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Jogos Eternos – Alemanha 1×5 Inglaterra 2001

 

Data: 1º de setembro de 2001

O que estava em jogo: a vitória, claro, na 6ª rodada do Grupo 9 das Eliminatórias Europeias para a Copa do Mundo da FIFA de 2002.

Local: Olympiastadion, Munique, Alemanha.

Árbitro: Pierluigi Collina (Itália)

Público: 63.000 pessoas

Alemanha: Oliver Kahn; Christian Wörns (Gerald Asamoah, intervalo), Jens Nowotny e Thomas Linke; Marko Rehmer, Michael Ballack (Miroslav Klose, aos 20’ do 2º T), Sebastian Deisler, Dietmar Hamann e Jörg Böhme; Carsten Jancker e Oliver Neuville (Sebastian Kehl, aos 33’ do 2º T). Técnico: Rudi Völler.

Inglaterra: David Seaman; Gary Neville, Rio Ferdinand, Sol Campbell e Ashley Cole; Steven Gerrard (Owen Hargreaves, aos 33’ do 2º T), Paul Scholes (Jamie Carragher, aos 38’ do 2º T), David Beckham e Nicky Barmby (Steve McManaman, aos 20’ do 2º T); Michael Owen e Emile Heskey. Técnico: Sven-Göran Eriksson.

Placar: Alemanha 1×5 Inglaterra. Gols: (Jancker-ALE, aos 6’, Owen-ING, aos 12’, e Gerrard-ING, aos 45’+4’ do 1º T; Owen-ING, aos 3’ e aos 21’, e Heskey-ING, aos 29’ do 2º T).

 

“This is called 5EVENGE!”

 

Por Guilherme Diniz

 

Fim de jogo em Wembley. Com uma vitória por 4 a 2 após 120 minutos de jogo, a Inglaterra derrota a Alemanha e conquista sua primeira Copa do Mundo. Era a consagração de um timaço composto por lendas como Gordon Banks, Bobby Moore, Bobby Charlton e companhia. Porém, aquela vitória trouxe consequências. Um dos gols foi o famoso “Gol fantasma”, aquele chute de Hurst que não entrou, foi validado e gerou revolta imensa dos alemães. Como se fosse um mantra, uma questão de orgulho, a Alemanha jurou para si que nunca mais iria sofrer revezes como aquele dos ingleses em competições oficiais. E realmente não sofreu. Foram seguidas e seguidas vitórias sobre os rivais em competições internacionais e amistosos.

Em 1970, vitória por 3 a 2 de virada nas quartas de final da Copa do Mundo do México. Depois, em 1972, um 3 a 1 pelas Eliminatórias da Eurocopa de 1972. Em 1990, triunfo nos pênaltis na semifinal da Copa do Mundo na Itália. E em 1996, outro triunfo nos pênaltis na semifinal da Eurocopa em pleno solo inglês e que terminou com título alemão entregue pela Rainha. Aquela sina de sempre cair diante dos alemães pareceu terminar para os ingleses em 2000, quando eles venceram os rivais por 1 a 0 pelo Grupo A da Eurocopa daquele ano, mas de nada adiantou, pois nem um nem outro se classificou para a fase seguinte. No mesmo ano, em outubro, lá estavam ingleses e alemães para a última partida da história do velho Wembley, que seria demolido para a construção do novo Wembley. E a Alemanha venceu de novo: 1 a 0, jogo que valeu também pelo primeiro turno das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002.

Será que aquele carma jamais iria cessar? Foi então que aconteceu o que todo torcedor inglês esperava há muito tempo. Jogando em Munique, no emblemático Olympiastadion, os ingleses atropelaram os alemães por 5 a 1. Isso mesmo. CINCO. Um passeio apoteótico do English Team de Owen, Beckham, Gerrard, Ferdinand, Scholes e Campbell sobre a tão temida Nationalelf. Foi a maior derrota da Alemanha em casa em uma partida oficial na história. E um triunfo que virou até música e serviu para vingar todos os revezes de anos e anos. Naquele dia, os alemães aprenderam o significado da palavra vingança em inglês: revenge. Ou melhor, 5evenge. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Enfim, Alemanha campeã em Wembley! Foto: Getty Images.

 

O novo milênio começou de maneira distinta para Alemanha e Inglaterra. Pelo lado germânico, a seleção viveu o último suspiro da geração campeã do mundo em 1990 com a conquista da Euro de 1996 e sentiu que a reconstrução seria bem difícil após o último lugar no Grupo A da Eurocopa de 2000. Não que o técnico Rudi Völler tivesse jogadores ruins à disposição, longe disso, é que faltavam as muitas opções que a seleção teve nas décadas passadas como atacantes prolíficos (Klinsmann, Rummenigge) e a criatividade na construção de jogadas e domínio do meio de campo como nos tempos de Möller, Scholl, Littbarski e Matthäus.

Quem tomava para si a bandeira desta nova seleção era Michael Ballack, um exímio meia-atacante que já brilhava com a camisa do Bayer Leverkusen, enquanto no ataque Oliver Neuville e Carsten Jancker eram os principais escolhidos para compor a dupla titular. No gol, Oliver Kahn era incontestável e seu talento explodia a cada jogo. Quando as Eliminatórias da Copa começaram, os alemães mostraram consistência, foram no embalo da força da camisa, venceram cinco e empataram um dos seis jogos disputados. Eram 13 gols marcados e apenas cinco sofridos, além da liderança do grupo.

Após a derrota para a Alemanha no velho Wembley, Kevin Keegan deixou o comando da Inglaterra. Foto: Popperfoto / Getty Images.

 

Do lado inglês, após o revés em Wembley para a Alemanha, o técnico Kevin Keegan deixou o comando da seleção e a FA decidiu ousar, anunciando que a seleção inglesa seria dirigida pela primeira vez na história por um técnico estrangeiro: o sueco Sven-Göran Eriksson, já consagrado no continente após grandes trabalhos no IFK Göteborg nos anos 1980, no Benfica dos anos 1980 e começo dos anos 1990, e principalmente na Lazio multicampeã entre 1997 e 2000. Embora a escolha por um estrangeiro tenha gerado controvérsias no meio futebolístico inglês, Eriksson mostrou serviço logo de cara e provou que poderia contribuir de maneira positiva à seleção inglesa. A estreia do sueco foi em um amistoso contra a Espanha, em casa, e o English Team venceu por 3 a 0.

Os dois compromissos seguintes foram pelas Eliminatórias e a Inglaterra venceu a Finlândia (2 a 1, em casa) e a Albânia (3 a 1, fora), além de derrotar o México por 4 a 0 em um amistoso e vencer a Grécia por 2 a 0, fora, este válido pelas Eliminatórias. Com cinco vitórias seguidas, as críticas cessaram e a Inglaterra voltou a sonhar com a vaga direta ao Mundial. Com um jogo a menos do que a líder Alemanha (16 pontos), o English Team tinha 10 pontos, e, se vencesse os alemães naquele duelo de 1º de setembro, poderia beliscar a ponta do grupo muito em breve.

Sven-Göran Eriksson (à esq.), técnico da Inglaterra em 2001.

 

Ao contrário da Alemanha, a Inglaterra tinha uma safra de ótimos jogadores que passaram a ser utilizados por Eriksson sem parcimônia. No gol, Seaman era uma unanimidade. Nas laterais, Gary Neville e Ashley Cole não davam trégua para os concorrentes. A zaga era formada pelos craques Sol Campbell e Rio Ferdinand. O meio de campo tinha opções tanto ofensivas quanto defensivas graças ao talento de nomes como Steven Gerrard, Paul Scholes e David Beckham, além de Steve McManaman e Owen Hargreaves.

E, no ataque, a estrela era o habilidoso Michael Owen, que explodiu na Copa de 1998 e desde então vinha em uma ascensão meteórica que o levaria ao prêmio do Ballon d’Or de 2001. Era uma geração ótima e que deixava o torcedor esperançoso, mas não tanto, afinal, os seguidos reveses diante da Alemanha esfriavam as expectativas de uma vitória, ainda mais pela recente derrota por 1 a 0 em Wembley e o fato de o jogo ser disputado em Munique, local onde a Alemanha não perdia desde 1973. Mais do que isso, os germânicos só haviam perdido um jogo em toda a história das Eliminatórias para a Copa: em 1985, no revés de 1 a 0 para Portugal em Stuttgart.

Owen e Gerrard erguem a taça da Supercopa da Inglaterra de 2001: dupla do Liverpool estava em alta na época.

 

Uma coisa que começou a atiçar a vontade do time inglês de acabar com aquela escrita era o fato de a Federação Alemã já ter marcado amistosos no Oriente para as datas da repescagem do Grupo 9, tamanha a confiança de que a Nationalelf iria avançar à Copa em primeiro lugar. Até o técnico Rudi Völler comentou, no dia 24 de agosto de 2001 ao The Guardian (UK), que “eu acredito que vamos avançar diretamente”. O zagueiro Jens Nowotny também jogou mais lenha na fogueira ao dizer que “eles não estão sonhando em fazer muitos gols na gente e jogarão na retranca, de maneira calma”.

Photo by Rolf Kosecki/REX

 

Um jogo daquele tamanho exigia um craque no apito: Pierluigi Collina. Foto: Getty Images.

 

O meio-campista Stefan Effenberg, capitão do grande Bayern München da época, também deu seu pitaco ao comentar: “eu não vejo a Inglaterra conseguindo nenhum bom resultado em Munique. O jogo é muito mais importante para eles do que para a Alemanha. Eles virão aqui sabendo que se eles perderem é o fim em termos de liderança de grupo. Isso vai afetar o jogo deles e a Alemanha jogará livremente”. Hehehe, os germânicos mal sabiam o que estava por vir…

 

Primeiro tempo – Da normalidade à virada

Jancker celebra o primeiro gol alemão.

 

No dia do jogo, mais de 60 mil pessoas lotaram o belíssimo Estádio Olímpico de Munique, palco do título mundial da Alemanha em 1974. Jogando no 3-5-2, a equipe da casa confiava em sua zaga sólida e no talento de Ballack para criar as chances necessárias e derrotar o “freguês”. Quando a bola rolou, as equipes demonstraram certo nervosismo, tentando manter a posse de bola. Mas após as primeiras voltas do relógio, o time da casa se encontrou e chegou ao primeiro gol. Ballack levantou perfeitamente na entrada da área para Oliver Neuville, que escorou de cabeça para Carsten Jancker chutar na saída do goleiro Seaman e fazer 1 a 0. Festa em Munique! E uma baita ducha de água fria nos ingleses. Levar um gol logo de cara era tudo o que eles não precisavam.

Mas apenas seis minutos depois, apareceu uma oportunidade para os ingleses. Deisler deu um empurrão em Owen na linha lateral e a Inglaterra ganhou falta. Na cobrança, Beckham mandou na área e a zaga afastou. No rebote, Gerrard deu um chutão para cima e Gary Neville cabeceou de volta à grande área. A Alemanha tentou fazer uma linha de impedimento, mas ela não funcionou, Oliver Kahn saiu de maneira espalhafatosa do gol, Nicky Barmby tocou e Michael Owen aproveitou para empurrar a bola pra dentro: 1 a 1. Rápida reação do English Team!

Owen, o terror alemão naquela noite.

 

O empate entusiasmou o time do técnico Eriksson, que atacava a Alemanha principalmente com a agilidade de Owen e os passes de Beckham e obrigava Kahn a trabalhar. Mesmo assim, a Alemanha também oferecia perigo com mais posse de bola e investidas pelas laterais, principalmente pelo lado direito do campo. Em um desses ataques, aos 22’, Oliver Neuville escapou da marcação de Sol Campbell e cruzou para Deisler, totalmente livre, chutar para fora. Que erro bisonho! Gerd Müller certamente faria um gol daquele…

Deisler perdeu um gol feito!

 

A Inglaterra tentou responder dois minutos depois, quando Beckham deu um passe de 50 metros para Owen, que ganhou dos marcadores, mas chutou à direita do gol de Kahn, em lance de bastante perigo. Aos 29’, em um tiro livre indireto dentro da área cobrado por Beckham, a bola acabou explodindo em Marko Rehmer. Os ingleses controlavam o jogo àquela altura e tinham as melhores chances, enquanto a Alemanha apostava mais na correria e em investidas sem grandes riscos ao goleiro Seaman. Só a partir dos 37’ que os donos da casa voltaram a atacar de maneira mais incisiva, com escanteios para a área e um chute de voleio de Oliver Neuville, aos 41’, que passou perto do gol. Aos 45’, após passar mais de um minuto trocando passes em busca de uma brecha na retaguarda inglesa, a Alemanha perdeu a bola, recuperou e um chute rasteiro de Böhme foi muito bem defendido por Seaman.

Os times em campo: com muito mais talentos individuais e Owen no auge, a Inglaterra destroçou a rival sem dó nem piedade.

 

Já nos acréscimos assinalados pelo carequinha Pierluigi Collina, Beckham foi derrubado na lateral e a Inglaterra ganhou falta. O meia cobrou baixo, a zaga tirou e a bola voltou para o capitão, que cruzou de perna esquerda para a entrada da área e Rio Ferdinand escorou de cabeça para trás, esperando que alguém pudesse vir e chutar. Esse alguém era Steven Gerrard, que ajeitou e mandou a bomba para marcar seu primeiro gol com a camisa da Inglaterra. E um golaço!!! Kahn até foi na bola, mas sem chance alguma do grandalhão defender! Virada inglesa em Munique! E nos acréscimos!

Assim como no primeiro gol, a virada inglesa nasceu em uma jogada pela lateral.

 

Gerrard marcou um golaço e correu pro abraço! Foto: PA.

 

Parecia mesmo que a sorte estava mudando de lado. Ao apito do árbitro, as equipes foram para os vestiários em total discrepância. Os alemães, tensos. Os ingleses, sorridentes, em êxtase e com aquela vontade de apenas trocar de camisa e começar logo a segunda etapa. Era um clima de euforia tremenda, visível. Aquela era, de fato, a noite deles…

 

Segundo tempo – The 5evenge!!!

Alemães não escondem a perplexidade: tudo foi para o espaço no segundo tempo. Foto: Getty Images.

 

Precisando ir ao ataque, o técnico Rudi Völler sacou o zagueiro Wörns e colocou Gerald Asamoah no meio de campo, saindo do habitual 3-5-2. A Inglaterra manteve o time e a vontade de liquidar de vez aquele jogo e o fantasma que a assombrava há décadas. Logo aos 3’, a zaga alemã bobeou, Beckham recuperou a bola no campo de ataque pela direita e cruzou para a grande área. Heskey ajeitou de cabeça para Owen, que apareceu totalmente livre de marcação e bateu de primeira para fazer o terceiro. A vitória estava cada vez mais perto! Mas a guarda jamais poderia ser baixada, afinal, do outro lado estava a Alemanha, jogando em casa e adepta de grande viradas, ainda mais com dois gols atrás no placar – a própria Inglaterra já havia provado do veneno na fatídica eliminação na Copa de 1970 para os germânicos.

O jogo pegou fogo e ficou ainda mais intenso, com toques rápidos, marcação acirrada, a Alemanha tentando o ataque e a Inglaterra buscando lances em profundidade e explorando as brechas na marcação. Entre os 10’ e 15’, a Alemanha foi toda ataque e tentou diminuir em jogadas de escanteio e lançamentos para a área, mas a zaga inglesa estava muito bem postada e ganhava até o apoio dos meias, que recuavam para ajudar na marcação. Os donos da casa desperdiçaram uma grande chance aos 12’, quando Deisler cruzou da direita, Jancker ajeitou de cabeça para trás (em jogada parecida com a do terceiro gol inglês) e Ballack, de primeira, mandou a bola lá na Marienplatz…

Foto: Ben Radford / ALLSPORT.

 

Aos 20’, o técnico Eriksson decidiu mexer pela primeira vez no time e colocou o meio-campista Steve McManaman no lugar de Barmby, para dar mais mobilidade pelo lado esquerdo. Um minuto depois, Jancker se antecipou ao zagueiro Ferdinand em um cobrança de falta longa, cabeceou, mas a bola passou à esquerda da trave de Seaman. Já havia passado da hora de a Alemanha diminuir. E quem não faz, leva. Logo na sequência, Seaman cobrou o tiro de meta, Gerrard cabeceou para frente, Owen não conseguiu dominar e a Alemanha saiu jogando. Ballack recebeu no meio e Gerrard foi no combate. O craque roubou a bola da estrela do time alemão e imediatamente tocou para seu companheiro Owen, que saiu em disparada em contra-ataque fulminante e fuzilou o goleiro Oliver Kahn para marcar o quarto da Inglaterra e completar seu hat-trick – vale lembrar que desde Geoff Hurst na final da Copa de 1966 que um jogador atuando pela Inglaterra não marcava três gols na Alemanha: 4 a 1. Um gol totalmente red, afinal, a jogada foi construída pelos principais talentos do Liverpool daquela virada do milênio! Já era goleada em Munique!

Owen e Gerrard vibram: virou passeio!

 

O técnico Rudi Völler sacou Ballack do jogo e colocou um atacante para tentar algo: um tal de Miroslav Klose, que disputava apenas sua sexta partida com a camisa da Alemanha e que começava a despontar pela seleção exatamente naquele ano de 2001. Mas a noite não era dele. Nem de sua equipe. A Inglaterra ficou um pouco mais fechada após o quarto gol e parecia satisfeita com aquela goleada. Mas, se desse, por que não aumentar a conta? Poucos minutos depois, Beckham engatilhou um contra-ataque com Scholes, o meio-campista avançou em direção ao ataque em velocidade, dois contra dois, e tocou na esquerda para Heskey, livre, fazer o quinto: 5 a 1. Na comemoração, ele simulou uma tacada de golfe, de fato uma hole in one! E outro gol de um jogador do Liverpool. Era o red hat-trick Owen-Gerrard-Heskey.

Heskey fechou a conta!

 

Não poderia haver placar mais emblemático. Um gol para cada derrota. Um por 1970. Um por 1972. Um por 1990. Um por 1996. E um por 2000. 5 a 1. Aos poucos, dezenas de torcedores alemães começaram a deixar o estádio Olímpico de Munique em total desolação. Por outro lado, a torcida inglesa era só festa com cânticos e um alívio tremendo pelo fim de uma era de decepções que era devidamente enterrada naquela noite.

Nos minutos seguintes, Eriksson deu descanso a alguns de seus craques. Gerrard deixou o gramado para a entrada de Hargreaves, enquanto Scholes deu lugar ao zagueiro Carragher. A partida ficou morna, com os ingleses apenas tocando a bola e os alemães totalmente destroçados, sem vontade alguma. Ao apito do italiano Pierluigi Collina, estava sacramentado o fim do jejum inglês diante do rival alemão. E uma goleada para a história do futebol com números marcantes:

 

  • Foi a primeira vez que a Alemanha concedeu cinco gols ou mais desde a derrota de 6 a 3 para a França na Copa do Mundo de 1958;
  • Foi apenas a 3ª vez na história que a Alemanha perdeu por cinco gols ou mais em uma partida oficial;
  • Foi a maior derrota em toda a história da Alemanha jogando em casa por uma competição oficial;
  • Foi a maior derrota da Alemanha jogando em casa desde os 6 a 0 sofridos para a Áustria em 24 de maio de 1931;
  • Foi a segunda vez na história que a Inglaterra venceu a Alemanha por 5 a 1 jogando em solo germânico. A primeira aconteceu em 20 de abril de 1908, mas foi um time de amadores e o primeiro jogo em casa da história da seleção alemã de futebol;
  • Foi apenas a 2ª derrota da Alemanha na história das Eliminatórias para a Copa do Mundo.
Foto: Ross Kinnaird / Getty Images.

 

A repercussão da goleada, claro, foi enorme, chegando ao ponto de duas músicas serem compostas por causa daquela partida. A primeira foi da banda inglesa The Business, que criou a “England 5 – Germany 1”, enaltecendo “Michael Owen, o número 1” e que “Beckenbauer e Völler pensavam que já tinham visto de tudo”. A outra foi “Sven, Sven, Sven”, da dupla Bell & Spurling, destacando principalmente o técnico Sven-Göran Eriksson, que foi parar na estratosfera em termos de popularidade após a goleada – na Suécia, terra do treinador, o jogo teve mais audiência do que o da própria seleção sueca no mesmo dia (!), e, na Inglaterra, 9 mil camisetas com a estampa “Germany 1 England 5” foram feitas pela Marks & Spencer e vendidas no mesmo dia.

A goleada deixou sequelas também em quem assistiu ao jogo. Logo após a partida, o técnico alemão Rudi Völler teve que deixar o estádio às pressas ao saber que seu pai havia sofrido um ataque cardíaco por causa da partida (!) – felizmente ele se recuperou. Paul Breitner, um dos maiores jogadores alemães de todos os tempos, comentou que aquela derrota foi “o maior escândalo da história da seleção alemã”. O goleiro Oliver Kahn, que teve o desprazer de buscar a bola no fundo do gol cinco vezes naquela noite, disse que o resultado foi “catastrófico” e que “o impacto daquilo é como chamamos de Super-GAU, uma explosão nuclear”. Ele ainda complementou: “não existe vergonha em perder para a Inglaterra, mas sim quando você perde de cinco. Após o primeiro gol, nós não conseguimos suportar a pressão deles. Mostramos muita indecisão e não conseguimos pará-los. Não paramos Owen. E ele foi tão calmo e clínico.”

Por outro lado, os jogadores ingleses pareciam não acreditar. Nick Barmby disse: “por um momento, sentamos e nos perguntamos: ‘isso realmente aconteceu? Nós vencemos a Alemanha por 5 a 1 na casa deles?’ Honestamente, foi surreal”. Como não poderia deixar de ser, Michael Owen foi a estrela da noite e fez questão de ficar com a bola do jogo, sem desgrudar dela por nenhum momento. Ele comentou ao The Guardian (UK), em setembro de 2016, sobre o jogo:

 

“Joguei três ou quatro partidas em minha carreira quando absolutamente tudo deu certo, todos tinham confiança e marcamos em todas as chances que tínhamos. Este foi um deles. Nós nos sentimos fantásticos. Aquele jogo foi uma daquelas aberrações em que tudo que tocamos virou ouro”.

 

De fato, Munique foi palco de alquimistas naquela noite. Alquimistas ingleses que transformaram decepções, derrotas, medo e todos os tropeços que insistiam em perseguir o English Team desde 1970 quando via a Nationalelf em gols. Em alegria. Em euforia. Em história. Em um jogo para a eternidade.

 

Pós-jogo: o que aconteceu depois?

Alemanha: o abalo sísmico daquele revés fez o time de Völler apenas empatar sem gols com a Finlândia no último jogo da fase de grupos, resultado que igualou a equipe à Inglaterra em pontos, mas obrigou os alemães a disputarem a famigerada repescagem contra a Ucrânia, em novembro, justamente o que a federação não queria e que todos achavam que não ia acontecer. Os alemães empataram em 1 a 1 com os ucranianos fora de casa, venceram por 4 a 1 em casa e conseguiram a vaga na Copa. Nela, sem brilho e baseada nas defesas de Kahn, a equipe avançou até a final, mas perdeu para o Brasil de Ronaldo, Rivaldo e companhia.

Em 2007, a Alemanha reencontrou a Inglaterra em um amistoso disputado no novo Wembley e venceu por 2 a 1. Um ano depois, outro amistoso, dessa vez no Estádio Olímpico de Berlim, e o troco inglês: 2 a 1. A desforra alemã só aconteceu em 2010, nas oitavas de final da Copa do Mundo, com uma vitória por 4 a 1 que também teve um gosto de vingança não só pelo revés de 2001, mas também por um polêmico acerto de contas relacionado ao jogo de 1966.

O troco alemão veio em 2010.


Inglaterra: embalada, a equipe inglesa venceu a Albânia por 2 a 0 quatro dias após o triunfo sobre a rival e empatou em 2 a 2 com a Grécia o último jogo do grupo, chegando aos mesmos 17 pontos da Alemanha, mas na frente por causa do saldo de gols – totalmente providencial! A vaga para a Copa do Mundo de 2002 veio sem repescagem e o English Team desembarcou no Oriente como um dos favoritos. Após superar a fase de grupos e as oitavas, a equipe teve um duelo eletrizante contra o Brasil e abriu o placar com Michael Owen.

Mas aquele dia era dia de Ronaldinho, que fez a jogada do gol de empate, anotado por Rivaldo, e marcou um gol antológico de falta para classificar o Brasil às semis. Sven-Göran Eriksson não conseguiu fazer jus à sua fama e música naquele dia. Ele ainda teve duas chances de título com aquela brilhante geração de futebolistas, mas sucumbiu tanto nas quartas de final da Eurocopa de 2004 quanto nas quartas de final da Copa de 2006 para Portugal de Felipão, o mesmo que era técnico do Brasil na Copa de 2002. Eriksson deixou a Inglaterra naquele mesmo ano de 2006. E todos os craques da década de 2000 não conseguiram dar ao English Team uma taça. Pelo menos deixaram um jogo eterno para a memória de todos os amantes do futebol.

Extra:

Veja os gols.

 

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Comentários encerrados

2 Comentários

  1. A Inglaterra de Southgate fez também história este ano com o 2-0. Não foi um resultado tão expressivo, mas a vitória foi-o, ainda por cima numa grande competição e numa fase a eliminar. Ao mesmo tempo parece “castigo” para a Alemanha, pela injustiça no não registo de um dos golos da Inglaterra no 4-1 do Mundial de 2010…

  2. Pois é. A Alemanha que humilhou o Brasil fora de casa foi humilhada jogando na sua casa em 2001. Não foi de 7 a 1, mas quase. E só não foi porque a Inglaterra não quis, pois tanto a Inglaterra tinha time para fazer mais, como a Alemanha tinha um time tão ruim que era “capaz” de levar mais gols.

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