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Jogos Eternos – Vasco 5×2 Corinthians 1980

 

Data: 04 de maio de 1980

O que estava em jogo: a vitória, claro, em partida válida pela Segunda Fase do Campeonato Brasileiro de 1980.

Local: Estádio do Maracanã, Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Juiz: Carlos Sérgio Rosa Martins

Público: 107.474 pagantes

Os Times:

Club de Regatas Vasco da Gama: Mazarópi; Paulinho II, Juan (Ivan), Léo e Paulo César; Carlos Alberto Pintinho, Guina e Dudu; Catinha, Roberto Dinamite e Wilsinho (João Luís). Técnico: Orlando Fantoni.

Sport Club Corinthians Paulista: Jairo; Zé Maria, Mauro, Amaral e Wladimir; Caçapava (Djalma), Basílio e Sócrates; Píter, Geraldão (Toninho) e Wilsinho. Técnico: Jorge Vieira.

Placar: Vasco 5×2 Corinthians. Gols: (Caçapava-COR, aos 11’, Roberto Dinamite-VAS, aos 13’, 27’, 37’, 39’, Sócrates-COR, aos 43’ do 1ºT; Roberto Dinamite-VAS, aos 27’ do 2ºT).

 

Roberto Dinamite 5×2 Corinthians

 

Por Guilherme Diniz

 

Saudade. Sentimento que mais aflorava em Roberto Dinamite naquele final de 1979, início de 1980. Ser contratado pelo Barcelona por 56 milhões de pesetas (uma fortuna na época) poderia significar o grande sonho de qualquer jogador, mas para Dinamite não havia nada empolgante naquilo. Ele estava despedaçado. Havia deixado seu querido Vasco depois de anos de glórias, gols, festas, Maracanã lotado, idolatria. Agora estava ali, do outro lado do Oceano Atlântico, em uma praia sem areia fofa, sem mar bonito, sem paisagens de tirar o fôlego, sem pôr-do-sol de cinema, sem brisa para refrescar. E aquele frio? Ninguém merece! Era uma angústia tremenda. Após cerca de quatro meses, boatos já indicavam que Dinamite poderia voltar ao Brasil. Surpreendentemente, o Flamengo demonstrou interesse no jogador. Houve até conversa entre o presidente do rubro-negro e a direção dos catalães. Isso acabou chegando aos ouvidos do Vasco, que não hesitou em trazer seu amado atacante de volta antes mesmo do fim do primeiro semestre. Ele jogou contra o Náutico, fora de casa, na reestreia, mas a saudade só seria sanada diante da torcida. Ele precisava de gols. Do calor. Do Maracanã. No dia 04 de maio de 1980, mais de 100 mil pessoas lotaram o “maior do mundo” para ver Vasco e Corinthians, pelo Campeonato Brasileiro. Era a volta “oficial” de Dinamite ao templo do futebol, ao seu clube e ao torneio que ele mais gostava de marcar gols. 

Imagine o entusiasmo de um atacante que estava há meses na seca quando viu aqueles gols enormes do Maraca e as arquibancadas lotadas? Pois é. Em sua maior atuação na carreira, Roberto simplesmente destroçou o alvinegro paulista. Fez um gol, afastando o rival com seu corpanzil, deixando outro no chão e mandando um chutaço. Fez o segundo, num chute de fora da área. Fez o terceiro, ao receber na corrida de Guina e encher o pé de primeira. Fez o quarto, ao aproveitar a sobra do goleiro e marcar no mais puro oportunismo. Fez o quinto, com uma finta de corpo no zagueiro e uma bomba no ângulo do goleiro Jairo. Cinco gols de Roberto. Foi Roberto Dinamite 5×2 Corinthians. Quanta saudade! É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Após disputar a primeira Copa do Mundo da carreira, em 1978, Roberto Dinamite naturalmente chamou a atenção de vários clubes do exterior. Já campeão brasileiro pelo Vasco, em 1974, e do Carioca de 1977, o craque foi ainda artilheiro do Campeonato Carioca de 1978 com 19 gols. O Vasco não ficou com a taça, mas era impressionante como Roberto comandava as ações ofensivas do time. Camisa 10 e capitão desde 1975, o atacante era o líder vascaíno e ídolo da torcida. Porém, no final de 1979, o crescente assédio por seu futebol não ofereceu outra opção ao Vasco que não fosse vender seu principal astro. O Barcelona-ESP queria um atacante para substituir o austríaco Hans Krankl, que havia brigado com o técnico catalão da época, Joaquín Rifé (e não Ladislao Kubala como algumas fontes dizem). 

 

No Barça, Roberto não conseguiu “dinamitar’.

 

Dinamite foi contratado por 56 milhões de pesetas e saiu com o coração despedaçado, afinal, amava o Vasco. Em sua estreia pelos blaugranas, o brasileiro marcou dois gols e encheu de entusiasmo a torcida catalã. No entanto, logo após a contratação do jogador, o time trouxe o técnico Helenio Herrera e o atacante brasileiro acabou encostado pelo argentino.

“O Herrera nunca gostou de jogadores sul-americanos porque tinha um trauma muito grande com o Santos de Pelé, na época em que ele treinava a Internazionale”, disse Roberto após o episódio.

Outro fator que interferiu na permanência dele por lá foi o clima. Roberto chegou no começo do ano, em pleno inverno. Os dias nublados e chuvosos contrastaram bastante com o calor que ele estava habituado no Rio. Enfim, foi a típica relação que não deu certo. Após cerca de quatro meses, boatos já indicavam que Dinamite poderia voltar ao Brasil. E ele, de fato, voltou. Após o já citado assédio do Flamengo, a torcida do Vasco pressionou a diretoria do clube para trazer de volta o atacante. Seria inadmissível ver Roberto vestindo a camisa do maior rival. Era como se Zico vestisse o manto do Vasco, se Marcelinho Carioca vestisse o do Palmeiras, e assim por diante. Para a felicidade dos cruzmaltinos, Roberto acertou seu retorno e antes mesmo do fim do primeiro semestre estava vestindo a camisa vascaína novamente.

O craque fez seu primeiro jogo no final de abril, contra o Náutico, pela segunda fase do Campeonato Brasileiro de 1980. Jogando fora de casa, no Recife, ele viu Guina fazer o gol da vitória vascaína por 1 a 0 que manteve o time vivo em busca da vaga na fase final do torneio. Dias depois, estava marcado o reencontro de Dinamite com a massa no Maracanã. O adversário seria o perigoso Corinthians de Zé Maria, Wladimir, Sócrates e companhia, que vinha embalado após duas goleadas sobre o Vitória – 6 a 2 e 5 a 0 – e brigava ponto a ponto com os cariocas pela liderança do grupo e uma das duas vagas para a fase final do Brasileirão. Com Náutico e Vitória já eliminados, cariocas e paulistas lutavam pela liderança. E uma vitória seria crucial para tal pretensão.

Sócrates era o principal nome do Timão.

 

Para aumentar ainda mais a temperatura da partida, antes, o Maracanã teve o duelo entre Bangu e Flamengo, pelo Grupo F, e a torcida do Fla fez a festa com a vitória por 3 a 0 – com três gols de Tita. Após o jogo, muitos se misturaram aos torcedores do Corinthians para aumentar o coro anti-Vasco e criar a chamada “Fla-Fiel”. Isso deixou o Maraca com mais de 100 mil pagantes e um clima único de decisão. A torcida vascaína respondeu aos rivais “duplos” com muita cantoria e os gritos de “Roberto, Roberto, Roberto”. Antes de entrar em campo, o craque não escondeu a emoção e ficou com os olhos marejados. Quase chorou, mas se lembrou que deveria manter o equilíbrio do matador. Aquele era o cenário ideal para dinamitar. E, de fato, reestrear. 

 

Primeiro tempo – Quanta saudade do(s) gol(s)!

O Vasco de 1980 não era uma equipe tão talentosa como outros esquadrões, mas tinha jogadores que faziam a diferença como Dudu, Carlos Alberto Pintinho e Guina, este o principal articulador de jogadas da equipe. Além desse trio, o cruzmaltino contava com o goleiro Mazarópi, que seria campeão da América e do mundo pelo Grêmio três anos depois. O Corinthians, pelas goleadas que havia aplicado no Vitória e o time que tinha, com Sócrates cada vez mais brilhante e orquestrando as jogadas, era favorito. E isso ficou nítido nos primeiros minutos, com o Timão mais presente no campo de defesa do rival e trocando passes com perigo. E, aos 10 minutos, Paulinho II saiu mal, Sócrates ganhou e tentou cruzar, mas a zaga mandou para escanteio.

Na cobrança, Caçapava ajeitou, tabelou com Basílio e recebeu de volta para encher o pé e estufar as redes de Mazarópi: 1 a 0. E que golaço! Será que a volta de Roberto seria com derrota? O jogo era muito difícil e minutos depois o Corinthians ainda teve uma grande chance com Zé Maria, após cobrança de escanteio, mas a cabeçada do lateral foi para fora. O Vasco precisava de uma resposta rápida. E ela veio logo aos 13’. Em saída errada no campo de defesa, Basílio perdeu a bola e ela sobrou para Roberto Dinamite, que dominou, protegeu a bola como só ele fazia, impedindo o contragolpe do próprio Basílio, cortou o próximo marcador e chutou forte, alto, sem chance alguma para o goleiro: 1 a 1.

Roberto chuta para fazer o primeiro gol do Vasco. Foto: Acervo / O Globo.

 

Roberto foi comemorar com a sua torcida. Pulou, vibrou. Ele estava de volta! Foi a deixa para o Vasco crescer no jogo e começar a pressionar a marcação no campo de defesa do Timão, forçando o erro. Minutos depois, Guina avançou pelo meio, brigou pela bola e ela sobrou para Roberto, que chutou de fora da área. A redonda quicou no lendário morrinho artilheiro do Maraca e enganou Jairo: 2 a 1. Mais uma comemoração com a torcida vascaína, mais um pulo, mais emoção. Isso porque o técnico do Vasco, Orlando Fantoni, havia dito que “a torcida não podia esperar muito do Roberto, pois ele está sem ritmo”. Imagine se estivesse?!.

O Vasco aproveitou os erros defensivos do Corinthians e também a criatividade de seu meio de campo para liquidar o jogo.

 

Mais à vontade em campo, o Vasco tomou conta do jogo. Aos 37’, o terceiro gol veio em jogada de contra-ataque após Guina avançar pela intermediária e dar um passe espetacular para Roberto, que nem precisou ajeitar. Do jeito que ela veio ele fuzilou: 3 a 1. Outro golaço! O Corinthians mal deu a saída e o Vasco tomou a bola, trabalhando a redonda de pé em pé. Carlos Alberto Pintinho tocou para Dudu e o meio-campista chutou forte, de esquerda. Jairo não conseguiu segurar e espalmou. Quem apareceu como um foguete? Roberto, que chegou disparando mais um chute para fazer 4 a 1. Era simplesmente espetacular! Quatro gols do Vasco. Quatro gols de Roberto Dinamite!

O passe de Guina…

 

… E o gol de Roberto!

 

Naquele instante, a torcida do Flamengo começou a deixar o estádio. E a do Vasco, em puro êxtase, foi dando adeus aos rivais com gritos e exaltações a Roberto. Aos 43’, em uma roubada de bola, o Corinthians conseguiu uma boa chance de ataque com Geraldão, mas o atacante foi derrubado dentro da área. Na cobrança de pênalti, Sócrates bateu bem e descontou: 4 a 2. Antes do fim do primeiro tempo, Roberto ainda teve a chance de fazer o quinto gol, mas seu chute à queima roupa foi defendido por Jairo, que se agigantou em frente ao artilheiro vascaíno com seu corpanzil. Ao término da primeira etapa, a torcida do Vasco vivia uma tranquilidade absoluta. Nem o desconto corintiano naquele final diminuía a expectativa por mais gols e por um placar ainda mais dilatado. Afinal, eles tinham Roberto em estado de graça e gols.

 

Segundo tempo – Dinamite 5×2 Corinthians

A “Fla-Fiel” foi desmantelada (e dinamitada) por Roberto!

 

No prejuízo, o Corinthians foi quem mais atacou naquele começo de segundo tempo e chegou com perigo sempre pelo lado direito do ataque, mas sem pontaria. A melhor chance aconteceu após cruzamento de Geraldão em que Sócrates cabeceou para baixo, a bola subiu forte e bateu no travessão de Mazarópi. Depois disso, o jogo ficou mais moroso, sem a velocidade da etapa inicial. Até que, aos 27’, a massa vascaína teve mais um motivo para celebrar. Píter cruzou e a bola ficou livre para a zaga do Vasco recomeçar de pé em pé. Dudu e Guina foram avançando e este deixou com Roberto, na intermediária. Com dois defensores à sua frente, o atacante cortou para o lado e escapou de Mauro, ajeitou e chutou de fora da área, no ângulo de Jairo, para fazer o gol mais bonito do jogo: 5 a 2.

Naquele dia, o Maracanã viu a ressurreição de um de seus maiores artilheiros. De um mito. Roberto fez cinco gols com suas assinaturas, com todas as qualidades que ele já havia mostrado nos anos 1970. 

 

“Tem jogador que faz cinco gols em um jogo, mas é contra um Madureira, um Campo Grande… Eu fiz cinco gols contra o Corinthians, né? Eu tinha acabado de sair do Barcelona e tinha ficado uma interrogação. Quem é esse jogador que veio do Brasil como artilheiro, ídolo e tal e não deu certo? [..] O problema não era eu!”.Roberto Dinamite, em entrevista ao UOL Esporte, 12 de dezembro de 2017. Leia mais clicando aqui.

 

 

Com a vitória consolidada, o placar permaneceu intacto, e, ao fim do jogo, Roberto Dinamite foi comemorar com a galera. Ele jogou sua camisa para as arquibancadas, vibrou e não escondeu a emoção de um retorno tão triunfal, tão eletrizante, tão apoteótico. No dia seguinte, um jornal espanhol publicou: “Esse sim é Dinamita”. E era mesmo. Roberto havia nascido para o Vasco. E aquele Vasco não fazia sentido sem Roberto. Simbiose profunda. Amor eterno. Como foi eterna aquela noite espetacular do Maracanã. Noite de Roberto Dinamite 5×2 Corinthians.

 

Pós-jogo: O que aconteceu depois?

 

Vasco: o time de São Januário foi para a fase final com grandes chances de classificação, mas acabou de fora das semis por causa do saldo de gols. Em sua chave, o Vasco empatou com o Fluminense (1 a 1), venceu o São Paulo (2 a 1) e empatou com o Atlético-MG (0 a 0), porém, a vaga ficou com o Galo, que terminou com dois gols de saldo contra um do Vasco. Sobre Roberto, ele permaneceu no alvinegro, colecionou mais títulos, venceu duas Bolas de Prata da Placar (1981 e 1984), foi artilheiro do Brasileirão de 1984 com 16 gols e se consolidou como maior ídolo do Vasco na história e também um dos maiores artilheiros do futebol brasileiro. Leia mais sobre a carreira de Roberto Dinamite clicando aqui!

Roberto comemora após o jogo: noite histórica. Foto: Jorge Marinho / Agência O Globo.

 

Corinthians: o revés acabou interferindo no desempenho do Timão na fase final e a equipe paulista ficou apenas na terceira posição de seu grupo, com uma vitória (5 a 0 no Grêmio), um empate (1 a 1 com o Botafogo) e uma derrota (1 a 0) para o classificado Coritiba. Mas os anos seguintes foram de glórias para o alvinegro, que faturou um bicampeonato paulista (1982 e 1983) com grandes jogos e um esquadrão comandado por Sócrates, Casagrande, Biro-Biro, Zenon, Ataliba, Wladimir, Juninho e companhia.

 

Extra:

Veja os lances e gols da partida.

 

 

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Comentários encerrados

2 Comentários

  1. Que texto maravilhoso do Imortais! Foi uma história que eu queria ver muito nos Jogos Eternos do Imortais!
    Foi uma partida que o Roberto transformou em Jogo Eterno! Foi a partida que melhor mostrou a todo mundo que o Roberto foi, sem dúvida, um craque imortal! Foi a partida que provou a todos que o lugar do Roberto sempre foi no Rio de Janeiro! Até acho que o Roberto merecia mais chance no Barcelona, mas ele nasceu mesmo foi para fazer história no Vasco! Isso é Roberto Dinamite!
    Abraço Gigantesco ao Imortais! Foi um jogo que merece muito ser lembrado por toda a eternidade! E que venham outros mais!

  2. Muito bom. Espetacular. Havia muitos pedidos nos comentários das outras publicações de jogos eternos pedindo Vasco 5 X 2 Corinthians e finalmente ele veio. Realmente fantástico. Existe aqui nos comentários de outras publicações de jogos eternos, muitos pedidos para que você faça um texto sobre outro jogo espetacular: Santos 3 X 5 Nautico pelo 2° jogo da semifinal do brasileiro de 1966. O Santos ficou com a vaga, foi pra final e perdeu pro Cruzeiro, como você relembrou aqui no blog. Mas existem muitos pedidos para que você coloque em breve Santos 3 X 5 Nautico 1966. Grande abraço, sucesso.

Craque Imortal – Raí

Esquadrão Imortal – Cruzeiro 1965-1969