogador e técnico. Fez história até no Maracanã original e permanece lembrado como um dos maiores esportistas da Sérvia em todos os tempos. É hora de relembrar a carreira dessa lenda e ainda as histórias do craque em suas visitas ao Maracanã.

As origens da lenda

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Nascido em 19 de novembro de 1922, Mitic iniciou sua carreira de jogador num momento em que a Segunda Guerra Mundial devastava a Europa. Juntou-se de início ao BSK Belgrado, pelo qual fez sua estreia na liga local em 1940. No entanto, o meia logo se juntaria ao exército e passaria a compor uma divisão de engenharia, ao lado de outros jogadores de futebol. O esquadrão tinha também sua equipe, com algumas figuras da seleção. Paralelamente, o movimento de resistência iugoslavo daria origem a um novo clube a partir de 1945, aproveitando as estruturas do antigo Jugoslavija, uma das agremiações mais importantes de Belgrado. Era o Estrela Vermelha.

A Segunda Guerra Mundial sequer havia acabado quando o Estrela Vermelha iniciou suas atividades, representando em partidas de exibição a luta antifascista nos últimos meses do conflito. Rajko Mitic juntou-se ao time e não demorou para se tornar uma das referências no ataque. Aos 22 anos, o meia direita pôde desfrutar seu auge. Em 1946, o craque já fez sua estreia pela seleção da Iugoslávia e inclusive marcou gol na vitória sobre a Tchecoslováquia. Depois, sua primeira grande competição internacional aconteceu nos Jogos Olímpicos de 1948. Titular absoluto dos iugoslavos, Mitic anotou três gols na campanha, inclusive para eliminar o anfitrião Reino Unido na semifinal, mas a Suécia acabou levando o ouro na final em Wembley. A equipe prateada da Iugoslávia contava com outras lendas, como Stjepan Bobek, Bernard Vukas e Zlatko Cajkovski.

O Estrela Vermelha era uma força reconhecida nos primórdios da Iugoslávia, mas levou um tempo até encadear seus títulos na liga nacional. Ainda assim, como vice-campeão em 1949, os alvirrubros seriam uma das bases da seleção iugoslava rumo à Copa de 1950. Os balcânicos superaram Israel e França em sua campanha nas Eliminatórias. Já no amistoso de despedida em Belgrado antes da viagem para a América do Sul, golearam por 5 a 1 uma forte Dinamarca, que tinha ficado com o bronze olímpico dois anos antes. Nada menos que sete jogadores do Estrela Vermelha foram convocados para o Mundial, com outros sete do Partizan Belgrado, enquanto Hajduk Split e Dinamo Zagreb terminavam de rechear o elenco. Mitic foi escolhido para usar a braçadeira de capitão.

O craque na Copa de 1950

Em seu desembarque no Brasil, Mitic já era considerado um dos destaques a se observar na Copa do Mundo. Como descreveu o jornal A Noite: “Rajko Mitic, do Estrela Vermelha, é o futebolista mais popular da Iugoslávia, mas infelizmente foi obrigado a jogar no centro do ataque em várias partidas internacionais, daí sua atuação declinar. Tem muita experiência e joga espetacularmente”. Pois o meia não decepcionaria o público ávido a conhecer seu futebol, em três cidades diferentes.

A estreia da Iugoslávia aconteceu em Belo Horizonte, no Estádio Independência, inaugurado naquela tarde. A equipe derrotou a Suíça por 3 a 0, mesmo que os gols tenham se concentrado no segundo tempo. O primeiro seria assinalado exatamente por Mitic, num chute forte aos 14 minutos. É o primeiro gol da história do estádio. A partida seguinte aconteceu apenas três dias depois, no Estádio dos Eucaliptos, em Porto Alegre. Apesar do cansaço pela viagem, os balcânicos golearam o México por 4 a 1. Mitic passou em branco, mas deu a assistência para Bobek abrir o placar. A Iugoslávia entrava na última rodada com a liderança do Grupo 1, quando visitaria pela primeira vez o Maracanã. Pegaria o Brasil. Teria a chance de causar um Maracanazo antes do Maracanazo, já que um empate favorecia os europeus no duelo com a Seleção, pressionada após o 2 a 2 com a Suíça no Pacaembu.

Rajko Mitic, o futuro patrono do Marakana, entraria em campo no Rio. No caminho para o gramado, porém, um acidente quase fez o capitão virar desfalque para a Iugoslávia. Há algumas versões para o episódio: algumas fontes dizem que ele escorregou, outras que bateu a cabeça no teto. A mais comum é de que o meia não viu um vergalhão exposto no Maracanã recém-inaugurado, ainda em obras, e se feriu. O craque precisou levar dois pontos na cabeça e atuou enfaixado, com a cabeça ainda protegida por uma boina. Mas era tão importante ao time que, em tempos sem substituições, os iugoslavos preferiram entrar com um jogador a menos e esperar o seu protagonista. Anos depois, ao Jornal dos Sports, Mitic daria sua versão: 

“Foi um drama que vivemos. Quando entrávamos em campo, bati com a cabeça na tampa móvel do túnel, sem perceber que, naquele dia, ela não ficaria completamente aberta. O choque foi muito grande, eu cheguei a perder os sentidos. Quando dei por mim, vi que os companheiros não queriam entrar em campo enquanto eu não ficasse bom. Já havíamos assinado a súmula e o jeito foi entrarmos com dez”.

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Quando Mitic se juntou ao time, o placar já estava alterado. O Brasil precisou de apenas quatro minutos para sair em vantagem, com Ademir de Menezes. Aquele jogo virou a chave para a Seleção de Flávio Costa, que fez sua melhor apresentação na Copa do Mundo até então e conseguiu vencer um dos adversários mais qualificados, com o placar de 2 a 0 consolidado por Zizinho durante o segundo tempo. Apesar da derrota e da consequente eliminação, já que apenas o líder do grupo avançava ao quadrangular final, os iugoslavos terminaram bastante elogiados. Em especial, o “Homem Marakana”, Rajko Mitic. O Sport Illustrado era enfático: 

“Outra grande revelação do torneio foi o meia direita Mitic, da Iugoslávia. Apesar da sua estatura, o ágil meia europeu impressionou pela malícia e pela forma extraordinária de completar uma jogada. Contra os brasileiros, foi ele que provocou as situações mais críticas para a nossa meta, apesar de ter jogado com a cabeça enfaixada em virtude do acidente que sofreu minutos antes do jogo. Foi uma das grandes atrações do campeonato”.

Por sua vez, o Jornal dos Sports chamava Mitic de “magnífico” e escrevia que “conquistou a torcida brasileira”. Já o diário A Noite avaliava: “Aliás, Mitic mostrou ser o melhor elemento da equipe iugoslava. Notável nas suas investidas. O seu desempenho faz lembrar Zizinho. Todas as vezes que a pelota encontrava-se em seu poder, a defesa brasileira era chamada a intervir, às vezes com muito empenho”. O meia organizou as melhores jogadas da Iugoslávia e passou perto de anotar seu gol, com um chute violento que saiu ao lado da meta e outro que parou nas mãos de Barbosa. A marcação cerrada de Danilo, entretanto, dificultou a vida do capitão balcânico. Ele também não se furtou a dar cabeçadas e suas ataduras ficaram ensanguentadas durante o embate, prova de sua entrega.“A vitória do Brasil foi merecida, mas o marcador foi injusto. A Iugoslávia merecia o seu tento de honra. No primeiro tempo, conseguimos equilibrar as ações. Todavia, no segundo tempo, os brasileiros jogaram mais e mereceram a vitória”, comentaria Mitic, depois da partida. Apesar da despedida da Copa do Mundo, Mitic chegou a constar em algumas seleções do torneio publicadas pela imprensa brasileira. Costumava ser improvisado como meia esquerda nas formações, já que Zizinho se mantinha como figura intocável na direita.

Pós-Copa e fama no Brasil

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Mesmo depois da Copa do Mundo, Mitic vez ou outra aparecia na imprensa brasileira. Alguns clubes tentavam financiar excursões do Estrela Vermelha ou mesmo do Dinamo Zagreb reforçado por outros talentos iugoslavos, como Mitic. Já em outubro de 1950, o Flamengo enviou uma proposta para o Estrela Vermelha, na tentativa de contratar o craque. Depois da saída de Zizinho para o Bangu, os rubro-negros tentaram suprir a carência com aquele que mais se aproximou do Mestre Ziza no Mundial. Obviamente, a empreitada não deu resultado, sem que os alvirrubros aceitassem perder seu ídolo.

Mitic viria para o Brasil em 1951, com a delegação do Estrela Vermelha. O clube foi um dos convidados para participar da Copa Rio. O então vencedor da Copa da Iugoslávia, porém, não chegou a atuar no Maracanã. A equipe compôs o grupo que se concentrou no Pacaembu, mas saiu com três derrotas, diante de Juventus, Palmeiras e Nice. O meia direita anotou seu gol de honra na despedida da competição, contra os franceses. Apesar disso, voltou a ser muito elogiado pela crítica, citado de novo entre os melhores jogadores da competição.

“Nos jogos da Taça Rio, Mitic começou sem grande firmeza. Sua primeira apresentação, no Pacaembu, não foi totalmente favorável, mas já deixou entrever sua alta classe. Os torcedores paulistas, que ainda não o conheciam, esperavam mais de si, mas ficaram satisfeitos assim mesmo, porque em vários lances ficou patente sua elevada categoria de craque. Na despedida, Mitic ascendeu a alturas condizentes com o seu prestígio. Subiu tanto que se tornou a figura máxima da cancha, impressionante nos passes, na concepção do jogo. 

Trabalha exatamente como Zizinho, coordenando os movimentos do quadro, tanto na defesa como no ataque. ‘Um monstro’, como disseram alguns torcedores, visivelmente encantados com sua classe. Mitic deseja um milhão de cruzeiros para ficar no Brasil. Às vezes, ficamos a pensar que vale essa quantia, porque joga, de fato, uma barbaridade”, comentou o semanário Mundo Esportivo.

Segunda prata olímpica e multicampeão

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Rajko Mitic, do Estrela Vermelha, e Zvezdan Čebinac, do Partizan
 

A Iugoslávia voltou a deixar boa impressão nos Jogos Olímpicos de 1952. A equipe ficaria de novo com a medalha de prata, derrotada pela sensacional Hungria de Puskás na decisão por 2 a 0 – gols de Puskás e Czibor. O time balcânico fez uma campanha excelente na Finlândia, com destaque às oitavas de final contra a União Soviética, em que um tenso 5 a 5 entre os países rompidos diplomaticamente só seria desamarrado num jogo-desempate vencido pelos balcânicos de virada por 3 a 1. Mitic continuou jogando o fino naquele torneio. O meia assinalou seis gols na campanha, vice-artilheiro, atrás apenas do compatriota Branko Zebec, com sete gols. Mitic anotou em ambos os duelos contra os soviéticos, assinalou dois num 10 a 1 contra a Índia e ainda resolveu a semifinal, com dois gols nos 3 a 1 sobre a Alemanha.

Já em 1954, os iugoslavos eram cotados a uma boa campanha na Copa do Mundo. Caíram nas quartas de final, derrotados pela futura campeã, a Alemanha. Na fase de grupos, houve o reencontro com o Brasil. O empate por 1 a 1 acabou sendo benéfico aos dois times, que avançaram. Antes que a bola rolasse, Mitic chegou a declarar: “Nunca vi os húngaros jogarem como os brasileiros, em 1950, no Maracanã”. E o meia mais uma vez liderou sua equipe, sem balançar as redes, mas ameaçando constantemente a meta de Castilho. “Mais uma vez o meia Mitic se revelou um jogador de soberbas qualidades”, pontuava o Correio da Manhã.

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O Estrela Vermelha retornou ao Brasil em 1955, numa excursão que envolveu também jogos por Argentina e Uruguai. Os alvirrubros perderam para Internacional e Grêmio em Porto Alegre, enquanto venceram o Corinthians no Pacaembu. Já no Rio de Janeiro, o compromisso aconteceu diante do Flamengo no Maracanã. Mitic voltava ao estádio. Contudo, não apresentou o brilho de outrora, por mais que sua atuação tenha sido classificada como “aceitável”. Os rubro-negros emplacaram uma goleada por 4 a 1, em que Evaristo de Macedo fez dois gols, enquanto Zagallo e Babá complementaram o placar. Aos 33 anos, o meia direita se encaminhava ao fim de sua condecorada carreira.

Pela seleção da Iugoslávia, Mitic atuou até 1957. Não esteve presente nas Olimpíadas de 1956, com outra prata para os balcânicos, e participou apenas da campanha de classificação nas Eliminatórias para a Copa de 1958, sem jogar seu terceiro Mundial. Despediu-se da equipe nacional com 32 gols em 59 partidas. Já no Estrela Vermelha, o craque permaneceu em campo até 1958. Pendurou as chuteiras com cinco títulos do Campeonato Iugoslavo e outros quatro da Copa da Iugoslávia, além de 262 gols em 572 partidas. Acima disso, deixou uma marca por seu talento e por sua liderança, bem como pelo espírito esportivo de quem costumava ser elogiado por sua disciplina e por seu caráter dentro de campo.

Aposentadoria a maior das homenagens

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Após se aposentar, Mitic fez parte da comissão técnica do Estrela Vermelha por seis anos. Em 1966, o antigo capitão seria convidado para assumir o comando da Iugoslávia. Não chegou a classificar o país para uma Copa do Mundo, mas teria uma campanha inesquecível na Euro 1968, quando a equipe estrelada por Dragan Dzajic terminou como vice-campeã continental, derrotada na final pela Itália. E o Brasil voltou a pintar no caminho do técnico.

Em junho de 1968, semanas após a final da Eurocopa, a Iugoslávia recebeu o Brasil em Belgrado. Uma pena que o jogo não tenha ocorrido no Marakana, mas no Estádio JNA, do Partizan, que vivia grande fase na época. Os brasileiros ganharam por 2 a 0, gols de Carlos Alberto Torres e Tostão. Já em dezembro de 1968, seria a vez dos iugoslavos atravessarem o Atlântico. No Maracanã, um maluco empate por 3 a 3 teve Pelé deixando sua marca e empate dos visitantes aos 45 do segundo tempo. Ainda rolou um jogo no Mineirão, em que o Atlético Mineiro usou a camisa da CBD. Apesar dos dois gols iniciais dos balcânicos, o “Galo Canarinho” virou para 3 a 2.A carreira de Mitic como treinador não duraria tanto. O veterano passou a trabalhar como jornalista, enquanto também foi professor na escola nacional de técnicos e ocupou a vice-presidência do Estrela Vermelha.

O clube eternizou o meia direita como o primeiro “estrela do Estrela”, condecoração seletíssima aos maiores ídolos alvirrubros – apenas outros quatro jogadores receberam tal honraria, assim como a geração campeã europeia em 1991 foi homenageada. E se os torcedores em Belgrado ficaram de luto em 2008, quando Mitic faleceu aos 85 anos, as novas gerações teriam a chance de conhecer sua história através do rebatismo do Marakana. O craque nunca atuou profissionalmente no estádio inaugurado em 1963, mas já havia deixado sua contribuição para que multidões frequentassem as arquibancadas do gigante de concreto. Suas passagens pelo Maracanã também fazem parte do imaginário.

Statue of Rajko Mitic outside the stadium named after him in Belgrade

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