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Jogos Eternos – EUA 5×2 Japão 2015

Foto: Reuters.
Foto: Reuters.

 

Data: 05 de julho de 2015

O que estava em jogo: o título da Copa do Mundo Feminina da FIFA de 2015.

Local: Estádio BC Place, Vancouver, Canadá.

Juíza: Kateryna Monzul (UCR)

Público: 53.341 pessoas

Os Times:

EUA: Hope Solo; Ali Krieger, Julie Johnston, Becky Sauerbrunn e Meghan Klingenberg; Tobin Heath (Abby Wambach, aos 34’ do 2º T), Lauren Holiday, Morgan Brian e Megan Rapinoe (Kelley O’Hara, aos 16’ do 2º T); Alex Morgan (Christie Rampone, aos 41’ do 2º T) e Carli Lloyd. Técnica: Jill Elis.

Japão: Ayumi Kaihori; Saori Ariyoshi, Azusa Iwashimizu (Homare Sawa, aos 33’ do 1º T) , Saki Kumagai e Aya Sameshima; Nahomi Kawasumi (Yuika Sugasawa, aos 39’ do 1º T), Mizuho Sakagushi, Rumi Utsugi e Aya Miyama; Shinobu Ohno (Mana Iwabuchi, aos 15’ do 2º T) e Yuki Ogimi. Técnico: Norio Sasaki.

Placar: EUA 5×2 Japão (Gols: Carli Lloyd-EUA, aos 3’, 5’ e 16’, Lauren Holiday-EUA, aos 14’, e Ogimi-JAP, aos 27’ do 1º T; Julie Johnston-EUA, contra, aos 7’, e Tobin Heath-EUA, aos 9’ do 2º T).

 

 

“A Consagração das Rainhas do Futebol”

Por Guilherme Diniz

Havia um certo temor no ar. Desde 1999 que elas não venciam a principal competição do futebol mundial. Por mais que fossem absolutas nos Jogos Olímpicos (quatro Ouros em cinco disputados na época), o protagonismo no maior palco do esporte havia sido perdido. Será que nunca mais elas iriam ser as rainhas do mundo? Em 2003, viram a Alemanha levantar a taça. Em 2007, outra vez as germânicas. E, em 2011, o Japão, justamente contra elas. O que será que estava acontecendo? Bem, era um daqueles ocasos do futebol, que atinge grandes equipes vez ou outra. Até que chegou uma nova oportunidade naquele espetacular e ensolarado 05 de julho de 2015, um dia depois da Independência do país delas. De novo, as japonesas pela frente. As nipônicas não eram mais zebras como quatro anos antes. Eram imponentes. Com o emblema de campeãs do mundo no peito, já tinham uma camisa pesada. Mas as Stars queriam a revanche. O topo. A retomada do status. E, em apenas 16 minutos, exatamente um minuto para cada ano do jejum de 16 anos sem títulos, elas protagonizaram a maior avalanche de gols da história em uma final de Copa, seja entre homens, seja entre mulheres. Quatro gols. Três deles de uma só jogadora.

A mesma que, lá em 2011, perdeu um pênalti que contribuiu para o doloroso vice. A capitã da volta por cima. A primeira dona de um hat-trick em uma final de Copa feminina. Mas uma final de Copa tem (pelo menos) 90 minutos. E o Japão ainda marcou dois gols. Será que vinha empate? De jeito nenhum. As mulheres vestidas de branco fizeram o quinto gol apenas dois minutos após o segundo das japonesas. E o placar de 5 a 2 fechou a conta da mais alucinante final da história dos Mundiais femininos. Sete gols. Um golaço épico. Recordes quebrados. E a volta ao topo daquelas que sempre foram soberanas no futebol. Que, desde os primórdios, mostraram que entendiam muito, mas muito do soccer. As mulheres dos EUA eram tricampeãs do mundo. As primeiras três estrelas. Campeãs depois de 16 anos de jejum. Depois de tantos anos de decepções em Mundiais. De contestações. Foi a resposta em campo de que elas ainda eram, sim, as Rainhas do Futebol. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Festa japonesa em 2011: título histórico das asiáticas.

 

Assim como em 2011, a final da Copa do Mundo Feminina da FIFA de 2015 seria entre EUA e Japão. Mas, diferente do primeiro encontro, o cenário era bem diferente de quatro anos atrás. No torneio disputado na Alemanha, as japonesas foram a grande sensação e chegaram na condição de surpresa diante das favoritas estadunidenses, tricampeãs olímpicas e embaladas após a grande reação contra o Brasil de Marta, nas quartas de final, e com a vitória sobre a França por 3 a 1 na semifinal. Mas, na decisão, mesmo com a imensa pressão imposta desde o primeiro tempo, as Stars empataram em 1 a 1 no tempo normal e também em 1 a 1 na prorrogação, resultados que levaram a final para os pênaltis.

Na marca da cal, deu Japão (3 a 1) e o título ficou com as nipônicas pela primeira vez na história. Um ano depois, EUA e Japão voltaram a se encontrar em uma final, na disputa pelo Ouro nos Jogos Olímpicos de Londres. Aquele novo duelo provava que o Japão já era, sim, uma força no futebol feminino mundial. Mas, como uma espécie de primeira revanche, as estadunidenses venceram por 2 a 1, com dois gols de Carli Lloyd, e faturaram o quarto Ouro Olímpico de sua história.

Mesmo com a soberania nas Olimpíadas, o jejum de títulos na Copa do Mundo causava questionamentos. Tão dominante nos anos 1990, a equipe havia perdido o protagonismo na virada do século para a Alemanha – bicampeã mundial em 2003 e 2007 e absoluta na Eurocopa – e, claro, para o Japão, em 2011. Com a base dos anos anteriores mantida, a equipe tratou a disputa do Mundial de 2015 como obrigação, e, jogando do lado de casa, viu uma oportunidade imensa de vencer a competição pelo fato de sua fanática torcida comparecer em peso nos jogos disputados em solo canadense.

As Stars, de Carli Lloyd (capitã, ao centro), chegaram na final de 2015 jogando o ótimo futebol de sempre.

 

Com o quarteto Lloyd, Wambach, Rapinoe e Morgan, além de uma sólida defesa na qual se destacavam a goleira Hope Solo e as defensoras Sauerbrunn, Johnston, Klingenberg e Krieger, as Stars eram favoritas e provaram tal condição na primeira fase, com duas vitórias e um empate. No mata-mata (o primeiro com fase de oitavas de final da história dos Mundiais), a equipe despachou Colômbia (2 a 0), China (1 a 0) e Alemanha (2 a 0) sem levar gols, completando cinco partidas seguidas com a goleira Solo invicta embaixo de sua meta.

A goleira Hope Solo, uma das destaques da Copa. Foto: Getty Images.

 

Do outro lado, as japonesas mostravam ainda mais regularidade com 100% de aproveitamento: três vitórias na primeira fase e outras três na segunda, vencendo Holanda (2 a 1), Austrália (1 a 0) e Inglaterra (2 a 1). A lateral Ariyoshi e as meio-campistas Sakagushi, Utsugi e Miyama eram as principais destaques do time, que compensava a baixa estatura com jogadas em velocidade, toques rápidos e tabelinhas, sempre orquestradas pela craque Miyama. Homare Sawa, veterana e líder do time campeão em 2011, não era titular e entrava apenas no decorrer dos jogos por vir de recente lesão.

A chegada da taça no dia da final. Foto: Getty Images.

 

Com casa cheia em um lindo dia de sol, o estádio BC Place, em Vancouver, estava pronto para um jogo cercado de expectativas. O Japão queria o bicampeonato consecutivo para igualar a façanha da Alemanha. De quebra, o técnico Norio Sasaki, campeão em 2011, poderia ser o primeiro treinador desde o lendário italiano Vittorio Pozzo a vencer duas Copas do Mundo seguidas, englobando tanto competições femininas quanto masculinas. Do lado estadunidense, a equipe queria não só encerrar o jejum como também se tornar a primeira seleção tricampeã mundial. Com todos esses ingredientes, tudo poderia acontecer naquela decisão. Tudo mesmo.

 

Primeiro tempo – O atropelamento

Carli Lloyd, a capitã que destroçou o Japão naquele dia 05 de julho.

 

Com apenas dois minutos de jogo, a seleção dos EUA já mostrou suas primeiras cartas na mesa. Em escanteio rasteiro cobrado por Rapinoe, Lloyd apareceu no meio da área se antecipando à marcação japonesa, chutou praticamente da marca do pênalti e fez o primeiro gol do jogo, o mais rápido da história em uma final de Copa. Não havia melhor início para as Stars. Energéticas, as estadunidenses mostravam um apetite voraz. Dois minutos depois, Tobin Heath disparou pela ponta direita e foi derrubada bem perto da área. Falta. Na cobrança, Holiday poderia mandar uma bola alta na grande área para explorar a baixa estatura das rivais.

Mas aquilo seria uma jogada manjada. Por que não arriscar mais uma vez por baixo, a exemplo do lance do primeiro gol? Pois foi isso que ela fez. A camisa 12 chutou rasteiro, Johnston tocou de letra, a bola passou por todo mundo e sobrou para Lloyd, artilheira iluminada, fazer mais um: 2 a 0. As japonesas simplesmente não sabiam o que estava acontecendo. Estavam desnorteadas. Perplexo, Norio Sasaki tentava encontrar uma reação rápida, alguma tática para colocar sua equipe de novo no jogo.

Com muitos espaços e falhas de marcação, a equipe japonesa estava perdidinha. E a dos EUA, ligada no 220v. Após algumas tentativas em cruzamentos sem pontaria, o Japão viu a rival voltar a atacar. E, aos 14’, Iwashimizu afastou pessimamente uma bola alçada na área japonesa e viu a redonda sobrar para Holiday. Sem deixar a bola cair, a camisa 12 emendou um chutaço e marcou um belo gol, plástico, sem chances para a goleira: 3 a 0. “Virou passeio”, diria Galvão Bueno. E era mesmo.

O Japão deu a saída, trocou alguns tímidos passes e, aos 16’, cedeu um novo contra-ataque para as estadunidenses. Com a bola, Carli Lloyd, a capitã, artilheira e carrasca das japonesas. Ela percebeu a goleira Kaihori adiantada, e, sem hesitar, disparou um petardo do meio de campo. A bola viajou, viajou e foi parar no fundo do gol. Épico. Incrível. Sublime. Estonteante. Adjetivos não eram suficientes para descrever aquele lance. E em plena final de Copa do Mundo. Algo tentado por vários, inclusive por Pelé na Copa de 1970, mas jamais alcançado. Lloyd provava que um gol daqueles era possível. Foi o quarto. E o terceiro da camisa 10, que igualava o feito do inglês Geoff Hurst no Mundial masculino de 1966 e se tornava a primeira mulher a marcar três gols em uma final de Copa e a primeira a conseguir a proeza tanto em finais masculinas quanto em femininas em 49 anos.

Chute do meio de campo de Lloyd vai parar no fundo do gol japonês: histórico! Foto: Getty Images.

 

Como uma heroína, Lloyd completa seu hat-trick! Foto: AP.

 

A goleada de 4 a 0 parecia consumar o título da equipe dos EUA. O absolutismo da seleção americana naqueles minutos era algo impressionante. Jogavam como donas da bola. Como imponentes vencedoras. Certas do troco daquele ainda não digerido revés de 2011. Aos 17’, Lloyd recebeu cruzamento da esquerda de Klingenberg, cabeceou e por muito pouco não fez o quinto. Só aos 22’ que o Japão tentou um chute de fora da área com Sakaguchi, mas Hope Solo fez a defesa sem problemas. Dois minutos depois, Alex Morgan respondeu para os EUA ao invadir a área, driblar duas marcadoras e chutar, mas a goleira Kaihori conseguiu defender.

Aos 27’, enfim, um respiro para as nipônicas. Ogimi recebeu dentro da área, girou e chutou de perna esquerda para marcar o primeiro gol japonês e encerrar a invencibilidade de cinco partidas da goleira Hope Solo: 4 a 1. Foi o suficiente para inflar as asiáticas, que partiram pra cima e tentaram diminuir, aos 29’, em chute de Miyama após confusão na área estadunidense. Minutos depois, o técnico Sasaki colocou a veterana Sawa no lugar da zagueira Iwashimizu, que chorou no banco de reservas por causa do erro no terceiro gol, e, claro, por sair tão cedo da equipe.

Aos 38’, nova mudança no Japão, mas a equipe não conseguia ameaçar as rivais de maneira objetiva. Nos minutos finais da primeira etapa, os EUA assumiram o controle do jogo e esfriaram os ânimos das rivais. Ao apito final, o placar de 4 a 1 era mais do que confortável para as Stars. E a equipe japonesa não dava nem um pouco de esperança que poderia reverter aquele resultado.

 

Segundo tempo – Do susto à consagração

Pensar em uma virada japonesa naquele segundo tempo era um grande devaneio. Por mais que o futebol seja imprevisível, a experiência das norte-americanas e o foco em não repetir os erros do passado contribuía para uma etapa mais previsível. E, nos primeiros minutos, foi a equipe dos EUA quem tomou conta do jogo e quase aumentou o placar em chute de Brian, aos 4’. Mas, dois minutos depois, após cobrança de falta, a defensora Johnston desviou contra o próprio gol e ajudou o Japão a diminuir a desvantagem no placar para 4 a 2. Só que as estadunidenses não deram tempo algum para as japonesas assustarem de novo. No lance seguinte, Holiday cobrou escanteio, Kaihori não segurou, Brian cruzou e Heath, livre dentro da área, mandou pro fundo do gol: 5 a 2.

Alex Morgan jogou muito na final. Só faltou o gol. Foto: Ronald Martinez/Getty Images.

 

Com a mesma diferença de gols do primeiro tempo, as Stars ficaram mais tranquilas. E puderam até mudar algumas peças. Rapinoe, aplaudidíssima, deixou o campo para a entrada de O’Hara. E, aos 33’, Wambach entrou para a saída de Heath. A lendária goleadora foi ovacionada e ganhou a braçadeira de capitã de Carli Lloyd. Enquanto isso, o Japão tentava de várias maneiras mais um gol, mas Hope Solo defendia com segurança as bolas que iam em sua direção e se beneficiava, também, da falta de pontaria das rivais. As respostas mais incisivas das americanas vinham dos pés de Alex Morgan, muito habilidosa e que merecia pelo menos um golzinho por tudo o que fez naquele jogo. Faltando quatro minutos para o fim, a atacante acabou substituída para a entrada da veterana Rampone, de 40 anos.

A artilheira Wambach (à dir.) entrou só para levantar a taça. Foto: Reuters.

 

Após mais alguns minutos, a árbitra Kateryna Monzul apitou o final do jogo e ficou consumada a mais eletrizante final da história das Copas femininas. Embora os números finais do jogo tenham sido de certo equilíbrio – 15 chutes a gol dos EUA e 12 do Japão, além de 52% de posse de bola das japonesas contra 48% das estadunidenses – o placar de 5 a 2 refletiu a eficiência da equipe norte-americana, que soube aproveitar com enorme eficácia as chances que teve, além de não perdoar os erros defensivos e espaços deixados pelas asiáticas. Mas foi, acima de tudo, um placar justo para a seleção que jogou o melhor futebol da Copa. Para a primeira tricampeã mundial da história dos Mundiais.

Festa das tricampeãs! Foto: Getty Images.

 

Carli Lloyd, com seus três gols, escreveu para sempre seu nome na história dos Mundiais e ficou marcada como uma das maiores carrascas das japonesas, com dois gols na final Olímpica de 2012 e três na final da Copa de 2015. Na hora de levantar a taça, Wambach, uma das mais simbólicas jogadoras daquela geração, fez questão de erguer o troféu junto com Rampone, remanescente do título lá de 16 anos atrás, em uma cena que mostrava que o passado inspira o presente e também o futuro das Stars, as eternas Rainhas do Futebol.

 

Pós-jogo: o que aconteceu depois?

EUA: um ano depois do tricampeonato, as estadunidenses viajaram até o Brasil para a disputa dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Favoritas, as Stars se classificaram em primeiro lugar na fase de grupos e avançaram até as quartas de final graças aos gols e grandes jogadas de Alex Morgan, em grande fase. No entanto, após empate em 1 a 1 no tempo normal, a equipe acabou sucumbindo nos pênaltis diante da Suécia, que venceu por 4 a 3 em duelo disputado no estádio Mané Garrincha, em Brasília, resultado que quebrou a hegemonia de três títulos seguidos das americanas em Olimpíadas. A Suécia foi até a final, mas perdeu para a Alemanha.

Perfil do Twitter da seleção americana fez uma bela arte em comemoração do título de 2015 na época.

 

Japão: o vice-campeonato da seleção nipônica representou o fim de uma era. A equipe não conseguiu se classificar para as Olimpíadas de 2016, trocou de técnico e passou por uma reformulação. Com tais mudanças, as japonesas venceram, em 2018, a Copa da Ásia, ao bater a Austrália na final por 1 a 0, e faturaram o Ouro nos Jogos Asiáticos com vitória por 1 a 0 sobre a China. Em 2019, as nipônicas disputam mais uma Copa do Mundo com novas chances de título, embora um possível duelo contra as estadunidenses cause calafrios e más recordações. Desde os revezes de 2012 e 2015, as japonesas toparam com as Stars outras cinco vezes. E não ganharam nenhuma. Em 2016, empate em 3 a 3 e derrota por 2 a 0. Em 2017, derrota por 3 a 0. Em 2018, derrota por 4 a 2. E, em 2019, empate em 2 a 2.

 

Conheça a história da Copa do Mundo Feminina clicando aqui!

 

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