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Jogos Eternos – Manchester United 2×1 Bayern München 1999

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Data: 26 de maio de 1999

O que estava em jogo: A taça da Liga dos Campeões da UEFA de 1998-1999

Local: Estádio Camp Nou, Barcelona, Espanha.

Juiz: Pierluigi Collina (ITA)

Público: 90.245

Os times:

Manchester United FC-ING: Schmeichel; Gary Neville, Johnsen, Stam e Irwin; Ryan Giggs, Beckham, Butt e Blomqvist (Sheringham); Yorke e Cole (Solskjaer). Técnico: Sir Alex Ferguson.

FC Bayern München-ALE: Kahn; Linke, Matthäus (Fink) e Kuffour; Babbel, Jeremies, Effenberg e Tarnat; Basler (Salihamidzic), Jancker e Zickler (Scholl). Técnico: Ottmar Hitzfeld.

Placar: Manchester United 2×1 Bayern München (Gols: Basler-BAY aos 6´do 1ºT; Sheringham-MAN aos 46´e Solskjaer-MAN aos 48´do 2º T).

“Três minutos de acréscimo. Dois gols. E um título surreal.”

Por Guilherme Diniz

Apenas os alemães festejavam àquela altura da final da Liga dos Campeões da UEFA de 1999. Eram 45 minutos do segundo tempo e o placar no Camp Nou marcava 1 a 0 para o Bayern München, que conquistava a Europa pela quarta vez e acabava com o sonho do Manchester United de celebrar o bi. O árbitro carequinha Pierluigi Collina, neutro diante daquele clima de festa alemã na Espanha, apontava três minutos de acréscimo, como de praxe em uma final de campeonato. Ninguém deu bola para o gesto do italiano. Mas os jogadores do United parecem ter levado um estalo, ouvido uma voz do além que dizia “joguem como nunca e acreditem na vitória”. Os segundos foram passando, o United chegando perto da área alemã e um zagueiro cortou para escanteio. Eram 46´. O goleiro Peter Schmeichel, com mais de 1,90m de altura, foi até a área de Kahn para tentar a sorte no provável último lance de perigo do jogo. Beckham cobrou, a bola foi pessimamente afastada pelo Bayern e sobrou meio sem querer para Sheringham (que tinha entrado no segundo tempo) empatar: 1 a 1. A torcida inglesa entrou em delírio puro. Haveria prorrogação! Quem disse?

Mais alguns segundos se passaram, a zaga alemã, totalmente em pânico, evita outro ataque inglês jogando a bola para escanteio. A massa do United vê o filme do primeiro gol prestes a se repetir. Beckham outra vez na bola. Ela viaja, viaja e encontra o pé de Solskjaer (que também tinha entrado no segundo tempo…), que a coloca no fundo do gol alemão: 2 a 1. Em apenas três minutos, os exatos três minutos de acréscimo, o Manchester United conseguia o imponderável, o improvável, e vencia um jogo nitidamente perdido para celebrar um incrível bicampeonato continental. A vitória dos Diabos Vermelhos era a mais pura prova de que jamais uma partida pode ser considerada ganha antes do apito final do árbitro, além de mostrar o quanto é necessário ter força de vontade e concentração nos 90 minutos. E nos acréscimos também. É hora de relembrar a segunda mais fantástica decisão de Liga dos Campeões de todos os tempos (a primeira o Imortais já relembrou, basta clicar aqui).

 

Pré-jogo

A massa inglesa no Camp Nou.
A massa inglesa no Camp Nou.

 

Depois de eliminarem equipes como Juventus, Internazionale, Dynamo Kyiv e Kaiserlautern, Manchester United e Bayern chegaram à final da Liga dos Campeões da UEFA de 1998-1999 de maneira bem parecida: com desfalques importantíssimos. Do lado inglês, Scholes e Keane não podiam jogar por conta de suspensões ocorridas nas partidas anteriores e deixaram o técnico Alex Ferguson em apuros. No entanto, o “Sir” soube improvisar ao colocar Beckham como volante ao lado de Butt, e Giggs como um ponta pela direita, além de Blomqvist jogando mais aberto na esquerda.

No lado do Bayern, o lateral-esquerdo Lizarazu e o atacante brasileiro Élber estavam lesionados e eram desfalques para o técnico Ottmar Hitzfeld. Com isso, a equipe jogou com três homens de frente (Basler, Jancker e Zickler), além de um coeso e forte sistema defensivo composto por Linke, Kuffour e o craque Matthäus. Outro fato em comum nos dois times era a soberba força de seus goleiros: Schmeichel, do United, e Oliver Kahn, do Bayern, dificilmente levariam muitos gols naquela final do Camp Nou. Por isso, a certeza era de uma partida com poucos, mas decisivos gols.

Os times em campo: com vários desfalques, Manchester e Bayern tiveram que recorrer ao banco para entrarem bem na decisão. No papel e no jogo, os alemães foram melhores, mas pecaram nas conclusões e na pane defensiva já sem Matthäus no segundo tempo.
Os times em campo: com vários desfalques, Manchester e Bayern tiveram que recorrer ao banco para entrarem bem na decisão. No papel e no jogo, os alemães foram melhores, mas pecaram nas conclusões e na pane defensiva já sem Matthäus no segundo tempo.

 

A atmosfera do estádio no dia da final era a melhor possível. Naquele ano, o FC Barcelona completava 100 anos de vida e a UEFA escolhia a casa do clube catalão como palco da decisão do maior torneio de clubes do continente como homenagem. A torcida do United, pelo som e pelo entusiasmo, parecia em maior número no colosso de Barcelona, ainda mais pela chance de o time inglês conquistar um inédito e histórico Treble (Campeonato Inglês, Copa da Inglaterra e Liga dos Campeões). Outro fato curioso era que naquele dia 26 de maio era celebrado o 90º aniversário de nascimento do ex-técnico do United, Matt Busby, comandante do time campeão europeu em 1968. Por este e outros fatores, era explicável o entusiasmo da torcida. Mas o jogo seria um verdadeiro martírio para aqueles fanáticos ingleses.

 

Primeiro tempo – Bayern com a mão na taça

Kuffour celebra com Basler (camisa 14) o primeiro gol alemão.
Kuffour celebra com Basler (camisa 14) o primeiro gol alemão.

 

Desfalcados, os times começaram o jogo diferentes na tática e na maneira de jogar. O United perdia força na criação e no desarme com as ausências de Keane e Scholes, e o Bayern a sobriedade do setor esquerdo e a referência na grande área sem Lizarazu e Élber. Logo aos seis minutos, porém, tudo começou a conspirar a favor dos alemães. O zagueiro Johnsen derrubou Jancker perto da grande área. Na cobrança da falta, Basler aproveitou o vacilo da barreira e chutou forte, sem chances para Schmeichel: 1 a 0. A massa alemã comemorava como nunca. A do United ficava quieta, levando um duro golpe logo no começo do jogo. Ferguson tratou de colocar seu time à frente e o United dominou as ações, mas esbarrava na falta de criatividade e na dependência dos lampejos de Beckham.

O Bayern dava uma aula defensiva e esbanjava segurança com Linke, Kuffour e Matthäus, um veterano que parecia ficar melhor com o tempo. A partida foi ficando complicada para o United muito pelo fato de os alemães serem muito mais perigosos nos contra-ataques do que os ingleses com a bola no pé e jogando quase num 4-2-4. Com o apito do árbitro Pierluigi Collina, o primeiro tempo terminou e os alemães foram para os vestiários certos de que a quarta taça viria naquela noite.

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Segundo tempo – Três minutos de acréscimo…

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Ao invés de ser mais agressivo e tentar a todo custo o gol, o Manchester United começou o segundo tempo levando mais e mais contra golpes do Bayern, que arriscava de longe com os chutes perigosos de Basler e as investidas de Babbel, Effenberg, Jancker e Scholl, que chutou uma bola na trave que por muito pouco não matou a partida e o goleirão Schmeichel, que pegou no susto. Diante de tanta pressão, Alex Ferguson foi para o tudo ou nada perto dos 30 minutos ao colocar os atacantes Sheringham e Solskjaer, que mudariam completamente o destino da equipe no jogo.

A entrada da dupla foi crucial para dar mais movimentação ao ataque inglês e exigir algumas defesas do goleiro Kahn, que apenas assistia ao jogo. Solskjaer conseguiu acertar uma cabeçada perto dos 40 minutos, mas Kahn defendeu. O jogo encaminhava para o seu final e o presidente da UEFA na época, Lennart Johansson, deixou seu assento na tribuna do Camp Nou para se preparar para a cerimônia de premiação, colocando as tradicionais fitinhas coloridas nas alças da taça da Liga já com as cores do Bayern. Porém, enquanto o tal Johansson fazia a amarração, o árbitro Pierluigi Collina sinalizava mais três minutos de acréscimo… E nestes minutinhos que não dão tempo de praticamente nada no futebol, o United protagonizaria uma das maiores façanhas futebolísticas de todos os tempos.

Sheringham celebra o primeiro gol do United.
Sheringham celebra o primeiro gol do United…

 

O United avançou ao campo do Bayern com o cronometro já perto dos 46´quando o alemão Effenberg conseguiu cortar um cruzamento da esquerda e colocou a bola para fora. Escanteio. No entanto, aquilo era um erro crasso do jogador do Bayern, que preferiu fazer o mais fácil ao invés de dominar a bola e chutá-la para frente e ganhar mais alguns preciosos segundos. Beckham foi para a cobrança e o goleiro Peter Schmeichel se mandou para a área para tentar alguma coisa no meio de tanta gente. A bola foi lançada pelo camisa 7 do United com precisão cirúrgica, a zaga alemã conseguiu rebater bisonhamente, com um chute mascado que caiu nos pés de Ryan Giggs.

O craque do United chutou, mas a bola foi fraca, sem chances de entrar no gol. Era o fim? Não! A pelota encontrou Sheringham, um dos reservas que entraram no segundo tempo, que chutou meio sem querer em posição legal para empatar o jogo aos 46´: 1 a 1. O quase impossível acontecia! A final da Liga dos Campeões da UEFA teria mais 30 minutos com a prorrogação! Os alemães não acreditavam no que viam. Matthäus, substituído, era o retrato da incredulidade no banco de reservas. Era hora de fazer planos, arrumar táticas e encontrar pernas e fôlego para mais futebol.

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… E Solskjaer faz a festa com o gol do título.

 

No entanto, enquanto os técnicos esquematizavam essa situação em suas cabeças, o Bayern deu a saída, o United conseguiu a posse de bola segundos depois, e, pasme, a zaga alemã outra vez colocou a bola para escanteio. Pânico do lado alemão. Histeria pura na torcida inglesa. Beckham foi novamente para a bola. Ele cobrou de novo com perfeição, a redonda voou até a área, os zagueiros do Bayern não cortaram e a bola sobrou livre para Solskjaer (sim, outro reserva que havia entrado no segundo tempo) chutar no mais puro reflexo e marcar o gol da virada. Do título. Da glória. Aos 48´do segundo tempo, o exato último minuto da final da Liga dos Campeões da UEFA de 1998-1999. O Camp Nou quase veio abaixo. E a torcida do United parecia não acreditar no que acontecia naquele momento sublime e sobrenatural. Os jogadores do Bayern davam ainda mais dramaticidade e ares épicos a partida ao caírem esfacelados no gramado completamente desolados e sem condições alguma de qualquer coisa, nem ao menos dar o pontapé no meio de campo para o reinício do jogo.

Collina tenta consolar um jogador do Bayern.
Collina tenta consolar um jogador do Bayern.

 

O árbitro Pierluigi Collina era outra figura que fazia história a medida que se aproximava de cada um dos jogadores do time alemão pedindo que tentassem se recompor do baque, em uma cena memorável que mostra o quanto o esporte pode ser mágico, improvável e mexer com as emoções do ser humano. Lembra quando o presidente da UEFA havia descido até o gramado para se preparar para a entrega da taça aos alemães? Pois é, ele acabava de chegar ao gramado e via uma cena estranha levando-o a pensar “mas o que é isso? Os vencedores estão no chão, chorando, e os perdedores dançando?”. Demorou um pouco para “cair a ficha”, bem como trocar as cores das fitinhas que já estavam amarradas na “velhinha orelhuda” (como é conhecida a taça da Liga)…

Desolados, jogadores do Bayern não acreditavam no que tinha acabado de acontecer.
Desolados, jogadores do Bayern não acreditavam no que tinha acabado de acontecer.

 

Claro, o Bayern deu a saída, Collina esperou alguns segundos e apitou o final de um jogo eterno: Manchester United campeão europeu! Pela primeira vez, um time inglês conquistava o Treble, além de o United ser o primeiro clube desde o PSV-HOL de 1988 a celebrar os três maiores títulos para um clube europeu em uma só temporada. A conquista dos comandados de Ferguson entrou para a história como uma das mais emblemáticas e incríveis já protagonizadas no futebol mundial. Se para muitos o jogo em sua totalidade ficou abaixo do esperado, os últimos três minutos foram de arrebatar o coração de qualquer torcedor.

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Pós-jogo – o que aconteceu depois?

 

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Manchester United: a façanha do time inglês percorreu o mundo e fez aumentar ainda mais a fama dos craques de Ferguson, que encerrariam um ano mágico com a conquista do Mundial Interclubes de 1999 em cima do Palmeiras-BRA. Aquele time foi colocado no mais alto patamar de idolatria pelos torcedores, levantando até mesmo o debate se aquele Manchester era o melhor de todos os tempos (para a maioria, ele foi). A equipe inglesa seguiu fortíssima no cenário europeu e mundial, Ferguson ganhou o título de “Sir”, e o United ganhou mais uma taça europeia em 2008, contra o rival Chelsea, nos pênaltis. Em 2009 e 2011, a equipe vermelha disputou mais duas finais de Liga, mas foi derrotada em ambas pelo Barcelona, o mesmo que cedeu sua casa para o Manchester conquistar seu mais épico e emblemático título em todos os tempos.

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Bayern München: perder uma decisão nos minutos finais como perdeu o Bayern foi algo angustiante, terrível e que marcou para sempre o coração do torcedor. Lothar Matthäus viveu naquela noite o pior momento de sua carreira, pois viu escorrer de suas mãos a única taça de renome que ele ainda não tinha vencido – e que não venceu em sua gloriosa trajetória. Mas, ao contrário do que acontece em vários clubes do Brasil, a diretoria do Bayern manteve o elenco e o técnico Ottmar Hitzfeld e trabalhou para voltar a uma decisão, o que aconteceu já no ano de 2001. No caminho até a final, o Bayern reencontrou o Manchester United nas quartas de final e conseguiu a desforra com duas vitórias (1 a 0 fora de casa e 2 a 1 em casa).

Na decisão, o time alemão enfrentou o Valencia-ESP, empatou em 1 a 1 no tempo normal e venceu nos pênaltis por 5 a 4, com a presença dos jogadores que tanto fizeram falta em 1999 (Lizarazu e Élber) e vários remanescentes como Oliver Kahn, Kuffour, Linke, Effenberg, Scholl, Salihamidzic, Tarnat, Jancker e Zickler, que puderam viver a glória na Itália, terra do carequinha Collina e seus três minutos de acréscimo… Mas também do tricampeonato mundial da seleção alemã em 1990.

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Leia mais sobre o Manchester daquela época clicando aqui.

 

Leia mais sobre aquele grande Bayern clicando aqui.

 

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Comentários encerrados

8 Comentários

  1. Poderia dizer que nem Man Utd. nem o Bayern tinha que encantassem, definitivamente. Existia na Europa times melhores, o próprio Real Madrid de Redondo e companhia, mas esse dois fizeram uma final emocionante, pragmática, mas com um final incrível.

    • Esse time do Bayern foi um dos melhores que eles tiveram na liga dos campeões, era encaixadinho e preciso.Pena que erraram na hora crucial !
      O uniforme cinza também era lindo.

  2. Acho que a final entre Bayern e Chelsea em 2012 foi até mais dolorosa quanto essa. Primeiramente, foi na Allianz Arena. Segundo, o time alemão dominou; destruiu. O gol do Bayern foi aos 84′. O time bávaro teve mais de 10 escanteios. Os ingleses, um, e no que tiveram, quase nos acréscimos, foi bola na área, e gol de Didier Drogba. Posteriormente, Robben perderia um pênalti na prorrogação. Até pelo que isso representa para o Chelsea, que falhou infelizmente (e diria que injustamente) em 2005, 2007, 2008 e 2009, e com um time já velho, conseguiu finalmente se sagrar campeão europeu como todos esses aspectos, poderia ser um jogo eterno do site. Bom trabalho!

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