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Seleções Imortais – Itália 2020-2021

Em pé: Chiellini, Emerson, Chiesa, Immobile, Donnarumma e Bonucci. Agachados: Di Lorenzo, Barella, Verratti, Insigne e Jorginho.
Itália 2020-2021
Em pé: Chiellini, Emerson, Chiesa, Immobile, Donnarumma e Bonucci. Agachados: Di Lorenzo, Barella, Verratti, Insigne e Jorginho.
 

 

Grandes feitos: Campeã Invicta da Eurocopa de 2020 e dona da maior série invicta da história da seleção italiana em todos os tempos – 37 jogos. Reconquistou a Eurocopa após 53 anos de jejum.

Time-base: Donnarumma; Di Lorenzo (Florenzi / Rafael Tolói), Bonucci, Chiellini (Bastoni / Acerbi) e Spinazzola (Emerson); Jorginho, Barella (Cristante / Pessina) e Verratti (Locatelli); Chiesa (Berardi), Immobile (Bernardeschi) e Insigne (Belotti). Técnico: Roberto Mancini.

 

 

It’s Coming ROME!”

 

Por Guilherme Diniz

 

Sinais. Eles surgem de maneira sutil ou diretamente. Podem ser para alertar algo bom que vem por aí. Ou completamente o contrário. Em 2014, os primeiros sinais surgiram quando a Itália, tão gigante, tão vitoriosa, foi eliminada pela segunda vez seguida em uma fase de grupos de uma Copa do Mundo. Em 2016, mais sinais. Disputando a Eurocopa da França, os italianos começaram bem, mas perderam a última partida da fase de grupos para a Irlanda do Norte por 1 a 0. Nas oitavas, eliminaram a Espanha, algoz de quatro anos antes, mas aí foram eliminados nas quartas de final, nos pênaltis, para a Alemanha. Peraí, Alemanha? Aquela freguesa? Derrotada nas Copas de 1970, 1982, 2006 e na Euro de 2012? Algo realmente não estava bem… Aí veio 2017. Bastava uma vitória contra a Suécia, em casa, para garantir a vaga na Copa do Mundo de 2018. Nada difícil para uma equipe tão tradicional e com o peso da Nazionale. Só que eles empataram. E a Itália ficou fora de um Mundial pela primeira vez após 60 anos. Os sinais vinham desde 2014. Mas ninguém notou. Uma mudança drástica era necessária. Uma nova mentalidade. Novos conceitos.

Em julho de 2018, Roberto Mancini assume a Nazionale juntamente com Attilio Lombardo, Gianluca Vialli, Fausto Salsano… Parecia uma reunião de legends da Sampdoria. Mas era um time disposto a quebrar paradigmas. Chega de só defender. Chega do velho futebol. Por que não ser mais ousado? Por que não jogar vez ou outra no Metodo, o esquema de jogo de Vittorio Pozzo, com cinco jogadores atacando lá na frente? Poxa, será que a Itália ficaria mais 24 anos sem levantar nada, a exemplo do hiato entre 1982-2006? De jeito nenhum. Mancini começou a formar um grupo. Começou o renascimento. E, a partir do dia 10 de outubro de 2018, a Seleção Italiana de futebol não iria mais perder. Jogo após jogo, foi derrubando seus adversários até conseguir a vaga na Eurocopa de 2020 e também na fase final da Liga das Nações da UEFA 2020-2021. Jogando para frente, sem pragmatismo, sem futebol burocrata.

Em Roma, começou sua jornada na Euro com vitória por 3 a 0. E para Roma levou a sonhada taça de campeã da Europa depois de mais de 50 anos. Troféu conquistado em Wembley, contra a anfitriã Inglaterra. Além do título, aquela Azzurra completou 34 jogos sem perder e superou a lenda do time de Vittorio Pozzo lá no final dos anos 1930. Algo inimaginável. Possível graças à ousadia. À juventude. E a uma dupla de veteranos que passaram por todos os percalços pós-2012 – Bonucci e Chiellini. É hora de relembrar o Rinascimento Azzurro no futebol europeu (porque em Copa…).

 

Basta!

Os italianos desolados: Azzurra fora da Copa de 2018. Foto: Marco Luzzani / Getty Images.

 

 

Os já citados sinais que não foram notados entre 2012 e 2016 ficaram escancarados naquela noite do dia 13 de novembro de 2017. Após fazer uma campanha apenas regular no Grupo G das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018 e levar de 3 a 0 da Espanha em um dos jogos, a Itália foi obrigada a disputar a repescagem europeia contra a Suécia para brigar por uma vaga no Mundial. No primeiro jogo, em Solna, os auriazuis venceram por 1 a 0 e foram até Milão com a vantagem do empate. A Itália tinha que vencer por dois gols no tempo normal ou mesmo por um simples 1 a 0 para forçar a prorrogação. Nada difícil, a contar pelos mais de 70 mil torcedores que lotaram o San Siro naquela noite para apoiar a Azzurra. Mas, em campo, a Itália foi a morosidade tão comum dos últimos anos, não marcou gols e o empate em 0 a 0 classificou a Suécia para a Rússia. Foi uma verdadeira tragédia. Mas consumada.

 

Bonucci e Buffon se abraçam: jogo contra a Suécia foi o adeus do lendário goleiro da seleção.

 

 

O pífio técnico italiano na época, Gian Piero Ventura, não dava chances aos bons jogadores que brilhavam nos clubes do país e, no fatídico jogo contra a Suécia, preferiu escalar De Rossi ao invés de Insigne quando o time precisava desesperadamente atacar e não defender – algo que gerou revolta do próprio De Rossi. Com isso, Ventura deixou o comando da seleção e um novo nome começou a ser procurado para recolocar o time nos trilhos e ao menos garantir a classificação para a Eurocopa de 2020 – naquela péssima fase, não seria nenhuma surpresa se a equipe ficasse de fora, também, do torneio continental… 

A oportunidade de renovação surgiu em meados de maio de 2018, quando Roberto Mancini deixou o comando do Zenit-RUS e apareceu livre para negociar com a Federação Italiana. Os dirigentes sabiam do talento e amadurecimento do técnico, que já havia vencido títulos por Fiorentina, Lazio, Internazionale e responsável por tirar o Manchester City da longa fila de títulos no Campeonato Inglês na temporada 2011-2012. Além disso, Mancini fora um atacante de exímio talento, ídolo na Sampdoria e na Lazio e que aprendeu muito ao lado de técnicos adeptos do futebol ofensivo e da pressão sobre os adversários: Vujadin Boskov (na Sampdoria) e Arrigo Sacchi (na seleção italiana).

Roberto Mancini, em sua apresentação na FIGC. Foto: Claudio Villa / Getty Images.

 

 

Mancini sempre expressou sua vontade de ser técnico da Itália. Já se sentia preparado e via como oportunidade de suplantar os feitos como jogador da Azzurra, que não foram tão bons como em sua trajetória em clubes. Em sua apresentação, o técnico deixou claro que iria priorizar os jogadores que estivessem jogando bem e iria abrir o leque para outros clubes e regiões da Itália, deixando de lado a polarização habitual de Turim, Roma e Milão. Para ajudar naquele trabalho, Mancini fez questão de levar consigo velhos companheiros para a composição da comissão técnica.

O principal deles seria o amigo Gianluca Vialli, que fez a parceria memorável com Mancini na Sampdoria do começo dos anos 1990 em uma dupla conhecida como “Gêmeos do Gol”. Vialli seria integrado apenas no final de 2019, após superar uma difícil batalha de mais de um ano contra um câncer no pâncreas que o fez perder 16 quilos. Além de Vialli, outros quatro ex-jogadores da Samp foram integrados à comissão técnica como auxiliares: Alberico Evani, Attilio Lombardo, Fausto Salsano e Giulio Nuciari. Ter ao seu lado amigos e companheiros de tempos gloriosos era fundamental para Mancini ficar ainda mais à vontade e conseguir impor a mudança na seleção. E ela começaria de maneira bastante promissora.

 

Uma nova Azzurra

Mancini e Vialli, de volta à Itália. Foto: Imago / OneFootball.

 

 
E a dupla nos tempos de Sampdoria.

 

 

O primeiro jogo de Mancini no comando da Itália foi um amistoso contra a Arábia Saudita, em maio de 2018, que terminou com vitória por 2 a 1 – gols de Balotelli (velho conhecido de Mancini em seus tempos como técnico da Inter e do City, mas que perderia espaço nos meses seguintes) e Belotti. Nos quatro jogos posteriores, porém, a Itália não venceu (foram dois empates e duas derrotas), e Mancini percebeu que teria que mudar algumas peças para dar mais volume de jogo ao time. No dia 10 de outubro de 2018, no empate em 1 a 1 da Azzurra contra a Ucrânia, em amistoso disputado em Genoa, Mancini escalou um time bem modificado em relação aos jogos anteriores, com Donnarumma no gol, Florenzi e Biraghi nas laterais, Bonucci e Chiellini no miolo de zaga, Jorginho, Barella e Verratti no meio e Bernardeschi, Insigne e Chiesa no ataque. Era uma seleção jovem, com uma mescla de atletas de diferentes clubes e sem a polarização vista nos anos anteriores, principalmente do meio para frente. Barella jogava no Cagliari; Chiesa e Biraghi na Fiorentina e Insigne no Napoli, por exemplo.

Immobile, atacante da Azzurra e um dos principais goleadores do Campeonato Italiano na virada da década.

 

 

Nos três últimos jogos do ano, vitórias sobre Polônia (1 a 0, pela Liga das Nações) e Estados Unidos (1 a 0, amistoso) e empate em 0 a 0 com Portugal. Mas foi em 2019 que a Itália, enfim, engatilhou. A equipe teve como único compromisso do ano as Eliminatórias para a Eurocopa de 2020. E venceu todos os 10 jogos que disputou! A sequência foi a seguinte:

 

Itália 2×0 Finlândia

Itália 6×0 Liechtenstein

Grécia 0x3 Itália

Itália 2×1 Bósnia e Herzegovina

Armênia 1×3 Itália

Finlândia 1×2 Itália

Itália 2×0 Grécia

Liechtenstein 0x5 Itália

Bósnia e Herzegovina 0x3 Itália

Itália 9×1 Armênia

 

Obviamente, a Azzurra se classificou para a Euro e ainda se garantiu no pote 1 como cabeça de chave do torneio. Mais do que isso, o técnico Roberto Mancini conseguiu igualar o recorde de nove vitórias seguidas de Vittorio Pozzo à frente da seleção – sequência iniciada em 1938 com dois amistosos, continuada em toda a campanha vencedora da Itália na Copa do Mundo da França, e encerrada com mais três amistosos entre novembro de 1938 e março de 1939. Só que Mancini foi além. Ele aumentou a série para 11 vitórias seguidas (as 10 das Eliminatórias da Euro mais a vitória sobre os EUA, no amistoso de novembro de 2018) após os triunfos sobre Bósnia (3 a 0) e Armênia (9 a 1) e se isolou como o detentor da maior série de vitórias da história da seleção italiana! Um feito extraordinário e que comprovou a fase que vivia o time azul. 

Foto: Claudio Villa / Getty Images.

 

 

Nos 10 jogos das Eliminatórias, a Itália marcou 37 gols e sofreu apenas quatro. E o time não dependeu apenas de um centroavante, um goleador. Por buscar sempre o gol, todos apareceram aptos para colocar a bola nas redes e isso refletiu na lista de goleadores: 

 

Belotti – 4 gols

Barella, Immobile, Insigne e Jorginho – 3 gols cada

Bernardeschi, Verratti, Zaniolo, Kean, Quagliarella e Romagnoli – 2 gols cada;

Acerbi, Bonucci, Chiesa, El Shaarawy, Orsolini, Pavoletti, Pellegrini, Sensi – 1 gol cada. OBS.: um dos 37 gols da Itália nas Eliminatórias foi contra.

 

Mancini se mostrou bastante orgulhoso com o desempenho do time na época, principalmente após completar a série de 10 vitórias nos 10 jogos das Eliminatórias com o triunfo por 9 a 1 sobre a Armênia, justamente em um mês de novembro, dois anos depois da fatídica eliminação na repescagem para a Copa.

 

“Foi uma noite adorável, o último jogo nas Eliminatórias e nós fomos bem. Você não marca nove gols em um jogo de seleções hoje em dia, nós demos nosso máximo para atingir isso. […] Estes são todos jovens rapazes que estão melhorando jogo a jogo. Jogando ao nível internacional traz experiência, eles têm qualidade, é uma questão de tempo”. – Roberto Mancini, em entrevista à RAI Sport e reproduzida no site Trivela, parceiro do Imortais

 

Era visível nos resultados e no jogo italiano as mudanças impostas por Mancini. A Itália buscava o gol em todo momento, jogava para frente e não ficava dependendo de contra-ataques. O próprio Mancini dizia na época que gostava de futebol ofensivo e decretou que “os dias de futebol defensivo e contra-ataque haviam acabado” na Itália. Para corroborar com a nova filosofia de futebol ofensivo, times considerados “azarões” davam show no Campeonato Italiano, em especial a Atalanta e o Sassuolo.

A equipe de Bérgamo era a que mais se destacava pela quantidade de gols que fazia desde a temporada 2018-2019, quando terminou como melhor ataque do torneio com 77 gols em 38 jogos e ainda alcançou um incrível 3º lugar. Na temporada 2019-2020, a Atalanta atingiu impressionantes 98 gols (!) em 38 jogos e mais uma vez foi 3ª colocada no Calcio, aplicando goleadas pirotécnicas de 6 a 2, 7 a 0, 7 a 1, 5 a 0 e ainda um 5 a 0 no Milan durante sua campanha. O clube ainda emendou o terceiro campeonato com melhor ataque em 2020-2021, anotando 90 gols em 38 jogos. Com tanto apetite, a Atalanta passou a fornecer matéria-prima para a Nazionale, com as regulares convocações de Matteo Pessina e Rafael Tolói.

Matteo Pessina, um dos destaques da Atalanta. Foto: IPA.

 

 
Manuel Locatelli, um dos principais nomes do Sassuolo. Foto: Emilio Andreoli/Getty Images.

 

 
Domenico Berardi, atacante do Sassuolo também presente na Nazionale.

 

 

Já o Sassuolo, embora não figurasse no pelotão de cima, também mostrava um futebol bastante competitivo e tinha atletas de destaque que passaram a ser observados e convocados por Mancini, entre eles Manuel Locatelli e Domenico Berardi. O que mais chamava a atenção era o detalhe da maior parte dos convocados vir de times locais, diferente de outras seleções que chamavam mais atletas que jogavam no exterior. A mudança do estereótipo do próprio Campeonato Italiano para um futebol mais ousado e ofensivo contribuía para a mudança da seleção. Ou seja, tudo conspirava a favor do proposto por Mancini: a quebra de paradigmas.

 

A pausa e o recomeço

Itália e Holanda, em duelo válido pela Liga das Nações. Foto: Marco Bertorello / AFP via Getty Images.

 

 

No começo de 2020, Roberto Mancini e todo o mundo do futebol foram surpreendidos com a explosão da pandemia da COVID-19 em todo o planeta. A Itália chegou a ser o epicentro da pandemia durante um tempo e a quantidade de casos e mortes abalou a nação. O futebol parou e a Eurocopa de 2020 teve que ser adiada para 2021. Havia a lamentação do adiamento por interromper a ótima fase da seleção, mas o foco era estancar o quanto antes os casos no país. Por outro lado, os jovens atletas teriam a chance de ganhar uma temporada de amadurecimento conforme os campeonatos fossem voltando de acordo com as novas normas e medidas sanitárias.

Com isso, a Itália voltou a campo apenas em setembro de 2020, para a disputa da Liga das Nações da UEFA. Ao lado de Holanda, Bósnia e Herzegovina e Polônia, a equipe queria retomar o embalo de 2019 e tentar uma vaga nas finais do torneio. Na estreia, contra a Bósnia, jogando no estádio Artemio Franchi sem público, a Itália empatou em 1 a 1. No jogo seguinte, contra a Holanda, em Amsterdã, Barella marcou o gol da vitória por 1 a 0 que manteve a Azzurra na briga pela vaga. Em outubro, a equipe goleou a Moldávia por 6 a 0 em partida amistosa e empatou sem gols com a Polônia, fora de casa, resultado que deixou a Itália na liderança e arrancou elogios da imprensa pelo estilo de jogo voraz e a plena anulação de Lewandowski, que não aprontou das suas diante da dupla de zaga Bonucci e Acerbi e do goleiro Donnarumma.

 

 

No dia 14 de outubro, em Bérgamo, a Itália fez um jogo simbólico diante da Holanda. Justamente na região onde os casos de COVID-19 começaram a explodir, a Azzurra fez seu primeiro jogo com público desde o início da pandemia. Foram apenas 623 pessoas, entre prefeitos de cidades próximas e profissionais de saúde, mas o suficiente para dar mais esperança e luz para um ano de 2021 mais ameno e sem tristezas. Em campo, a Itália empatou em 1 a 1 e viu a Polônia assumir a liderança do grupo. O duelo seguinte foi exatamente contra o time polonês, em casa. O time azul precisava vencer se quisesse seguir com chance de classificação, mas não seria tarefa fácil por conta do adversário e também dos desfalques – nem Roberto Mancini estaria no banco, pois estava em auto-isolamento (o auxiliar Evani foi quem comandou o time). Mesmo assim, a Itália mostrou força, fez um jogaço – foram 19 chutes a gols da Azzurra contra apenas dois da Polônia! – e venceu por 2 a 0 (gols de Jorginho e Berardi).

Embalada, a Nazionale foi até Sarajevo enfrentar a já eliminada Bósnia. Uma vitória garantia a Azzurra no Final Four. E ela veio com tranquilidade: 2 a 0, com enorme atuação coletiva do time e passes maravilhosos de Insigne e Locatelli para os respectivos gols de Belotti e Berardi. Com três vitórias e três empates em seis jogos, a equipe garantiu a vaga e eliminou a Holanda, que venceu a Polônia por 2 a 1 fora de casa na última rodada, mas ficou com um ponto a menos que os italianos. Invicta por mais uma temporada, a Itália estava com tudo. O ano de 2021 batia à porta e o torcedor italiano, embora sempre precavido, podia esperar algo de sua seleção. Mancini cumpria com o que havia prometido, fazia seu time jogar para frente e dava aos seus atletas a esperança de ser possível, sim, conquistar a Eurocopa, como forma de presentear a nação depois do sofrimento vivido em 2020.

 

Pronta para a história

O troféu da Euro e o Coliseu, durante o tour antes da competição. Foto: UEFA.

 

 

Antes da Euro, a Itália começou a disputa das Eliminatórias para a Copa do Mundo do Catar e não tomou conhecimento de seus primeiros rivais. Na estreia, em casa, contra a Irlanda do Norte, vitória por 2 a 0 (gols de Berardi e Immobile). Depois, triunfo por 2 a 0 (gols de Belotti e Locatelli) fora de casa sobre a Bulgária. E, no terceiro jogo, vitória de 2 a 0 sobre a Lituânia, também fora de casa, com gols de Sensi e Immobile. Depois dessas vitórias, a Azzurra começou a preparação para a Eurocopa e venceu dois amistosos: 7 a 0 sobre San Marino e categórica goleada de 4 a 0 sobre a República Tcheca, com gols de Immobile, Barella, Insigne e Berardi – foi o 8º jogo seguido sem levar gols da Itália.

O grupo estava unido como nunca. Era clara a leveza dos atletas, o companheirismo e nada de brigas por vagas no time titular ou egos aflorados. Um ajudava o outro e os mais experientes eram como guias para os mais jovens, em especial a dupla de zaga Chiellini (36 anos) e Bonucci (34 anos), simbióticos e sempre regulares com a camisa da seleção. O miolo defensivo era o único setor que o técnico Mancini não arriscou, preferindo apostar na experiência ao invés da juventude. Também pudera, afinal, ambos ainda jogavam muito, principalmente Chiellini, que garantia não só a regularidade lá atrás como mantinha o bom humor no elenco com seu astral e jeito brincalhão.

Jorginho…

 

 
… E Barella, garantidos no time da Euro.

 

 

Na convocação, Mancini levou os nomes já conhecidos da torcida e só teve duas baixas: Sensi e Pellegrini, lesionados, foram substituídos por Pessina e Castrovilli, respectivamente. Dos 26 jogadores, apenas quatro eram de clubes estrangeiros: Jorginho e Emerson, do Chelsea-ING, e Verratti e Florenzi, do PSG-FRA. Todos os outros 22 atletas eram de clubes italianos. Veja a lista:

 

Juventus: Chiellini, Bonucci, Bernardeschi e Chiesa;

Sassuolo: Locatelli, Berardi e Raspadori;

Napoli: Di Lorenzo, Insigne e Meret;

Inter de Milão: Barella e Bastoni;

Roma: Spinazzola e Cristante;

Lazio: Acerbi e Immobile;

Atalanta: Pessina e Rafael Tolói;

Torino: Sirigu e Belotti;

Milan: Donnarumma;

Fiorentina: Castrovilli

 

Era um grupo muito equilibrado e que iria disputar uma Eurocopa em formato inédito que há anos era desejado pela UEFA e por um de seus antigos presidentes, Michel Platini: com múltiplas sedes, sendo 11 países e 11 cidades, como forma de celebrar os 60 anos da competição. O arrojado formato gerou algumas críticas diante das restrições sanitárias ainda delicadas, mas no geral tudo correu bem. Com boa parte das populações das cidades-sedes vacinadas, limitação de público nos estádios e protocolos que exigiam testes negativos aos torcedores, o torneio foi um alento ao fã do esporte depois de um ano tão difícil e macabro. Ver os estádios com gente, sem aquelas placas e tapumes nas arquibancadas foi muito bonito e a esperança por dias melhores. Assim como havia acontecido na Copa do Mundo de 2018, a Eurocopa também teve a utilização da tecnologia do árbitro de vídeo, o VAR, pela primeira vez.

Antes da Euro, as favoritas ao título eram a França (campeã do mundo), Inglaterra (que teria o privilégio de decidir em casa, no estádio de Wembley, caso fosse para a final), e Portugal, (campeão da Euro de 2016 e também da Liga das Nações da UEFA em 2019). Corriam por fora a Alemanha (vivendo os últimos momentos do técnico Joachim Löw), a Bélgica, com a tão famosa geração, mas que ainda não tinha ganhado nada, e a própria Itália, que mesmo sem perder por tanto tempo ainda não era tão favorita como França, Portugal ou Inglaterra. Só que, em campo, os comandados de Mancini iriam provar a força de uma camisa tetracampeã mundial.

 

Sem rivais

A Azzurra teve o privilégio de fazer a abertura da Eurocopa em casa, no Estádio Olímpico de Roma. Os pouco mais de 12 mil espectadores puderam ouvir e cantar com os jogadores o hino da Itália, um momento de muita emoção depois de tanto tempo. Entusiasmados, os atletas demonstraram já durante o hino que não iriam jogar aquela Euro por jogar. Eles jogariam para ganhar. Começariam em Roma. E a levariam para Roma. Atuando em seu favorito 4-3-3, Mancini colocou o time todo na frente contra a Turquia e não deixou o rival jogar.

Com uma intensidade ofensiva marcante, a Itália abriu o placar no começo do segundo tempo em gol contra de Demiral. Treze minutos depois, Spinazzola chutou, o goleiro espalmou e Immobile fez o segundo. E, aos 34’, Immobile tocou na esquerda para Insigne e este acertou um belo chute de primeira para fazer 3 a 0. E foi pouco tamanho volume de jogo dos italianos, que deram 24 chutes a gol contra apenas três da Turquia, além de 61% de posse de bola e 640 passes contra 375 do rival.

Locatelli e Insigne celebram um dos gols na vitória sobre a Suíça.

 

 

Na partida seguinte, contra a Suíça, a Itália outra vez jogou muito, sufocou o rival desde o início e venceu por 3 a 0, com dois gols de Locatelli e um de Immobile. Com velocidade, força em jogadas pelas laterais e sem medo de chutar, a Itália construiu diversas chances de gols e marcou dois deles de fora da área, um com Locatelli e outro com Immobile. Vale destacar a força nos desarmes do time e a pressão na saída de bola, características que Mancini sempre gostou de ressaltar na seleção. A vitória garantiu a Itália nas oitavas e o time foi com os reservas para o duelo que fechou a fase de grupos, contra País de Gales. E o gol de Pessina deu a vitória por 1 a 0 que garantiu os 100% da Azzurra e o 11º jogo seguido sem levar gols da Nazionale.

 

Do susto ao show

Itália 2020-2021
O lateral Spinazzola no duelo contra a Áustria.

 

 

O primeiro adversário na fase eliminatória dos italianos foi a Áustria, velha conhecida da Azzurra e rival bastante comum em Copas do Mundo (quatro jogos) e também na Copa Internacional Centro-Europeia dos anos 1930, quando o Wunderteam de Hugo Meisl fez grandes duelos contra a Itália de Vittorio Pozzo. Outro simbolismo daquele jogo era a marca que a Itália poderia quebrar se conseguisse a classificação: o recorde de 30 jogos de invencibilidade de Pozzo, construído entre novembro de 1935 e julho de 1939, poderia ser superado naquele dia 26 de junho de 2021. Sem Chiellini, com uma pequena contusão, Acerbi jogou ao lado de Bonucci no miolo de zaga e manteve a retaguarda italiana sem levar gols durante os 90 minutos.

Só que o ataque acabou não correspondendo e o jogo foi para a prorrogação. Logo aos 5’, Spinazzola apareceu bem no ataque e cruzou para Chiesa fazer o primeiro gol. Pouco antes do fim da etapa inicial do tempo extra, Pessina fez o segundo e praticamente selou a classificação. Só que ela veio com drama, pois a Áustria conseguiu quebrar os 11 jogos e 1159 minutos da Itália sem levar gols com o gol de Kalajdzic, aos 114’. Nos minutos seguintes, a pressão foi mais austríaca, só que a Itália manteve-se firme e garantiu a vitória por 2 a 1. Outro recorde para a Azzurra de Mancini! Impressionantes 31 jogos sem perder!

Festa italiana no duelo contra a Áustria: que sufoco! Foto: Imago / OneFootball.

 

 

Nas quartas de final, a Eurocopa viu uma “final antecipada” entre Itália e Bélgica. Eram dois times que jogavam bem e tinham elencos de talento. Pesava do lado belga a experiência de jogar junto há mais tempo e ter no currículo o 3º lugar na Copa do Mundo de 2018. Mas, em campo, a velocidade e intensidade da Itália falaram mais alto. Após um início melhor dos belgas, os italianos tomaram controle do jogo e abriram o placar aos 31’, quando Barella se livrou de dois marcadores e encheu o pé para vencer Courtois: 1 a 0. O gol inflamou a Azzurra, que ainda teve duas chances com Chiesa, aos 40’, e Immobile, aos 42’.

Só aos 44’ que Insigne acertou um chutaço da entrada da área e marcou um lindo gol: 2 a 0. Era um prêmio à ofensividade dos italianos, que não sossegaram depois do primeiro gol enquanto não fizeram o segundo! Uma Itália sem defensivismo, sem jogar no contra-ataque. Um time que avançava com quatro, cinco jogadores, como Pozzo ensinou lá nos anos 1930 e gerações se esqueceram. Ainda no primeiro tempo, Lukaku, de pênalti, descontou para a Bélgica e sugeriu uma etapa complementar eletrizante.

Barella (à esquerda) comemora o seu gol. Foto: Christof Stache / REUTERS.

 

 
Foto: Matthias Hangst / REUTERS.

 

 

O jogo, de fato, continuou imprevisível e ambas as equipes tiveram chances de gols, em especial Lukaku, aos 15’, em chute defendido pelo lateral Spinazzola em cima da linha, e com o próprio Spinazzola, aos 20’, em chute que passou perto da trave direita de Courtois. Aos 38’, Doku fez linda jogada e quase empatou, mas o chute do belga foi por cima do gol. Após sete minutos de acréscimos, a vitória por 2 a 1 garantiu a Itália na semifinal.

A única notícia triste foi a lesão do lateral Spinazzola, que rompeu o tendão de Aquiles e não poderia jogar mais aquela Eurocopa – nem o resto do ano, pois ele passou por uma cirurgia e só poderia voltar em meados de fevereiro de 2022. Spinazzola deixou o gramado chorando, mas os companheiros fizeram questão de apoiar o lateral e competir ainda mais por ele. Faltava pouco para a glória. E o adversário seguinte era outro velho conhecido: a Espanha, da amarga derrota na final de 2012.

 

À moda antiga, na final!

Chiesa celebra o gol na semi contra a Espanha.

 

 

Encarar a Espanha sempre foi complicado para a Itália. Desde o primeiro jogo, lá nos Jogos Olímpicos de 1920, na Antuérpia, foram 37 jogos, com 11 vitórias para cada lado e 15 empates. Os principais encontros aconteceram nas Copas de 1934 (empate em 1 a 1, no lendário jogo de Zamora, e vitória da Itália por 1 a 0), 1994 (vitória da Itália por 2 a 1) e nas Eurocopas de 1980 (0 a 0), 1988 (vitória da Itália por 1 a 0), 2008 (empate em 0 a 0), 2012 (empate 1 a 1 na fase de grupos e vitória da Espanha por 4 a 0 na decisão) e 2016 (vitória da Itália por 2 a 0). Com Emerson no lugar de Spinazzola e a manutenção de Chiesa no ataque, Mancini esperava repetir a intensidade demonstrada diante da Bélgica, mas o técnico foi surpreendido pelo excelente futebol da renovada Espanha, que fez uma partidaça sob o comando do técnico Luis Enrique. 

Foram 16 chutes a gol dos espanhóis contra sete da Itália, 65% de posse de bola e mais controle de jogo da Fúria desde o início. A Itália não conseguiu impor seu futebol ofensivo e teve que se defender à moda antiga. Mas, no segundo tempo, foi a Azzurra que abriu o placar justo do jeito que Mancini “não gostava”: em um contra-ataque. Donnarumma colocou a bola nos pés de Jorginho e este lançou Insigne, em velocidade. O meia tocou para Immobile, mas a zaga conseguiu tirar. Na sobra, Chiesa dominou e chutou colocado, sem chances para o goleiro: 1 a 0. Ufa! A vitória parecia encaminhada. No entanto, o atacante Morata, faltando dez minutos para o fim, empatou. Na prorrogação, nada de gols e a decisão foi para os pênaltis.

A Itália da Euro: ofensiva, a equipe de Roberto Mancini ficava muitas vezes com cinco jogadores no ataque pressionando o adversário em busca do gol.

 

 

Locatelli iniciou a série de chutes para a Itália e parou no goleiro Simón. Ali, a torcida começou a temer a volta do carma das penalidades, que tanto afligiu a Itália nos anos 1990. Mas o espanhol Olmo isolou e manteve a Azzurra na disputa, que converteu o segundo pênalti com Belotti. Gerard Moreno fez o primeiro da Espanha e Bonucci anotou o seguinte da Itália. Thiago bateu com categoria e empatou mais uma vez. Bernardeschi fez o terceiro gol e Morata, autor do gol de empate no tempo regulamentar, viu Donnarumma defender seu chute! Outra vez a velha máxima “herói no jogo, vilão nos pênaltis” aparecendo! Na cobrança decisiva da Itália, Jorginho deslocou completamente o goleiro Simón e classificou a Nazionale para a final!

Donnarumma defende a cobrança de Morata: Itália mais perto da final!

 

 
Jorginho comemora o gol da classificação.

 

 

Era o grande momento. Desde 1968 que a Itália não levantava o troféu máximo do Velho Continente. Chances não faltaram: em 2000, a taça escapou nos minutos finais do jogo quando a França empatou em 1 a 1. Na prorrogação, veio o mortal Gol de Ouro de Trezeguet. E, em 2012, o vareio sofrido contra a Espanha doeu demais, principalmente pela crueldade do placar de 4 a 0. Mas eram águas passadas. Aquela era outra Itália. Uma nova Itália. Que aprendeu com os erros. Prestou atenção nos sinais. Se reorganizou. Se reestruturou. Se reinventou. Não temia ninguém. Nem deveria. Os outros é quem deveriam temer a tetracampeã mundial. E ela estava de volta. Intensa, forte, rápida. Só faltava um desafio: encarar a Inglaterra, em Wembley, em sua primeira final desde a decisão da Copa do Mundo de 1966.

 

Il Rinascimento Azzurro!

Luke Shaw abriu o placar em apenas dois minutos de jogo.

 

 

Mais de 67 mil pessoas estavam no estádio de Wembley naquele dia 11 de julho de 2021. A grande maioria, claro, inglesa, que tinha a chance de comemorar um grande título desde a Copa de 1966. E, curiosamente, em casa, como naquele ano. A Inglaterra também fazia uma boa Eurocopa e vinha com moral após eliminar a Alemanha (2 a 0), nas oitavas, a Ucrânia (4 a 0), nas quartas, e a Dinamarca (2 a 1), nas semis. Em casa, o time inglês tinha um leve favoritismo e o elenco recebeu até uma carta da Rainha desejando boa sorte. Mas a Itália confiava em seus predicados, em seu ataque e na experiência da dupla de zaga. O time estava invicto desde 2018. Não poderia perder ali, na final. Jogaria pelo povo que tanto sofreu em 2020. Pelo orgulho ferido naquela noite trágica contra a Suécia, em 2017. Jogaria por Spinazzola, já operado, com muletas e ali presente, acompanhando o jogo. Só que, quando a bola rolou, haveria mais drama.

Com apenas dois minutos de jogo, o lateral Shaw recebeu na esquerda e fez 1 a 0 para a Inglaterra. Che cosa! Levar um gol logo de cara… A Itália sentiu o golpe, mas não se abateu. Com mais posse de bola, tentou encontrar brechas no sistema defensivo inglês, mas parava na falta de pontaria e no goleiro Pickford. No segundo tempo, Mancini decidiu mexer no time tirando Barella (pouco inspirado) e Immobile (também longe dos bons jogos da fase de grupos) e colocando Cristante e Berardi, respectivamente. As mexidas mantiveram a Itália ainda mais no ataque diante de uma Inglaterra excessivamente recuada. Tal atitude premiou a Azzurra, que alcançou o empate com o zagueiro Bonucci, mais velho a anotar um gol em uma final na história da Eurocopa, com 34 anos, e um dos remanescentes do vice-campeonato europeu de 2012.

Bonucci marca o gol de empate.

 

 

O gol inflamou a Itália novamente, que tentou a virada até o fim e não queria outra prorrogação. Só que o tempo suplementar veio. Nele, nada de gols, uma injustiça pela quantidade de chances que a Azzurra criou – ao todo, foram 20 chutes contra apenas seis da Inglaterra, 61% de posse de bola, 91% de precisão nos passes e 25 desarmes contra 12 dos ingleses. Com isso, a Eurocopa teve que ser decidida nos pênaltis – a segunda vez na história da competição, repetindo a final de 1976.

A Itália começou marcando com Berardi e a Inglaterra igualou com o capitão Kane. Na segunda cobrança, Belotti errou e Maguire colocou os ingleses na frente. Bonucci manteve a esperança com o segundo gol e a Inglaterra errou a cobrança seguinte com Rashford (que entrou nos minutos finais da prorrogação só para bater um dos pênaltis…), que carimbou o pé da trave de Donnarumma. Bernardeschi fez o terceiro gol da Itália, enquanto Sancho (que também entrou nos minutos finais da prorrogação para bater pênalti…) parou no goleiro Donnarumma, frio e calmo como mandava a cartilha de seu treinador de goleiros no Milan – simplesmente um dos maiores especialistas no assunto, o brasileiro Dida

Donnarumma foi o grande nome da disputa de pênaltis. Foto: Mike Egerton/PA Images via Getty Images.

 

 
Donnarumma e o “mestre” Dida, no Milan.

 

 

A última cobrança da Itália era de Jorginho, que cobrava muito bem e com estilo. Mas o ítalo-brasileiro viu Pickford defender seu chute e manter a Inglaterra com chances de igualar o placar. Na última cobrança, o jovem Saka foi para a bola e Donnarumma se agigantou diante do garoto. O italiano defendeu, manteve o placar em 3 a 2 e fez explodir a torcida italiana, em minoria em Wembley, mas muito, muito barulhenta. A Itália era campeã da Europa pela segunda vez e completava 34 jogos sem perder. Curiosamente na mesma data do título mundial de 1982, 11 de julho.

No mesmo estádio onde Roberto Mancini perdeu a Liga dos Campeões da UEFA de 1991-1992 com sua Sampdoria quando era jogador, a mesma Samp que serviu como base da comissão técnica atual da Azzurra formada por Mancini, Vialli e Lombardo – além de Evani, que jogou na Samp anos depois daquela geração fantástica. Comissão também composta por Gabriele Oriali – defensor campeão do mundo em 1982 -, e Daniele De Rossi – campeão do mundo em 2006. Atletas vencedores e emblemáticos que ajudaram uma nova geração a recolocar a Itália no topo do continente e voltar a ser protagonista depois de tantos anos de amarguras e decepções. Os ingleses pensaram que iriam cantar “Football is coming home…”. Mas a música mudou. Euro de 2020? It’s coming ROME!

De Rossi fez questão de carregar Spinazzola após o título. Foto: Reprodução / Twitter.

 

 
Os veteranos Chiellini e Bonucci carregam a Euro. Foto: Imago / OneFootball.

 

 

Em sete jogos, a Itália venceu cinco e empatou dois. Marcou 13 gols (melhor ataque, ao lado da Espanha) e sofreu quatro. O time ainda liderou os seguintes rankings:

 

  • Mais finalizações: 128;
  • Mais desarmes: 99;
  • Mais bolas recuperadas: 291;

 

Além disso, O goleiro Donnarumma foi eleito o melhor jogador da Eurocopa, prêmio justo a um arqueiro fundamental para a trajetória da equipe, principalmente na fase final. O troféu acabou de vez com o fim do jejum de títulos que perdurava desde 2006 e o de mais de 50 anos sem troféus na Eurocopa. Foi a taça da redenção e que selou a volta por cima de uma das mais vitoriosas seleções do mundo. O capitão Chiellini comentou sobre a conquista à UEFA.

 

“Nós merecemos vencer, sentimos que havia algo especial no ar. Nós merecemos, toda a Itália merece. Agora vamos aproveitar! Sempre jogamos futebol tentando se divertir. Apesar do choque que tomamos no começo, tomamos conta do jogo até o fim. Merecemos esta vitória”.

 

O título foi simbólico de várias maneiras. Foi um alento a uma nação que tanto sofreu. Que se uniu nos tempos de lockdown e cantou nas varandas de casa. Premiou uma comissão técnica cheia de ex-craques identificados com o futebol italiano e apaixonados pelo Calcio. Foi o título de um elenco unido, sem vaidades, que cantou o hino letra por letra, em alto e bom som, com orgulho. Foi o título do rinascimento azzurro. E você pensa que acabou?

 

O fim

Foto: AP.

 

 

Bem, sim. Em março de 2022, após fazer uma campanha bem irregular nas Eliminatórias para a Copa do Mundo do Catar, a Itália ficou na segunda posição de seu grupo com quatro vitórias e quatro empates, viu a Suíça ir para a Copa com a vaga direta e teve que disputar a tenebrosa repescagem. O adversário foi a Macedônia do Norte. Jogando em casa, a Azzurra não marcou gols. Não foi o time que buscou alternativas e que se consagrou campeão europeu. E, nos acréscimos do segundo tempo, levou um gol. Sim, perdeu para a Macedônia do Norte por 1 a 0 e foi eliminada pela segunda vez seguida de uma Copa. Do mesmo jeito que começou essa saga europeia, terminou: com fiasco nas Eliminatórias. Inexplicável. O futuro? Impensável. Falar da Itália, hoje, é falar de algo quase sobrenatural. Ela pode te surpreender e ser campeã. Ou perder um jogo de maneira bisonha e ficar de fora de um Mundial. Vá entender…

 

Os personagens:

Donnarumma: com 1,96m de altura e muita frieza, o goleirão foi um dos principais nomes da Itália durante a Euro. Com grandes defesas e atuações decisivas principalmente na semifinal e na final, Donnarumma fez por merecer o prêmio de melhor jogador da competição. Ele começou a ser convocado para a Nazionale em 2016 e ganhou ainda mais chances com Roberto Mancini, deixando Sirigu no banco.

Di Lorenzo: antes de ser defensor, Di Lorenzo jogou como atacante e era chamado de Batigol pelos amigos por conta do faro artilheiro em referência ao lendário atacante argentino Gabriel Batistuta. Aos poucos, porém, o jogador foi recuando até chegar ao posto de lateral-direito e também zagueiro. Não começou como titular na Euro, mas ganhou a posição principalmente na fase final.

Florenzi: outro versátil jogador da Azzurra, pode jogar nas duas laterais e também no meio de campo. Rápido e inteligente taticamente, ajuda bem o setor de ataque com suas investidas na frente.

Rafael Tolói: o ítalo-brasileiro chegou ao futebol italiano em 2014 e se destacou principalmente quando começou a jogar na Atalanta em 2015. Ano após ano se tornou um dos mais regulares defensores do Calcio e se naturalizou para defender a seleção italiana a partir de 2021. Tolói jogou sete partidas na temporada, entre elas o último jogo da fase de grupos da Euro, na vitória sobre País de Gales por 1 a 0, atuando na lateral-direita.

Bonucci: um dos mais experientes do elenco, o zagueiro esbanjou talento na Euro com atuações marcantes que garantiram o título à Itália. Muito bom na saída de bola e ainda capaz de marcar presença no ataque em jogadas de escanteio e bola parada, Bonucci cresceu principalmente na fase eliminatória. Seu maior presente foi ter anotado o gol de empate na final e que manteve a Itália viva rumo a um título histórico. Bonucci já superou a marca de 100 jogos com a camisa da seleção.

Chiellini: um dos grandes responsáveis pelo clima leve e descontraído do elenco e, claro, pela eficiência defensiva da Itália campeã da Europa. Com 36 anos, Chiellini já conhecia os famosos “atalhos do campo” e fez uso pleno deles durante a competição. Deu qualidade à saída de bola, grandes passes, ampla cobertura à defesa e foi a voz em campo e fora dele para entusiasmar e levar a paixão pela seleção aos jovens – além de sempre exibir o sorriso no rosto e cantar mais alto o hino antes dos jogos. Nas oitavas de final, mesmo sem jogar por causa de uma pequena lesão, fez questão de ir ao gramado para apoiar os jogadores antes da prorrogação contra a Áustria. Já está marcado na história da seleção e no seleto rol de capitães que levantaram grandes troféus pela Itália, ao lado de Combi, Meazza, Facchetti, Dino Zoff e Cannavaro.

Bastoni: outra grande revelação do futebol italiano dos últimos anos, o zagueiro começou a carreira na Atalanta em 2016 e logo se transferiu para a Inter de Milão. Com 1,90m de altura, atua bem tanto como zagueiro central como lateral. Foi titular na vitória por 1 a 0 sobre País de Gales atuando no lugar de Chiellini.

Acerbi: zagueiro com várias passagens por diferentes clubes do Calcio, atuou em dois jogos da Itália na Euro e foi fundamental na partida contra a Áustria, nas oitavas, ao dar o passe para o gol da vitória anotado por Pessina.

Spinazzola: um dos mais talentosos laterais do futebol europeu, Spinazzola fazia uma Eurocopa espetacular até se lesionar no duelo contra a Bélgica, nas quartas de final, e desfalcar o time na semifinal e na final. Com muita técnica, maciço apoio ao ataque e chutes perigosos de fora da área, participou ativamente de todas as ações ofensivas da Itália na fase de grupos e nos jogos iniciais da fase eliminatória. Ele registrou a maior velocidade alcançada por um jogador na Euro com 33,8 km/h e foi eleito para o All-Star Team.

Emerson: outro ítalo-brasileiro no elenco italiano, assumiu a titularidade após a lesão de Spinazzola e não comprometeu. Embora não fosse tão ofensivo e técnico quanto seu companheiro, fez bons jogos.

Jorginho: jogador que mais correu (86,61 km percorridos) na Eurocopa, o ítalo-brasileiro foi sem dúvida o grande responsável pelo funcionamento do meio de campo da Itália, seja na criação, seja na marcação. Jogando sempre para o time, esbanjou vitalidade e técnica com a bola nos pés e foi outro eleito para o All-Star Team da Euro. Ainda na temporada 2020-2021, venceu a Liga dos Campeões da UEFA pelo Chelsea jogando demais e exibindo o mesmo futebol virtuoso que fez dele um dos principais – e preferido – jogadores de Roberto Mancini na Azzurra.

Barella: ele foi um dos artífices da Inter de Milão campeã italiana em 2020-2021 e eleito o melhor meio-campista da Serie A da temporada antes de repetir tal rendimento na Itália campeã da Europa. Com gols, chutes perigosos, dribles e brigando pela bola a todo instante, Barella fez grandes jogos, sendo o principal deles a vitória por 2 a 1 sobre a Bélgica, nas quartas de final, quando anotou o primeiro gol e deu o passe para Insigne fazer o segundo. Só não apareceu muito na final, mesmo assim, foi um dos craques da seleção.

Cristante: com boa visão de jogo e eficiência no jogo aéreo, teve um papel tático importante na final contra a Inglaterra, ao entrar no lugar de Barella e dar mais combate e força física ao meio de campo.

Pessina: convocado graças às suas boas atuações pela Atalanta, Pessina correspondeu em campo e marcou dois gols na Euro: o da vitória por 1 a 0 sobre País de Gales, na fase de grupos, e o da vitória por 2 a 1 sobre a Áustria, nas oitavas de final. Jogando no meio de campo, dá bastante movimentação ao time com sua técnica, agilidade e presença ofensiva, além de ser bom na marcação e no desarme.

Verratti: presente em várias seleções de base da Itália e na principal desde 2012, Verratti já é um dos principais meio-campistas dos anos 2010 e deste início dos anos 2020 e fechou o grande trio formado por Mancini na Azzurra. Capaz de armar jogadas graças às suas habilidades de criação, dribles, passes precisos e enorme visão de jogo e também de ajudar na marcação com sua intensidade e muita raça – o que por vezes lhe rende alguns cartões -, Verratti perdeu os dois primeiros jogos da Itália na Eurocopa por causa de uma lesão, mas retornou no último jogo da fase de grupos e ganhou a vaga de Locatelli na reta final.

Locatelli: um dos principais jogadores do Sassuolo que surpreendeu na Serie A em 2020-2021, Locatelli começou a Euro como titular e marcou dois gols na vitória por 3 a 0 sobre a Suíça, na fase de grupos. Com a recuperação de Verratti, acabou perdendo a vaga por causa da melhor eficiência defensiva do companheiro, já que Locatelli tem mais características ofensivas e de criação.

Chiesa: reserva de Berardi na fase de grupos, o atacante ganhou a posição em definitivo a partir da prorrogação das oitavas de final, quando fez o gol que abriu o placar da vitória da Itália sobre a Áustria por 2 a 1. Foi dele, também, o belo gol que abriu o placar no duelo contra a Espanha, na semifinal. Habilidoso, rápido e letal pelas pontas, criou muitas alternativas ao setor ofensivo da Itália e mostrou o talento exibido desde os tempos de Fiorentina, pela qual brilhou por três temporadas jogando em alto nível até se transferir para a Juventus. É filho de Enrico Chiesa, também atacante e que jogou pela Itália em boa parte dos anos 1990 e foi ídolo no Parma.

Berardi: já marcado na história do Sassuolo como maior artilheiro da história do clube – e artilheiro do time na Serie A de 2020-2021 com 17 gols em 30 jogos -, Berardi foi titular em vários jogos da Era Mancini e começou a Euro nesse posto, com participação decisiva no gol que abriu a vitória por 3 a 0 sobre a Turquia, na estreia. No duelo seguinte, deu o passe para Locatelli abrir o placar da vitória sobre a Suíça pelo mesmo placar. Com a ascensão de Chiesa, perdeu a titularidade, mas entrou na final contra a Inglaterra e converteu seu pênalti na vitória por 3 a 2 sobre os ingleses.

Immobile: um dos principais atacantes da Itália nos últimos anos e notável artilheiro desde seus tempos de Torino, Immobile foi outro a compor ativamente o time de Mancini e alternou grandes jogos com outros um pouco abaixo da média. Na fase de grupos, marcou um gol na vitória sobre a Turquia e deu o passe para Insigne fazer o seu. E, contra a Suíça, também deixou sua marca. Na reta final, perdeu um pouco a intensidade, mas voltou a aparecer na semifinal, quando deu o passe para o gol de Chiesa.

Bernardeschi: o meia estava no time que foi eliminado pela Alemanha na Eurocopa de 2016 e conseguiu a volta por cima com o título da Euro de 2020. Curiosamente, foi de Bernardeschi o gol que selou a classificação da Itália para o torneio continental lá nas Eliminatórias, quando ele fez o tento da vitória por 2 a 0 sobre a Grécia, em 12 de outubro de 2019. Mesmo sem ser titular, o meia (que pode atuar como atacante e ponta) entrou no decorrer do jogo contra a Espanha e também na final, contra a Inglaterra, e mostrou ter estrela ao converter suas cobranças de pênaltis na semifinal e na final.

Insigne: pequenino, mas muito habilidoso, rápido e com um chute venenoso, Lorenzo Insigne fez uma grande Eurocopa e foi outro pilar do setor ofensivo da Itália. Logo na estreia, marcou um lindo gol no triunfo contra a Turquia, em chute colocado. Na fase eliminatória, contra a Bélgica, outro golaço, dessa vez da entrada da área. Além dos gols, o atacante provou de vez que é um dos mais criativos do futebol italiano com passes precisos, dribles curtos, notável visão de jogo e muita velocidade com a bola dominada. O título foi o prêmio justo a um jogador que nunca teve o reconhecimento que mereceu.

Belotti: o atacante foi titular apenas no terceiro jogo da primeira fase, contra País de Gales, e entrou no decorrer de outros jogos na fase eliminatória. Contra a Espanha, marcou seu gol de pênalti na série que classificou a Azzurra, e acabou desperdiçando seu chute na decisão, quando o goleiro Pickford defendeu. 

Roberto Mancini (Técnico): os jogadores dessa geração italiana têm méritos louváveis, mas o grande maestro de todo esse trabalho é, sem dúvida, Roberto Mancini. Com arrojo, vontade de mudar e sem medo de impor seu estilo ofensivo em uma seleção tão acostumada a defender, Mancini criou uma Itália bela de se ver e que busca o gol em todo momento. O treinador colocou na mente dos jogadores a vontade de vencer e fez o título da Eurocopa virar algo possível, não um sonho inatingível. Pegar um time aos frangalhos, eliminado de uma Copa do Mundo e sem qualquer perspectiva e transformá-lo em campeão da Eurocopa com vitórias contundentes, uma série invicta de 34 jogos e derrotar a Inglaterra em Wembley em plena final foi algo impressionante e já cravado nos livros.

Desde que assumiu a seleção até a final da Euro, Mancini comandou a Itália em 39 jogos, com 28 vitórias, nove empates, duas derrotas, 92 gols marcados e apenas 18 gols sofridos, com saldo de 74 gols e aproveitamento de 71,79%, o mais alto de toda a história da Azzurra entre os técnicos com mais de cinco jogos no comando da seleção. Seu pecado foi perder a vaga na Copa com a derrota inacreditável para a Macedônia do Norte, algo que ficará marcado sem dúvida alguma em sua passagem pela Nazionale. 

 

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Comentários encerrados

7 Comentários

  1. Parabéns desde já pelo texto. Espero que o futebol da Itália volte a ter brilho, difícil um país com tanta tradição futebolística passar pelo longo ostracismo que passou desde a Copa da Alemanha em 2006. Rezo também para que a Alemanha com seu novo técnico consiga recuperar o bom futebol. Outra que merece aplausos é a Inglaterra do Southgate: passou anos sem resultados relevantes, semifinalista na Copa e agora finalista na Euro (texto sugerido). Aos poucos o futebol europeu volta a ter seus antigos protagonistas.
    E o que dizer da Argentina e a quebra do seu jejum esse ano em cima do Brasil? Mereceria um texto como esse?
    Abraços e congratulações pela riqueza dos escritos.

  2. Bellissimo texto, Imortais! Parabéns!
    Foi sensacional ver ‘Il Rinascimento Azzurro’! A seleção ganhou a Eurocopa com estilo e tem de tudo para fazer história nos próximos anos! Andiamo!
    Abraço, Guilherme! It’s coming to Rome!

  3. Sensacional. Parabéns ao blog por mais um grandioso texto. Itália e França são as favoritas ao titulo da UEFA Nations League atualmente. Por favor, no próximo texto dessa categoria, coloque a seleção de País de Gales de 2016 que foi semifinalista da Eurocopa de 2016. Grande abraço, parabéns.

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