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Craque Imortal – Zito

 

Nascimento: 08 de agosto de 1932, em Roseira, SP, Brasil. Faleceu em 14 de junho de 2015, em Santos, SP, Brasil.

Posição: Volante

Clubes: Taubaté-BRA (1950-1952) e Santos-BRA (1952-1967).

Principais títulos por clubes: 2 Mundiais Interclubes (1962 e 1963), 2 Copas Libertadores da América (1962 e 1963), 5 Taças Brasil (1961, 1962, 1963, 1964 e 1965), 4 Torneios Rio-SP (1959, 1963, 1964 e 1966) e 9 Campeonatos Paulistas (1955, 1956, 1958, 1960, 1961, 1962, 1964, 1965 e 1967) pelo Santos.

Principais títulos por seleção: 2 Copas do Mundo da FIFA (1958 e 1962) pelo Brasil.

Principais títulos individuais:

Eleito para o All-Star Team da Copa do Mundo da FIFA: 1962

Eleito para o World Soccer XI da revista World Soccer: 1962

Eleito um dos 1000 Maiores Esportistas do Século XX pelo jornal The Sunday Times: 1999

Eleito para o Time dos Sonhos do Santos da revista Placar: 2006

Eleito para o Time dos Sonhos do Santos do Imortais: 2021

 

“O Gerente de Esquadrões”

 

Por Guilherme Diniz

 

Um dos maiores esquadrões de todos os tempos ficou conhecido pelos títulos, pelos gols em profusão e por Pelé. Mas o Santos de 1960-1969 só foi o que foi por causa de uma pessoa. Uma voz. Um gerente responsável por todos os outros atletas. Que não deixava a garotada parar de atacar ou relaxar quando a vitória estava consumada. Ele dava bronca. Puxava a orelha inclusive de Pelé. Tinha o respeito de todos. E sabia muito bem como exercê-lo. Foi o primeiro brasileiro a erguer, como capitão, a imponente taça da Copa Libertadores. Detalhe: por duas vezes seguidas e ambas fora de casa. Além disso, ele também brilhou e foi titular em outro timaço: o Brasil 1958-1962, bicampeão mundial.

Que só foi bi graças aos desarmes, domínio no meio de campo e ao gol providencial do gerente na decisão da Copa de 1962, tento que virou o jogo pra cima da Tchecoslováquia e embalou a seleção ao título. José Ely de Miranda, mais conhecido como Zito, foi um dos maiores craques do futebol brasileiro no século XX. O volante é até hoje o 3º jogador que mais vestiu a camisa santista na história com mais de 700 partidas e um dos raros atletas com dois títulos mundiais por clubes e dois por seleção. Um jogador excepcional que não só marcava, mas também avançava ao ataque e serviu de inspiração para centenas de meio-campistas nas décadas seguintes. É hora de relembrar a carreira dessa lenda.

 

Descendo a serra

Nascido em Roseira, município vizinho à icônica Aparecida do Norte (SP), Zito desde pequeno demonstrava muita disciplina e foco nos objetivos, tanto é que nunca escondeu de seus pais – que o chamavam de Joselito e rapidamente diminuíram para Zito – que queria ser jogador de futebol. Prova disso foram as inúmeras excursões que organizou com os amigos de bairro para jogar campeonatos nas cidades vizinhas de Caçapava, São José dos Campos e Taubaté, sendo um dos principais comandantes dos times e responsável pelo “transfer” de uma cidade até outra com o caminhão de algum conhecido ou amigo. No final dos anos 1940, mudou-se para Pindamonhangaba e jogou no São Paulo da cidade e no Estudantes de Pinda, pelo qual acabou atraindo a atenção do Taubaté, seu primeiro clube como jogador profissional.

Jogo após jogo, Zito construiu a fama de volante marcador, mas que também armava jogadas de ataque até aparecer na frente para marcar gols. Sua fibra, força de vontade e voz em campo rapidamente contagiaram os companheiros e a fama daquele volante correu por todo Vale do Paraíba. Naquela região, ninguém jogava mais bola no meio de campo do que Zito. A qualidade nos passes era impressionante e sua leitura de jogo fora do comum. O craque cantava a jogada a ser feita e dava dicas aos companheiros do que fazer. Naturalmente, as virtudes do jovem chegaram a outras cidades e dirigentes do Santos foram até Taubaté ver de perto o garoto. Chegando lá, receberam a notícia de que o Palmeiras estava na jogada e queria contratar Zito, mas com pagamentos parcelados. O vice-presidente do Peixe na época, Modesto Roma, foi mais rápido e contratou Zito com pagamento à vista. Mal sabia ele que o Santos ganhava naquele instante o maior volante de sua história.

 

O Gerente e o esquadrão

Pelé, Zito e Pepe: expoentes de um time espetacular. Foto: Acervo / Santos FC.

 

Zito chegou ao Santos em 1952, mas não foi titular logo de cara. Testado em outras posições  – lateral, zagueiro e meia – pelo técnico Aymoré Moreira, o jogador só ganhou a vaga definitiva no meio quando Hilton Alves se machucou e Zito virou, enfim, o volante titular. Na época, a referência do Peixe era Antoninho Fernandes, um dos maiores ídolos do clube e com características de liderança sobre os companheiros que ajudaram a moldar ainda mais o estilo de Zito dentro de campo. Jogando de maneira mais regular e encarando grandes adversários no Campeonato Paulista e nos torneios interestaduais, Zito foi crescendo ainda mais de produção.

Roubava bolas, não aliviava nas divididas, tinha grande impulsão nas jogadas aéreas, tabelava, lançava e comandava a transição da defesa ao ataque. Suas broncas nos companheiros e gritos intensos se destacavam mais do que os capitães santistas e os adversários pensavam que ele era o líder. O único “defeito” era o chute de perna esquerda. O próprio Zito reconhecia que seu pé esquerdo era “cego” e ele centralizava tudo no pé direito, este sim impecável.

Seu primeiro título com o Peixe veio em 1955, na conquista do Paulistão e jogando ao lado de Del Vecchio, Vasconcelos e Pepe, um dos grandes amigos de Zito e que chamava o craque de outra maneira: Chulé. “A crônica esportiva batizou o Zito de ‘Gerente’ por causa do jeito dele em campo, mas na realidade o chamávamos de Chulé, um apelido antigo que vem desde o comecinho dos anos 1950. Deve ter surgido quando ele foi experimentar algum sapato e perceberam o odor”, comentou Pepe no livro “Os 11 Maiores Volantes do Futebol Brasileiro”, de Sidney Garambone.

Mas foi a partir de 1956 que Zito, Pepe e companhia começaram a transformar o Santos de vez em um dos maiores esquadrões de todos os tempos quando desembarcou na Vila um garotinho que ficaria conhecido como Pelé. Com o Rei e a chegada de outras feras como Dorval, Mengálvio, Coutinho e companhia, o Santos virou uma apoteose de futebol e começou a levantar títulos e mais títulos. Sob o comando do técnico Lula, Zito virou capitão e a principal referência do elenco dentro e fora de campo. Como na época os técnicos não tinham a liberdade que têm hoje para passar informações aos jogadores, era Zito quem transmitia as táticas e maneiras de jogar aos atletas. Mesmo assim, se ele não aprovava alguma coisa, o próprio Zito mudava o estilo de jogo do time. Eram comuns, também, as broncas do capitão nos jogadores, algumas até exageradas, mas sempre com o intuito de manter o time ligado e em busca da vitória a todo custo.

 

“A gente era jovem e ficava assustado com os gritos, porque às vezes ofendia. Muitos palavrões. Mas ele adorava berrar comigo: ‘ô Pouca Pena, volta para marcar!’, porque eu já estava ficando careca. […] Ele tinha comando até sobre o Pelé! Sério, dava broncas principalmente quando o Pelé exagerava e queria driblar todo mundo. ‘Solta a bola, negão!’. Mas a gente às vezes mandava ele tomar banho, pra não falar coisa pior. ‘Não enche o saco, Zito!’. Os que mais ficavam bronqueados eram o Pelé e o Dorval. O Dorval explodia baixinho, falando para si mesmo e xingando o Zito sem ninguém ouvir. Ninguém na torcida percebia essas discussões da gente. E a televisão da época não tinha tantas câmeras na transmissão. Ainda bem… […] Zito foi um grande comandante, um jogador seguramente que está situado entre os melhores volantes do Brasil em todos os tempos”.Pepe, ex-jogador do Santos, em entrevista publicada no livro “Os 11 Maiores Volantes do Futebol Brasileiro”, de Sidney Garambone – Editora Contexto, 2010.

Mesmo quando o Santos vencia de goleada, era Zito quem mantinha os jovens ligados o tempo todo para manter o apetite por gols intacto e continuar atacando, além de ele entusiasmar o elenco quando estava atrás do placar para buscar a virada. O mais notável exemplo dessa ânsia pela vitória aconteceu em um dos muitos jogos do Santos pelo exterior, em 1967, na Alemanha. Com uma pequena lesão, Zito resolveu não jogar e, do banco, viu o Peixe levar 4 a 1 no primeiro tempo. No intervalo, furioso, Zito esbravejou com os colegas e disse ao técnico Lula que iria entrar. Ele entrou, berrou como sempre, e o Santos enfiou quatro gols nos alemães. Resultado? Vitória alvinegra por 5 a 4.

Zito cumprimenta Orlando Peçanha antes da finalíssima da Libertadores de 1963.

 

Outra história marcante de Zito aconteceu durante as finais do Mundial Interclubes de 1963, contra o Milan-ITA. O volante disputou apenas a partida de ida, em Milão, e acabou de fora dos jogos decisivos no Maracanã por causa de uma lesão. Mesmo assim, Zito esteve lá ajudando o técnico Lula com dicas táticas e apoiando os atletas em um momento tão importante como aquele. O trabalho deu certo, afinal, o Santos venceu os italianos nos dois jogos (4 a 2 e 1 a 0) e faturou o caneco.

Zito com um dos troféus do Mundial Interclubes vencidos pelo Santos.

 

Entre 1952 e 1967, Zito levantou dois Mundiais Interclubes, duas Libertadores, cinco Taças Brasil, nove Campeonatos Paulistas e vários outros títulos pelo Santos. Além de tanta influência em campo, Zito era uma figura importante fora dele ao levar informações e desejos dos atletas à diretoria e ao técnico Lula, sendo uma espécie de intermediador para resolver assuntos pessoais e até questões salariais. Tão importante no Santos, Zito obviamente acabou beneficiando outra equipe naquela época: a seleção brasileira.

 

Bicampeão do mundo, agora pela seleção

Pelé e Zito, pela seleção.

 

As primeiras aparições de Zito pelo Brasil aconteceram em 1955, mas foi a partir de 1958 que o craque cravou de vez seu espaço no escrete canarinho. Convocado para a Copa do Mundo da Suécia, Zito viu do banco a equipe brasileira vencer a Áustria (3 a 0) e somente empatar com a Inglaterra (0 a 0) até o técnico Vicente Feola promover a entrada de Pelé, Garrincha e Zito no time. Dali em diante, a partir do jogo contra a URSS, o Brasil não sofreu mais e venceu os quatro jogos: 2 a 0 nos soviéticos, 1 a 0 no País de Gales, 5 a 2 na França e 5 a 2 na Suécia, na final. Na época, muitos disseram que os jogadores teriam interferido na mudança dos jogadores a partir do jogo contra a URSS, mas o próprio Zito desmentiu essa lenda.

 

“Eu não acredito que alguém tenha pedido para colocar esse ou aquele jogador, porque a gente não tinha essa comunicação fácil com eles [comissão técnica] para se atrever a pedir para mudar o time. […] Na verdade, a gente não tinha uma relação individual com a comissão técnica, era sempre em grupo. Eu fiquei sabendo que iria jogar [contra a URSS] pelo quadro de informações do dia”, disse Zito em entrevista ao repórter Marcelo Freire, da Folha de S. Paulo, em 29 de junho de 2008.

Djalma Santos, Zito, Vicente Feola, Pelé e Aymoré Moreira. Foto: Reprodução/In My Ear.

 

Outro fato que beneficiou Zito naquela Copa foi a lesão de Dino Sani, volante titular da equipe nos dois primeiros jogos. Com o Gerente, a seleção ganhou mais força no desarme e ainda mais intensidade no apoio ao ataque, além de possibilitar as chegadas de Didi na frente. Mas foi em 1962 que o craque cravou de vez seu espaço entre os maiores de todos os tempos. Mais uma vez titular da seleção, Zito reeditou a dupla no meio de campo com Didi e foi titular absoluto na campanha do bicampeonato. O craque foi mais uma vez fundamental para o título, mas guardou o melhor exatamente para a final, contra a Tchecoslováquia. 

A seleção campeã em 1962. Em pé: Djalma Santos, Zito, Gylmar dos Santos Neves, Zózimo, Nilton Santos e Mauro Ramos de Oliveira. Agachados: Mário Américo (massagista), Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo e Zagallo.

 

O Brasil começou perdendo por 1 a 0, mas Amarildo (que substituiu Pelé, machucado) empatou. No segundo tempo, o empate seguia no placar até que Zito recuperou uma bola no campo defensivo e avançou em direção ao ataque. Com a bola dominada, foi passando pelos marcadores como um verdadeiro atacante. Na intermediária, o volante tocou para Amarildo, que driblou um lateral adversário e ouviu o grito característico de Zito, alertando que estava por ali. O botafoguense devolveu para o santista pelo alto, Zito subiu, conseguiu no limite alcançar a bola o suficiente para colocá-la longe do alcance do goleiro e no fundo da meta: 2 a 1. 

Zito marca o gol da virada: Brasil rumo ao Bi!

 

Zito celebrou como nunca, com os braços ao alto, em puro êxtase. Foi o gol da virada brasileira, o combustível para, minutos depois, Vavá fazer o terceiro e garantir mais uma conquista ao time sul-americano. O tento da virada foi apenas um dos três gols que Zito anotou nos 51 jogos que fez pela seleção. Mas o mais importante e em plena final de Copa! O talento do craque acabou reconhecido em todo planeta e alçou Zito ao All-Star Team da Copa do Mundo de 1962 e ao World XI da conceituada revista World Soccer no mesmo ano.

Na seleção, Zito fez parte de uma geração de sonhos, tendo o privilégio de jogar ao lado de Gylmar, Djalma Santos, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Zagallo, Pelé, Vavá e muitos outros. Diante de tantas estrelas e capitães em seus respectivos clubes, Zito não “berrava” como no Santos, mas ainda sim tinha o respeito de todos. “Na seleção ele era o mesmo jogador em campo, ótimo na defesa, excelente no ataque, no desarme. Mas quanto aos gritos…O Zito não perdia a mania de gritar, só que na seleção gritavam também com ele!”, comentou Pepe no já citado livro de Sidney Garambone. Com a amarelinha ele era gerente, mas não tanto… rsrs

 

Últimos anos e aposentadoria

Pelé, Didi e Zito. Foto: Acervo / CBF.

 

Zito foi convocado também para a Copa do Mundo de 1966, mas acabou não jogando e viu o Brasil ser eliminado ainda na primeira fase. Já veterano, disputou seus últimos jogos pelo Santos em 1967, com a última partida em novembro daquele ano, na goleada do Peixe por 5 a 0 sobre um combinado de jogadores do Fortaleza e do Ferroviário, no estádio Presidente Vargas (CE). O Santos jogou com: Laércio; Carlos Alberto (Turcão), Joel Camargo (Oswaldo), Orlando e Geraldino; Lima e Zito (Negreiros); Orlandinho (Abel), Silva (Coutinho), Pelé e Edu. Técnico: Antoninho. Zito deixou sua marca, o último dos 57 gols em 733 jogos pelo Santos. 

Zito e Edu Dracena, capitães das Libertadores vencidas pelo Peixe.

 

Neymar e Zito: Gerente levou o jovem para a Vila Belmiro.

 

Após pendurar as chuteiras, o craque seguiu vivendo em Santos e trabalhando com a diretoria do Peixe e nas categorias de base, ajudando a revelar vários talentos, entre eles Neymar, que ele descobriu quando o garoto tinha apenas 11 anos e o levou para a Vila Belmiro. Em junho de 2015, aos 82 anos, Zito foi jogar uma bolinha lá no céu após muitas complicações causadas por um AVC. O legado da lenda, porém, segue intacto na Vila e no futebol mundial. Zito foi um dos maiores volantes de todos os tempos, sem exagero algum, e também um dos mais vitoriosos da história. Ver os volantes de hoje defenderem e atacarem pode parecer normal, mas ver Zito fazendo isso lá nos anos 1950 e 1960 foi um estrondo, algo marcante e que serviu de referência para centenas e centenas de atletas no futuro. No entanto, nenhum conseguiu ser tão líder, tão companheiro e tão dominante como o eterno Gerente. Um craque imortal.

Em 2017, Zito ganhou uma estátua em frente a Vila Belmiro. Foto: Gabriela Brino.

 

Números de destaque:

Disputou 733 jogos e marcou 57 gols pelo Santos.

Disputou 45 jogos oficiais (51 jogos contando os não-oficiais) e marcou três gols pelo Brasil.

 

 

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Craque Imortal – Lothar Matthäus

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